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A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— Ah! Quando quiseres...<br />

— Bem! então amanhã, sem falta, me darás.<br />

— Mas o que tencionas fazer desse dinheiro?<br />

— Ainda não te posso dizer; mas descansa, no destino que lhe vou dar, não<br />

arriscas um vintém... os próprios juros ser-te-ão restituídos religiosamente. É uma<br />

questão toda de confiança...<br />

— Bem! já não digo mais nada.<br />

— Amanhã mesmo te darei os documentos da dívida.<br />

— Como quiseres...<br />

E passaram a conversar sobre outros assuntos.<br />

— Quando partimos?... perguntou Gabriel.<br />

— Para o mês que vêm, naturalmente. Tenho ainda que providenciar sobre<br />

muitas cousas; é preciso acomodar a velha Benedita, encarregar algum colega de<br />

certos doentes, tratar de uma infinidade de maçadas. Felizmente o Gustavo não me<br />

dá o mínimo cuidado.<br />

— Esse nem sequer tira o chapéu quando me vê. Um doido!<br />

— Não é por mal, contradisse Gaspar. Tu é que te não devias incomodar<br />

com isso! Ele é um bom moço... tem caráter e tem talento.<br />

— O que, homem? Sabes lá o que ele diz de nós?<br />

— Não há de ser tanto assim...<br />

— Chamou-nos basbaques, em presença de quem o quis ouvir; disse que<br />

tanto eu, como tu, éramos duas crianças, dois tipos românticos, que vivíamos na lua!<br />

— E olha que disse meia verdade, respondeu Gaspar, depois de uma pausa;<br />

porque, no fim de contas, as circunstâncias especiais da existência, de qualquer de<br />

nós dois, nos puseram fora do alcance das forças práticas da vida comum e das leis<br />

reguladoras da sociedade. Hoje mesmo, que estou velho e vejo o mundo por um<br />

prisma bem diverso; hoje, que tenho o raciocínio já apurado pela experiência, ainda<br />

me sinto dominado todavia pela corrente romanesca em que nasci, e na qual<br />

palpitou a minha inútil juventude. Tu vieste depois, é certo, mas nunca viveste no teu<br />

tempo, nunca dependestes dos homens para os conheceres; nunca foste oprimido,<br />

para poderes ter perfeita compreensão da justiça; nunca sofreste misérias, em luta<br />

pela existência, para poderes formar idéia justa da verdade. E, nessas condições,<br />

sem um lugar entre os homens, sem parentes, sem responsabilidade e sem amor,<br />

vivendo às cegas, iludido, explorado e desestimado, não pudeste compreender o<br />

mundo que te cercava, e tiveste de voltar as vistas e a atividade dos teus<br />

sentimentos para o passado. Esse passado era tua mãe e sou eu; isto é, era o<br />

romantismo no seu maior desvario. E aí tens como nunca chegaste a compreender,<br />

meu pobre Gabriel, a época em que tens vivido!<br />

Gustavo, entretanto, prosseguiu o médico, é um produto de elementos<br />

inteiramente contrários aos que determinaram o teu caráter e o teu temperamento;<br />

há entre vocês proporção de idade e relação mesológica, mas absoluta<br />

incompatibilidade no modo de ver as cousas. Formam os dois uma medalha, cujos<br />

lados, apesar de juntos, nunca se poderão unir. E, se quisermos determinar qual dos<br />

dois lados da medalha é o direito e qual o avesso, não o conseguiremos, porque<br />

ambos são legítimos e lógicos, e ambos têm a sua razão de ser. Foi por isso que<br />

jamais conseguimos a amizade e a confiança de Gustavo. O presente desconfia<br />

sempre do passado, e nunca o toma a sério. Gustavo revoltou-se contra nós, porque<br />

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