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A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— Juro-te que não! replicava o Coração, sempre com a sua vozinha<br />

hipócrita; prometo que não havemos de demorar ao lado d’Ela! Aquilo é chegar,<br />

fazer as despedidas, e pedir as suas ordens para o outro mundo!<br />

— Sim! sim! bradava a Razão. Já te conheço as lábias, meu finório! Não é a<br />

mim que embaças! Está bem aviado quem se guiar por ti!<br />

E o Coração protestou, jurou, suplicou, e afinal começou a soluçar.<br />

A Razão reagiu ainda, apresentou seus melhores argumentos; mas o diabo<br />

do Coração, tanto fez, tanto chorou, tanto prometeu, que a tola da Razão teve de<br />

ceder, e Gabriel tomou o caminho da Praia do Russell.<br />

E o rapaz, desde que se resolveu a ver pela última vez Ambrosina com<br />

pretexto de despedir-se dela, sentiu um grande alívio em todo o seu ser, e logo um<br />

suave contentamento a refrescar-lhe a alma; mas a Razão, que continuava de nariz<br />

torcido, aproveitou-se da distração dele e tirou sorrateiramente do seio um alfinete.<br />

Gabriel não deu por isso e lá ia aos encontrões pela rua, procurando<br />

acompanhar a sua fantasia que, mal tomara o tímido aquela resolução, partira na<br />

frente, a galope, para junto de Ambrosina. E, donde estava, via-se ele já ao lado<br />

dela, sentindo-lhe o aroma e a doçura.<br />

Imaginava então entre os dois um mudo encontro orvalhado de lágrimas. Ele<br />

afinal balbuciara o Adeus supremo, envolvendo-a num beijo de toda a alma,<br />

sombrio, imenso e silencioso como a própria morte que o esperava lá fora.<br />

— Perdoa! exclamaria ela.<br />

— Não! Eu te amo muito, para que te possa perdoar! Eu tudo sofreria, tudo<br />

resignado aceitaria de ti contanto que nunca foras senão minha!<br />

— Perdoa! Perdoa!<br />

— Não! Ouve! ouve, porque nunca mais nos veremos! Hei de antes de partir<br />

atravessar esse coração de pedra com um centelha da minha dor! hei de levar uma<br />

gota de fel ao íntimo do mármore da tua indiferença! hei de verter dentro de tua alma<br />

a minha lágrima mais sentida, mais amarga e mais ardente! E essa lágrima há de<br />

envenenar-te a alegria, há de rasgar-te as entranhas, porque vai armada com todas<br />

as garras do ciúme! No meio das tuas orgias, na febre das tuas noites de<br />

devassidão, há de essa lágrima cruel queimar-te os olhos e afogar-te o riso na<br />

garganta!<br />

— Perdoa, Gabriel!<br />

— Não! eu não sou Cristo, para te perdoar; nem tu és Madalena, para te<br />

arrependeres! Cristo perdoou sempre, porque nunca o traíram no seu amor! Amasse<br />

ele uma mulher como eu te amo, e, quando a tivesse junto ao peito, lhe cravasse ela<br />

o dente da perfídia, que ele a havia de esmagar com o pé, ou não seria homem!<br />

Tudo se perdoa, menos a traição do amor!<br />

E Gabriel estugava cada vez mais o passo, enquanto seus doidos<br />

pensamentos prosseguiam na cena imaginária.<br />

Ambrosina já não dava palavra, soluçava devorada de remorsos, ansiosa de<br />

perdão.<br />

As lágrimas corriam-lhe quentes e apressadas dos olhos, como um desfiar<br />

de aljôfar.<br />

Gabriel gozava de imaginar aquela dor. Via-se altivo, e a ela sobranceira.<br />

Depois, Ambrosina atirava-se-lhe aos pés, ofegante, pedindo-lhe por amor<br />

de Deus uma carícia. E o desgraçado, à vista daqueles olhos, daquela boca e<br />

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