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A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Às vezes, nem que pretendesse desabituar-se de viver, fugia para um<br />

profundo cismar, de que só a custo desmergulhava estremunhada. Pedia nesses<br />

momentos que lhe abrissem a janela do quarto, e o seu olhar voava logo para o<br />

azul, como mensageiro da sua alma, que também não tardaria, com o mesmo<br />

destino, a desferir o vôo.<br />

— Ao amor! Ao prazer! Hurra! blasfemou o eco à fralda da serra da Tijuca.<br />

E o carro dos libertinos sumiu-se na primeira dobra da estrada.<br />

O campo recaiu na sua concentração<br />

A cadeirinha continuava no ponto em que a depuseram. O sol, ainda brando,<br />

derramava-se como uma bênção de amor, e nuvens de tênue fumo brancacento<br />

desfiavam-se no espaço, subindo dos vales como de um incensório religioso. O céu<br />

tinha uma consoladora transparência em que se lhe via a alma, pássaros cantavam<br />

em torno da tranqüila moribunda, ouvia-se o marulhar choroso das cascatas, a<br />

súplica dos ventos, a prece matinal dos ninhos. Toda a natureza parecia em oração.<br />

A moça pediu que lhe abrissem a porta do palanquim e, reclinada sobre o<br />

colo do pai, fitou o espaço com o seu olhar de turquesa úmida. O azul do céu<br />

compreendeu o azul daqueles olhos celestiais. Houve entre eles um idílio mudo e<br />

supremo.<br />

Ninguém em torno dava uma palavra, só se ouviam os murmúrios da mata,<br />

acordando ao sol, e os esgarçados ecos da música dos Meninos Desvalidos, que<br />

para além da serra tocava alvorada. A moça continuou a olhar para o azul, como se<br />

deixasse arrebatar lentamente pelos olhos. Encarou longo e longo tempo o espaço,<br />

sem pestanejar. Depois duas lágrimas lhe apontaram nas pálpebras imóveis e foram<br />

descendo silenciosas pela palidez das faces.<br />

Um sorriso que já não era da terra pairou um instante à superfície dos seus<br />

lábios puros.<br />

Estava morta.<br />

CAPÍTULO XXXIV<br />

O SABOR DA EXISTÊNCIA<br />

Terça-feira de carnaval, Gabriel acabava de acordar no seu quarto do<br />

"Provençaux" e permanecia na cama a pensar em Eugênia, quando lhe entregaram<br />

uma carta tarjada de negro que o convidava para o enterro dela.<br />

Ergueu-se soluçando, sem querer acreditar no que vinha escrito.<br />

Pois seria possível que aquela doce e mísera criatura se partisse desta vida,<br />

sem lhe deixar ao menos reduzir o novo desgosto, que ele involuntariamente lhe<br />

cravara no coração já tão magoado?... Pois então agora, quando justamente<br />

meditava ele os meios de reabilitar-se aos olhos dela, disposto a reagir por uma vez<br />

contra todas as degradações a que o arrastara a outra, é que Eugênia lhe fugia para<br />

sempre?... E lhe fugia levando consigo, no seu vôo externo, a lancinante impressão<br />

do último olhar que os dois entre si trocaram, ela de asas prestes a ganhar o azul,<br />

ele de rastros, a espolinhar-se no mais negro lodo da terra!<br />

— Pobre Eugênia! murmurou arquejando o desgraçado. Nem de te chorar<br />

são dignas estas impuras lágrimas nascidas em antro tão imundo. Perdoa-me<br />

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