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E o grande fato é que, ao fim de algum tempo, todo o seu esforço principiava<br />
já a produzir o desejado efeito, e o caixeiro contava todos os meses o fruto das suas<br />
economias, amontoadas com o sacrifício de todos os instantes.<br />
Pôde então realizar uma idéia, que lhe trabalhava havia muito no cérebro:<br />
escrever no Jornal do Comércio uma série de mofinas contra o coronel.<br />
Moscoso, uma noite depois do trabalho, foi à redação daquela folha e<br />
entregou a primeira à publicação.<br />
A mofina dizia assim:<br />
"Pergunta-se ao coronel Pinto Leite por que razão S. S. não entra em<br />
explicação de contas a respeito de certa viúva da cidade?... — A sentinela."<br />
Consistiu nestas estranhas palavras a primeira mofina do comendador.<br />
Ninguém as sabia explicar, não tinham fundamento algum, eram inventadas; mas<br />
quem as lesse ficaria com o juízo suspenso, diria talvez consigo que ali andava<br />
misteriosa e grossa maroteira; e era isso justamente o que Moscoso desejava, era<br />
levantar dúvida, promover desconfiança, arranjar qualquer prevenção contra o<br />
coronel.<br />
Este, quando viu a mofina, riu-se, persuadindo-se vítima de algum engano.<br />
Mas em breve se convenceu do contrário, porque o fato começou a repetir-se.<br />
Moscoso punha já de parte certa verba para aquela despesa; a mofina<br />
entrou no seu orçamento ao lado do dinheiro para o cabeleireiro e para o rol da<br />
roupa suja. De quinze em quinze dias apareciam elas impreterivelmente, com uma<br />
regularidade impressionadora.<br />
O coronel já não ria, sacudia os ombros, e ao ver passar o redator-chefe do<br />
jornal, o Luís de Castro, torcia o nariz com repugnância.<br />
Entretanto, pouco depois, Ana foi pedida por um empregado público, e o pai<br />
deu-a de bom grado.<br />
Moscoso, por portas travessas, fez o que pôde para desmanchar o<br />
casamento. Serviu-se da carta anônima, não trepidou em difamar a filha do coronel,<br />
atribuindo ao próprio pai dela a autoria da sua desonra; mas nada disso produziu<br />
efeito, e o invejoso teve de roer na obscuridade de seu ódio mais essa decepção.<br />
Ah! o que o havia de vingar eram as mofinas! para isso estava ali o Jornal do<br />
Comércio!<br />
E Moscoso meneava a cabeça, com a calma e a resignação de quem tem<br />
toda a confiança na sua paciência e plena certeza de alcançar os seus fins.<br />
— Havia de vingar-se, olé! repetia consigo de vez em quando. Seu tempo de<br />
gozo havia de chegar!...<br />
Por essa época sucedeu que o dono da casa comercial em que estava ele<br />
empregado, fosse acometido mais fortemente pela moléstia que padecia.<br />
Moscoso tornou-se desvelado e incansável com o patrão, a quem passou a<br />
servir de enfermeiro. Perdia noites, andava na ponta dos pés, só falava à meia voz e<br />
vivia amarelo, feio e taciturno.<br />
Assim se passaram cinco meses, sem uma queixa, sem uma exigência.<br />
Afinal o patrão uma noite o chamou ao quarto e, mostrando-lhe uma rapariga, que<br />
criara e com quem vivia, disse-lhe com as lágrimas nos olhos:<br />
— Moscoso! eu sou um homem rico, tenho esta pequena que eduquei como<br />
filha, sinto que vou morrer e não deixo família para herdar. Mortifica-me a idéia de<br />
ficar aí tanto dinheiro, que representa o meu trabalho da vida inteira exposto a cair<br />
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