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A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br<br />

longo canapé de palhinha, onde estava o defunto, magro, estirado e duro, como se<br />

fora feito de sola.<br />

Principiou a obra, no meio de um grande silêncio compungido, em que se<br />

arrastavam suspiros espaçados.<br />

Ouvia-se ranger o carvão sobre o papel de Holanda. Ao lado dele, o amigo<br />

que o levara acompanhava com a vista o trabalho, e procurava ajudar o desenhista,<br />

lembrando particularmente da fisionomia do defunto.<br />

— Olha que ele tem as ventas mais abertas e o queixo mais magro!... dizia,<br />

com a voz misteriosa e benfazeja. Puxa o cabelo mais para a esquerda!<br />

Gustavo não protestava por delicadeza, mas as pessoas que lhe ficavam em<br />

frente bem percebiam a sua contrariedade.<br />

Uma velha já se havia chegado para junto do retratista, com o rosto seguro<br />

pela mão esquerda e o cotovelo apoiado na direita.<br />

Depois, vieram outros, até que afinal se viu Gustavo cercado por todos os<br />

lados. Entre essas pessoas estava, como milagre, a dona daqueles bonitos olhos,<br />

que pela manhã, no colégio das irmãs de caridade em Botafogo, se lhe haviam<br />

gravado no coração; mas Gustavo, sem desprender a vista do trabalho, deles sentia<br />

apenas o doce eflúvio banhar-lhe a alma.<br />

O defunto, estendido no seu canapé, parecia estar só à espera que o rapaz<br />

lhe acabasse o retrato, para resolver numa gargalhada escarninha, o inquietante<br />

sorriso que abominavelmente lhe entretorcia os lábios de múmia.<br />

Gustavo pediu que retirassem das ventas do retrato duas bolinhas de<br />

algodão que ali lhe haviam posto.<br />

Às seis horas da tarde, estava pronto o desenho Gustavo assinou-o, e<br />

entregou-o à dona da casa.<br />

— São quarenta mil-réis, disse, com pretensioso ar de artista.<br />

— Bem, respondeu aquela; mas o senhor fará o obséquio de mandar<br />

receber amanhã, porque a pessoa que tem de dar o dinheiro só mais tarde chegará.<br />

No dia seguinte, ainda no corredor, a lavadeira disse-lhe que a obra não<br />

valia quarenta mil-réis; que o pagador da encomenda não achava o retrato parecido,<br />

nem sequer bem desenhado; que o autor de semelhante caricatura devia contentarse<br />

com vinte mil-réis!...<br />

E, como Gustavo recalcitrasse, veio o próprio dono da encomenda<br />

despachá-lo.<br />

O quê?! Pois tu é que és o tal artista? disse o Médico Misterioso, muito<br />

surpreendido defronte de Gustavo.<br />

— É verdade, meu tio, sou eu.<br />

Gaspar não pôde deixar de rir.<br />

Como o leitor já compreendeu naturalmente o morto, que Gustavo retratara<br />

com mais convicção do que perícia, era Alfredo, o nosso velho Marmelada; e a<br />

lavadeira era Genoveva, que se não podia consolar da perda do seu querido<br />

companheiro.<br />

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