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Mas foram interrompidos por um formidável zunzum. Ambrosina nesse<br />
instante passava pela rua de Gonçalves Dias.<br />
Ia toda cor de pérola, luvas até às axilas; governava ela mesma, com muita<br />
graça o seu phaeton, e da traseira o macaco guinchava, a fazer momices<br />
extravagantes.<br />
Correram todos para lá, com um frenesi escandaloso. Os negociantes, em<br />
mangas de camisa, abandonavam o balcão; senadores, deputados, proprietários,<br />
janotas, comendadores, repórteres e estudantes, tudo que há de bom e tudo que há<br />
de mau em trânsito pela rua do Ouvidor, se abalroou numa só onda. Era um delírio<br />
de curiosidade!<br />
Vênus passava!<br />
E um pequeno italiano, com um maço de folhas de baixo do braço, gritava<br />
no seu mau português "Jornal da tarde! traz o retrato da bela condessa russa!<br />
Quarenta réis!"<br />
Os grupos compravam avidamente a folha.<br />
Entretanto, por essas mesmas horas da tarde, em casa de Gaspar, dizia<br />
este ao enteado:<br />
— Mas, com todos os diabos! és ou não és um homem?!<br />
— Descansa que irei...<br />
— Resolve-te então por uma vez! Está tudo pronto; a velha Benedita<br />
aboletada na ordem da Conceição, os meus doentes recomendados a um colega de<br />
confiança, os nossos papéis despachados... só nos falta partir!<br />
—Já te não merecem crédito as minhas palavras...<br />
— Que dúvida!<br />
— Pois olha que não fico zangado contigo por semelhante cousa.<br />
E tomando um ar mais refletido:<br />
— Sei qual é o motivo de tuas desconfianças, mas tranqüiliza-te, meu<br />
Gaspar, que não são inteiramente infundadas...<br />
— Estás agora a fazer-te de forte ...<br />
— Juro-te que entre mim e Ambrosina nada mais existe! Amei-a, amei-a<br />
muito, não nego! Fiz loucuras, fiz delírios; adorei-a, enfim! Desde, porém, que ela se<br />
despojou da auréola que a minha imaginação lhe emprestara, deixou de ser ídolo,<br />
para ser lodo, para ser uma cocote vulgar e ridícula! O que eu nela supunha elevado<br />
e digno, nada mais era que o brilhante reflexo do altar em que a coloquei; uma vez<br />
fora de lá, o que queres tu que eu nela ame?<br />
E Gabriel, voando pelo passado, acrescentou com febre:<br />
— Sim! eu adorava aquela mulher! Seria, por ela, capaz de todos os<br />
sacrifícios; mas, quando a vi de volta à Corte, ostentar cinicamente a degradação e<br />
o vício quando a vi feliz e radiante no meio da esterqueira ... Ah! Gaspar! foi tal a<br />
repugnância, tal o nojo que senti, que ainda agora pergunto a mim mesmo como<br />
pude desprezar-me ao ponto de idolatrá-la?!<br />
— Falas com muito calor, para que eu possa acreditar no que dizes...<br />
— Dou-te a minha palavra de honra que assim é. Ambrosina para mim<br />
morreu! A criatura que agora passa todas as tardes pelo Catete, a governar um<br />
phaeton, já não é ela, é uma infeliz que se confunde com todas as outras dissolutas.<br />
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