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— Caprichos de mulher! explicava um dos amigos do cocheiro, e citava<br />
proverbialmente que "A mulher só não se casa com o carrapato, por não saber qual<br />
é o macho!"<br />
O fato é que então Laura gostava bem do seu padeiro. Um dia ofereceu-lhe<br />
uma cigarreira de miçangas, que bordara durante um mês inteiro, e esse trabalho foi<br />
muito apreciado no bairro. Alguém profetizou logo que ali estava uma menina de<br />
grande futuro.<br />
— Dêem-lhe asas! Dêem-lhe asas! resumia o da teoria do carrapato; e verão<br />
depois o que sairá dali! Mas não será amarrada ao Vela de Sebo, que a Laurita há<br />
de ser algum dia alguma cousa!<br />
Laura conhecia vários livros; romances quase todos. O pai às vezes lhe<br />
ouvia falar de cousas estranhas para ele, com um sorriso cheio de respeito e<br />
iluminado de amor. Quando ela dava na aula o D. João de Castro e dizia depois em<br />
casa a sua lição em voz alta e corrida, o pobre cocheiro extasiava-se,<br />
acompanhando com a fisionomia os menores gestos e movimentos da filha. E se<br />
alguém da sua roda precisava de uma carta de mais circunstâncias, ou de um<br />
desenho para certo bordado, ou de molde para um vestido de festa, não ia a mais<br />
ninguém; procurava Laura, e ela sempre resolvia a dificuldade.<br />
O pai sentia por tudo isso um grande orgulho.<br />
— Não! lá certeza de que dei à pequena uma educação de princesa, isso é<br />
que tenho! dizia ele e acrescentava: — A Laura até o francês sabe! Tragam-lhe aí<br />
qualquer livrinho em francês, e se ela não o destrinchar logo, aqui está quem dá as<br />
mãos à palmatória!<br />
Do outro lado do relógio havia uma imagem de Nossa Senhora da<br />
Conceição, fundida em porcelana e pintada vistosamente de cores vivas.<br />
Servia-lhe de peanha um globo representando o mundo, sobre o qual uma<br />
cobra se debatia debaixo de um dos pés da Virgem.<br />
Nossa Senhora da Conceição era a padroeira daquela boa gente e, no dia<br />
que lhe conferiu o calendário cristão, nunca deixou ela de ter ali sua ladainha e a<br />
suas velas de cera. Vinha já de longe esse costume, a mãe de Jorge, em tempos de<br />
melhor fortuna, havia tido um rico oratório consagrado àquela Santa; esse oratório<br />
naufragou uma vez com o seu homem, que era embarcadiço, e desde então foi<br />
substituído pela modesta imagem de porcelana que, ao lado do sisudo relógio, fazia<br />
pendant com Bonaparte.<br />
Já, na pequena sala de jantar fumegava lá dentro a ceia, que a avozinha<br />
acabava de retirar do fogo.<br />
Jorge declarou que tinha o estômago no espinhaço e chamou os hóspedes<br />
para a mesa, mas Ambrosina pediu que a deixassem descansar, e Alfredo prometeu<br />
fazer-lhe companhia ao café, desde, porém, que tivesse tomado um banho que lhe<br />
arranjaram, e vestido um par de calças que lhe emprestara o serviçal dono da casa.<br />
A narração que à sua família fez o cocheiro de tudo o que havia sucedido<br />
essa noite à desditosa Ambrosina, causou grande comoção. Laura, principalmente,<br />
se mostrou em extremo impressionada, e parecia disposta a proporcionar à<br />
interessante hóspede todos os serviços que dependessem do seu desvelo. O caso<br />
lhe fizera vibrar a fibra adormecida do seu temperamento romântico. A visionária<br />
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