19.04.2013 Views

A Condessa Vésper - Unama

A Condessa Vésper - Unama

A Condessa Vésper - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

solução possível para o infernal dilema daquela sua triste vida. Mas o suicídio<br />

também era um grande enfado. Exigia esforço moral e físico. Era afinal um penoso<br />

trabalho tão aborrecido talvez como o próprio viver.<br />

— Diabo! exclamou ele, sacudindo a cabeça, para sair de todo do seu<br />

pesadelo. Maldita a hora em que nasci!<br />

Gaspar, que o observava, correu a conter-lhe o nervoso ímpeto.<br />

— Que é?! Que tens?! perguntou em sobressalto.<br />

— Nada! nada — Um ligeiro abalo... Passou!<br />

Nessa ocasião, foram interrompidos pela criada:<br />

— Lá fora estava uma velhinha pobre, que desejava falar ao Dr. Gaspar.<br />

— Deve ser algum dos meus doentes, disse o médico, e mandou que a<br />

fizessem entrar para o consultório.<br />

Era a velha Benedita, a mãe do cocheiro Jorge, que andava a tirar esmolas<br />

pelas casas conhecidas. Gaspar não a reconheceu logo, mas, quando lhe ouviu o<br />

nome, a fez conduzir para a sala em que estava Gabriel.<br />

A velha pediu licença de assentar-se, pousou no chão uma trouxa que trazia,<br />

e, gemendo a sua fraqueza deixou-se escorregar sobre uma cadeira.<br />

— Ai! ai! suspirou ela, sorrindo, apesar do gemido.<br />

E a pobrezinha de Cristo declarou que já não era senhora das suas pernas.<br />

Estava muito acabada; a morte do filho e a fugida da neta apressaram-lhe a<br />

decrepitude.<br />

Gaspar olhava para ela com ar compassivo e desconsolado. A mísera já<br />

quase nada restava de aparência humana; era uma fruta seca, lavada em risos de<br />

pedinte, a cara toda engrelhadina como uma castanha pilada, as ventas fungosas, e<br />

as orelhas bambas e em dependura que nem abalos tortulhos. A boca, inteiramente<br />

murcha e sem memória de dentes que a habitaram, não largava um só instante de<br />

remoer em seco, e a mandíbula inferior com tal ânsia se atirava à outra, que se diria<br />

querer devorá-la com as suas gengivas desbotadas e carcomidas. Por debaixo do<br />

queixo escorriam-lhe pelangas chochas e macilentas, e, através das farripas de coco<br />

que lhe ouriçavam a cabeça, transparecia-lhe o crânio, casposo e áspero como<br />

casco de cágado. Doía vê-la assim, indecorosamente desfeiteada de jeito humano, a<br />

agarrar-se com o seu último alento a esta terra onzeneira, a quem todavia bem<br />

pouco tinha ainda a pobrezita que restituir de si.<br />

Gabriel não lhe tirava os olhos de cima. A mendiga, depois de muito tossir,<br />

vergada sobre a carcaça do peito, começou a falar com um vestígio de voz que lhe<br />

restava. Eram sons roufenhos, cheios de falhas e babujados de saliva.<br />

— Que o senhor doutor não se enfadasse! Ela vinha pedir-lhe uma<br />

caridadezinha, e saber se porventura havia alguma notícia de sua neta...<br />

164

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!