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A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— É o meu cão, Sr. doutor; um diabo de um bicho, que faz uma criatura<br />

gostar dele...<br />

E o rosto engelhado de Benedita iluminou-se de alegria com a lembrança<br />

daquela sua última afeição.<br />

— Animalito de Deus! Ah! ela havia de mostrá-lo ao Sr. doutor!<br />

— Pois que venha também o Chimboraso, disse o médico, procurando<br />

terminar a conversa.<br />

E como a velha tentasse com muita dificuldade pôr-se de joelhos:<br />

— Então? deixemo-nos disso; vá ver o seu cômodo, vá entrando, vá!<br />

Benedita, sem dizer uma palavra, procurava beijar-lhe a mão.<br />

— Ora, não, não! opunha Gaspar, a empurrá-la brandamente para o interior<br />

da casa. Vá! vá descansar!<br />

— Ela obedeceu, agradecendo muito a esmola que recebia, e prometendo<br />

não se esquecer de Gaspar nas suas orações.<br />

Já na porta, parou, e voltou-se para dizer:<br />

— É que eu tenho tamanho medo de não resistir ao desamparo!... Quando<br />

penso na morte, fico toda fria: Oh! não quero a cova!<br />

Gabriel olhou para ela com surpresa.<br />

— A morte!... que terrível cousa deve ser a morte. E a velha fez-se mais<br />

lívida. Quanto deve custar a uma criatura sair desta existência para ir meter-se<br />

debaixo da terra, num buraco! Ficar a gente fria, dura como um pedaço de pau, à<br />

espera que as carnes criem bicho, que os bichos nos chupem até fazer o osso<br />

limpo! Oh! deve ser terrível! Que medo me faz a morte!<br />

E depois de uma pausa, acrescentou com o olhar fito:<br />

— Bem sei que pouco vale a vida. Isto tudo é miséria, isto tudo é engano,<br />

isto tudo é sofrer, mas em todo o caso não é a morte, não é o buraco na terra! Que<br />

bela cousa é a vida! Já não tenho olfato, nem paladar; já quase não posso ver; já<br />

não gozo amores, e, contudo, faço muito gosto neste restinho de vida. Nada! assim<br />

mesmo velha, assim mesmo que não presto, quero a minha rica vidinha, quero ver<br />

isto por cá! Para morrer, todo tempo é tempo! Viva a galinha com a sua pevide!<br />

E, com um riso do outro mundo, a velha saiu afinal, cantarolando e<br />

tremendo.<br />

Gabriel ficou por muito tempo a olhar para a porta por onde ela saiu.<br />

— Feliz destroço!... disse ele. Que inveja me faz a tua miséria!<br />

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