A Condessa Vésper - Unama
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www.nead.unama.br — Mas, continuou ela; para que Gabriel não nos embargue a fuga, é mister que, antes de me procurares, já tenhas providenciado sobre e1e... — Como assim?... perguntou Melo Rosa, seguindo com todo o interesse as palavras da rapariga. — Diz-me uma cousa, Melo! estás seriamente resolvido a fugir amanhã comigo, ocupando tu o lugar de Gabriel?!... — Se estou resolvido? É boa! Achas então que eu chegaria a este ponto e recuaria agora defronte de qualquer dificuldade?... Nunca me arrependo do que faço; disse que ia contigo, e irei! Afinal para isso é preciso cometer um crime? Bem! eu cometerei! O amor fez de mim um ladrão? Seja! Eu roubarei os vinte contos de réis de Gabriel para poder acompanhar-te! Estou resolvido a tudo! — Ah! exclamou Ambrosina; acredito agora que me ames! Só nestas situações melindrosas, em que jogamos a vida e a honra, é que se pode reconhecer amor verdadeiro; esse que não aceita barreiras, nem conveniências de nenhuma ordem! Eu serei a tua cúmplice, e nunca me arrependerei disso. "Tudo que é inspirado pelo amor, disse George Sand, é sempre belo e sublime!" E foi só o amor que nos inspirou! — E perguntas ainda se estou resolvido a fugir contigo!... — Pois bem! assentou Ambrosina, segurando com veemência as mãos de Melo Rosa; para podermos fugir, é necessário que Gabriel amanhã as quatro horas da tarde esteja preso sem lugar seguro donde não possa sair antes de nossa partida... E esse o único meio que temos para não nos ser embargada a viagem! Melo Rosa concentrou-se. — E onde será ele encontrado por essa hora? perguntou afinal, depois de uma pausa. — Onde eu quiser! respondeu friamente Ambrosina. O que preciso saber ao certo é se te podes encarregar, com segurança, de dar as providências necessárias para que ele seja preso. — Posso... disse Meio, depois de uma nova pausa. — Mas, repara bem para o que prometes... observou-lhe a embusteira com um olhar sério. Se não conseguires retê-lo, não poderemos fugir, e tu serás preso como ladrão! Vê lá! E fez por sua vez uma pausa, para estudar na fisionomia do rapaz a impressão causada por suas palavras. — Gabriel, prosseguiu ela, conta partir amanhã, comigo pelo transporte da linha francesa. Eu me encarregarei das malas, e ele ganhará a rua logo depois do almoço. Hoje à noite já o dinheiro estará em meu poder. Tens por conseguinte de arranjar as cousas de modo que o bobo às quatro da tarde já esteja preso em lugar seguro, e nós perfeitamente senhores do campo, sem risco de que alguém nos possa tolher o vôo. Passaportes, licenças, bilhetes, tudo amanhã se achará em minhas mãos. Gabriel é muito pouco conhecido, tu facilmente passarás por ele... Se te falta, porém a coragem para tudo isto; se és homem medroso, um homem de meia resolução, melhor será que desde já desistas dos teus projetos. Sem uma boa dose de energia, nada se fará. 134
www.nead.unama.br — Parece que zombas de mim, Ambrosina! Algum dia já me viste hesitar diante de qualquer embaraço? Juro-te por minha honra que Gabriel, amanhã às quatro horas da tarde, estará incomunicável! E tu, por essa mesma ocasião, à minha procura lá em casa, não é verdade? — Sim! Podes ter certeza. Mas ainda preciso do teu auxílio... — Para quê? — É preciso que deixes uma carta dirigida ao Gabriel, e que a faças chegar diretamente às mãos deste, amanhã pela volta das duas da tarde. — Pois não, respondeu Ambrosina, sem conter um sorriso, que lhe provocava a consciência do fato. E assentou-se a uma mesa para escrever. — Vamos lá! disse ela. — "Gabriel" — ditou Melo Rosa. — Nunca o trato, assim, observou Ambrosina; e escreveu, repetindo em voz alta: — "Meu amor". — Bem! concordou o Melo. Escreve agora: "Hoje, às duas horas da tarde, é necessário que estejas presente à penhora que vai sofrer o nosso Jorge. Gaspar acha-se longe e não lhe pode valer. Fui tão protegida e obsequiada por aquela boa gente, que não tenho ânimo de ficar silenciosa em semelhante ocasião. Vai, pois, e socorre-os". — Agora, assina. — Espera, disse a rapariga. Preciso acrescentar alguma cousa por minha conta. E escreveu mais: "Laura não assistirá à constrangedora ação da justiça, porque estará em minha companhia. É urgente que vás; precisamos, como sabes, dos serviços de Jorge para a nossa viagem... "Escrevo-te, pela impaciência em que me vejo de comunicar-te esta desgraça. Agora mesmo foi que me chegou aos ouvidos tal notícia. Estimarei muito que esta carta seja completamente inútil, e que tu a estas horas tenhas restituído já a pobre família do cocheiro à sua primitiva tranqüilidade. "Ao menos, em nossa viagem, levaremos ainda na alma o gosto de uma boa ação. Creio que melhor não nos poderíamos despedir da pátria. ‘Tua — Ambrosina." — Agora, sim; disse ela, metendo a carta no envelope, depois de ler em voz alta o que escreveu. Pronto! E subscritou-o com o nome de Gabriel. Feito isto, a pérfida levantou-se declarando que não tinha tempo a perder. Havia muito ainda em que cuidar! Melo Rosa queixava-se de que ela fosse assim, sem pagar ao amor os devidos tributos. — Teremos depois muito tempo para isso, respondeu a visita já na porta do quarto. Coragem e energia, que será bem recompensado! 135
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— Parece que zombas de mim, Ambrosina! Algum dia já me viste hesitar<br />
diante de qualquer embaraço? Juro-te por minha honra que Gabriel, amanhã às<br />
quatro horas da tarde, estará incomunicável!<br />
E tu, por essa mesma ocasião, à minha procura lá em casa, não é verdade?<br />
— Sim! Podes ter certeza. Mas ainda preciso do teu auxílio...<br />
— Para quê?<br />
— É preciso que deixes uma carta dirigida ao Gabriel, e que a faças chegar<br />
diretamente às mãos deste, amanhã pela volta das duas da tarde.<br />
— Pois não, respondeu Ambrosina, sem conter um sorriso, que lhe<br />
provocava a consciência do fato. E assentou-se a uma mesa para escrever.<br />
— Vamos lá! disse ela.<br />
— "Gabriel" — ditou Melo Rosa.<br />
— Nunca o trato, assim, observou Ambrosina; e escreveu, repetindo em voz<br />
alta:<br />
— "Meu amor".<br />
— Bem! concordou o Melo. Escreve agora:<br />
"Hoje, às duas horas da tarde, é necessário que estejas presente à penhora<br />
que vai sofrer o nosso Jorge. Gaspar acha-se longe e não lhe pode valer. Fui tão<br />
protegida e obsequiada por aquela boa gente, que não tenho ânimo de ficar<br />
silenciosa em semelhante ocasião. Vai, pois, e socorre-os".<br />
— Agora, assina.<br />
— Espera, disse a rapariga. Preciso acrescentar alguma cousa por minha<br />
conta. E escreveu mais:<br />
"Laura não assistirá à constrangedora ação da justiça, porque estará em<br />
minha companhia. É urgente que vás; precisamos, como sabes, dos serviços de<br />
Jorge para a nossa viagem...<br />
"Escrevo-te, pela impaciência em que me vejo de comunicar-te esta<br />
desgraça. Agora mesmo foi que me chegou aos ouvidos tal notícia. Estimarei muito<br />
que esta carta seja completamente inútil, e que tu a estas horas tenhas restituído já<br />
a pobre família do cocheiro à sua primitiva tranqüilidade.<br />
"Ao menos, em nossa viagem, levaremos ainda na alma o gosto de uma boa<br />
ação. Creio que melhor não nos poderíamos despedir da pátria.<br />
‘Tua — Ambrosina."<br />
— Agora, sim; disse ela, metendo a carta no envelope, depois de ler em voz<br />
alta o que escreveu. Pronto!<br />
E subscritou-o com o nome de Gabriel.<br />
Feito isto, a pérfida levantou-se declarando que não tinha tempo a perder.<br />
Havia muito ainda em que cuidar!<br />
Melo Rosa queixava-se de que ela fosse assim, sem pagar ao amor os<br />
devidos tributos.<br />
— Teremos depois muito tempo para isso, respondeu a visita já na porta do<br />
quarto. Coragem e energia, que será bem recompensado!<br />
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