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Prólogo - Romances Nova Cultural

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<strong>Prólogo</strong><br />

E ra verdade, estava bêbado. Muito bêbado. Fora ideia de<br />

seu pai aquela despedida, antes que o governo dos Estados<br />

Unidos o monopolizasse durante os anos seguintes. Mas mesmo<br />

tendo tomado aquelas quatro últimas doses de tequila, ele<br />

sabia que estavam atrás dela.<br />

As mulheres-lobo sempre a perseguiam. Sempre.<br />

Pelo que sabia, ela nem mesmo se encontrava em casa. E<br />

os pais adotivos não se importavam com isso, contanto que os<br />

cheques continuassem entrando. Logo, ela vivia nos bosques<br />

como uma criança selvagem.<br />

Mas não era uma criança selvagem. Era apenas uma pobre<br />

menina que tivera o infortúnio de cair em desgraça com<br />

a irmã caçula dele.<br />

Farejou o bando e, de imediato, soube para onde as mulhereslobo<br />

estavam se dirigindo: para a escola secundária. Poderiam<br />

achá-la debaixo das arquibancadas, pois ela costumava ir para<br />

lá. Escondia-se em qualquer lugar quando precisava, pois,<br />

como todos os cães selvagens, era do tipo mignon e esguia,<br />

ao contrário das mulheres-lobo, mais musculosas.<br />

No momento em que estas entraram no ginásio, ele se<br />

postou em frente as arquibancadas. Porém, não teve tempo<br />

para achá-la e retirá-la de lá; teria de detê-las ali mesmo.<br />

— Olá, Bobby Ray — falou Bertha, também conhecida<br />

como Big Bertha por conta do tamanho. A irmã dele,


Shelley Laurenston<br />

Sissy Mae, aos dezesseis anos e já com quase um metro e<br />

oitenta, era menor do que esta última, porém mais forte.<br />

— Sei porque está aqui, Bertha. E quero que pegue suas<br />

amigas e suma.<br />

— Ah, qual é, Bobby? Não vamos machucá-la. — Bertha<br />

se agachou e espiou através dos sarrafos das arquibancadas.<br />

— Ela está aí, é? Saia já daí, Jessie Ann. Só queremos lhe dar<br />

um “olá”.<br />

— Eu disse para irem embora — ele rosnou.<br />

Bertha se ergueu, ficando quase tão alta quanto ele, e jogou<br />

os cabelos para trás.<br />

— Por que não está em sua festa? — Ela se aproximou.<br />

— Vai mesmo se alistar na Marinha amanhã?<br />

— Já fiz isso. Amanhã parto no primeiro ônibus.<br />

— Vamos sentir sua falta — ela murmurou só para ele.<br />

— Minha mãe disse a mesma coisa. — Ele passou o braço<br />

pelos ombros dela e a guiou até as portas. — Leve sua turma<br />

embora daqui. Estou esperando uma pessoa.<br />

— Quem?<br />

— Um amigo que vai me trazer uma encomenda. Mas ele<br />

não vai entrar se vir essa porção de gente. Por que não volta<br />

para a festa? Eu a encontro lá. — Forçou um sorriso. —<br />

Faremos uma festinha particular.<br />

— Eu o vejo dentro de uma hora?<br />

— Com certeza — mentiu, quase se sentindo culpado, não<br />

fosse pelo fato de saber que ela viera até ali para bater em<br />

uma menina de quarenta e três quilos.<br />

Bertha o beijou na face e acenou para as outras lobas<br />

segui-la.<br />

O grupo já estava bastante bêbado. Algumas doses a mais<br />

e todas desfaleceriam. Quando acordassem pela manhã, ele<br />

estaria em um ônibus, partindo de Smithtown para nunca<br />

mais voltar.<br />

Quando o cheiro delas amainou, Bobby se virou e caminhou<br />

em direção à parte de trás das arquibancadas.<br />

— Certo, Jessie Ann. Pode sair agora. — Esperou que ela


olhos de lobo<br />

respondesse, mas ela ainda parecia assustada. Podia sentir seu<br />

odor, logo ela se encontrava por perto. — Venha, Jessie Ann,<br />

sabe que não precisa ter medo de mim. Vou levá-la para casa.<br />

— Pelo menos ele esperava ser capaz disso. A tequila ainda<br />

estava fazendo efeito. — Droga, Jessie, não posso ficar aqui<br />

perdendo tempo! — Caminhou ao redor das arquibancadas<br />

e se agachou. Sentiu-se um pouco tonto e se amparou contra<br />

o metal frio.<br />

De repente, duas mãos pequenas o seguraram pelos ombros<br />

e o puxaram. Ambos caíram de costas no chão, enquanto as<br />

arquibancadas desmoronavam como um jogo de dominós.<br />

Se ele estivesse embaixo delas, teria sido esmagado até a<br />

morte.<br />

O silêncio após os sons ensurdecedores de todo aquele<br />

metal desabando o aturdiu.<br />

— Você fez isso. — Bobby olhou por sobre o ombro e<br />

fitou Jessica Ann Ward. Ela era uma coisinha atraente, embora<br />

inocente demais para o seu gosto. Enormes olhos castanhos,<br />

nariz gracioso e lábios carnudos prometiam todos os tipos de<br />

delícias que, tinha certeza, ela jamais seria capaz de lhe proporcionar.<br />

Os cabelos longos e ondulados estavam presos em dois<br />

rabos de cavalo, e as muitas cores que fluíam de cada mecha<br />

podiam ser vistas facilmente. Todos os cães selvagens exibiam<br />

múltiplas cores no pelo e, na forma humana, nos cabelos.<br />

Castanho, dourado, loiro, branco, preto... Era difícil para Jessie<br />

não ser notada.<br />

Sentira-se atraído por ela desde a primeira vez em que a<br />

tinha visto, mas Jessie Ann era o tipo de fêmea para se casar,<br />

não simplesmente para se divertir e dar o fora.<br />

E ele não tinha a menor intenção de ficar amarrado àquela<br />

cidade.<br />

— Eu poderia ter morrido — rosnou, irritado.<br />

— Não grite comigo — protestou ela, sentando-se. — Não<br />

era para você.<br />

— Eu sei, era para elas. Mas acha que um dia se perdoaria<br />

se elas tivessem morrido debaixo disso tudo?


Shelley Laurenston<br />

— Não morreriam. Eu só queria assustá-las. Estou cansada<br />

de ser caçada como uma gazela.<br />

Bobby a encarou e notou as contusões em sua face e<br />

pescoço. Provavelmente devia haver outras no torso e nas<br />

pernas. Elas a tinham alcançado mais uma vez.<br />

Maldição. Bem que tentava protegê-la, mas não podia<br />

fazer muito, e Sissy Mae, a irmã dele, não repreenderia suas<br />

companheiras. As fêmeas da idade dela a seguiam como uma<br />

sombra. Sissy ainda não completara dezessete anos e já possuía<br />

a própria matilha. Ele não fazia a mínima ideia do que<br />

acontecera entre elas, mas Sissy deixara claro que considerava<br />

Jessica Ann Ward como um membro ômega da matilha.<br />

O problema era que Jessie Ann não gostava muito daquela<br />

posição e a repudiava, quando a maioria dos lobos ômega a<br />

teria aceitado antes que a perdesse.<br />

Jess não era uma mulher-lobo. Era uma fêmea de cão selvagem.<br />

E se tivesse a própria matilha...<br />

Os cães selvagens, todavia, estavam desaparecendo. Os<br />

jovens adultos tinham sido vitimados por uma epidemia de<br />

gripe que só podia ser transmitida entre eles quando mutantes,<br />

o que dizimara mais da metade dos adultos reprodutores<br />

antes que seu médico pudesse conter o avanço da enfermidade<br />

e propor uma vacina. A doença maldita deixara muitos avós<br />

anciãos criando dezenas de órfãos. Como Jessie Ann.<br />

Tragicamente, como os cães selvagens da África, os parentes<br />

de Jessie estavam à beira da extinção. O que significava<br />

que ela não podia contar com mais ninguém a não ser com ele.<br />

E, assim que ele subisse no ônibus, na manhã seguinte, ela<br />

ficaria completamente abandonada.<br />

— Jessie, você tem de aprender a tomar conta de si mesma.<br />

— Sem pensar, Bobby ergueu a mão para tocá-la e ela fugiu,<br />

ferindo os sentimentos dele. — Ei, eu não ia machucá-la.<br />

— Eu sei — disse ela, afastando-se.<br />

Aborrecido, ele a segurou pelo tornozelo.<br />

— Se isso é verdade, por que está fugindo de mim?<br />

— Não estou fugindo — ela rebateu depressa, mas tentou


olhos de lobo<br />

libertar a perna.<br />

— Então fique parada!<br />

Como Jessie não o fez, Bobby a puxou e, de alguma maneira,<br />

ela acabou sentada em seu colo.<br />

Ela ofegou, surpresa. Em seguida, enlaçou-o pelo pescoço<br />

e repousou as coxas nas laterais de seu corpo.<br />

Ele sabia que deveria afastá-la, mas tudo o que queria era<br />

puxá-la ainda mais para si. Aqueles olhos castanhos pareciam<br />

devorá-lo. Ele sabia quando uma mulher o desejava e, para<br />

sua absoluta surpresa, Jessica Ann Ward o desejava!<br />

Observou-a reunir coragem e aproximar os lábios dos dele.<br />

Podia sentir a doce respiração contra a própria boca. Sabia<br />

que Jessie teria um gosto maravilhoso e corresponderia a ele<br />

como ninguém fizera antes.<br />

E também sabia que beijá-la seria a coisa mais estúpida<br />

que ele poderia fazer.<br />

Bêbado demais para temperar suas ações, empurrou-a,<br />

estremecendo quando ela bateu de encontro ao chão duro.<br />

Deslizou as mãos pelos cabelos, atordoado.<br />

— Nós... não podemos.<br />

— Não podemos o quê? — perguntou ela, erguendo-se.<br />

— Você me agarrou.<br />

Ele notou a camiseta com estampa do filme Guerra nas<br />

Estrelas. Jessie devia ter umas dez daquela e outras dez dos<br />

Caçadores da Arca Perdida.<br />

— Não fique zangada. Não é...<br />

— Esqueça. — Ela olhou para o pequeno relógio de pulso.<br />

Tinha uma estranha fixação pelo tempo, e isso o fascinava,<br />

já que mais ninguém na cidade agia assim. — Tenho de encontrar<br />

meus amigos na Riley.<br />

Era uma loja de gibis próxima ao centro da cidade.<br />

Bobby suspirou. Não gostava da ideia de vê-la andar por lá<br />

sozinha.<br />

— Eu a acompanharei.<br />

— Não, não é preciso. — Jessie praticamente cuspiu<br />

aquilo na face dele, então pegou a enorme mochila cheia de


10<br />

Shelley Laurenston<br />

livros e documentos e a colocou sobre os ombros.<br />

— Jessie, é muito perigoso caminhar por aí a esta hora da<br />

noite.<br />

— Vou encontrar meus amigos.<br />

Amigos. Com frequência ele os farejava vagando ao redor<br />

dela. Vira-os uma vez, quando ele e um colega tinham ido à<br />

loja de gibis. Jessie estava nos fundos com cinco sujeitos<br />

envolvidos num jogo de tabuleiro, e ele quase havia perdido<br />

o interesse por ela. Não gostara de vê-la rodeada por todos<br />

aqueles machos.<br />

Jessie se virou para caminhar, mas parou e o fitou por sobre<br />

o ombro.<br />

— Boa sorte, Smith... Você sabe do que estou falando.<br />

— Então saiu correndo.<br />

Bobby não se preocupou em correr atrás dela. Cães selvagens<br />

eram muito rápidos, e ele estava muito bêbado para<br />

persegui-la.<br />

Em vez disso, deitou-se de costas no chão e fechou os<br />

olhos, imaginando que algumas horas de sono lhe fariam bem.


Capítulo I<br />

B obby Ray Smith olhou para as telas do circuito interno.<br />

Haviam colocado câmeras em todos os lugares de que<br />

tinham podido se lembrar. Aquele era o trabalho mais importante<br />

deles até o momento, e queria que tudo desse certo.<br />

Tão logo a equipe concluíra o serviço, pelo menos umas<br />

catorze pessoas tinham tentado entrar na festa furtivamente.<br />

Quando Mace Llewellyn lhe contara, uns dois meses antes,<br />

que eles haviam recebido um convite para trabalhar como<br />

seguranças em festas, sua cabeça quase explodira. Aquele tipo<br />

de trabalho era para sujeitos com antecedentes criminais que<br />

não podiam se tornar policiais. Não para um grupo bem equipado<br />

como o deles.<br />

Entretanto, aquele, por exemplo, não era um evento qualquer,<br />

mas o sonho de um lunático do ramo de computadores.<br />

Os jogadores mais importantes, milionários e bilionários do<br />

país, estariam presentes. Conseguir um convite era algo que<br />

quase podia ser mencionado em um currículo.<br />

Graças a Deus, agora possuíam a capacidade de trabalho<br />

necessária. Eram mutantes reformados, treinados pelo<br />

Exército, à procura de uma nova vida entre os civis.<br />

Contudo, haviam contratado apenas três totalmente humanos,<br />

os melhores amigos de Desirée, esposa de Mace.<br />

— É melhor voltarmos lá para dentro. — Mace abriu as<br />

portas dos fundos.


12<br />

Shelley Laurenston<br />

— Tudo bem aí, pessoal? — perguntou aos dois rapazes<br />

e uma moça que monitoravam as telas e mantinham contato<br />

por meio de headphones com a equipe inteira.<br />

— Sim — a moça respondeu, enquanto passava os olhos<br />

dourados pelos canais, captando tudo.<br />

— Ótimo. — Mace bateu as portas depois que Bobby saiu,<br />

e os dois seguiram para a festa.<br />

Ambos inspecionaram a segurança da porta da frente<br />

e caminharam para o interior da construção: um prédio de<br />

pedra marrom, de quatro andares, de propriedade da companhia<br />

que os contratara. Não era uma companhia muito grande,<br />

mas aparentemente poderosa. Especialistas em segurança de<br />

computadores e banco de dados.<br />

No fundo, Bobby estava pouco se importando com aquilo.<br />

O dinheiro era o que interessava, e isso eles pareciam ter<br />

muito.<br />

Os dois sócios entraram no salão de baile principal e olharam<br />

ao redor. O grupo definitivamente sabia dar uma festa.<br />

Não era um mero e enfadonho evento, com pessoas vestidas<br />

em trajes formais. Música eletrônica, vídeos de jogos antigos<br />

revestindo as paredes, uma quantia insana de comida, bebida<br />

à vontade e garçonetes vestidas a caráter, como aquelas bonecas<br />

japonesas de animação. Jamais vira tantas adolescentes<br />

vestidas com cintas-ligas antes.<br />

— Bobby? — Ele se virou de frente para o sócio. — Esta<br />

é Sierra Cohen. Srta. Cohen, este é o meu sócio, Bobby Ray<br />

Smith.<br />

Eles trocaram um aperto de mão, e Bobby a classificou no<br />

mesmo segundo. Não havia muitos chacais no mundo, mas<br />

os poucos que existiam eram terrivelmente atraentes.<br />

Lançando mão de seu sorriso mais encantador, perguntou:<br />

— Então este é o seu negócio, srta. Cohen?<br />

— Não, não. Sou apenas uma simples funcionária. Os donos<br />

não se sentem muito confortáveis com o público em geral,<br />

por isso represento a companhia.<br />

— Posso entender por quê, meu anjo.


olhos de lobo 13<br />

Ela deixou escapar uma risada destituída de humor e deu<br />

um passo à frente.<br />

— Devo lhe dizer, sr. Smith...<br />

— Bobby. Todo mundo me chama de Bobby.<br />

— Pois então, Bobby... fico feliz por encontrar a nossa...<br />

ahn... espécie em um negócio de segurança. Tenho certeza de<br />

que meus chefes se sentem muito mais seguros com sua equipe<br />

do que com a de humanos que costumamos contratar para<br />

este tipo de evento.<br />

— Bem, estamos disponíveis para qualquer necessidade de<br />

segurança que você possa ter... ou qualquer outra.<br />

Bobby precisou conter o riso quando pegou Mace revirando<br />

os olhos, desgostoso. Se este não houvesse se casado com<br />

a linda detetive Desirée Mac Dermot, teria havido uma briga<br />

feia entre os dois para ver quem levaria aquela beldade para a<br />

cama primeiro.<br />

— É muito bom saber disso... Tenho certeza de que poderá<br />

fazer algo por mim mais tarde.<br />

— Nada disso — Mace protestou. — Será que dá para<br />

parar com essa conversa mole até que o trabalho esteja<br />

concluído?<br />

— Não ligue para ele, querida. Ele é casado.<br />

— Meus chefes levam muito a sério essa história de casamento<br />

— comentou Sierra, distraída. — Casamento e filhos.<br />

— Por acaso não levamos a sério casamento e filhos?<br />

— perguntou Mace, embora de fato não parecesse preocupado<br />

com a resposta dela.<br />

— Claro. Mas eles levam bem mais. Se alguém se<br />

aproximar dos filhotes deles, eles viram bichos.<br />

Bobby carranqueou.<br />

— Lobos?<br />

Sierra sacudiu a cabeça em uma negativa.<br />

— Não. — Ela se virou e acenou com um gesto de cabeça<br />

para a enorme entrada. — Cães selvagens.<br />

Surpreso, Bobby assistiu os chefes de Sierra entrarem<br />

na sala. Devia haver uns dez deles, e não parecia ser a


14<br />

Shelley Laurenston<br />

matilha inteira. Não deixariam os filhotes sozinhos, a não ser<br />

com outros cães nos quais confiavam.<br />

Vê-los o fez se lembrar de imediato de uma doce fêmea de<br />

cão selvagem que ele conhecera no passado. E, assim como<br />

ela, eles não eram grandes como a maioria das raças mutantes.<br />

Na realidade, cães selvagens era a única raça que se transformava<br />

em um animal menor. Como os humanos, os homens não<br />

costumavam ser muito altos. Eram magros e desengonçados,<br />

e, ao vê-los se movimentar, Bobby achou que eram mais fortes<br />

do que aparentavam.<br />

Outra fêmea de cão selvagem entrou pelas portas e traçou<br />

uma linha reta na direção de Sierra. Era deslumbrante.<br />

Parecia ser asiática, com olhos castanho-amendoados e lábios<br />

carnudos e sensuais. Os cabelos escuros alcançavam a cintura,<br />

e ela exalava sex appeal.<br />

Infelizmente, era casada. Bobby podia farejar isso a uma<br />

milha de distância.<br />

— Sierra, precisa ir até o palco — disse ela com um alegre<br />

sotaque rural que ele não ouvia havia muito tempo em<br />

outras pessoas que não fossem os membros de sua matilha.<br />

— Já estou indo. — A mão de Sierra roçou o braço dele,<br />

deixando claro que ela pretendia voltar.<br />

Após se afastar, um par de olhos castanho-escuros se<br />

fechou nele e em Mace.<br />

— Cavalheiros, sou Maylin. Mas todos me chamam de<br />

May.<br />

— Bobby. Estamos controlando a segurança da festa esta<br />

noite.<br />

— Ah, a companhia de segurança composta por mutantes.<br />

— May começou a dizer outra coisa, mas estacou quando a<br />

música parou e Sierra subiu ao palco.<br />

— Olá a todos. Sou Sierra Cohen. — Gritos estridentes<br />

e assobios seguiram-se à declaração, e ela riu, pedindo<br />

silêncio com um gesto. — Sou vice-presidente de promoções e<br />

gostaria de agradecer a presença de todos esta noite.<br />

Sierra continuou discursando mais um pouco, e May


olhos de lobo 15<br />

pegou duas taças de champanhe da bandeja de uma garçonete<br />

que passava. Ofereceu um a Bobby, porém ele não aceitou.<br />

— Desculpe-me. Estou aqui a trabalho. Preciso manter a<br />

cabeça no lugar.<br />

— Pensei que lobos só precisassem ficar longe de tequila.<br />

— Se ele bebesse tequila — murmurou Mace —, você<br />

o encontraria desmaiado na pista de dança.<br />

Bobby encarou o amigo.<br />

— Decidiu participar da conversa?<br />

No palco, a voz de Sierra se elevou.<br />

— Bem, deixe-me apresentar a presidente da Sistemas de<br />

Segurança Kuznetsov... Jessica Ann Ward.<br />

A cabeça de Bobby se virou no mesmo instante, e ele<br />

viu Jessie Ann subir no palco com imensa naturalidade.<br />

Os aplausos que Sierra recebera não tinham sido nada<br />

comparados à sua recepção. Soavam como se eles estivessem<br />

em um concerto de rock.<br />

E ela não lembrava em nada mais a Jessie Ann que ele<br />

conhecera tempos antes. Havia encorpado e ganhara muitas<br />

curvas. Tinha os cabelos cortados na altura dos ombros agora,<br />

tingidos de castanho-escuro. Também não usava calças jeans<br />

ou camisetas com estampas sci-fi. Em vez disso, trajava um<br />

vestido de seda azul de tirinhas e sapatos de salto alto.<br />

Bobby quase lamentou a perda de seu jeito ingênuo.<br />

Sempre apreciara o comportamento estranho de Jessie, que a<br />

fazia diferente de todos a seu redor.<br />

Jessie Ann se posicionou em frente ao microfone e acenou<br />

para os convidados. Quando eles se acalmaram, ela disse:<br />

— São os sapatos, não? — Virou o pé um pouco, de modo<br />

que eles pudessem vê-los de lado.<br />

A multidão ficou histérica. Jessie sabia o efeito que<br />

causava naquela montanha de nerds do sexo masculino.<br />

Mas Bobby também podia ver os predadores no salão,<br />

devorando-a com os olhos, quando deveriam estar fazendo<br />

seus trabalhos.<br />

Ela pediu silêncio novamente.


1<br />

Shelley Laurenston<br />

— Escute, não quero tomar muito o tempo de vocês porque<br />

isto é uma festa. Mas gostaria de agradecer a todos por<br />

sua presença esta noite. A cada ano este evento fica melhor,<br />

e isso graças a vocês. Como sempre, cada centavo que conseguimos<br />

vai para a Fundação Kuznetsov e todo esse dinheiro é<br />

para ajudar os órfãos a encontrar um lar permanente, além de<br />

pais amorosos. Em vez de...<br />

Um rapaz loiro aproximou-se de Jessie Ann, interrompendo-a.<br />

Quando começou a sussurrar na orelha dela, Bobby<br />

comprimiu os lábios.<br />

Jessie ergueu uma sobrancelha, e ele sorriu, discreto.<br />

Lembrava-se muito bem daquela expressão arrogante.<br />

— É de fato necessário? — ela perguntou.<br />

O rapaz assentiu com um gesto de cabeça, e ela suspirou,<br />

voltando ao microfone.<br />

— Phil está pedindo àqueles que estão usando nossa sala<br />

de jogos esta noite que, caso percam, por favor, não atirem<br />

o mouse, o controlador ou os cartões no chão. E aqueles que<br />

ganharem, por gentileza, não façam festa em torno do perdedor...<br />

— A multidão caiu na gargalhada, e Jessie sacudiu<br />

a cabeça com um sorriso que lhe iluminou a face. — De qualquer<br />

maneira, tenham uma excelente noite e obrigada.<br />

A multidão estourou em aplausos, e ela deixou o palco.<br />

May fitou Bobby, a taça de champanhe vazia, o outro meio<br />

cheio.<br />

— Essa é nossa alfa.<br />

— Alfa?<br />

Jessie era alfa? Ele já ficara impressionado por ela ter<br />

se transformado em presidente de empresa, mas alfa de uma<br />

matilha?<br />

Claro, eles eram cachorros. Era muito mais fácil controlar<br />

uma matilha de cães do que uma de lobos.<br />

— Há quase dezesseis anos — confirmou May.<br />

Aquilo não fazia sentido. Era a idade que Jessie tinha<br />

dezesseis anos antes. E não havia outros cães selvagens em<br />

Smithtown.


olhos de lobo 1<br />

— Tem certeza? Jessie Ann devia estar na escola nessa<br />

época.<br />

May quase sufocou com o champanhe.<br />

— Se tem algum bom-senso, meu amigo lobo, não a chame<br />

de Jessie Ann.<br />

— Mas eu sempre a chamei assim.<br />

Mace o contemplou.<br />

— Conhece Jessica Ann Ward?<br />

— Fui colega de escola dela. Sissy Mae a espancou em<br />

mais de uma ocasião. — Virando-se para May, acrescentou:<br />

— Mas eu gostaria que não mencionasse isso, se possível.<br />

— Jesus... — Ela deu uma risada. — Por quê?<br />

— Espere um minuto. — Mace interrompeu a conversa.<br />

— Você conhece Jessica Ann Ward, Bobby?<br />

— Por que a pergunta? Conheço muitas pessoas.<br />

— Sim, mas elas não são Jessica Ann Ward.<br />

— E o que tem isso?<br />

— Tem que ela é muita areia para o seu caminhão.<br />

O orgulho de lobo de Bobby ficou abalado.<br />

— Ela era apaixonada por mim, se quer saber.<br />

Mace bufou.<br />

— Sim, com certeza... Em um universo paralelo.<br />

Antes que os pudessem continuar, Jessie caminhou por<br />

entre a multidão que dançava na pista de dança e se dirigiu<br />

a May.<br />

— E então, eu me saí bem? — perguntou, ansiosa.<br />

May fez um sinal positivo com o polegar e lhe entregou<br />

a taça de champanhe quase vazia. Jessie Ann ingeriu o<br />

conteúdo restante e o colocou na bandeja de um garçom de<br />

passava. Em seguida, olhou para Mace e sorriu, surpresa.<br />

— Mace Llewellyn!<br />

— Olá, Jess.<br />

— Meu Deus! Quando você saiu?<br />

— Há um ano.<br />

Ela se ergueu na ponta dos pés e lhe deu um abraço breve<br />

que fez Bobby estreitar os olhos.


1<br />

Shelley Laurenston<br />

— Fico muito feliz por estar bem. Está bem, não é?<br />

— Sim, estou.<br />

— Fico contente em ouvir isso. Encontrei sua irmã algumas<br />

semanas atrás, em um baile de caridade, mas ela não mencionou<br />

que você havia voltado para casa. De fato, nem tocou<br />

no assunto.<br />

A resposta do felino foi uma gargalhada.<br />

Rindo também, Jessie sacudiu a cabeça.<br />

— Aliás, vi que pouca coisa mudou por lá. — Ela olhou<br />

de relance para Bobby e começou a se afastar. Então, voltou-<br />

se com os olhos arregalados.<br />

— Bobby Ray?<br />

— Jessie.<br />

— Deus meu, olhe só para você! — Parando à sua frente,<br />

deu-lhe um rápido abraço que não o satisfez. — Não posso<br />

acreditar! Parece ótimo!<br />

— Você também.<br />

— Vejo que finalmente seu corpo se desenvolveu para<br />

acompanhar essa cabeça.<br />

— É, parece que sim.<br />

— Você foi para o Exército, certo?<br />

— Marinha. — Mace riu.<br />

— Ah, desculpe-me. Faz tantos anos.<br />

— Compreendo.<br />

— E então, o que está fazendo aqui?<br />

Bobby respirou fundo.<br />

— Sou sócio de Mace. Somos donos da companhia de<br />

segurança que está atuando em sua festa.<br />

— Que bom!<br />

Mas as palavras não soaram sinceras, e os olhos dela<br />

esquadrinharam o salão.<br />

O rapaz, que aparecera no palco instantes antes, colocou<br />

uma taça de champanhe em sua mão.<br />

— Eu tinha razão sobre os sapatos? — perguntou com<br />

um sorriso largo.<br />

— Deixe os sapatos para lá.


olhos de lobo 1<br />

— Acha que pode dançar com eles?<br />

— Claro. Por quê?<br />

— Quero jogá-la em cima de Don Lester... Ver se podemos<br />

atraí-lo para a nossa equipe.<br />

— Por quê? Temos um jantar com ele na semana que vem.<br />

— Sim, mas quero fazer isso agora.<br />

— Por que não faz isso você mesmo?<br />

— Em primeiro lugar, eu pareceria maluco dançando<br />

sozinho. Em segundo, ele gosta de você.<br />

— Se não tivesse insultado a esposa dele... — murmurou<br />

ela antes de ingerir quase meia taça de champanhe.<br />

— Foi um acidente. Gostaria que todos vocês se esquecessem<br />

disso.<br />

Jessie entregou a taça a May, que prontamente terminou<br />

com o restante da bebida.<br />

— Mace, eu falarei com você mais tarde. Acho que tenho<br />

alguns trabalhos para vocês, rapazes.<br />

— Maravilha.<br />

— Foi um prazer revê-lo, Bobby Ray — disse, abraçando-o<br />

brevemente. — Vamos manter contato.<br />

Antes que ele pudesse dizer algo ou pegar o número de<br />

seu telefone, Jessie se afastou com o rapaz a fim de atrair o<br />

tal bilionário para a sua equipe.<br />

May dirigiu a ambos um breve sorriso antes de partir<br />

e se unir ao restante da matilha.<br />

Mace acenou com um gesto de cabeça.<br />

— Nossa, de fato ela parece caidinha por você —<br />

ironizou, divertido.<br />

Bobby fitou o amigo, exasperado.<br />

— Quando você foi parar no hospital, depois daquele<br />

bombardeio, eu devia ter colocado um travesseiro em cima<br />

da sua cabeça para sufocá-lo.<br />

O restante da noite foi monótono e passou lentamente.<br />

Tudo o que Bobby queria era ir para casa e amargar ‘’seu mau


20<br />

Shelley Laurenston<br />

humor em paz, mas, ao contrário, pegou-se contemplando<br />

Jessie Ann em vez de fazer seu trabalho.<br />

Graças a Deus, seu pessoal era eficiente e não haviam tido<br />

nenhum problema. Como negócio, a noite fora um sucesso.<br />

Bobby, porém, não conseguiu desfrutar muito esse fato.<br />

O último dos furgões partiu do estacionamento da companhia,<br />

deixando Mace e ele sozinhos.<br />

Antes que os dois amigos pudessem deixar a companhia,<br />

a porta lateral se abriu e a matilha de cães selvagens saiu<br />

por ela. Por mais tarde que fosse, ainda pareciam cheios de<br />

energia e discutiam a possibilidade de ir a um restaurante.<br />

Jessie Ann os liderava, agasalhada por um casaco de peles.<br />

Um dos rapazes a alcançou, pôs o braço ao redor de seus<br />

ombros e sussurrou algo em seu ouvido. Ela riu e o repeliu.<br />

Então, caminharam até um grande Hummer preto e escancararam<br />

as portas. Jessie abriu a lateral dianteira, mas parou<br />

e deu uma olhada ao redor. Seus olhos encontraram Mace,<br />

ela sorriu e acenou.<br />

— Obrigada, rapazes! Foi demais!<br />

— De nada — respondeu Mace pelos dois.<br />

Tudo o que Bobby pôde fazer foi um aceno com a mão.<br />

Em seguida, eles fecharam as portas e o furgão partiu.<br />

— Você está bem, Bobby?<br />

— Sim. Estava apenas pensando em como Jessie Ann<br />

mudou.<br />

— As pessoas mudam mesmo.<br />

Bobby suspirou. Gostava da sua pequena Jessie Ann.<br />

Mais do que havia imaginado.<br />

E agora ela se fora para sempre.

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