A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br — Largo do Rocio n. tal, disse ele ao cocheiro, depois de consultar a carta de Ambrosina. O carro disparou. Pouco depois, o Médico Misterioso era conduzido, por um criado inglês, para uma saleta de espera da casa da Condessa Vésper, cujo luxo caprichoso e de primeira mão o perturbou levemente. CAPÍTULO XXXVIII EM CASA DA CONDESSA Ouvia-se conversar, por entre risadas, na sala próxima. Do som das vozes de homem destacava-se o metal estridente de uma garganta feminina. — Quer falar à Sra. Condessa? perguntou o criado em inglês. — Sim, respondeu Gaspar, dando o cartão. E notou que, daí a pouco, a conversa da sala próxima era interrompida e logo ouviu um rumoroso farfalhar de sedas. — Entre para cá, doutor! gritou Ambrosina aparecendo. E Gaspar, depois de atravessar um pequeno gabinete, penetrou, no salão, onde conversavam animadamente. — Dr. Gaspar Leite, disse Ambrosina, apresentando-o aos que lá estavam. Meu médico... acrescentou ela com um gesto muito gracioso. Gaspar sorriu. O salão era vasto e bem guarnecido, mas pouco confortável; faltava-lhe essa alma misteriosa e simpática, que os moradores vão insensivelmente comunicando aos móveis que o cercam terminando por emprestar a cada um deles alguma cousa do seu próprio caráter. A gente sentia-se ali mal à vontade, como se estivesse em uma casa de vender trastes. É que era tudo novo em folha; os móveis recendiam ainda ao verniz do marceneiro, as cortinas das portas e os panos das cadeiras tinham a goma com que saíram da fábrica, as cachemiras da mesa e do piano guardavam as dobras da caixa em que foram transportadas da Europa para o Brasil. Todos aqueles trastes não nos diziam nada, não nos comunicavam cousa alguma; estavam ali, coitados! como uns pobres estrangeiros, que não sabiam falar a nossa língua. Não tinha a gente vontade de assentar-se naquelas cadeiras, encostar-se naquelas dunquerques, nem pisar naquele tapete, com medo de que viesse o mercador recomendar-nos que lhe não tirássemos o lustre da mobília. Era esta a sensação que Gaspar experimentava ao entrar na sala de Ambrosina, e mentalmente ia comparando a insociabilidade de tudo aquilo com a franca camaradagem dos seus velhos trastes de família. Entretanto, a bela criatura o tomara pela mão e lhe apresentava elegantemente às suas visitas. 184

www.nead.unama.br — Este é o Sr. Rocha Coelho, deputado geral pela província da Bahia. É a primeira vez que vem ao Rio; escusa dizer que é pessoa de alto merecimento. O deputado levantou-se apertou a mão de Gaspar, com ar, tão enérgico e grave, que lhe abanava os enormes bigodes negros e lhe fazia tremer a rebarbativa papada. Ambos folgavam muito em travar relações. — Este agora é o Sr. Dr. Lopes Filho, advogado distinto! Gaspar repetiu o jogo da primeira apresentação. Folgaram muito igualmente em se conhecerem. O terceiro não precisava ser apresentado — era o Reguinho. Sempre magrinho, fútil, a empulhar os amigos. Os cabelos principiavam-lhe agora empobrecer e grisalhar mas ele conservava o mesmo ar passivo de menor que vive à custa da família. — Bem; com licença! já se conhecem, vão conversando, disse a dona da casa, saindo a correr, porque ouviu na sala de jantar a voz de uma mulher, que acabava de entrar familiarmente. Os quatro homens ficaram a olhar por um instante uns para os outros, em uma perturbação cerimoniosa. Mas entrou um criado, a oferecer chá com leite frio, e o Reguinho foi assentar-se ao lado de Gaspar e perguntou por Gabriel. — Ah! partem amanhã? ora, eis aí o que eu não sabia... disse o Rêgo, depois de ouvir a resposta do médico. E ofereceu logo magníficas cartas de recomendação para vários pontos da Europa. Tinha muitos conhecidos, amigos, parentes até, gente toda de grande importância! Gaspar aproveitaria muito com aquelas cartas! O médico desembaraçava-se do obséquio; dizia que a viagem era rápida, de passeio, não valia a pena o Rêgo incomodar-se... Mas este, com a recusa, redobrou de oferecimentos, e contou depois que estava associado com o pai numa grande empresa que os faria milionários. — Menino! Queremos dinheiro! Queremos dinheiro, sebo! rematou ele, sempre a chupar os dentes. Pouco depois, tornou Ambrosina; estivera a falar com a modista; as visitas que a desculpassem. E voltando-se para Gaspar com muita camaradagem: — Então? que milagre foi este! lembrar-se dos amigos velhos?... E acrescentou em tom grave, dirigindo-se aos outros: — Salvou-me a vida! Estive à morte com uma fúria do maluco de meu marido! (E verdade, como vai ele?) perguntou ela a Gaspar e, informada de que Leonardo estava agora no Hospício de Pedro II, continuou, suspirando saudosas recordações: — Serei sempre reconhecida por esse serviço... Além do que, o Dr. 185

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— Largo do Rocio n. tal, disse ele ao cocheiro, depois de consultar a carta<br />

de Ambrosina.<br />

O carro disparou. Pouco depois, o Médico Misterioso era conduzido, por um<br />

criado inglês, para uma saleta de espera da casa da <strong>Condessa</strong> <strong>Vésper</strong>, cujo luxo<br />

caprichoso e de primeira mão o perturbou levemente.<br />

CAPÍTULO XXXVIII<br />

EM CASA DA CONDESSA<br />

Ouvia-se conversar, por entre risadas, na sala próxima.<br />

Do som das vozes de homem destacava-se o metal estridente de uma<br />

garganta feminina.<br />

— Quer falar à Sra. <strong>Condessa</strong>? perguntou o criado em inglês.<br />

— Sim, respondeu Gaspar, dando o cartão.<br />

E notou que, daí a pouco, a conversa da sala próxima era interrompida e<br />

logo ouviu um rumoroso farfalhar de sedas.<br />

— Entre para cá, doutor! gritou Ambrosina aparecendo.<br />

E Gaspar, depois de atravessar um pequeno gabinete, penetrou, no salão,<br />

onde conversavam animadamente.<br />

— Dr. Gaspar Leite, disse Ambrosina, apresentando-o aos que lá estavam.<br />

Meu médico... acrescentou ela com um gesto muito gracioso.<br />

Gaspar sorriu.<br />

O salão era vasto e bem guarnecido, mas pouco confortável; faltava-lhe<br />

essa alma misteriosa e simpática, que os moradores vão insensivelmente<br />

comunicando aos móveis que o cercam terminando por emprestar a cada um deles<br />

alguma cousa do seu próprio caráter.<br />

A gente sentia-se ali mal à vontade, como se estivesse em uma casa de<br />

vender trastes. É que era tudo novo em folha; os móveis recendiam ainda ao verniz<br />

do marceneiro, as cortinas das portas e os panos das cadeiras tinham a goma com<br />

que saíram da fábrica, as cachemiras da mesa e do piano guardavam as dobras da<br />

caixa em que foram transportadas da Europa para o Brasil.<br />

Todos aqueles trastes não nos diziam nada, não nos comunicavam cousa<br />

alguma; estavam ali, coitados! como uns pobres estrangeiros, que não sabiam falar<br />

a nossa língua. Não tinha a gente vontade de assentar-se naquelas cadeiras,<br />

encostar-se naquelas dunquerques, nem pisar naquele tapete, com medo de que<br />

viesse o mercador recomendar-nos que lhe não tirássemos o lustre da mobília.<br />

Era esta a sensação que Gaspar experimentava ao entrar na sala de<br />

Ambrosina, e mentalmente ia comparando a insociabilidade de tudo aquilo com a<br />

franca camaradagem dos seus velhos trastes de família.<br />

Entretanto, a bela criatura o tomara pela mão e lhe apresentava<br />

elegantemente às suas visitas.<br />

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