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— Uma cousa é ver e outra é dizer, minha rica amiga, explicava ela à<br />
velhinha Benedita, que aparecera para fazer companhia ao cadáver. Era um santo<br />
homem! Nunca lhe vi o nariz torcido; sempre amável, risonho e procurando meios e<br />
modos de agradar-me! Coitado!<br />
As amigas ouviam estas palavras a sacudir simultaneamente a cabeça,<br />
como se uma só invisível mola imprimisse a todas o mesmo movimento.<br />
— Ai! ai! disse uma.<br />
E o coro respondeu:<br />
— Ai! ai!<br />
— É o caminho de nós todos! sentenciou outra.<br />
— Digo-lhe com franqueza, continuou Genoveva, empenhada na conversa<br />
com Benedita; o defunto comendador, apesar de ser quem era e do muito que<br />
gastava comigo, nunca me deixou tantas saudades com esta criatura! Não sei que<br />
diabo tinha este homem para se ficar gostando tanto dele!...<br />
— É a amizade que a gente toma! procurou explicar sentenciosamente a<br />
velhinha Benedita; mas, para consolar você não se deve agora matar por amor<br />
disso!... o que não tem remédio, remediado está!...<br />
— Mas custa tanto!...<br />
— Custa, é verdade; mas se tenho de ir eu, vá meu pai que é mais velho!...<br />
resumiu a velhinha com o seu riso egoísta.<br />
— Ai! ai! suspirou Genoveva.<br />
E passou a descrever a moléstia e a morte de Alfredo:<br />
O homem, há muito tempo já, não andava bom; queixava-se de uma pieira<br />
no peito e de um cansaço aborrecido nas pernas. Às vezes ficava amarelo e com<br />
fastio, que Deus nos acuda! — "Desta mesmo não me levanto!" eram as suas<br />
palavras de todo o instante; e ultimamente então deu para ficar nervoso por tal<br />
forma, que não pregava olho durante toda a noite... Foi nessa época que aquele<br />
malvado o despediu do emprego! Imaginem vocês como o pobre do homem não<br />
ficou! Nunca mais levantou a cabeça! Até que ontem, quando eu estendia a roupa<br />
para corar, veio a negrinha dizer que seu Alfredo estava roncando na cama, muito<br />
aflito... Larguei tudo de mão, e corri para junto dele. Remédio daqui! remédio dali!<br />
mas qual! o pobre homem roncava, roncava, muito agoniado, sem encontrar posição<br />
na cama; até que afinal tive um palpite, e mandei chamar o Dr. Gaspar, que é<br />
homem que nunca se negou aos pobres! Veio o doutor, viu, examinou — estava<br />
morto! Então pedi ao médico a esmola de pagar a um desenhista o retrato do meu<br />
defunto!<br />
— Não! respondeu Gustavo. O senhor declarou já que a obra não presta!<br />
Não aceito pagamento!<br />
— Mas, vem cá, meu filho! eu não sabia que o trabalho era teu!...<br />
— Tanto melhor! porque assim falou com franqueza. Se alguém aqui deve<br />
estar agradecido, sou eu, que ganhei uma lição!<br />
— Sim, mas, vem cá, disse o médico, obrigando o sobrinho a entrar para a<br />
sala de Genoveva. É preciso que nos entendamos por uma vez; preciso ter a<br />
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