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Deitou-se e pediu que lhe servissem chá antes de dormir. Foi ela própria<br />
levar-lhe ao leito uma chávena, em que tinha lançado duas gotas de ópio.<br />
Gaspar, depois de beber, sentiu um grande entorpecimento e adormeceu<br />
profundamente.<br />
Então, a um sinal da rapariga, acudiu da alcova imediata um homem<br />
musculoso, que se apoderou dele e o levou consigo.<br />
Gaspar foi carregado em trajes menores; todos os seus objetos de valor, o<br />
seu dinheiro e a sua roupa externa ficaram no quarto da ratoneira.<br />
O homem que o colheu atirou-o dentro de uma carruagem à porta da casa, e<br />
trepou para a boléia.<br />
O carro percorreu várias ruas, e afinal parou em uma das mais sombrias e<br />
desertas.<br />
O ladrão desceu então da boléia, sacou Gaspar da sege, deitou-se ao<br />
comprido do macadame, galgou de novo o seu posto e afastou-se fustigando os<br />
cavalos.<br />
A noite fizera-se escura e um vento frio ameaçava chuva. Gaspar continuava<br />
a dormir, estendido no chão.<br />
Só voltou a si às três horas da tarde. Ao abrir os olhos, reparou que estava<br />
deitado em um rico aposento, e que o tinham envolvido em magníficas casimiras e<br />
agasalhado os pés em edredão legítimo. Ao lado da cama, de pé, olhando para ele,<br />
havia uma mulher, que resplandecia em toda a exuberância de mocidade e beleza<br />
Gaspar supôs-se num sonho; esfregou os olhos, estendeu a cabeça. E a<br />
linda visão, com o mais amável dos sorrisos, passou-lhe uma das mãos no ombro e<br />
com a outra lhe fez sinal de silêncio.<br />
Ele tomou aquela mãozinha branca e nervosa e ficou a fitá-la por longo<br />
tempo. Depois traçou um circo com o olhar e perguntou verdadeiramente<br />
surpreendido de tudo que via em torno de si:<br />
— O que quer isto dizer? Onde me acho eu?!<br />
— Mais tarde o saberá, disse a bela desconhecida; por ora trate de fazer a<br />
sua toilette e tomar o chocolate que já está servido sobre aquela mesa. O senhor<br />
deve estar a cair de fraqueza.<br />
E saiu.<br />
Gaspar acompanhou-a com a vista, e procurou mentalmente descobrir a<br />
relação que havia nesta casa com a outra em que adormecera. Nada descobriu e<br />
resolveu aceitar o conselho que lhe dera a desconhecida. Foi ao toucador e<br />
preparou-se tomou em seguida o chocolate, e tratou de vestir-se. Mas embalde<br />
procurava pela roupa — no quarto só havia um robe-de-chambre de seda. Gaspar<br />
enfronhou-se nele.<br />
Tinha feito isto, quando sentiu passos. Era novamente a bela e misteriosa<br />
mulher.<br />
— Ainda bem, resmungou Gaspar um tanto impacientado.<br />
Ela voltou-se muito familiarmente para ele, e disse com a voz firme:<br />
— Antes de lhe explicar a razão pela qual espontaneamente o hospedei em<br />
minha casa, tenho a declarar-lhe que sou uma mulher honesta. Um pouco<br />
caprichosa talvez, mas com a consciência satisfeita pelo bom cumprimento do dever.<br />
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