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— Vais morrer! Vais morrer, Gabriel? e é para isso que te despedes de<br />
mim!... Mas, ingrato! tens tu a coragem de abandonar-me, sabendo quanto eu te<br />
amo?! Egoísta! Vais morrer, vais descansar, enquanto eu cá fico para sofrer, para<br />
morrer todos os dias e a todos os instantes!<br />
E desviando-se dele, acrescentou:<br />
— Podes ir! Vai! Mata-te! Afinal nenhuma obrigação tens de ficar ao meu<br />
lado! Eu é que jamais devia ter contado com o teu amor! Quem me mandou ligar a ti<br />
a minha felicidade, a minha vida e todas as minhas esperanças? Vai! Vai! cá me fica<br />
nas entranhas alguém que te represente!<br />
— Que queres dizer?! exclamou Gabriel, segurando-lhe os pulsos, e<br />
ferrando-lhe um olhar alucinado.<br />
— Sou mãe! resumiu Ambrosina.<br />
Gabriel abraçou-a pela cintura, e deu-lhe um beijo na testa.<br />
— Não! já não morrerei! Serei o pai de meu filho!<br />
— Mas... partiremos?<br />
— Sim, nem podia ser de outro modo... Prometi a Gaspar não voltar a teus<br />
braços; confessar-lhe, frente a frente, que me faltou coragem para cumprir a<br />
promessa, seria impossível! Prefiro fugir.<br />
— Então, sairemos do Brasil, não é verdade? Iremos por aí afora, numa<br />
peregrinação de boêmios felizes. Depois de percorrermos toda a Europa,<br />
armaremos em Paris a nossa tenda... Tu serás meu, exclusivamente meu!<br />
Tomaremos um modesto alojamento no Bairro Latino; tu te farás muito trabalhador e<br />
muito estudioso, e eu um modelo de economia e de simplicidade! Mas convém que o<br />
Gaspar não desconfie absolutamente desses nossos projetos e para isso, segredava<br />
Ambrosina, abaixando a voz; eu não voltarei à casa, e ele suporá que continuamos<br />
brigados... Entretanto, tu cuidarás o mais depressa possível do que pudermos<br />
precisar, e dentro de poucos dias, estaremos de viagem! Heim? que te parece?... E<br />
pensavas em morrer!<br />
Gabriel olhava para ela com ar idiota. Sua consciência dizia-lhe de dentro<br />
que tudo aquilo era mau, era infame; afinal estava o ingrato a conspirar, de parceria<br />
com uma mulher sem dignidade, contra o único homem que até aí se mostrara<br />
deveras seu amigo e concentrara nele toda a sua família.<br />
E tão seguramente reconheceu Gabriel a razão deste raciocínio, que não se<br />
animou desta vez a discutir com a ralhadora da consciência; e, para escapar à<br />
maldita voz que o acusava por dentro, pôs-se a pensar nas delícias que lhe oferecia<br />
o projeto de Ambrosina. As viagens e os prazeres em companhia dela passaram-lhe<br />
pelo espírito num turbilhão vertiginoso; e ele, sem idéia justa de tudo quanto tinha a<br />
gozar, via a projetada existência através de um nevoeiro espesso dentre o qual<br />
sobressaía sempre o vulto formoso da amante, esse perfeitamente nítido, a<br />
estender-lhe os braços nus. Paris, Londres, Madri, surgiam-lhe na mente, como<br />
vistas teatrais numa apoteose de seu amor.<br />
— Então? perguntou Ambrosina, afagando-lhe os cabelos; pensas ainda em<br />
morrer?<br />
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