A Condessa Vésper - Unama
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www.nead.unama.br — Tem razão, respondeu ela, encaminhando-se para a secretária, onde escreveu um vale à casa comercial de Viúva Rios & Comp. E passando-o depois a Gaspar, acrescentou: — Tenha a bondade de assinar. — Dois mil pesos! protestou Gaspar, lendo o papel. Porém eu não preciso por ora de tão grande soma... — Em todo o caso, nada perderá, nem ganhará com aceitá-la. Esse papel representa uma quantia que o senhor terá de pagar com um pequeno juro. Creio que não será lesado... — Estou convencido disso, mas a questão é que eu não conheço esta firma, e ela muito menos a mim. Que valor pode ter minha assinatura para semelhante casa? — Engana-se. O senhor merece todo o crédito para ela... — Eu?! — Sim, meu caro senhor. — Creio que a senhora me confunde com outro... — Pode ser, mas suponho que não! — E como sabe se eu mereço confiança para a casa de Viúva Rios & Comp.? — Porque sou eu a própria viúva Rios. Estou pasmado. — Disso sei eu... Assine — Mas, minha senhora, deixe ao menos que lhe beije primeiro as mãos... A viúva olhou-o de alto a baixo; tinha-lhe fugido dos lábios o sorriso carinhoso com que até aí mimoseara o hóspede Gaspar abaixou os olhos, sem compreender o que se passava. — Beijar-me as mãos... disse ela por fim. Só se lembrou disso depois da transação comercial! E são assim todos os homens!... Enquanto se trata de cousas verdadeiramente raras e preciosas, porque dependem só do coração e da pureza dos sentimentos, não se abalam sequer! A meiguice, a ternura, a feminilidade, que uma pobre mulher desenvolve desinteressadamente para cumprir com eles o seu destino de amor e de sacrifício, nada mais obtém de seus lábios que algumas palavras banais de reconhecimento e cortesia. Mas logo que se trata de materializar o bem, logo que o sacrifício, que o obséquio, que a abnegação, se acham representados por um valor real, por uma quantia enfim... ah! então querem beijar-nos as mãos e encontram facilmente exclamações de entusiasmo e de gratidão!... Não beijará! exclamou ela, fazendo um gesto de energia. Estou cada vez mais convencida de que os homens são todos os mesmos... Visionária e tola é a mulher, que espera encontrar entre eles um coração justo e perfeito. Se eu não fosse rica, se eu não pudesse oferecer-lhe agora uma quantia, de que aliás o senhor tem absoluta necessidade, é muito natural que o senhor não encontrasse uma palavra afetuosa para os meus desvelos, e é possível até que, uma vez que já não precisasse deles, chegasse a desprezar-me e fazer mau juízo da minha conduta, porque, no fim de contas, eu tinha cometido a imperdoável leveza de recolher em minha casa um homem quase morto, e de proporcionar-lhe todos os serviços que o seu mísero estado reclamava. E afinal os senhores acabam por ter razão! Toda nossa vida, toda nossa dedicação, toda nossa ternura, toda nossa paciência, não 18
www.nead.unama.br valem um obséquio praticado por um homem a outro homem! Tudo o que pode fazer o coração de uma mulher não vale um empréstimo de dinheiro, uma fiança, uma comenda, um elogio pela imprensa ou qualquer outra bagatela, que afague o amor próprio de algum parvo, ou salve a suposta honra de qualquer fátuo! — Minha senhora, eu peço-lhe mil perdões, se... — É melhor não dizer cousa alguma! Vamos, assine o vale, e depois há de preparar-se para jantar. Pode receber de minhas mãos o miserável serviço que me propus oferecer-lhe: em breve o senhor terá ocasião de prestar-me um outro muito maior. Com todo o gosto! respondeu Gaspar, assinando o vale e entregando-o à sua salvadora. Esta leu consigo a assinatura, e disse com sinais de satisfação: — Logo vi que me não tinha enganado! É justamente quem eu supunha!... Em seguida, retirou-se, sem dar tempo ao hóspede para voltar a si da estranheza daquelas palavras. Ele encostou-se a um móvel, e deixou-se arrastar por um cardume de raciocínios. — Quem seria aquela mulher tão extraordinária?... Que relação haveria entre ela e um pobre viajante, pouco conhecido em qualquer parte e inteiramente ignorado naquela cidade onde pisava pela primeira vez? Estava a fazer tais considerações, quando a porta se abriu de novo, e apareceu um homem de uns sessenta anos, acompanhado por um rapaz que trazia uma caixa na cabeça. O velho era limpo, discreto e sumamente cortês; via-se nele um desses bons servos do tempo da regência, que não sabiam aprumar-se como o criado inglês, nem sorrir maliciosamente como o francês. Foi a Gaspar e cortejou-o sem afetação e sem servilismo: fez o companheiro depor no chão a caixa que trazia, e principiou a tirar dela várias peças de roupa. — Meu amo tenha a bondade de escolher daqui o que lhe convém, disse ele, como se estivesse de muito tempo a serviço de Gaspar. Este tomou o expediente de deixar que as cousas corressem ao bel-prazer da fada que fazia girar a roda daquela fortuna, e escolheu a roupa de que podia precisar. O criado tomou-lhe a medida do pescoço e da cintura, e encheu uma gaveta com o mais completo enxoval de roupa branca. Em seguida, voltou-se para o rapaz da caixa e disse-lhe que podia retirar-se. Gaspar olhava para tudo aquilo, completamente intrigado. O sexagenário entregou-lhe uma carta com o dinheiro oferecido pela oriental e perguntou-lhe depois se já queria vestir-se. Passaram para a próxima saleta, que era um brinco de luxo e de bom gosto. Pois senhor meu amo, dizia o velho, a pentear a bonita barba castanha de Gaspar; estimo bem ver afinal vossemecê à testa de sua casa... Só dessa forma a minha pobre patroazinha passará uma vida menos amarga! Ela coitada, vivia tão triste, que metia dó!... Gaspar sentiu arrepios. Ia desembrulhar semelhante mistificação; mas, receoso de fazer alguma tolice, deliberou conter-se. — Então, a senhora, vivia muito triste?... perguntou ele. 19
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— Tem razão, respondeu ela, encaminhando-se para a secretária, onde<br />
escreveu um vale à casa comercial de Viúva Rios & Comp. E passando-o depois a<br />
Gaspar, acrescentou: — Tenha a bondade de assinar.<br />
— Dois mil pesos! protestou Gaspar, lendo o papel. Porém eu não preciso<br />
por ora de tão grande soma...<br />
— Em todo o caso, nada perderá, nem ganhará com aceitá-la. Esse papel<br />
representa uma quantia que o senhor terá de pagar com um pequeno juro. Creio que<br />
não será lesado...<br />
— Estou convencido disso, mas a questão é que eu não conheço esta firma,<br />
e ela muito menos a mim. Que valor pode ter minha assinatura para semelhante<br />
casa?<br />
— Engana-se. O senhor merece todo o crédito para ela...<br />
— Eu?!<br />
— Sim, meu caro senhor.<br />
— Creio que a senhora me confunde com outro...<br />
— Pode ser, mas suponho que não!<br />
— E como sabe se eu mereço confiança para a casa de Viúva Rios &<br />
Comp.?<br />
— Porque sou eu a própria viúva Rios.<br />
Estou pasmado.<br />
— Disso sei eu... Assine<br />
— Mas, minha senhora, deixe ao menos que lhe beije primeiro as mãos...<br />
A viúva olhou-o de alto a baixo; tinha-lhe fugido dos lábios o sorriso<br />
carinhoso com que até aí mimoseara o hóspede Gaspar abaixou os olhos, sem<br />
compreender o que se passava.<br />
— Beijar-me as mãos... disse ela por fim. Só se lembrou disso depois da<br />
transação comercial! E são assim todos os homens!... Enquanto se trata de cousas<br />
verdadeiramente raras e preciosas, porque dependem só do coração e da pureza<br />
dos sentimentos, não se abalam sequer! A meiguice, a ternura, a feminilidade, que<br />
uma pobre mulher desenvolve desinteressadamente para cumprir com eles o seu<br />
destino de amor e de sacrifício, nada mais obtém de seus lábios que algumas<br />
palavras banais de reconhecimento e cortesia. Mas logo que se trata de materializar<br />
o bem, logo que o sacrifício, que o obséquio, que a abnegação, se acham<br />
representados por um valor real, por uma quantia enfim... ah! então querem beijar-nos<br />
as mãos e encontram facilmente exclamações de entusiasmo e de gratidão!...<br />
Não beijará! exclamou ela, fazendo um gesto de energia. Estou cada vez mais<br />
convencida de que os homens são todos os mesmos... Visionária e tola é a mulher,<br />
que espera encontrar entre eles um coração justo e perfeito. Se eu não fosse rica,<br />
se eu não pudesse oferecer-lhe agora uma quantia, de que aliás o senhor tem<br />
absoluta necessidade, é muito natural que o senhor não encontrasse uma palavra<br />
afetuosa para os meus desvelos, e é possível até que, uma vez que já não<br />
precisasse deles, chegasse a desprezar-me e fazer mau juízo da minha conduta,<br />
porque, no fim de contas, eu tinha cometido a imperdoável leveza de recolher em<br />
minha casa um homem quase morto, e de proporcionar-lhe todos os serviços que o<br />
seu mísero estado reclamava. E afinal os senhores acabam por ter razão! Toda<br />
nossa vida, toda nossa dedicação, toda nossa ternura, toda nossa paciência, não<br />
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