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A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br<br />

desenho voluptuoso das formas, sumia-lhe o corpo, deixando permanecer em<br />

evidência apenas o rosto angelical, a que as abas da touca de linho branco serviam<br />

de asas de querubim.<br />

— Como eu te amo! dizia Gustavo no seu sonho, a beijar imaginariamente<br />

aqueles dois belos olhos castanhos, que se lhe quedavam gravados na alma com o<br />

sorriso com que se despediram dele.<br />

E depois, num amor ideal, religioso, etéreo, seu espírito, abraçado ao dela,<br />

voava pelo espaço afora, entre nuvens de incenso e coros celestiais, que lhe faziam<br />

a ambos tremer de gozo as asas entrecruzadas.<br />

De repente, porém, uma circunstância o chamou à dura realidade da<br />

existência: era a necessidade absoluta de comer; tinha o estômago completamente<br />

vazio. Deu balanço às algibeiras, e daí a pouco, já instalado numa mesinha de<br />

mármore do café de Londres, fazia defronte do seu almoço de trezentos réis as<br />

seguintes reflexões:<br />

— Como deve ser delicioso casar-se. a gente com uma criatura daquelas!<br />

vê-la sempre a seu lado, amá-la a todos os instantes, e viver só para ela, e só dela!<br />

Deve ser muito bom!... Tão bom, quanto é aborrecido almoçar café com leite e pão<br />

torrado, quando a alma nos está a reclamar, do fundo das entranhas, alegres bifes<br />

com batatas e um bom copo de vinho!...<br />

frase:<br />

Ao chegar à república, um dos seus companheiros o recebeu com esta<br />

— Ó Gustavo! queres ganhar uns cobres?...<br />

— Pronto!<br />

— Sabes desenhar, não é verdade?<br />

— Mais que o Pedro Américo! Por quê?<br />

— Pois se quiseres, vamos imediatamente à casa da minha lavadeira.<br />

Pediu-me ela que lhe arranjasse um desenhista para retratar o cadáver do marido.<br />

Serve-te a encomenda?<br />

— E quanto estará disposta, essa providencial e ensaboadora viúva a pagar<br />

para que eu lhe imortalize o malogrado esposo?...<br />

— Não sei... mas o que vier é dinheiro, e nós estamos a tinir.<br />

— Pois mãos à obra! exclamou Gustavo alegremente.<br />

E, depois de munir-se da sua pasta e dos seus petrechos de desenho, saiu<br />

com o companheiro para a residência da tal lavadeira, cuja figura, como vamos ver,<br />

é aliás muito velha conhecida do leitor.<br />

Era a primeira vez que Gustavo ia desenhar por dinheiro. Até aí seus<br />

trabalhos artísticos não passavam de exibições em família, no seio de parentes e<br />

íntimos amigos, que a uma voz proclamavam com igual entusiasmo o grande talento<br />

do menino; de sorte que o modo frio e quase desatencioso pelo qual o receberam<br />

em casa da lavadeira, doeu-lhe no coração como clamorosa injustiça ao seu<br />

indiscutível mérito.<br />

Entretanto, ia aparando os lápis, preparando o papel e os esfuminhos; e<br />

afinal, tomando a sua pasta assentou-se com esta sobre as coxas, defronte de um<br />

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