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— Juro-te que não! replicava o Coração, sempre com a sua vozinha<br />
hipócrita; prometo que não havemos de demorar ao lado d’Ela! Aquilo é chegar,<br />
fazer as despedidas, e pedir as suas ordens para o outro mundo!<br />
— Sim! sim! bradava a Razão. Já te conheço as lábias, meu finório! Não é a<br />
mim que embaças! Está bem aviado quem se guiar por ti!<br />
E o Coração protestou, jurou, suplicou, e afinal começou a soluçar.<br />
A Razão reagiu ainda, apresentou seus melhores argumentos; mas o diabo<br />
do Coração, tanto fez, tanto chorou, tanto prometeu, que a tola da Razão teve de<br />
ceder, e Gabriel tomou o caminho da Praia do Russell.<br />
E o rapaz, desde que se resolveu a ver pela última vez Ambrosina com<br />
pretexto de despedir-se dela, sentiu um grande alívio em todo o seu ser, e logo um<br />
suave contentamento a refrescar-lhe a alma; mas a Razão, que continuava de nariz<br />
torcido, aproveitou-se da distração dele e tirou sorrateiramente do seio um alfinete.<br />
Gabriel não deu por isso e lá ia aos encontrões pela rua, procurando<br />
acompanhar a sua fantasia que, mal tomara o tímido aquela resolução, partira na<br />
frente, a galope, para junto de Ambrosina. E, donde estava, via-se ele já ao lado<br />
dela, sentindo-lhe o aroma e a doçura.<br />
Imaginava então entre os dois um mudo encontro orvalhado de lágrimas. Ele<br />
afinal balbuciara o Adeus supremo, envolvendo-a num beijo de toda a alma,<br />
sombrio, imenso e silencioso como a própria morte que o esperava lá fora.<br />
— Perdoa! exclamaria ela.<br />
— Não! Eu te amo muito, para que te possa perdoar! Eu tudo sofreria, tudo<br />
resignado aceitaria de ti contanto que nunca foras senão minha!<br />
— Perdoa! Perdoa!<br />
— Não! Ouve! ouve, porque nunca mais nos veremos! Hei de antes de partir<br />
atravessar esse coração de pedra com um centelha da minha dor! hei de levar uma<br />
gota de fel ao íntimo do mármore da tua indiferença! hei de verter dentro de tua alma<br />
a minha lágrima mais sentida, mais amarga e mais ardente! E essa lágrima há de<br />
envenenar-te a alegria, há de rasgar-te as entranhas, porque vai armada com todas<br />
as garras do ciúme! No meio das tuas orgias, na febre das tuas noites de<br />
devassidão, há de essa lágrima cruel queimar-te os olhos e afogar-te o riso na<br />
garganta!<br />
— Perdoa, Gabriel!<br />
— Não! eu não sou Cristo, para te perdoar; nem tu és Madalena, para te<br />
arrependeres! Cristo perdoou sempre, porque nunca o traíram no seu amor! Amasse<br />
ele uma mulher como eu te amo, e, quando a tivesse junto ao peito, lhe cravasse ela<br />
o dente da perfídia, que ele a havia de esmagar com o pé, ou não seria homem!<br />
Tudo se perdoa, menos a traição do amor!<br />
E Gabriel estugava cada vez mais o passo, enquanto seus doidos<br />
pensamentos prosseguiam na cena imaginária.<br />
Ambrosina já não dava palavra, soluçava devorada de remorsos, ansiosa de<br />
perdão.<br />
As lágrimas corriam-lhe quentes e apressadas dos olhos, como um desfiar<br />
de aljôfar.<br />
Gabriel gozava de imaginar aquela dor. Via-se altivo, e a ela sobranceira.<br />
Depois, Ambrosina atirava-se-lhe aos pés, ofegante, pedindo-lhe por amor<br />
de Deus uma carícia. E o desgraçado, à vista daqueles olhos, daquela boca e<br />
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