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www.nead.unama.br<br />
Cobria-lhe a pequena parte do rosto que não fora conquistada pela invasão<br />
brutal dos cabelos, um moreno quente, listroso, cheio de vida e de força. Tinha as<br />
mãos largas e resguardadas de músculos possantes, peito amplo e pescoço<br />
vigoroso.<br />
Entretanto, por detrás daquela estatura gigantesca e de energia de seu todo,<br />
estava um coração brando e flexível.<br />
Jorge era um bom homem. Gaspar tomara-o ultimamente a seu serviço, mas<br />
já o conhecia de longa data. O Médico Misterioso exercia sobre ele grande influência<br />
moral e votava-lhe amizade.<br />
Quando, na noite do infeliz jantar, Ambrosina fugia por um lado da chácara,<br />
procurando abafar os passos para não ser percebida pelo marido, Jorge entrava<br />
pelo outro, com a precaução de quem deseja surpreender alguém.<br />
Não se viram.<br />
A moça ganhou a rua, e ele, seguindo as recomendações do amo, foi ter à<br />
janela da dispensa. Estava aberta, Jorge galgou-a, acendeu aí a sua lanterna furtaluz<br />
e, estendendo o pescoço, espiou para a sala de jantar, por cima da porta, pela<br />
qual justamente pouco antes fugira aquela.<br />
O cocheiro não podia, donde estava, ver com quem altercava o doido, mas<br />
segundo o que lhe havia dito Gaspar, devia ser com Ambrosina.<br />
A sala continuava quase às escuras.<br />
No momento em que Leonardo ia lançar-se sobre Alfredo, Jorge abriu de<br />
improviso a porta da dispensa e avançou resolutamente para ele, com um revólver<br />
em uma das mãos e a lanterna furta-luz na outra. O doido voltou-se assustado,<br />
escondendo a faca nas costas.<br />
— Dá-me já desse ferro! bradou-lhe o cocheiro.<br />
Leonardo atirou humildemente a faca ao chão, e retraiu-se. Jorge apanhoua,<br />
e perguntou-lhe asperamente se ainda tinha alguma arma consigo.<br />
O doido meneou afirmativamente a cabeça e, refilando os dentes, apontou<br />
para estes.<br />
— Dessa arma não tenha eu medo! rosnou o cocheiro; mas revistemos<br />
sempre as algibeiras...<br />
E começou a apalpar as roupas de Leonardo.<br />
— Não me faças cócegas! gritou este, torcendo-se todo, a rir.<br />
E fugiu-lhe das mãos.<br />
— Tratemos agora da menina! disse aquele.<br />
Alfredo saíra, afinal do seu esconderijo. Jorge chegou-lhe a lanterna ao<br />
rosto, e olhou-o com surpresa.<br />
— O quê?! Pois era o senhor que cá estava, seu Alfredo? Como diabo me<br />
afirmou o patrão que era a D. Ambrosina?...<br />
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