A Condessa Vésper - Unama
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www.nead.unama.br Gabriel queixava-se de que faltava ali muita gente; dos seus convites só quatro vingaram. Nestas ocasiões é que se conheciam amigos! sentenciou o Melo. Ambrosina pedia a Gabriel que se não mortificasse e, passando-lhe o braço na cintura, deu-lhe um beijo na orelha. Veio a sobremesa. Estourou o champanha, e o jantar esquentou logo. O Rêgo ergueu-se para um brinde. — Meus senhores! disse ele; bebamos à saúde de um jovem que, por suas virtudes e por seu talento, muito merece de nosso respeito e de nossa consideração... Bebamos à saúde daquele que hoje nos reúne nesta casa, ao som dos alegres estampidos da viúva Clicôt! — Estampidos da viúva? Livra! bradou o Melo. — Ao dr. Gabriel! exclamaram muitas vozes. Todos corresponderam, e Gabriel levantou-se de taça em punho, para agradecer o brinde e o comparecimento dos seus convidados. Ouviu-se então uma infernal gritaria de "Hup! Hup! Hurra!" e os copos se chocaram entre gargalhadas e exclamações de prazer. Já falavam todos ao mesmo tempo, e o tal companheiro do Melo, até aí silencioso, abriu a fazer discursos com tal fúria, que não havia meio de o conter. Alfredo servia Genoveva de vinhos e oferecia-lhe várias guloseimas, que ela em geral recusava, abaixando os olhos, cheia de decoro, mas esfogueada. Entretanto, ia-se fazendo por toda a mesa um rumor de desordem. Já ninguém se entendia. Interrompiam uns aos outros, sem a menor cerimônia; ouviase no meio do barulho a voz excitada do Melo, a dirigir um brinde à Ambrosina, em que lhe chamava "Anjo de amor e proibido fruto do Paraíso". Ambrosina ria-se muito, a pender a cabeça para trás; levantou-se e foi ter com o autor do brinde para lho agradecer. O Meio apertou-lhe o braço num arremesso de ternura. Gabriel mandou abrir mais. champanha, e o companheiro do Melo continuava, terrível a fazer discursos. Brindou à Mocidade, ao Amor, à República e ao Prazer. A rapariga do Rêgo havia encostado no ombro deste a cabeça, e deixouse afinal cair no colo do amante, desfazendo o penteado. — Já ia ficando boa!... afirmava o Rêgo, a piscar o ôlho. Alfredo e Genoveva conversavam intimamente, invernados na sua obscura ternura. Ninguém prestava mais atenção ao que faziam os outros. Ambrosina declarava sentir-se bem. As garrafas substituíam-se quase sem intervalo, e as vozes recrudesciam de animação. O amigo do Melo calara-se afinal, vencido por uma comoção que lhe arrancava lágrimas e soluços. Gabriel com a voz arrastada e os olhos mortos, oferecia charutos à sociedade. Dissolveu-se a mesa. Serviu-se o café e vieram os licores. Os convidados espalharam-se pela casa. Ambrosina lembrou um passeio ao luar, no jardim; ninguém acedeu, ela, porém, deu o braço ao Melo, e com este ganhou alegremente a chácara. 106
www.nead.unama.br Os dois, ao chegarem a um caramanchão, que havia ao fundo, estreitaram aos beijos, caindo sobre um banco, nos braços um do outro. Ela, não obstante, negava-se, mas sem forças para se defender, e rindo. O Melo arfava, a segurar as lunetas e tartamudeando palavras de amor. De repente ergueu-se, olhando para os lados. Sentira passos ali perto! Ia jurar que alguém. os espreitava!... — Não é nada... dizia Ambrosina, com os olhos cerrados e os lábios soltos. E puxava-o pelas abas do fraque. O Melo tornou a cair sobre o banco. Alguém com efeito os havia espreitado. Os passos ouvidos pelo rapaz eram do Médico Misterioso que, depois de espiar lá de fora por algum tempo a festa de Gabriel, seguira com a vista Ambrosina quando esta ganhou a chácara com o Melo; depois penetrara sorrateiramente no jardim, fora até ao caramanchão e, tendo observado o que aí se passava, dirigiu-se para a sala de jantar. Entretanto, a festa degenerada em orgia, arrastava-se já entre bocejos. Gabriel, negligentemente estendido numa preguiçosa, fumava, a olhar abstrato para a rapariga do Rêgo, nesse momento muito empenhada em desacolchetar o seu espartilho, depois de ter desfeito de um dos sapatos; enquanto o seu extraordinário amante, ainda na sala de jantar, preparava em uma saladeira um formidável ponche, e amortecia a luz dos bicos de gás para dar mais realce às lívidas chamas do álcool. Alfredo queixava-se à Genoveva de que havia comido demais, e estava às voltas com a sua dispepsia. A boa mulher dava-lhe a beber água de melissa. E ouvia-se a voz arrastada de Gabriel, chamando com insistência por Ambrosina. Gaspar, de braços cruzados ao fundo da sala, olhava para todos eles, com um ar sombrio. Só Genoveva dera com a sua presença, e desde então lhe acompanhava o movimento dos olhos. Gaspar atravessou a sala e foi bater no ombro do enteado. Gabriel voltou a si e o encarou atônito. — Avia-te! segredou o médico; temos que sair daqui imediatamente! — Para onde?.. — Para o diabo, mas avia-te! Gabriel levantou-se, cambaleando. — Para onde me queres levar?... — Em caminho conversaremos. Anda dai! E Gaspar segurou-o pelos braços, na esperança de aproveitar o estado de quase inconsciência de Gabriel. — E Ambrosina?.. perguntou este. — Virá depois. — Não! Eu só irei com ela! — Ela não pode vir! — Por quê?... — Porque não! — Então, larga-me! 107
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aos beijos, caindo sobre um banco, nos braços um do outro.<br />
Ela, não obstante, negava-se, mas sem forças para se defender, e rindo.<br />
O Melo arfava, a segurar as lunetas e tartamudeando palavras de amor. De<br />
repente ergueu-se, olhando para os lados. Sentira passos ali perto! Ia jurar que<br />
alguém. os espreitava!...<br />
— Não é nada... dizia Ambrosina, com os olhos cerrados e os lábios soltos.<br />
E puxava-o pelas abas do fraque.<br />
O Melo tornou a cair sobre o banco.<br />
Alguém com efeito os havia espreitado. Os passos ouvidos pelo rapaz eram<br />
do Médico Misterioso que, depois de espiar lá de fora por algum tempo a festa de<br />
Gabriel, seguira com a vista Ambrosina quando esta ganhou a chácara com o Melo;<br />
depois penetrara sorrateiramente no jardim, fora até ao caramanchão e, tendo<br />
observado o que aí se passava, dirigiu-se para a sala de jantar.<br />
Entretanto, a festa degenerada em orgia, arrastava-se já entre bocejos.<br />
Gabriel, negligentemente estendido numa preguiçosa, fumava, a olhar abstrato para<br />
a rapariga do Rêgo, nesse momento muito empenhada em desacolchetar o seu<br />
espartilho, depois de ter desfeito de um dos sapatos; enquanto o seu extraordinário<br />
amante, ainda na sala de jantar, preparava em uma saladeira um formidável ponche,<br />
e amortecia a luz dos bicos de gás para dar mais realce às lívidas chamas do álcool.<br />
Alfredo queixava-se à Genoveva de que havia comido demais, e estava às voltas<br />
com a sua dispepsia. A boa mulher dava-lhe a beber água de melissa. E ouvia-se a<br />
voz arrastada de Gabriel, chamando com insistência por Ambrosina.<br />
Gaspar, de braços cruzados ao fundo da sala, olhava para todos eles, com<br />
um ar sombrio. Só Genoveva dera com a sua presença, e desde então lhe<br />
acompanhava o movimento dos olhos.<br />
Gaspar atravessou a sala e foi bater no ombro do enteado. Gabriel voltou a<br />
si e o encarou atônito.<br />
— Avia-te! segredou o médico; temos que sair daqui imediatamente!<br />
— Para onde?..<br />
— Para o diabo, mas avia-te!<br />
Gabriel levantou-se, cambaleando.<br />
— Para onde me queres levar?...<br />
— Em caminho conversaremos. Anda dai!<br />
E Gaspar segurou-o pelos braços, na esperança de aproveitar o estado de<br />
quase inconsciência de Gabriel.<br />
— E Ambrosina?.. perguntou este.<br />
— Virá depois.<br />
— Não! Eu só irei com ela!<br />
— Ela não pode vir!<br />
— Por quê?...<br />
— Porque não!<br />
— Então, larga-me!<br />
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