19.04.2013 Views

A Condessa Vésper - Unama

A Condessa Vésper - Unama

A Condessa Vésper - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

Ambrosina havia já criado, em torno dos seus cruéis sorrisos de amor, uma<br />

grande e rubra auréola de escândalos. Contavam dela fatos extraordinários de<br />

petulância e originalidade orgíaca, atribuíam-lhe no gênero todas as anedotas sem<br />

dono que vagavam pelo Rio de Janeiro, diziam com assombro os milhões que a<br />

<strong>Condessa</strong> desbaratara, as ruínas que a seus pés abrira, e as vítimas de amor que<br />

até aí fizera.<br />

Ali, dentre todas aquelas almas escravas dos sentidos e despojadas de<br />

ideal, era ela talvez a única verdadeiramente feliz. Sentia-se radiante no meio da sua<br />

corte de libertinos, cercada de olhares suplicantes e aduladores sorrisos, alvo de<br />

desejos, de elogios e de invejas.<br />

Em torno da sua mesa agitava-se a multidão curiosa e fascinada; as suas<br />

palavras eram acolhidas pelos companheiros de roda, como geniais preceitos, que<br />

enobrecem os primeiros ouvidos que os escutam. Ao seu lado, o Lopes Filho, o<br />

Rocha Coelho, o Reguinho e aquele célebre cogumelo Costa Mendonça, atentos e<br />

cerimoniosos, desfaziam-se em galantearias.<br />

A <strong>Condessa</strong> não obstante protestava que ia fugir para casa, porque estava<br />

domesticando um urso branco, que entraria na jaula à meia-noite.<br />

— Não se vá ainda... pedia labioso o deputado pela Bahia. Deixe isso para<br />

outra vez... Vamos cear ao Paris... o urso não fugirá!...<br />

Ela, porém, não atendeu, ergueu-se, fez um geral e gracioso cumprimento à<br />

roda, e saiu acompanhada de longe por um imenso grupo de táticos admiradores, e<br />

de perto por aqueles quatro embeiçados, que a conduziam até à carruagem,<br />

disputando entre si a suprema honra de lhe dar o braço..<br />

Ao entrar no carro, notou que da porta do teatro um rapaz, ainda muito moço<br />

lhe acompanhava os movimentos com um ar satírico e desdenhoso.<br />

Ambrosina fingiu não dar por isso, mas a impressão daquele olhar, tão<br />

contrária a de todos os outros que ela essa noite recebera, lhe ficou doendo por<br />

dentro como imperceptível espinho cravado no seu melindroso orgulho de mulher<br />

formosa. Um simples olhar, talvez involuntário, e vindo distraidamente de olhos<br />

desconhecidos, bastou para toldar com uma pontinha de fel o triunfante humor, em<br />

que a leviana palpitava de vaidade no efêmero predomínio das suas graças.<br />

Foi já nervosa que ela, ao chegar à casa, disse à criada, arremessando<br />

leque, luvas e chapéu:<br />

— Sirva-me um banho tépido com bastante vinagre de Lubin, e tire um<br />

peignoir daqueles que estão na caixa de seda cor-de-rosa; a ceia que lhe<br />

encomendei traga-a para a saleta da alcova, não precisa deixá-la à mostra, ponha-a<br />

sobre a mesa de charão por detrás do biombo dourado; depois feche as portas da<br />

sala de jantar, e pode recolher-se; se o John ainda estiver acordado, diga-lhe que<br />

também o dispenso; deixe a porta da rua aberta... Mas avie-se, que espero por<br />

alguém, e são horas!<br />

E daí a pouco, Ambrosina, mergulhando o mármore do seu corpo no<br />

cheiroso e opalino banho, murmurava sozinha:<br />

— Maldito sujeito que me olhou daquele modo! Desejo-lhe a morte! E Deus<br />

que me ouça!<br />

192

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!