A Condessa Vésper - Unama
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www.nead.unama.br — Não! Não! Faça favor! gritou Alfredo, segurando-lhe o braço. Nós também temos pressa! O patrão espera-me esta noite, e não posso faltar; é um caso grave de moléstia da filha... Por hoje estou farto de mistificações! Arre! Desde as duas da tarde que ando numa dobadoura! A Genoveva sonhou que a filha partia hoje, e quis vir cá; chegamos às três e meia, e encontramos a casa totalmente fechada. Daí fomos imediatamente à de seu padrasto, e ninguém lá nos pôde esclarecer patavina! Já tínhamos perdido as esperanças, quando, ao recolher-nos de volta, encontramos perto do matadouro o cocheiro Jorge, que se compadeceu do estado de ansiedade desta pobre mãe, e disse-lhe: "À senhora devo falar com franqueza! Se quiser encontrar sua filha, tome um bote e vá a bordo do paquete francês Mensageur, que parte hoje para a Europa; D. Ambrosina segue na companhia do Dr. Gabriel. Eles aqui não podiam continuar a viver juntos". Nós como o senhor pode calcular, não esperamos por mais nada e seguimos para o cais Pharoux. Gastamos um bom tempo na viagem, não apareceu um carro e tivemos de tomar um bonde da linha Vila Isabel, que é a pior das linhas de bondes! Quando chegamos à praia, passava das cinco; tomamos um escaler e dissemos ao catraeiro que nos levasse a bordo do tal paquete. O homem obedeceu, mas em viagem declarou-nos talvez não nos deixassem entrar, porque era natural que já tivessem levantado ferro. Foi justamente o que sucedeu! não chegamos a tempo! O mar estava contrário, o escaler jogava mais do que andava... E ao tiro das seis, eu e D. Genoveva, vimos o Mensageur largar para fora da barra. Ela chorava que nem uma criança e, como não havia jantado, principiou a sentir ânsias e vagados. Contudo exigiu de mim que a acompanhasse imediatamente até cá. Não contávamos encontrar ninguém; ao senhor, pelo menos, já o fazíamos em caminho para o estrangeiro. Gabriel, porém, cortou-lhe a palavra. A notícia da saída do paquete acabava de esmagar-lhe a última esperança. — Mas, com todos os diabos! gritou ele, segurando a cabeça com ambas as mãos. Parece que há um gênio diabólico a tramar contra todos os meus atos! Alfredo e Genoveva retraíram-se assustados com os gritos do rapaz. Este continuava a praguejar, passeando muito agitado em todo o comprimento da sala. — Eu pensei que o senhor estivesse a par de tudo, disse timidamente a mãe de Ambrosina. — Não estou a par de cousa alguma, minha senhora! Olhe! leia essa carta de sua filha, ela talvez elucide a situação. Pode também ler a outra dirigida a mim, e afinal esta! acrescentou ele, ajuntando do chão a carta de Laura; esta foi a que pôs aquela mísera criatura no estado em que se acha! Alfredo e Genoveva armaram os competentes óculos, e dispuseram a proceder à leitura das cartas de Ambrosina. Jorge soltou um ronco mais forte e deu um estremeção com todo o corpo. Só então foi que Genoveva reparou para a vigorosa figura do cocheiro estatelada sobre a cama. — Valha-me Deus! Que têm este homem?!... exclamou ela, espavorida. 148
www.nead.unama.br — Sua filha poderia responder-lhe muito melhor do que eu... disse Gabriel, possuindo-se agora de tristeza. — Minha filha?! Mas o que fez ela a este homem?! — Fez simplesmente todo o mal que lhe podia fazer, roubou-lhe a sua única esperança, a sua única consolação! Esse homem, que a senhora aí vê, era um homem feliz, um honesto cocheiro; vivia do seu trabalho, amassava o seu pão com o suor de todos os dias, não desconfiava de ninguém, porque a ninguém prejudicava, tinha a consciência limpa e o coração alegre. Mas um dia lembrou-se de proteger uma desgraçada que encontrou na rua, perseguida por um doido que a queria matar. A fadiga, o terror e a embriaguez haviam-na prostrado; ele não hesitou, carregou com ela para casa, deu-lhe um talher à mesa e um lugar na cama de sua filha. Genoveva sentiu vontade de chorar. Alfredo havia já compreendido a situação, e saíra imediatamente em busca de médico. — Pois bem! continuou Gabriel, sempre possuído de urna grande mágoa; a protegida do cocheiro, logo que se sentiu melhor, pagou todos os desvelos recebidos, seduzindo e arrastando consigo a filha do seu benfeitor.. — O que me faltará saber?! exclamou Genoveva em sobressalto. Gabriel continuou: — A vítima de Ambrosina deixou ao pai essa carta, que a senhora tem às mãos... O desgraçado caiu fulminado ao lê-la, e creio que nunca mais se levantará... Sua filha o matou! — Valha-me Deus! Valha-me Deus! repetia a desventurada mãe, achegando-se cheia de comoção para o corpo de Jorge. E enquanto lhe desafrontava ela a garganta e o estômago, Gabriel monologava a um canto, com uma voz arrastada e confusa, como se estivesse delirando. Não havia aquilo de ficar ali! profetizava ele; outras vítimas seriam arrastadas à ignomínia e à morte por aquela malvada! E ela, triunfante e cínica, iria por diante, envenenando com seus lábios todas as bocas que a beijassem, secando no seu peito, insaciável de luxúria, a púbere flor de todos os vinte anos que encontrasse no caminho! Arcanjo maldito, suas asas só para baixo serviriam no vôo, e um dia afinal, quando lhe caísse a máscara formosa, o mesmo inferno haveria de repudiá-la com asco! Jorge permanecia imóvel. Tinha os olhos muito abertos, fitos e raiados de sangue, a boca torcida, mostrando parte da dentadura, que se destacava do negrume das barbas e da roxidão da cara com um sorriso abominável. Genoveva ajoelhara-se ao lado da cama, e dizia entredentes a oração dos moribundos. Ao fundo da alcova, Gabriel derramava sobre os dois um olhar dolorido e vago. Postura e gesto, tudo nele dizia grande desapego à vida e uma completa ausência de si próprio. Apoiava-se a um móvel com o cotovelo, e com a mão correspondente amparava a cabeça em desalinho. Havia mais indiferença do que mágoa na sua graciosa boca mal cerrada. A febre punha-lhe tons cor-de-rosa na 149
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— Sua filha poderia responder-lhe muito melhor do que eu... disse Gabriel,<br />
possuindo-se agora de tristeza.<br />
— Minha filha?! Mas o que fez ela a este homem?!<br />
— Fez simplesmente todo o mal que lhe podia fazer, roubou-lhe a sua única<br />
esperança, a sua única consolação! Esse homem, que a senhora aí vê, era um<br />
homem feliz, um honesto cocheiro; vivia do seu trabalho, amassava o seu pão com o<br />
suor de todos os dias, não desconfiava de ninguém, porque a ninguém prejudicava,<br />
tinha a consciência limpa e o coração alegre. Mas um dia lembrou-se de proteger<br />
uma desgraçada que encontrou na rua, perseguida por um doido que a queria<br />
matar. A fadiga, o terror e a embriaguez haviam-na prostrado; ele não hesitou,<br />
carregou com ela para casa, deu-lhe um talher à mesa e um lugar na cama de sua<br />
filha.<br />
Genoveva sentiu vontade de chorar. Alfredo havia já compreendido a<br />
situação, e saíra imediatamente em busca de médico.<br />
— Pois bem! continuou Gabriel, sempre possuído de urna grande mágoa; a<br />
protegida do cocheiro, logo que se sentiu melhor, pagou todos os desvelos<br />
recebidos, seduzindo e arrastando consigo a filha do seu benfeitor..<br />
— O que me faltará saber?! exclamou Genoveva em sobressalto.<br />
Gabriel continuou:<br />
— A vítima de Ambrosina deixou ao pai essa carta, que a senhora tem às<br />
mãos... O desgraçado caiu fulminado ao lê-la, e creio que nunca mais se levantará...<br />
Sua filha o matou!<br />
— Valha-me Deus! Valha-me Deus! repetia a desventurada mãe,<br />
achegando-se cheia de comoção para o corpo de Jorge.<br />
E enquanto lhe desafrontava ela a garganta e o estômago, Gabriel<br />
monologava a um canto, com uma voz arrastada e confusa, como se estivesse<br />
delirando.<br />
Não havia aquilo de ficar ali! profetizava ele; outras vítimas seriam<br />
arrastadas à ignomínia e à morte por aquela malvada! E ela, triunfante e cínica, iria<br />
por diante, envenenando com seus lábios todas as bocas que a beijassem, secando<br />
no seu peito, insaciável de luxúria, a púbere flor de todos os vinte anos que<br />
encontrasse no caminho! Arcanjo maldito, suas asas só para baixo serviriam no vôo,<br />
e um dia afinal, quando lhe caísse a máscara formosa, o mesmo inferno haveria de<br />
repudiá-la com asco!<br />
Jorge permanecia imóvel. Tinha os olhos muito abertos, fitos e raiados de<br />
sangue, a boca torcida, mostrando parte da dentadura, que se destacava do<br />
negrume das barbas e da roxidão da cara com um sorriso abominável.<br />
Genoveva ajoelhara-se ao lado da cama, e dizia entredentes a oração dos<br />
moribundos.<br />
Ao fundo da alcova, Gabriel derramava sobre os dois um olhar dolorido e<br />
vago. Postura e gesto, tudo nele dizia grande desapego à vida e uma completa<br />
ausência de si próprio. Apoiava-se a um móvel com o cotovelo, e com a mão<br />
correspondente amparava a cabeça em desalinho. Havia mais indiferença do que<br />
mágoa na sua graciosa boca mal cerrada. A febre punha-lhe tons cor-de-rosa na<br />
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