A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br Ambrosina encostou-se ao ombro dele e, depois de soluçar dramaticamente, exclamou com uma voz apressada e cheia de choro: — Não é que o ame! não! Eu nunca amei Gabriel! Mas eu o queria ao pé de mim, pelo simples fato de ser ele o único que me tem verdadeiro amor! Não é pelo desejo de amar que o procuro, mas é pela necessidade de ser amada! — Ora! Há por aí muito homem que a ame loucamente!... — Por capricho, por fantasia, ou por vaidade... Eu sou hoje a mulher da moda e custo caro. Amor! Amor por amor, só conto com o Gabriel! — Em todo o caso, peço-lhe que o poupe... Suplico-lhe! Faça-me a vontade! É um velho, é um pobre pai, que lhe pede a felicidade de seu filho. Repare! tenho lágrimas nos olhos. Concordo com tudo que a senhora quiser, cumprirei as ordens que me der, contanto que me poupe o Gabriel! — E se eu, em troca, exigir-lhe uma cousa?... o senhor consentirá?... E Ambrosina sorriu, com os olhos ainda vermelhos de pranto. — O que é? — Uma cousa muito simples... respondeu a rapariga, tomando-lhe as mãos; quero... — O quê? — Tenho vexame... Não digo... — Fale, por quem é!... — E promete não ficar enfadado?... promete não ralhar comigo?... — Prometo, filha; mas vamos, dize o que queres... Ambrosina passou os braços em volta do pescoço de Gaspar, e disse-lhe baixinho ao ouvido, com a voz medrosa e doce: — Quero que me ame; que seja ao menos muito meu amigo, como noutro tempo... E, depois de espreitar através dos cílios a atitude do médico, recolheu os braços, fez um ar muito triste, e acrescentou com os olhos úmidos: — Se soubesse quanto sou infeliz... quanto sou desgraçada!... teria compaixão de mim! E depois de uma nova pausa: — Não disponho de alguém que me estima nesta vida!... todos os que se chegam para mim, trazem já a intenção artificiosa de iludir-me ou de desprezar-me! É por isso que eu disputava Gabriel com tamanho empenho, é porque, desse ao menos, tinha a certeza de que tudo aquilo que viesse seria sincero e generoso... Pobre rapaz! Talvez hoje no mundo seja o único que me vote algum amor... os mais odeiam-me!... Se é um homem me odeia porque não lhe posso pertencer exclusivamente, como um cavalo de raça; se é uma mulher, porque não pode admitir que eu seja mais formosa do que ela. Entretanto, preferia ser feia, e atravessar a existência, obscura e feliz, ao lado de um marido... Mas não sei que maldição terrível me acompanha, que veneno insanável me poreja da pele, para destruir e matar tudo 188

www.nead.unama.br em que toca meu desejo! Cada vez que firmo o pé, é uma chaga que abro no caminho! Quem me dera ser boa para todos... mas meus carinhos embriagam, como a pérfida manenilha, e meus lábios queimam, como um réptil venenoso! Desde a loucura de meu marido até à morte de Laura, é minha vida uma triste cadeia de decepções; tudo que aspirei, tudo que amei, tudo que constituiu para mim sonho, esperança, ilusão querida, foi pouco a pouco enregelando e fenecendo, como uma aldeia varrida pela peste. Já não me animo a ter uma vontade! Agora mesmo, de volta ao Rio, vinha pensando em minha mãe, ardia por abraçá-la, queria refugiar-me, de todas as misérias de minha vida, naquele coração singelo e bom; mal chego, porém, descubro que ela morava em um cortiço, escrevo-lhe várias vezes, pedindo, rogando, que me aparecesse; e ela nem sequer me respondeu! Diga, não será isto a última das desgraças? não será isto a última expressão do infortúnio?... E vem o senhor pedir-me ainda que lhe ceda o Gabriel! Peça-me tudo que quiser; leve-me os diamantes, os cavalos, os móveis, mas deixe-me esse coração que me resta; deixeme, por piedade, esse derradeiro amor! — Não! isso, não! respondeu Gaspar, sacudindo a cabeça. — Então, dê-me outro que o substitua; como já disse, não é que eu ame Gabriel, mas preciso ser amada por alguém... o senhor quer arrebatar-me a última afeição que me resta; pois bem! pode levá-la, mas há de deixar-me outra no lugar dela!... Houve uma grande pausa. Gaspar permanecia, imóvel e mudo, ao fundo do sofá. Um ligeiro sorriso de ceticismo encrespava-lhe os lábios frios. Ambrosina, afinal, tomou-lhe de novo as mãos: — Então, meu amigo, balbuciou ela; diga-me alguma cousa! Pois eu serei tão ruim, que lhe não mereça um bocadinho de afeio?!... — Se trata de uma simples afeição, uma afeição apenas, como ainda há pouco disse, de bons amigos de outro tempo, não porei dúvida alguma nisso... — Obrigada! obrigada! interrompeu Ambrosina com uma alegria de criança. — Ouve, minha filha! E o velho tomou paternalmente a linda moça pela cintura e fê-la assentar-se sobre seus joelhos. — Eu amo tanto aquele pobre Gabriel, que, se tu fosses capaz de ajudar-me a regenerá-lo, eu, por gratidão, por admiração da tua generosidade, nem só seria teu amigo, como teu pai agradecido, teu protetor e teu amparo moral. — Como és bom! disse ela, conchegando-se carinhosamente ao corpo de Gaspar. Como eu gosto de estar assim encostadinha a ti... Consola tanto ter a gente um peito como este para descansar a cabeça!... A E, toda arrepios de rola acariciada, acrescentou com voz úmida, suplicante, infantil, a bater de leve no peito de Gaspar: — Aqui não há vaidades, não há caprichos! tudo isto é verdadeiro e puro! Não é certo que tu me amas, como se eu fosse tua filhinha?... Dize, meu papá! Dize meu amor! Gaspar, a despeito de tudo, sentiu-se comovido. — Mas hás de esquecer-te por uma vez do Gabriel não é assim?... 189

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em que toca meu desejo! Cada vez que firmo o pé, é uma chaga que abro no<br />

caminho! Quem me dera ser boa para todos... mas meus carinhos embriagam, como<br />

a pérfida manenilha, e meus lábios queimam, como um réptil venenoso! Desde a<br />

loucura de meu marido até à morte de Laura, é minha vida uma triste cadeia de<br />

decepções; tudo que aspirei, tudo que amei, tudo que constituiu para mim sonho,<br />

esperança, ilusão querida, foi pouco a pouco enregelando e fenecendo, como uma<br />

aldeia varrida pela peste. Já não me animo a ter uma vontade! Agora mesmo, de<br />

volta ao Rio, vinha pensando em minha mãe, ardia por abraçá-la, queria refugiar-me,<br />

de todas as misérias de minha vida, naquele coração singelo e bom; mal chego,<br />

porém, descubro que ela morava em um cortiço, escrevo-lhe várias vezes, pedindo,<br />

rogando, que me aparecesse; e ela nem sequer me respondeu! Diga, não será isto a<br />

última das desgraças? não será isto a última expressão do infortúnio?... E vem o<br />

senhor pedir-me ainda que lhe ceda o Gabriel! Peça-me tudo que quiser; leve-me os<br />

diamantes, os cavalos, os móveis, mas deixe-me esse coração que me resta; deixeme,<br />

por piedade, esse derradeiro amor!<br />

— Não! isso, não! respondeu Gaspar, sacudindo a cabeça.<br />

— Então, dê-me outro que o substitua; como já disse, não é que eu ame<br />

Gabriel, mas preciso ser amada por alguém... o senhor quer arrebatar-me a última<br />

afeição que me resta; pois bem! pode levá-la, mas há de deixar-me outra no lugar<br />

dela!...<br />

Houve uma grande pausa. Gaspar permanecia, imóvel e mudo, ao fundo do<br />

sofá. Um ligeiro sorriso de ceticismo encrespava-lhe os lábios frios. Ambrosina,<br />

afinal, tomou-lhe de novo as mãos:<br />

— Então, meu amigo, balbuciou ela; diga-me alguma cousa! Pois eu serei<br />

tão ruim, que lhe não mereça um bocadinho de afeio?!...<br />

— Se trata de uma simples afeição, uma afeição apenas, como ainda há<br />

pouco disse, de bons amigos de outro tempo, não porei dúvida alguma nisso...<br />

— Obrigada! obrigada! interrompeu Ambrosina com uma alegria de criança.<br />

— Ouve, minha filha! E o velho tomou paternalmente a linda moça pela<br />

cintura e fê-la assentar-se sobre seus joelhos. — Eu amo tanto aquele pobre<br />

Gabriel, que, se tu fosses capaz de ajudar-me a regenerá-lo, eu, por gratidão, por<br />

admiração da tua generosidade, nem só seria teu amigo, como teu pai agradecido,<br />

teu protetor e teu amparo moral.<br />

— Como és bom! disse ela, conchegando-se carinhosamente ao corpo de<br />

Gaspar. Como eu gosto de estar assim encostadinha a ti... Consola tanto ter a gente<br />

um peito como este para descansar a cabeça!...<br />

A E, toda arrepios de rola acariciada, acrescentou com voz úmida,<br />

suplicante, infantil, a bater de leve no peito de Gaspar:<br />

— Aqui não há vaidades, não há caprichos! tudo isto é verdadeiro e puro!<br />

Não é certo que tu me amas, como se eu fosse tua filhinha?... Dize, meu papá! Dize<br />

meu amor!<br />

Gaspar, a despeito de tudo, sentiu-se comovido.<br />

— Mas hás de esquecer-te por uma vez do Gabriel não é assim?...<br />

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