A Condessa Vésper - Unama
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www.nead.unama.br O Barros, que era o gerente do hotel, mal os viu entrar, levantou-se a recebê-los com tal risinho açucarado, e mandou pela sorrelfa chamar lá em cima, com urgência, a Rosa Cantagalense. A Rosa Cantagalense, apesar de simples hóspede no hotel, podia a justo título dizer-se o braço direito do Barros, e tinha por isso, sobre as despesas extraordinárias a que obrigasse os fregueses de boa lá, certa percentagem que lhe era abatida nas próprias contas. Entre as muitas e variadíssimas tosquiadoras do principesco estabelecimento, era ela a única deveras perfeita naquele agronômico e astucioso trabalhinho, a única que sabia a primor tosar uma desgarrada ovelha, sem que desse por tal a paciente, enquanto não estivesse de todo tosquiada. A Cantagalense não desceu ao chamado do gerente; mando dizer que: "Ainda estava ocupada a despachar o mineiro..." O Barros subiu logo de carreira a ter com ela. Veio a loureira falar-lhe à porta do quarto, em meias e roupão de alcova: — É preciso esperar mais um pouco, segredou, a piscar o olho, no ardiloso tom que as regateironas põem nas suas palavras quando tratam de negócio. Agora é que ele está pegando no sono... — Fizeste-o gastar mais alguma cousa no quarto?... perguntou o Barros com interesse. — Fiz, respondeu a outra; creio que ele não deixará menos de uns duzentos mil-réis... — Bem; mas, avia-te daí, que és necessária lá embaixo. O Gabriel chegou já, e vem de troça! Estão todos meios prontos. — Eles que se vão servindo; eu já desço! O mineiro, que se achava recolhido ao quarto do hotel dos Príncipes, havia chegado esse mesmo dia de Minas, com intenção de assistir pacificamente às festas do carnaval do Rio. Às três e meia da tarde sentiu vontade de jantar, e a desgraça o levou ao hotel dos Príncipes. O mineiro comeu com apetite e achou até muito bom o que lhe serviram. Mas, enquanto comia, reparou que, de certa mesa, uma mulher bonitona olhava para ele com meiga insistência Era a Cantagalense, que nessa ocasião acabava de almoçar. O mineiro não se preocupou com isso, e continuou a atacar as vitualhas com uma considerável energia e um silêncio mais solene. À sobremesa, porém, a tentadora já havia levantado, e viera assentar-se à mesa imediata à do nosso mineiro. O bom homem fez-se da cor de uns marmelos em calda que nessa ocasião triturava, e só conseguiu levantar os olhos ao fim de alguns segundos. — A senhora é servida?... perguntou ele no gracioso sotaque da sua província. A loureira agradeceu e, com tal mimo lhe pediu que aceitasse um taça do seu vinho, que o amimado não resistiu ao convite. Para não ficar atrás, fez vir champanha. A moça então por sua conta e risco pediu uma salada de ananás cozido em madeira, um pudim negro e borgonha para destemperar o cliquot. Depois vieram charutos, cigarrilhos café e licores. 156
www.nead.unama.br Daí a nada, o mineiro recebia uma ardente declaração de amor e correspondia contando francamente a sua vida e os seus negócios. É inútil dizer que em seguida a isso as cousas foram muito longe, e que a dourada mosca, uma vez prisioneira nas teias da ardilosa aranha, tinha de ser chuchadinha até a última gota de sangue. O jantar de Gabriel, a que a sugadora do mineiro não faltou do meio para o fim, correu com todas as suas costumadas pândegas; pouco apetite, muita chalaça tola, muito riso forçado e grande variedade de vinhos. Às duas da madrugada, a Cantagalense deixou-se ficar no hotel, e os outros foram carnavalear um pouco aos "Tenentes do Diabo". Às quatro meteram-se de novo no carro, e mandaram tocar para a Tijuca, no meio de uma terrível gritaria. O Costa Mendonça, que ocupava o banco da frente com o Paiva, parecia ter pólvora no sangue e não ficava quieto um só instante. A Rita Beijoca achava-lhe tanta graça, que chegava a chorar à força de gargalhadas. Gabriel, meio deitado sobre ela, divertia-se em afagar-lhe o queixo. — Olha que me sufocas! observou a folgazã, tomando respiração com mais força. Não é assim tão levezinho que se possa levar ao colo! Põe-te direito! Mas Gabriel, prostrado de fadiga, fazia ouvidos de mercador. A Beijoca resignou-se a procurar por si posição menos incômoda. Mendonça calara-se afinal, e a viagem começava a tomar um caráter triste; agora só se ouvia de quando em quando a voz grossa do cocheiro, que arriscava a sua pilhéria para o carro. Ia se tornando aquilo aborrecido. — Champanha! gritou Juca, fazendo saltar a rolha de uma garrafa. Vem aí o dia! é preciso brindá-lo! Encheram-se as taças. A Rita, com o Gabriel ao colo, derramava-lhe o vinho na boca como se desse de beber a um pássaro. Ele, todo derreado, sorvia o líquido, indiferentemente. Costa Mendonça, que se queixava de suores frios, vomitava nessa ocasião, amparado pelo cocheiro. A sujeita e o Juca fingiam beber. Parecia haver entre os dois qualquer tácito concerto. — Ah! agora sou outro homem! exclamou Mendonça, erguendo-se, com o rosto sumamente lívido. Posso recomeçar... disse ele em tom sinistro. E emborcou uma taça de vinho. — Eu também sou filho de Deus! lembrou o cocheiro, vendo que lhe não ofereciam de beber. Passaram-lhe uma garrafa. Mendonça havia criado novo ânimo, mas foi por pouco tempo; dentro de meia hora caiu prostrado sobre as almofadas. A rapariga então, ajudada pelo Juca, pousou Gabriel sobre ele, deixando-os que dormissem à vontade, e em seguida, voltou-se para o outro e pegaram-se a beijos. 157
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O Barros, que era o gerente do hotel, mal os viu entrar, levantou-se a<br />
recebê-los com tal risinho açucarado, e mandou pela sorrelfa chamar lá em cima,<br />
com urgência, a Rosa Cantagalense.<br />
A Rosa Cantagalense, apesar de simples hóspede no hotel, podia a justo<br />
título dizer-se o braço direito do Barros, e tinha por isso, sobre as despesas<br />
extraordinárias a que obrigasse os fregueses de boa lá, certa percentagem que lhe<br />
era abatida nas próprias contas. Entre as muitas e variadíssimas tosquiadoras do<br />
principesco estabelecimento, era ela a única deveras perfeita naquele agronômico e<br />
astucioso trabalhinho, a única que sabia a primor tosar uma desgarrada ovelha, sem<br />
que desse por tal a paciente, enquanto não estivesse de todo tosquiada.<br />
A Cantagalense não desceu ao chamado do gerente; mando dizer que:<br />
"Ainda estava ocupada a despachar o mineiro..."<br />
O Barros subiu logo de carreira a ter com ela.<br />
Veio a loureira falar-lhe à porta do quarto, em meias e roupão de alcova:<br />
— É preciso esperar mais um pouco, segredou, a piscar o olho, no ardiloso<br />
tom que as regateironas põem nas suas palavras quando tratam de negócio. Agora<br />
é que ele está pegando no sono...<br />
— Fizeste-o gastar mais alguma cousa no quarto?... perguntou o Barros com<br />
interesse.<br />
— Fiz, respondeu a outra; creio que ele não deixará menos de uns duzentos<br />
mil-réis...<br />
— Bem; mas, avia-te daí, que és necessária lá embaixo. O Gabriel chegou<br />
já, e vem de troça! Estão todos meios prontos.<br />
— Eles que se vão servindo; eu já desço!<br />
O mineiro, que se achava recolhido ao quarto do hotel dos Príncipes, havia<br />
chegado esse mesmo dia de Minas, com intenção de assistir pacificamente às festas<br />
do carnaval do Rio.<br />
Às três e meia da tarde sentiu vontade de jantar, e a desgraça o levou ao<br />
hotel dos Príncipes.<br />
O mineiro comeu com apetite e achou até muito bom o que lhe serviram.<br />
Mas, enquanto comia, reparou que, de certa mesa, uma mulher bonitona olhava<br />
para ele com meiga insistência<br />
Era a Cantagalense, que nessa ocasião acabava de almoçar.<br />
O mineiro não se preocupou com isso, e continuou a atacar as vitualhas com<br />
uma considerável energia e um silêncio mais solene.<br />
À sobremesa, porém, a tentadora já havia levantado, e viera assentar-se à<br />
mesa imediata à do nosso mineiro.<br />
O bom homem fez-se da cor de uns marmelos em calda que nessa ocasião<br />
triturava, e só conseguiu levantar os olhos ao fim de alguns segundos.<br />
— A senhora é servida?... perguntou ele no gracioso sotaque da sua<br />
província.<br />
A loureira agradeceu e, com tal mimo lhe pediu que aceitasse um taça do<br />
seu vinho, que o amimado não resistiu ao convite.<br />
Para não ficar atrás, fez vir champanha. A moça então por sua conta e risco<br />
pediu uma salada de ananás cozido em madeira, um pudim negro e borgonha para<br />
destemperar o cliquot. Depois vieram charutos, cigarrilhos café e licores.<br />
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