A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br "Amanhã estarás livre, e depois de amanhã estaremos de partida. Se alguém te falar a meu respeito, finge que me supões longe, e, logo que te aches desembaraçado, corre a procurar-me onde já te indiquei. "Toda cautela é pouca! Pelo sim, pelo não, rasga a esta carta... "Tua sempre — Ambrosina." Miserável! disse afetadamente o Melo, depois da leitura; Enganou-me! fugiu! E apeando-se por sua vez, acrescentou para Jorge: — Estou à sua disposição... O cocheiro fez soar a aldrava da porta, e entregou o carro a um negro que veio abrir; em seguida intimou com um gesto Melo Rosa a penetrar na casa, e entrou após dele, dando duas voltas à fechadura e recolhendo a chave. Entretanto, vejamos o que por esse tempo fazia Ambrosina. A ardilosa rapariga, logo que Gabriel saiu de casa e enquanto lá fora era o velhaco Melo Rosa rastejado pelo pai de Laura, ficava com esta em completa independência na casinha de Laranjeiras. — Não podemos agora perder um instante! disse ela à infeliz cúmplice, quando se acharam a sós. — Mas, o que me cumpre fazer? perguntou Laura. — Mudares de roupa e te dispores a partir imediatamente comigo... — Partimos então hoje para a Europa? — Tolinha! Isso seria o mesmo que nos metermos numa ratoeira, porque Gabriel, logo que se achasse livre, expediria um telegrama para o primeiro porto, e eu seria presa como criminosa. Talvez não o fosse... ele me adora a tal ponto, que não teria ânimo naturalmente de proceder contra mim; mas o mesmo não sucede a respeito do teu pai, que para se vingar por lhe haver eu roubado a filha, seria capaz de entregar-me à justiça! O que fazermos então?... Nada mais simples: Sairemos quanto antes desta casa, deixaremos aqui aquelas cartas que são — uma para teu pai, outra para Gabriel, outra para o Melo Rosa e outra para minha mãe, e tomaremos, não o paquete do Havre, mas sim um vapor brasileiro, que segue hoje mesmo para o norte. Com a leitura daquelas cartas e com a conclusão que provavelmente hão de tirar dos fatos, eles nos julgarão navegando para Europa e encaminharão para esse lado todas as suas pesquisas. Nós, entretanto, munidas de dinheiro como estamos, faremos simplesmente o seguinte: vamos daqui à agência, compramos duas passagens, metemo-nos a bordo, e às quatro horas estamos de partida. Para viajar dentro do Brasil, não precisamos de passaporte, porque somos brasileiras. Chegados, porém à Bahia, encerramo-nos em um hotel, até que tenhamos um paquete para a Europa. Então, o passaporte de Gabriel servir-nos-á admiravelmente... Tu te vestes de rapaz com essas roupas que levamos aí e ficarás sendo o Sr. Gabriel de Los Rios, meu marido, e continuarei a ser Ambrosina, tua esposa... Dessa forma, não seremos encontradas e, dentro de poucos dias, estaremos fora do alcance de qualquer perseguição. Laura escutava tudo isto com um ar tímido e irresoluto. Batia-lhe o coração com ansiedade sob o peso de um terror indefinido. Ambrosina compreendeu a comoção da pequena. 144

www.nead.unama.br — Coitadinha! disse. Como és ainda ingênua!... Mas, não te assustes, não tenhas receio, que te não sucederá cousa alguma!... A culpa de tudo será lançada à minha conta!... Não tens de que te envergonhar, não foges com um homem, e sim comigo, que te conservarei pura! E beijou-a. — Porém, meu pai?! — Mau! mau! não entremos nessas considerações! Não há tempo para isso. Deita o chapéu, que o carro não tardará aí. Com efeito, pouco depois, rodava um carro à porta da rua. — Pronto! Podemos ir! disse Ambrosina, tomando a sua bolsa, enquanto a outra fechava as janelas da casa. Depois saíram pelo portão do jardim, cuja chave escondeu aquela em certo cantinho entre as grades de ferro, como costumava fazer quando aí vivia com Gabriel. A bagagem das duas raparigas constava de uma simples mala. Ambrosina fez o cocheiro colocá-la no banco da frente do carro, e assentou-se no de trás com a companheira. Eram duas e meia da tarde. Pouco falaram durante a viagem. Ambrosina ia preocupada, e a outra sobressaltada. Todavia, nenhum obstáculo encontraram na agência para obter os respectivos bilhetes de passagem, e às três e meia achavam-se instaladas, no mesmo beliche, a bordo de um dos vapores da Companhia Brasileira. Por este tempo, como vimos Gabriel oferecia dinheiro ao homem do escaler para o largar em terra. Só às quatro horas já passadas conseguiu meter-se em um carro e disparar para Laranjeiras. Chegou à casa pouco antes das cinco. Ao não encontrar as portas abertas, sentiu logo uma pancada no coração. Bateu repetidas vezes, e ninguém respondeu. Aquela sinistra tarde lhe parecia apressada e impaciente por chamar a noite; e o silêncio, o abandono, as primeiras sombras faziam um doloroso conjunto de tristeza, que mais funda enterrava a agonia no peito do desgraçado. Gabriel passeou em torno da casa, como um faminto que ronda o celeiro defeso. Afinal, deu com a chave da porta do jardim e penetrou na antecâmara do seu dormitório. — Cheguei tarde! exclamou ele, atirando-se a soluçar numa cadeira. A ingrata fugiu com aquele canalha! (E sentiu uma vontade brutal de estrangular o Melo Rosa). Ah! mas o vapor só sairá às seis e meia, e eu terei tempo de alcançálos! Dizendo isto, ergueu-se, disposto a sair de novo em perseguição dos criminosos. Foi nessa ocasião que reparou para as quatro cartas, depostas sobre o toucador por Ambrosina. Uma carta dirigida ao Melo Rosa?... pensou. É singular! 145

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"Amanhã estarás livre, e depois de amanhã estaremos de partida. Se<br />

alguém te falar a meu respeito, finge que me supões longe, e, logo que te aches<br />

desembaraçado, corre a procurar-me onde já te indiquei.<br />

"Toda cautela é pouca! Pelo sim, pelo não, rasga a esta carta...<br />

"Tua sempre — Ambrosina."<br />

Miserável! disse afetadamente o Melo, depois da leitura; Enganou-me! fugiu!<br />

E apeando-se por sua vez, acrescentou para Jorge:<br />

— Estou à sua disposição...<br />

O cocheiro fez soar a aldrava da porta, e entregou o carro a um negro que<br />

veio abrir; em seguida intimou com um gesto Melo Rosa a penetrar na casa, e<br />

entrou após dele, dando duas voltas à fechadura e recolhendo a chave.<br />

Entretanto, vejamos o que por esse tempo fazia Ambrosina.<br />

A ardilosa rapariga, logo que Gabriel saiu de casa e enquanto lá fora era o<br />

velhaco Melo Rosa rastejado pelo pai de Laura, ficava com esta em completa<br />

independência na casinha de Laranjeiras.<br />

— Não podemos agora perder um instante! disse ela à infeliz cúmplice,<br />

quando se acharam a sós.<br />

— Mas, o que me cumpre fazer? perguntou Laura.<br />

— Mudares de roupa e te dispores a partir imediatamente comigo...<br />

— Partimos então hoje para a Europa?<br />

— Tolinha! Isso seria o mesmo que nos metermos numa ratoeira, porque<br />

Gabriel, logo que se achasse livre, expediria um telegrama para o primeiro porto, e<br />

eu seria presa como criminosa. Talvez não o fosse... ele me adora a tal ponto, que<br />

não teria ânimo naturalmente de proceder contra mim; mas o mesmo não sucede a<br />

respeito do teu pai, que para se vingar por lhe haver eu roubado a filha, seria capaz<br />

de entregar-me à justiça! O que fazermos então?... Nada mais simples: Sairemos<br />

quanto antes desta casa, deixaremos aqui aquelas cartas que são — uma para teu<br />

pai, outra para Gabriel, outra para o Melo Rosa e outra para minha mãe, e<br />

tomaremos, não o paquete do Havre, mas sim um vapor brasileiro, que segue hoje<br />

mesmo para o norte. Com a leitura daquelas cartas e com a conclusão que<br />

provavelmente hão de tirar dos fatos, eles nos julgarão navegando para Europa e<br />

encaminharão para esse lado todas as suas pesquisas. Nós, entretanto, munidas de<br />

dinheiro como estamos, faremos simplesmente o seguinte: vamos daqui à agência,<br />

compramos duas passagens, metemo-nos a bordo, e às quatro horas estamos de<br />

partida. Para viajar dentro do Brasil, não precisamos de passaporte, porque somos<br />

brasileiras. Chegados, porém à Bahia, encerramo-nos em um hotel, até que<br />

tenhamos um paquete para a Europa. Então, o passaporte de Gabriel servir-nos-á<br />

admiravelmente... Tu te vestes de rapaz com essas roupas que levamos aí e ficarás<br />

sendo o Sr. Gabriel de Los Rios, meu marido, e continuarei a ser Ambrosina, tua<br />

esposa... Dessa forma, não seremos encontradas e, dentro de poucos dias,<br />

estaremos fora do alcance de qualquer perseguição.<br />

Laura escutava tudo isto com um ar tímido e irresoluto. Batia-lhe o coração<br />

com ansiedade sob o peso de um terror indefinido.<br />

Ambrosina compreendeu a comoção da pequena.<br />

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