Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
— Nada... é aquela peste da Ambrosina que acaba de chegar da Europa, e<br />
tem o descaro de escrever-me...<br />
— Mau... mau!... exclamou o médico, deixando-se cair numa cadeira.<br />
CAPÍTULO XXXVII<br />
PASSAGEM DE VÊNUS<br />
A <strong>Condessa</strong> <strong>Vésper</strong> continuava a ser a ordem do dia na rua do Ouvidor. Seu<br />
nome corria de boca em boca, pronunciado, com quebramentos de olhos e sibilos de<br />
volúpia.<br />
Por toda a parte se falava nela.<br />
— Não imaginam! É uma escultura! uma verdadeira escultura! dizia um<br />
sujeito bem vestido num grupo em casa dos Castelões. Viajei por quase toda a<br />
Europa, parte da Ásia, conheço África, bati a América de um lado a outro, gastei<br />
com as mulheres de mais afamada beleza, tive mulatas e negras, louras irlandesas,<br />
espanholas morenas, frias inglesas, e francesas de toda a casta, mas confesso que<br />
nunca vi um corpo comparável ao desta! — É simplesmente assombroso!<br />
E o homem, entusiasmado pelo efeito que as suas palavras produziam na<br />
roda, deixava-se arrastar por elas e exagerava ferozmente os dotes físicos de<br />
Ambrosina, gozando da suposta superioridade de ser ele ali o único que a conhecia<br />
de perto, e fazendo disso um glorioso direito de a defender como cousa sua, sem<br />
admitir que ninguém no mundo conhecesse mulher mais bela e sedutora.<br />
— Não! deixe lá! opunha um velhote, com um sorriso cheio de autoridade e<br />
boas recordações; deixe lá! Há de ser muito difícil encontrar um corpo como o da<br />
Aimée! Aquilo é que era mulher!<br />
E o velho mordia os beiços com o que lhe restava os dentes.<br />
— Ora, Conselheiro! bradou o outro revoltado; vem-me cá V. Ex.ª falar na<br />
Aimée!... Veja esta!, veja e dir-me-á depois se lembra mais da Aimée! Ora, ora! logo<br />
quem — a Aimée! Um manipanso!<br />
— Manipanso?! repetiu o Conselheiro com um frouxo de indignação e de<br />
tosse. A Aimée um manipanso?! Ah, que se não fosse por temor ao escândalo, dava<br />
eu aqui mesmo a única resposta que merece semelhante sacrilégio! Chovam do<br />
estrangeiro as condessas que choverem; a Aimée há de ser sempre a Aimée! Ora<br />
sebo!<br />
— Não, Conselheiro, tenha paciência! Pode V. Ex.ª, esbugalhar os olhos<br />
como quiser e fazer-se ainda mais roxo do que está, não admito mulher mais bela<br />
que a <strong>Condessa</strong> <strong>Vésper</strong>! A <strong>Condessa</strong> <strong>Vésper</strong>! Ver a <strong>Condessa</strong> <strong>Vésper</strong>, e morrer!<br />
— Pois sim! Não aparecem duas Aimées no mesmo século, meu caro<br />
senhor!<br />
— Além disso, que mulher fina! Que francês o seu! Que chic! Que verve!<br />
Que...<br />
181