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OS HEBRAICOS DA AMAZÔNIA – por Henrique Veltman

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<strong>OS</strong> HEBRAIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

INTRODUÇÃO<br />

<strong>Henrique</strong> <strong>Veltman</strong><br />

Em 1981, o Beth Hatefutsot pediu ao fotógrafo Sérgio Zalis, na época aluno da escola de arte<br />

Betzalel, em Jerusalém, uma documentação do judaísmo brasileiro. Sérgio veio ao meu<br />

encontro, em São Paulo, sem maiores recursos além de sua boa vontade, e eu fiz ver a ele que<br />

a comunidade judaica brasileira estava espalhada pelos quatro cantos do país, e seria<br />

interessante estabelecer qual comunidade seria objeto de sua pesquisa. Elaboramos uma<br />

relação de possíveis registros, e Tel Aviv foi consultada. O Beth, depois de várias reuniões,<br />

decidiu-se pelo Norte do Brasil.<br />

Em janeiro de 1983, finalmente, o Beth Hatefutsot, o Museu da Diás<strong>por</strong>a da Universidade de<br />

Tel-Aviv,Israel, encomendou-nos a realização de uma documentação sobre o que até então era<br />

uma história muito pouco conhecida: a saga dos judeus marroquinos e de seus descendentes,<br />

os hebraicos, na longínqua e misteriosa Amazônia.<br />

Com o apoio do empresário Israel Klabin, durante um mês, percorremos aquela imensidão,<br />

começando <strong>por</strong> Belém do Pará, seguindo depois para Cametá, às margens do rio Tocantins.<br />

Dali, partimos para Abaetetuba, Alenquer, Santarém, Óbidos, Maués, Itacoatiara, Manaus,<br />

Porto Velho e Guajará Mirim.<br />

Em todos esses lugares, encontramos judeus, descendentes de judeus e registros<br />

impressionantes da passagem dos judeus de origem marroquina pela Amazônia.<br />

Elaborei um texto, quase crônica, e Zalis produziu as fotos. Com esse material, o Museu de<br />

Tel-Aviv realizou, em outubro de 1987, uma exposição sobre os judeus na Amazônia. Essa<br />

exposição, que depois percorreu o mundo, de Londres a Paris, Roma a Madri, ao Marrocos e<br />

aos Estados Unidos, ainda é desconhecida do público brasileiro. Foi uma das exposições<br />

transitórias do Museu, de maior afluência de público.<br />

O rei Hassan V, do Marrocos, tomou conhecimento da exposição,<br />

daí resultando um convite para que prosseguíssemos em nossas<br />

pesquisas sobre a presença judaico-marroquina na Amazônia. Isto<br />

aconteceu em 1988, quando uma equipe de televisão, comandada<br />

<strong>por</strong> Fábio Golombek e acompanhada <strong>por</strong> mim, viajou pelo<br />

Marrocos, buscando os elos de ligação entre os judeus, o<br />

Marrocos, o Brasil e o Estado de Israel. Dessa viagem resultou um<br />

documentário de TV, "Marrocos, uma nova África".<br />

Em 1990, a RAI, televisão estatal italiana, encomendou a uma<br />

produtora local a realização de um pequeno documentário sobre os<br />

hebraicos da Amazônia.<br />

Rei Hassan V<br />

Esse documentário, produzido <strong>por</strong> Carlos Nader e dirigido pelo<br />

cineasta <strong>Henrique</strong> Goldman, foi exibido em diversos países, tais<br />

como Inglaterra, França, Itália, Bélgica, EUA; Foi exibido pela TV Cultura de São Paulo; em<br />

Israel, em 1991, foi o programa especial de Tishabeav (dia de lembrança da queda dos<br />

Templos de Jerusalém).


<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

UMA PEQUENA HISTÓRIA D<strong>OS</strong> JUDEUS NO BRASIL<br />

A história dos judeus no Brasil deve ser contada a partir do descobrimento ou até mesmo antes<br />

disso. Portugal, é bom que se diga nestes tempos de globalização, esteve à frente das<br />

expedições ultramarinas <strong>por</strong>que foi o primeiro Estado-Nação moderno. A primeira revolução<br />

burguesa ocorreu lá, em 1383, onde já havia capital comercial que justificasse as expedições.<br />

A questão que se coloca, talvez seja: <strong>por</strong> que tal poderio se desfez em tão pouco tempo ? E a<br />

resposta é clara: <strong>por</strong> intolerância religiosa, pelo reacionarismo da aristocracia <strong>por</strong>tuguesa, que<br />

expulsou os judeus do país.<br />

Para contar a aventura judaica no Brasil, sou obrigado a me repetir. Quem leu minha “ História<br />

dos Judeus em S.Paulo” ou a "História dos Judeus no Rio de Janeiro" vai encontrar, aqui, a<br />

repetição de alguns fatos. Não há como escapar disso. Afinal, a história é a mesma.<br />

Em 1496, os judeus são expulsos de Portugal. Quatro anos antes,<br />

os reis católicos, Isabel e Fernando, assinavam o édito da<br />

expulsão dos judeus de Castela e Aragão.<br />

Ao mesmo tempo que o terror espalhava-se pelas judiarias da<br />

Espanha e Portugal, Colombo descobria o Novo Mundo, seguido<br />

<strong>por</strong> Cabral. Não <strong>por</strong> acaso, os principais tripulantes de Cabral<br />

eram judeus: mestre João, médico particular do rei de Portugal e<br />

astrônomo, e Gaspar da Gama, o verdadeiro comandante da<br />

expedição lusitana. Não <strong>por</strong> acaso, os principais aventureiros que,<br />

na esteira de Colombo, Vasco da Gama e Cabral, seguiram <strong>por</strong><br />

mares nunca dantes navegados, eram judeus assumidos ou<br />

conversos. Uma aventura que começa com a Escola de Sagres e<br />

com o infante D.<strong>Henrique</strong>.<br />

Gaspar da Gama<br />

Gaspar da Gama, <strong>por</strong> exemplo, foi personagem de uma aventura<br />

só comparável à de Marco Polo. Judeu polonês, de Posna, originário de Jerusalém, passou a<br />

vida entre Portugal, Espanha, Índias e África. Aprisionado pelos <strong>por</strong>tugueses, o judeu polonês<br />

transformou-se no “ língua”, o intérprete de Vasco da<br />

Gama,participando das descobertas nos mares da Índia. Mais tarde,<br />

torna-se piloto de Cabral e de Américo Vespúcio, tudo isto tendo<br />

como pano de fundo o drama da Inquisição, com a conversão forçada<br />

dos judeus.<br />

Um estudo dessa personagem, tal como feito pelo historiador Elias<br />

Lipiner Z'L, em “Gaspar da Gama, um converso na frota de Cabral”,<br />

mostra-nos que o ambicioso projeto ultramarino <strong>por</strong>tuguês só foi<br />

possível graças à participação concreta dos judeus. E mais: os<br />

judeus vinculavam o sucesso desses projetos às suas próprias<br />

aspirações de redenção, com o restabelecimento da soberania<br />

nacional, perdida com a queda do Segundo Templo, na antiga pátria<br />

bíblica.<br />

Dom <strong>Henrique</strong><br />

É im<strong>por</strong>tante perceber que, paradoxalmente, as perseguições antijudaicas<br />

acabaram <strong>por</strong> fortalecer os empreendimentos <strong>por</strong>tugueses - os filhos de Israel<br />

enxergaram nos descobrimentos e nas conquistas uma finalidade e uma escapatória. “ Os<br />

<strong>por</strong>tugueses são a um só tempo os mais arrojados navegantes dos mares e os mais cruéis<br />

opressores dos judeus. Decretam expulsões e batismos violentos nunca vistos e, qual<br />

açougueiros, cortam e retalham sem piedade a carne da infeliz nação hebraica de Portugal”,<br />

correspondência do sábio Abraham Halevi, citada pelo escritor Elias Lipiner.<br />

Já em 1504, Fernando de Noronha, <strong>por</strong> conta da Companhia das Índias Ocidentais, um<br />

empreendimento judaico-holandês (e, segundo o historiador Leôncio Basbaum, uma primeira<br />

iniciativa capitalista), iniciava o trans<strong>por</strong>te regular de pau-brasil entre a Terra de Santa Cruz,<br />

Portugal e Europa. Pau-brasil, então conhecido como “ a madeira judaica”.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Enquanto a Polônia e a Holanda transformavam-se em centros de vida e de sabedoria<br />

judaicas, mercê, basicamente, da expulsão dos judeus ibéricos, Caramuru, na Bahia, João<br />

Ramalho, em São Vicente, apóiam os primeiros colonizadores do Brasil.<br />

INSISTINDO NA TESE<br />

Há muitos anos venho defendendo a tese, (nada original, aliás), de que nossas escolas,<br />

principalmente as da comunidade judaica, deveriam oferecer aos seus alunos uma matéria<br />

extra-curricular, "A história dos judeus no Brasil".<br />

Na verdade, nenhum outro país do mundo pode registrar tamanha participação dos judeus ao<br />

longo de toda a sua existência. E claro, contribuindo de forma notável para o seu<br />

desenvolvimento econômico, político e social.<br />

Desde o achamento do Brasil, do qual os judeus participaram nos seus preparativos, até<br />

épocas mais recentes, os judeus, aberta ou disfarçadamente, estiveram integrados nos<br />

processos de formação da nacionalidade. O período da ocupação holandesa, que para a<br />

História oficial foi um desastre para o país, constituiu-se no ponto mais alto do desenvolvimento<br />

da coletividade judaica brasileira. E claro, quando, foram expulsos os holandeses, sobreveio a<br />

decomposição, o êxodo e a dispersão dos judeus do Brasil.<br />

Da mesma forma, as perseguições religiosas da primeira metade do século XVIII, que<br />

praticamente não afetaram a população do país, tiveram uma forte influência sobre a vida dos<br />

judeus brasileiros. Por fim, mas não menos im<strong>por</strong>tante, a implantação do regime liberal no<br />

Império, no início do século XIX, a proclamação da Independência,determinou a assimilação<br />

quase completa dos judeus.<br />

Podemos estabelecer, para melhor compreensão da vida judaica no Brasil, algumas fases bem<br />

marcantes, de 1500 a 1900, como muito bem assinalaram vários historiadores, entre eles<br />

Salomão Serebrenick, Elias Lipiner e Nachman Falbel, em seus estudos sobre a História<br />

judaica do Brasil.<br />

Assim, o achamento do Brasil acontece numa época em que Portugal estava no auge da sua<br />

expansão no mundo. Mais do que a glória militar ou simplesmente o espírito de aventuras, o<br />

que impelia os <strong>por</strong>tugueses às suas expedições marítimas, <strong>por</strong> "mares nunca dantes<br />

navegados", era o espírito comercial que dominava as expedições. Os <strong>por</strong>tugueses visavam<br />

quebrar o monopólio que até então, <strong>por</strong> intermédio das caravanas árabes, mantinham<br />

venezianos e genoveses sobre o intercâmbio mercantil com os <strong>por</strong>tos do Levante, e desse<br />

modo assegurar a Portugal a posição de centro das grandes atividades econômicas da época,<br />

a função de empório de produtos e especiarias intensamente procurados pelos meios<br />

consumidores da Europa.<br />

Como assinala José Gonçalves Salvador no seu "Os cristãos-novos e o comércio no Atlântico<br />

meridional" (Pioneira/Mec,1978) era uma época de profundas mudanças em Portugal. "Nação<br />

agrícola, enveredou gradativamente rumo aos mares e se converteu numa monarquia<br />

mercantilista. O acontecimento teria sido impossível sem a participação dos judeus, <strong>por</strong>quanto<br />

aos cristãos da velha etnia faltavam a necessária experiência do trato e a mentalidade<br />

requerida para os grandes negócios em vista de certas normas baixas pela Igreja".<br />

Os judeus figuraram, assim, entre os mais verdadeiros empreendedores do ultramar.<br />

Entretanto, fossem quais fossem os móveis do alargamento marítimo de Portugal, o certo é<br />

que ele não lograria produzir-se sem o longo período de descobertas e aperfeiçoamentos<br />

científicos, que precedeu o grande ciclo das conquistas, e no qual tiveram papel de sumo<br />

relevo os sábios da época.<br />

Desde o século XII, vinham os judeus da península ibérica se distinguindo nos domínios da<br />

matemática, astronomia e geografia, ciências básicas para a arte náutica, especialmente para<br />

a navegação oceânica. Por exemplo, Abraham Bar Chia , autor de "Forma da Terra", "Cálculo<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

do Movimento dos Astros" e "Enciclopédia"; Abraham Ibn Esra , autor de "Utensílios Éneos",<br />

"Tratado do Astrolábio", "Justificação das Tábuas de Kvarismi" e "Tábuas Astronômicas"; João<br />

de Luna, autor de "Epítomes de Astrologia" e "Tratado do Astrolábio"; Jacob Ben Machir, autor<br />

de "Tratado do Astrolábio" e inventor de um instrumento de observação, o assim chamado<br />

"Quadrante de Israel"; Isaque Ibn Said , que elaborou um resumo das obras sobre astronomia<br />

dos gregos e árabes; rabi Levi Ben Gerson, o Gersônides autor do "Tratado sobre a Teoria e<br />

Prática do Cálculo", "Dos Números Harmônicos", "Tábuas Astronômicas sobre o Sol e a Lua" e<br />

"Tratado sobre a Balestilha", além de ter construído dois im<strong>por</strong>tantes instrumentos: a câmara<br />

escura e o telescópio, cuja invenção, geralmente, é atribuída a terceiros; Isaque Zaddik, autor<br />

das "Tábuas Astronômicas", "Tratado sobre Instrumentos astronômicos" e "Instruções para o<br />

Astrolábio de Jacob ben Machir".<br />

Todo este movimento científico foi fundamental para os projetos dos governantes <strong>por</strong>tugueses<br />

de disputar a posição de grande potência naval. O infante D. <strong>Henrique</strong>, "O Navegador", ao<br />

fundar, em 1412, a primeira academia de navegação, a "Escola de Sagres", designou seu<br />

diretor um dos mais famosos cartógrafos do século XV, o judeu Yehuda Crescas, que vivia,<br />

então, nas Ilhas Baleares, entre a peninsula e o Marrocos.<br />

Yehuda Crescas, também conhecido como mestre Jácome de Malorca e apelidado de "El<br />

judio de las Brújulas" graças à sua notável experiência na fabricação de bússolas - teve <strong>por</strong><br />

missão ensinar aos pilotos <strong>por</strong>tugueses os fundamentos da navegação e a produção e manejo<br />

de cartas e instrumentos náuticos.<br />

Outros cientistas judeus já então famosos prestaram sua colaboração à<br />

Escola de Sagres, entre eles José Vizinho, mestre Rodrigo e, sobretudo,<br />

Abraham Zacuto, o autor do "Almanaque Perpétuo de todos os Movimentos<br />

Celestes" , uma figura de grande influência em todas as decisões que diziam<br />

respeito aos interesses do Estado, basicamente, às expedições oceânicas,<br />

entre elas, a bem sucedida viagem de Vasco da Gama , com a descoberta<br />

do caminho marítimo à Índia. Viagem que foi <strong>por</strong> Zacuto inteiramente<br />

planejada.<br />

Abraham Zacuto<br />

Vale registrar o que diz o Francisco Moreno de Carvalho sobre esta notável<br />

figura. Francisco Moreno, médico, pesquisador e historiador da ciência, depois de dez anos de<br />

trabalho, está concluindo a transcrição de um manuscrito até agora inédito: o primeiro texto de<br />

medicina do Brasil.<br />

”Trata-se do "Tratado de Medecina que Fez o Doutor Zacuto para seu Filho Levar Consigo<br />

Quando se Foy para o Brazil", um guia de medicina escrito em <strong>por</strong>tuguês, em 1638, pelo<br />

médico judeu-<strong>por</strong>tuguês Zacuto Lusitano, à intenção de seu filho Jacob Zacut, que veio para<br />

Pernambuco, durante a ocupação holandesa, para atuar no tráfico de escravos”.<br />

"Para a história da medicina no Brasil, esse manuscrito possui uma im<strong>por</strong>tância comparável à<br />

que a famosa Carta de Pero Vaz de Caminha tem para a história da colonização <strong>por</strong>tuguesa no<br />

país", afirma o Francisco Moreno de Carvalho.<br />

“O documento, preservado em duas cópias também manuscritas, é o registro médico mais<br />

antigo de que se tem notícia sobre o Brasil - antes acreditava-se que o mais antigo era de 1683<br />

- e, <strong>por</strong> meio de sua publicação e seu estudo, será possível conhecer melhor as práticas<br />

terapêuticas utilizadas no país durante o período colonial, do século 17 ao 19, quando nem<br />

existiam faculdades de medicina no país, muito menos médicos e hospitais para toda a<br />

população”.<br />

Nessa época, as ervas medicinais e os rituais místico-religiosos - frutos do conhecimento<br />

popular herdado da mistura das culturas indígena, africana e européia - eram os únicos<br />

remédios contra os males tropicais que afligiam os brasileiros.<br />

É nesse contexto que se situa o documento que vem sendo transcrito <strong>por</strong> Francisco Moreno de<br />

Carvalho. Embora redigido como uma guia prático de uso pessoal, o "Tratado" remete aos<br />

procedimentos terapêuticos usados no período, tanto no Brasil quanto na Europa. "Zacuto<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Lusitano já havia estudado casos clínicos oriundos do Brasil antes desse manuscrito e<br />

publicado, em latim, os usos recém-descobertos de algumas plantas brasileiras"..<br />

Doutor em Pensamento Judaico e História da Medicina pela<br />

Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel, e versado em sete<br />

línguas (entre elas o hebraico fluente), Francisco Moreno de<br />

Carvalho foi mais longe em suas pesquisas, percorrendo todo o<br />

caminho feito pela comunidade judaica de Portugal na época da<br />

conversão forçada dos judeus. Eles foram obrigados, no século 15,<br />

a se converter ao Cristianismo. Reunidos em Amsterdã, os cientistas<br />

judeus acabaram contribuindo largamente para o desenvolvimento<br />

da medicina ocidental, incor<strong>por</strong>ando, inclusive, o conhecimento das<br />

ervas medicinais advindo das civilizações pré-colombianas da<br />

América do Sul e de países orientais, como a Índia.<br />

Acho que não é preciso dizer mais nada para estabelecer o notável<br />

papel dos sábios e cientistas judeus do século XV que tornaram<br />

possível as viagens transoceânicas e as descobertas realizadas<br />

pela frota <strong>por</strong>tuguesa.<br />

Cabral<br />

A contribuição judaica ao descobrimento de novas rotas e de novas<br />

terras para a coroa <strong>por</strong>tuguesa não se limitou ao campo científico de feição preparatória, senão<br />

também se traduziu na participação direta das temerárias viagens, nas quais os judeus se<br />

revelaram de vital utilidade, graças ao conhecimento que tinham das línguas e costumes de<br />

vários países e povos. E foi assim que os judeus tiveram papel im<strong>por</strong>tante na expedição que<br />

resultou no descobrimento do Brasil. Na frota comandada <strong>por</strong> Pedro Álvares Cabral, viajaram<br />

como conselheiros e especialistas pelo menos dois judeus: Mestre João, médico particular do<br />

rei e astrônomo equipado com os instrumentos de Abraham Zacuto, e que tinha como<br />

incumbência realizar pesquisas astronômicas e geográficas; e Gaspar de Lemos, também<br />

conhecido como Gaspar da Gama e Gaspar das Índias, intérprete e comandante do navio que<br />

levava os mantimentos, e justamente considerado pelos historiadores como co-responsável<br />

pelo descobrimento do Brasil. Leia-se, para melhor conhecimento desta figura notável, o livro<br />

de Elias Lipiner, "Gaspar da Gama , um converso na frota de Cabral".<br />

Gaspar de Lemos ou da Gama ou das Índias foi o primeiro<br />

explorador do Brasil . Como relata outro Gaspar, o Correia ,nas<br />

"Lendas da Índia": "El-Rei entregou ao Capitão-mór Gaspar da<br />

Gama (Gaspar de Lemos), o judeu, <strong>por</strong>que sabia falar muitas<br />

línguas, a que El-Rei deu alvará de livre e fôrro de sua comédia<br />

em terra dez cruzados cada mês, muito lhe recomendando que<br />

o servisse com Pedralves Cabral, <strong>por</strong>que se bom serviço lhe<br />

fizesse, lhe faria muita mercê; e <strong>por</strong>que sabia as coisas da<br />

Índia, sempre bem aconselhasse ao Capitão-mór o que fizesse,<br />

<strong>por</strong>que êste judeu tinha dado a El-Rei muita informação das<br />

coisas da Índia mórmente de Gôa".<br />

Gaspar de Lemos era judeu nascido na Polônia, de onde foi<br />

Mestre João<br />

expulso ou teve que fugir em 1450, quando criança, <strong>por</strong> não ter<br />

querido sua família converter-se ao cristianismo. Após uma<br />

longa peregrinação através da Itália, Palestina, Egito e outras terras, teria resolvido<br />

permanecer em Gôa, na Índia, ali adquirindo prestígio e vindo a ocupar a função de capitãomór<br />

de uma armada pertencente a um rico mouro na ilha de Arquediva. Foi nessa ilha que<br />

Vasco da Gama, em 25 de setembro de 1498, ao regressar de uma viagem à Índia, conheceu<br />

Gaspar de Lemos, que se lhe apresentou a bordo como cristão e prisioneiro do poderoso<br />

Saboya, proprietário da ilha. Não tendo conseguido burlar a perspicácia de Vasco da Gama,<br />

este depressa forçou-o a confessar que tinha sob suas ordens quarenta navios com instruções<br />

de Saboya para, na primeira o<strong>por</strong>tunidade, atacar a frota lusitana.<br />

No entanto, o incidente acabou gerando uma sólida amizade de Vasco da Gama <strong>por</strong> Gaspar de<br />

Lemos, a quem levou consigo para Portugal, onde o apadrinhou no batismo, deu-lhe o seu<br />

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nome - pelo que passou a chamar-se Gaspar da Gama - e<br />

apresentou-o ao rei, D. Manoel, que o fez persona grata na<br />

côrte, nomeou-o "cavalheiro de sua casa".<br />

Vários historiadores acham que apoiado na sua enorme<br />

experiência de viagens marítimas, tivesse Gaspar<br />

intencionalmente induzido Pedro Álvares Cabral a afastar-se<br />

da África <strong>por</strong> acreditar na existência de outras terras na<br />

direção oeste da vastidão do Oceano. Gaspar da Gama fez<br />

jús ao epíteto de "o primeiro explorador da terra", que lhe deu<br />

Afrânio Peixoto, e mesmo ao de "co-descobridor do Brasil",<br />

que lhe atribuiu Alexandre von Humboldt.<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Não podemos esquecer, também, a figura do também judeu<br />

Bartolomeu Dias, o primeiro a atravessar o Cabo das<br />

Bartolomeu Dias<br />

Tormentas. Na prática, o homem que possibilitou não apenas<br />

a viagem de Vasco da Gama às Índias, mas a própria<br />

expedição de Cabral. Foi Bartolomeu quem concebeu a Volta do Mar, o percurso original que,<br />

afastando-se da Costa africana, permitiu às naus <strong>por</strong>tuguesas escaparem da calmaria nas<br />

proximidades daquele litoral.<br />

ERA JOÃO RAMALHO JUDEU ?<br />

Horácio de Carvalho, jornalista e diretor do Diário Oficial do Estado de São Paulo, afirmava:<br />

“sim, é judeu”.O sinal encontrado na assinatura do velho paulista nada mais seria do que um<br />

káf, letra do alfabeto hebraico. O geógrafo Teodoro Sampaio concordou com a tese.O Instituto<br />

Histórico e Geográfico de São Paulo dividiu-se quanto à questão, que permanece em aberto.<br />

O fato, <strong>por</strong>ém, é que João Ramalho e seus filhos participaram ativamente da absorção (klitá)<br />

dos judeus, primeiros colonizadores do Brasil. O historiador Rocha Pombo admite que João<br />

Ramalho tenha vindo antes da descoberta do Brasil, possivelmente em 1497, época da<br />

expulsão dos judeus de Portugal.<br />

Leôncio Basbaum aponta como iniciativa<br />

capitalista pioneira o ciclo do açúcar. Foram os<br />

judeus que introduziram a cana-de-açúcar,<br />

construíram os engenhos, financiaram toda a<br />

operação e trans<strong>por</strong>taram o açúcar demerara<br />

(mascavo) para a Europa, onde foi refinado e<br />

vendido a peso de ouro.<br />

Não ficam apenas no açúcar e no pau-brasil, os<br />

judeus colonizadores. Cultivam o fumo, montam<br />

os primeiros fornos de fundição e introduzem em<br />

1530, as primeiras oficinas de lapidação de pedras<br />

João Ramalho<br />

preciosas. E, enquanto na Ibéria fecham-se as<br />

garras da Inquisição, no Brasil, seu primeiro<br />

educador, o jesuíta José de Anchieta, opõe-se energicamente à instalação de tribunais do<br />

Santo Ofício no país.<br />

A emigração de judeus e cristãos-novos assume tal vulto que, em 1567, D.<strong>Henrique</strong>, regente<br />

de Portugal, proíbe essa fuga de conversos.<br />

O braço da Inquisição era longo e chegou ao Brasil, inicialmente ao Rio de Janeiro e à Bahia.<br />

“Vínculos de Fogo”, de Alberto Dines, e “Santa Inquisição”, de Elias Lipiner, são dois dos vários<br />

livros que tratam do assunto com muita seriedade e emoção.<br />

Instalado o Santo Ofício na Bahia, em 1591, os judeus migram. Uma parte foge para São<br />

Paulo, outros ainda mais para o sul e uma parte significativa para o Nordeste. Menos de 40<br />

anos depois, os holandeses invadem vitoriosamente Pernambuco e arredores. Os marranos<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

baianos retornam ao judaísmo. Maurício de<br />

Nassau proclama a igualdade de direitos e a<br />

liberdade de culto; fundam-se, imediatamente,<br />

duas sinagogas e chegam ao Recife o primeiro<br />

rabino das Américas, Isaac Aboab da Fonseca, e o<br />

cantor ritual (chazan ou hazan), Moisés Rafael de<br />

Aguiar.<br />

Sob o domínio holandês, o judaísmo prosperou e<br />

afirmou-se. Foi criada a congregação Zur Israel, e<br />

marranos e cristãos-novos abandonaram os<br />

disfarces.<br />

Mas, em 1645, os holandeses são batidos <strong>por</strong> <strong>Henrique</strong> Dias e Felipe Camarão. Os judeus<br />

fogem com os holandeses. O êxodo dirige-se para as Guianas, as Antilhas e a Nova Holanda.<br />

Evidentemente, os judeus fogem, levando suas riquezas materiais e o seu know-how. E não é<br />

à toa que o ciclo do açúcar reproduz-se na América Central.<br />

O BEQUIMÃO<br />

Zur Israel<br />

Em 1684, no Maranhão, no norte do Brasil, explodiu, segundo o historiador Varnhagen, “ a<br />

mais séria revolução operada” no país. Seu protagonista “ foi o homem mais popular do<br />

Maranhão naqueles tempos, <strong>por</strong> sua coragem cívica”, o judeu Manoel Beckman, autor do<br />

primeiro discurso político brasileiro, segundo o historiador João Francisco Lisboa. Beckman, na<br />

linguagem da gente simples conhecido simplesmente como o Bequimão, morreu "pelo povo do<br />

Maranhão", segundo suas próprias palavras, proferidas antes de subir à forca.<br />

Como relata Maria Liberman, em sua tese de Mestrado na USP, "no final do século XVII deu-se<br />

no Maranhão uma Revolução, resultante do protesto do povo contra a miséria e a exploração.<br />

Neste levante tomaram parte senhores de engenho, clero e povo. Os idealizadores deste<br />

levante público foram dois judeus, Manoel e Thomaz Beckman, que sonhavam em mudar as<br />

condições de vida da região, pois a população em geral, pobres e ricos, eram prejudicados<br />

pela política econômica".<br />

Manoel nasceu em Lisboa, pai alemão e mãe <strong>por</strong>tuguesa. Chegou ao Maranhão em 1662,<br />

casou-se com Maria de Almeida Cáceres e já em 1668<br />

ocupava o cargo de vereador no Estado. Seu irmão<br />

Thomas chegou alguns anos mais tarde, casando-se com<br />

Helena de Cáceres, irmã de sua cunhada.<br />

Manoel Beckman conduziu o povo na revolta contra as<br />

atividades da Companhia de Jesus, contra a Companhia<br />

de Comércio do Maranhão e contra a corrupção política<br />

dos representantes da Coroa. Foi enforcado sem<br />

julgamento em 1684, <strong>por</strong> ordem do governo. Suas últimas<br />

palavras: "Morro feliz pelo povo do Maranhão".<br />

Há registros de que os descendentes do Bequimão vivem<br />

hoje no Brasil e o seu papel heróico ainda continua sem<br />

ser estudado nas escolas do país.<br />

Manoel Beckman<br />

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ANTONIO J<strong>OS</strong>É<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Em 1739, Antonio José da Silva, O Judeu, primeiro e mais destacado homem do teatro<br />

brasileiro, em seu tempo, é queimado vivo em Lisboa. Entre as vítimas brasileiras da Inquisição<br />

<strong>por</strong>tuguesa, na fase da sua mais negra atuação, figura Antônio José da Silva, nascido no Rio<br />

de Janeiro, em 1705.<br />

Aos oito anos de idade, mudou-se ele com seu pai para Lisboa, para onde acabava de ser<br />

enviada como prisioneira a sua mãe, acusada de judaísmo pelos agentes da Inquisição.<br />

Em Portugal, freqüentou Antônio José colégio e universidade, sempre revelando excepcionais<br />

dotes de inteligência e invulgar pendor literário. Em poucos anos, seu espírito criador<br />

enriqueceu a literatura <strong>por</strong>tuguesa de numerosas peças teatrais de singular valor, galgando ele<br />

os mais altos degraus da fama e da popularidade.<br />

Como de suas peças, genialmente arquitetadas, com freqüência extravasasse um sarcasmo<br />

sem rebuços contra a torpe atividade da Inquisição, esta o marcou<br />

e não mais descansou no afã de eliminá-lo.E ela conseguiu o seu<br />

intento, não obstante o prestígio imenso do poeta.<br />

Tentara a princípio intimidá-lo, confiscando-lhe os bens e<br />

esmagando-lhe os dedos - ato este praticado na igreja de São<br />

Domingos em 13 de outubro de 1726 - na esperança de que assim<br />

não mais viesse a manejar a sua pena mordaz. Vendo, <strong>por</strong>ém,<br />

que com isso ainda mais haviam acirrado o seu ódio ao<br />

monstruoso tribunal, os inquisidores enredaram Antônio José da<br />

Silva numa complicada trama de denúncias e falsos testemunhos,<br />

entre os quais o de que ele ria do nome de Cristo, jejuava às<br />

segundas e quintas-feiras, vestia roupa limpa aos sábados, e<br />

rezava o Padre Nosso substituindo, no fim, o nome de Jesus pelo<br />

de Abraão e do Deus de Israel.<br />

E assim, inapelavelmente condenado à pena capital em 11 de março de 1739, foi Antônio José<br />

da Silva - cognominado "O Judeu" - queimado, em 21 de outubro do mesmo ano, na praça<br />

pública, não tendo faltado sequer alguns requintes de crueldade: foram obrigadas a assistir ao<br />

ato - a sua mãe, septuagenária, sua mulher e sua filha de quatro anos.<br />

O ARREN<strong>DA</strong>MENTO DO BRASIL<br />

Achado o Brasil, o interesse do rei D. Manoel pela nova terra diminuiu drasticamente. A<br />

expedição enviada à costa do Brasil no ano de 1501, e que regressou a Portugal em 1502, não<br />

apresentou resultados que entusiasmassem o Governo <strong>por</strong>tuguês, que estava muito<br />

interessado em ouro, mas no Brasil "nada fôra encontrado de proveito, exceto infinitas árvores<br />

de pau-brasil, de canafístula, as de que se tira a mirra e outras mais maravilhas da natureza<br />

que seriam longas de referir" (carta de Américo Vespucci a Soderini).<br />

O que foi extremamente benéfico aos judeus que, em 1502,<br />

propuseram o arrendamento do Brasil <strong>por</strong> um consórcio dirigido <strong>por</strong><br />

Fernando de Loronha. Uma proposta para a exploração da nova<br />

colônia mediante contrato de arrendamento, a colonização do Brasil<br />

a expensas de particulares, sem riscos e sem ônus ou quaisquer<br />

encargos para o erário público, e ainda com a possibilidade de lhe<br />

serem pro<strong>por</strong>cionados lucros e de ser sustentada a autoridade<br />

<strong>por</strong>tuguesa na nova possessão.<br />

O acordo, um monopólio de comércio e de colonização, foi firmado<br />

em 1503, pelo prazo de 3 anos. Na verdade, era a ação inteligente<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

de um grupo de judeus interessado em acomodar centenas, senão milhares de israelitas,<br />

refugiados das perseguições anti-semitas que voltavam a se manifestar na Ibéria e outras<br />

regiões da Europa e do norte da África.<br />

A empresa de Fernando de Loronha passou a enviar seis navios anualmente; iniciou a<br />

exploração e o cultivo, a cada ano, de uma nova região de 300 léguas; construiu fortalezas e,<br />

claro, comprometeu-se a destinar à Coroa, a partir do segundo ano do arrendamento, a sexta<br />

parte das rendas auferidas com os produtos da terra, e, no terceiro ano, a quarta parte das<br />

mesmas.<br />

Esse contrato foi, com algumas modificações, sucessivamente renovado em 1506, 1509 e<br />

1511, estendendo-se até 1515.<br />

Em maio de 1503 partiu de Portugal a primeira frota, composta de seis navios, tendo a<strong>por</strong>tado<br />

em 24 de junho de 1503 a uma ilha até então desconhecida, que inicialmente recebeu o nome<br />

de São João, mais tarde trocado para "Fernando de Noronha" , seu descobridor. A ilha lhe foi<br />

doada pelo rei em 1504.<br />

Já nesse mesmo ano, os navios de Fernando de Noronha voltaram para Portugal com enorme<br />

carregamento de pau-brasil (também conhecido como a "madeira judaica").<br />

O comércio do pau-brasil durante o arrendamento do Brasil a Fernando de Noronha cresceu<br />

muito, ex<strong>por</strong>tavam-se nada menos de 20.000 quintais <strong>por</strong> ano - e de tal im<strong>por</strong>tância econômica<br />

ele se revestiu, que deu origem à denominação de "ciclo do pau-brasil", sob a qual é conhecido<br />

aquele período, além de ter se tornado o nome definitivo da terra - Brasil.<br />

Fernando de Noronha, também chamado Fernão de Noronha ou Fernão de Loronha, foi uma<br />

personalidade marcante na vida pública de Portugal.<br />

Até 1530, a Coroa pouco se im<strong>por</strong>tou com o aproveitamento do Brasil.<br />

Aí <strong>por</strong> volta de 1515, Portugal acordou para a realidade: ou se ocuparia do vastíssimo território<br />

do Brasil ou se arriscaria a perder o comércio com ele e, <strong>por</strong> via de conseqüência, a<br />

soberania. O perigo era real, o litoral brasileiro era intensamente freqüentado <strong>por</strong> corsários<br />

franceses, que traficavam com os indígenas, quebrando o monopólio <strong>por</strong>tuguês do pau-detinta.<br />

É então que o governo <strong>por</strong>tuguês tomou uma série de medidas. De um lado, organizou<br />

armadas guarda-costa, em cujo comando se destacou Cristóvão Jaques; de outro lado, tomou<br />

medidas de incentivo à colonização do Brasil, facilitando o embarque de todos quantos<br />

quisessem partir como colonos.<br />

Um decreto baixado em 1516 <strong>por</strong> Dom Manuel I, rei de Portugal, estabelece que todo aquele<br />

que emigrasse para o Brasil receberia, <strong>por</strong> conta da Coroa, o equipamento necessário para aí<br />

construir um engenho de açúcar, não se tendo o decreto descuidado de ordenar que fosse<br />

enviado um perito à nova colônia a fim de dar a necessária assistência.<br />

O decreto dizia em dado momento: "Machadinhas, enchadas e outros instrumentos deverão<br />

ser dados às pessoas que vão popular o Brasil e um homem experiente e capaz deverá ser<br />

enviado ao Brasil para dar início a um engenho de açúcar. Deverá receber toda a assistência e<br />

materiais e instrumentos necessários para a construção do engenho".<br />

A despeito das facilidades concedidas pelo Governo, sabe-se que eram raros os <strong>por</strong>tugueses<br />

cristãos que quisessem emigrar para o Brasil - provavelmente, estavam mais interessados na<br />

Índia - daí <strong>por</strong> que, ao lado de criminosos, condenados ou exilados, se destacaram os<br />

voluntários judeus, constituindo a maioria das levas imigratórias.<br />

As providências tomada pelo Governo de Portugal deram bons resultados, documentos de<br />

1526 já se referem a direitos alfandegários pagos em Lisboa sobre açúcar im<strong>por</strong>tado do Brasil.<br />

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<strong>OS</strong> JUDEUS E O CICLO <strong>DA</strong> CANA DE AÇÚCAR<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

A suposição de que predominavam os judeus entre esses primeiros colonizadores é<br />

corroborada pelo fato de que a indústria do açúcar já vinha sendo, desde muitos anos antes, a<br />

ocupação preferencial dos judeus das ilhas da Madeira e de São Tomé, de onde<br />

provavelmente foi a cana de açúcar transplantada para o Brasil.<br />

Assim, de 1515 a 1530, coube aos judeus uma parcela fundamental no cumprimento da tarefa,<br />

organizada <strong>por</strong> Portugal, como primeiros colonizadores do Brasil.<br />

Visando uma colonização sistemática e em larga escala, o rei de<br />

Portugal, D. João III, em 1530, mandou aprestar uma armada<br />

com 400 homens, sob o comando do seu amigo, o cristão novo<br />

Martim Afonso de Sousa, a quem nomeou "Capitão-mór e<br />

Governador das Terras do Brasil", dando-lhe autorizações<br />

especiais de muita amplitude, que abrangiam "o direito de tomar<br />

posse de todo o país, fazer as necessárias divisões, ocupar<br />

todos os cargos, exercer todos os poderes judiciários, civis e<br />

criminais". A expedição de Martim Afonso de Sousa, dando<br />

cumprimento à sua missão, cobriu, em 2 anos, todo o litoral<br />

brasileiro, estendendo-se desde o Amazonas até o rio da Prata,<br />

Bahia e São Vicente.<br />

Martim Afonso de Sousa<br />

Martim Afonso de Sousa concentrou as suas atenções em dois<br />

pontos do litoral, pontos esses que perdurariam ao longo de toda<br />

a história do Brasil como focos de progresso: o Nordeste (Bahia-Recife) e o Sudeste (Rio-S.<br />

Paulo).<br />

Tal bicentrismo econômico e social teve uma influência decisiva sobre a história econômica do<br />

país, até os nossos dias: o Nordeste predominando nos séculos XVI e XVII - ciclos do paubrasil<br />

e do açúcar; o Sudeste se sobressaindo no século XVIII, à época da mineração do ouro;<br />

um curto ressurgimento setentrional; e, finalmente, um predomínio meridional definitivo no<br />

século XIX, ao influxo da grande agricultura, especialmente da cultura do café; tudo isso, sem<br />

prejuízo das perspectivas de franco progresso que tornam a desenhar-se para o Nordeste,<br />

embora sem afetar o centro-sul.<br />

A existência de dois centros econômicos im<strong>por</strong>tantes merece especial atenção: os judeus,<br />

sempre que acossados pelas perseguições no Nordeste, escolhiam como refúgio a província<br />

de São Vicente; <strong>por</strong> outro lado; é im<strong>por</strong>tante registrar que em cada um dos pontos - Bahia e<br />

São Vicente (S. Paulo) - Martim Afonso de Souza encontrou judeus influentes -<br />

respectivamente, Diogo Álvares Correia, o Caramuru e João Ramalho - que lhe prestaram<br />

decisivo apoio na sua tarefa colonizadora.<br />

CAPITANIAS HEREDITÁRIAS<br />

Em 1532, resolveu D. João III, criar capitanias situadas ao longo da costa, medida que pôs em<br />

prática entre os anos de 1534 e 1536, mediante a divisão do litoral entre o Maranhão e Santa<br />

Catarina em 14 lotes, de 10 a 100 léguas de costa, doando essas 14 capitanias hereditárias a<br />

12 "donatários", escolhidos entre os nobres e valorosos vassalos, os quais deviam explorar e<br />

colonizar à sua custa as regiões que lhes haviam sido confiadas, tudo fazendo pelo seu rápido<br />

e seguro progresso.<br />

Novamente, um atrativo e motivo de estímulo para a vinda de judeus ao Brasil. Os donatários,<br />

desejosos de imprimir prosperidade às suas capitanias, disputavam colonos patrícios. Como já<br />

foi registrado, os <strong>por</strong>tugueses cristãos preferiam a Índia, cujos efeitos atrativos perduravam.<br />

Assim, não restava aos donatários senão recorrer mais uma vez às famílias judias, às quais se<br />

concediam direitos e vantagens iguais aos dos demais colonos.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Além disso, os judeus se revelaram excelentes colonizadores, hábeis no trato com o gentio, a<br />

cujos hábitos e línguas logo se adaptavam, passando a contar depressa com a sua amizade.<br />

Portanto, as possibilidades de progresso das capitanias dependia em bom grau dos judeus, e,<br />

graças a esta circunstância, puderam eles gozar de ampla liberdade de costumes.<br />

Das capitanias, duas se desenvolveram com resultados apreciáveis: Pernambuco e São<br />

Vicente, justamente os dois focos de progresso - Nordeste e Sudeste. Excepcional foi o<br />

desempenho da capitania de Pernambuco, dirigida <strong>por</strong> Duarte Coelho Pereira. Ele logo<br />

percebeu que a região era favorável à agricultura - fumo, algodão e cana de açúcar - para esta<br />

última, Duarte Coelho implantou o cultivo intenso e sistemático de cana e incrementou a<br />

indústria açucareira.<br />

Duarte Coelho determinou o estabelecimento de grandes plantações de cana de açúcar e a<br />

construção de bom número de engenhos, mandando trazer, das ilhas da Madeira e de São<br />

Tomé, mecânicos, capatazes e operários especializados - em sua maioria judeus - para<br />

dirigirem engenhos e impulsionarem a produção do açúcar.<br />

Já assinalei antes, mas insisto na observação do historiador marxista Jacob Gorender: esta foi,<br />

provavelmente, a primeira experiência capitalista realizada no Novo Mundo.<br />

Registro im<strong>por</strong>tante: o judeu Diogo Fernandes, o maior técnico em produção de açúcar de seu<br />

tempo, foi trazido <strong>por</strong> Duarte Coelho ao Brasil.<br />

Por vários motivos - tamanho excessivo dos territórios, falta de recursos para repelir os ataques<br />

dos selvagens ou as invasões estrangeiras, falta de união entre os donatários - falhou<br />

totalmente o sistema de colonização das capitanias, mesmo com as exceções que<br />

representavam as de São Vicente e Pernambuco.<br />

Resolveu, então, D. João III, em 1548, criar um governo geral, com sede na Bahia, capaz de,<br />

em torno dele, reunir os esforços dos donatarios, dando-lhes "favor e ajuda" e deles recebendo<br />

auxílios, inclusive "gente e mantimentos".<br />

Com a implantação do novo sistema de governo em 1549, não sofreu alteração a situação dos<br />

judeus no Brasil, muito embora na mesma ocasião se fixassem no país os jesuítas.<br />

E as condições então existentes eram tão complexas que os jesuítas se viram forçados a uma<br />

política de transigência e prudência, merecendo destacar a atividade do padre José de<br />

Anchieta e do primeiro bispo do Brasil - Pero Fernandes Sardinha - que se opuseram<br />

energicamente à instalação de tribunais inquisitoriais no país e a quaisquer outras formas de<br />

discriminação e perseguição.<br />

Em 1554, escrevia o padre José de Anchieta "ser grandemente necessário que se afrouxasse o<br />

direito positivo nestas paragens". Da mesma forma, o bispo Pero Lopes Sardinha opinava que<br />

"nos princípios muitas mais coisas se hão de dissimular que castigar, maiormente em terra tão<br />

nova como esta".<br />

Esse panorama de tolerância contrastava vivamente com a onda de ódio e discriminação que<br />

varria Portugal, "onde crepitavam ininterruptamente as fogueiras dos autos de fé", registra<br />

Salomão Serebrenick em seu livro sobre a época.<br />

Ou seja, diante da fúria da perseguição religiosa, sentiam-se os judeus de Portugal impelidos a<br />

tentar vida nova no Brasil, como refúgio seguro, onde poderiam concretizar-se os seus anseios<br />

de liberdade, as suas esperanças de paz e de tranqüilidade.<br />

Tudo jogava a favor do estabelecimento de uma intensa e ininterrupta corrente imigratória de<br />

judeus <strong>por</strong>tugueses para o Brasil, onde, prosperando rapidamente, passaram a formar<br />

numerosos núcleos, dando mesmo início a uma vida coletiva que com o tempo viria assumir<br />

nitidamente características judaicas como o testemunham as esparsas referências encontradas<br />

sobre uma sinagoga que funcionava em uma casa de propriedade do cristão-novo Heitor<br />

Antunes, na cidade do Salvador, sede do Governo Geral, sobre uma outra que fazia parte de<br />

um centro marrano em Camaragibe, capitania de Pernambuco, que chegou a contar com um<br />

rabino, Jorge Dias do Caia, cristão-novo, calceteiro.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Martim Afonso de Souza, como já disse, teve o apoio de duas extraordinárias figuras, o<br />

Caramurú e João Ramalho, que lhe prestaram decisiva ajuda na sua função de colonizar o<br />

Brasil.<br />

Esses dois vultos, de vida lendária, são justamente considerados os primeiros colonizadores de<br />

fato do país. Ambos a<strong>por</strong>taram à costa brasileira como náufragos, e na mesma época, <strong>por</strong> volta<br />

de 1510; ambos tiveram que se acomodar com os indígenas, aos quais acabaram impondo a<br />

sua autoridade: ambos integraram-se na vida dos selvícolas, inclusive casando com índias; um<br />

e outro realizando uma extraordinária obra de pacificação e aproximação entre os indígenas e<br />

os representantes do Governo de Portugal.<br />

De João Ramalho falamos, algumas páginas atrás. Cabe, agora, falar do judeu Diogo Álvares<br />

Correia.<br />

CARAMURU<br />

A História registra uma interessante lenda: em 1509 ou 1510, um<br />

navio <strong>por</strong>tuguês naufragou junto da atual Bahia de Todos os<br />

Santos.<br />

Quase todos os homens morreram afogados ou foram devorados<br />

pelos índios Tupinambás. Entre os poucos deixados para serem<br />

sacrificados posteriormente, em espetáculo festivo, estava Diogo<br />

Álvares Correia. Quando se aproximava a hora de ser ele<br />

sacrificado, uma idéia salvou-lhe a vida: Disparou Diogo o<br />

mosquete que retivera do naufrágio e matou um pássaro em<br />

pleno vôo.<br />

Os selvagens foram tomados de grande terror, pondo-se a gritar:<br />

"Caramuru! Caramuru!", ou seja, "homem do fogo" ou "filho do<br />

trovão". (Para alguns estudiosos, o apelido Caramuru se deriva<br />

Diogo Álvares Correia,<br />

o Caramuru<br />

do fato de ser esse o nome com que os indígenas designavam um peixe comum no recôncavo<br />

da Bahia, a moréia, freqüentadora das águas baixas, numa das quais teria sido encontrado<br />

Diogo Álvares depois do naufrágio).<br />

Seja como for, Diogo Álvares Correia passou a ser altamente considerado pelos índios que,<br />

daí em diante, o respeitavam como a um chefe. Mais tarde, casou-se com Paraguassu, filha do<br />

chefe Taparicá, com o que se tornaram mais íntimas e sólidas as suas relações com os<br />

indígenas.<br />

Quando da chegada de Martim Afonso de Souza, Caramuru serviu de intérprete e elemento de<br />

ligação entre esse primeiro Governador do Brasil e os chefes índios, acertando medidas para a<br />

introdução de trabalhos agrícolas na região com o aproveitamento de sementes trazidas <strong>por</strong><br />

Martim Afonso.<br />

A partir de 1538, no período do primeiro Capitão-mór, D.Francisco Pereira Coutinho, o<br />

Caramuru desempenhou papel muito im<strong>por</strong>tante: foi um governo tumultuado, pleno de<br />

sucessivos desentendimentos entre os <strong>por</strong>tugueses e os indígenas. Nomeado em 1548 o<br />

primeiro Governador Geral do Brasil - Tomé de Souza - o rei dirigiu-se em carta a Caramuru,<br />

pedindo sua cooperação, nestes termos:<br />

"Diogo Álvares. Eu, El-Rei, vos envio muito saudar. Eu ora mando Tomé de Souza, fidalgo da<br />

minha Casa, a essa Bahia de Todos os Santos(...) E <strong>por</strong>que sou informado pela muita prática<br />

que tendes dessas terras e da gente e costumes delas o sabereis bem ajudar e conciliar, vos<br />

mando que, tanto o dito Tomé de Souza lá chegar, vos vades para êle e o ajudeis no que lhe<br />

deveis cumprir e vos encarregar, <strong>por</strong>que fazeis nisso muito serviço... Sendo necessária vossa<br />

companhia e ajuda, encomendo-vos que ajudeis no que virdes que cumpre, como creio que o<br />

fareis. Bartolomeu Fernandes a fêz em Lisbôa a 19 de novembro de 1548. Rei".<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Caramuru, é claro, atendeu ao pedido do rei e tão proveitoso foi o auxílio prestado a Tomé de<br />

Souza que, em meio a uma plena cooperação dos índios, pôde rapidamente ser fundada, em<br />

1549, a cidade do Salvador, Capital do País, no lugar onde anteriormente Caramuru<br />

estabelecera a aldeia "Vila Velha".<br />

O prestígio de Caramuru foi de tal ordem que ele, acompanhado da esposa índigena,<br />

Paraguassu-Catarina, foi recebido com todas as honras na Corte, em Lisboa.<br />

O período de 1530 a 1570 é talvez o único em toda a história dos primeiros quatro séculos do<br />

Brasil, do qual se pode dizer que, no seu decorrer, a evolução da vida judaica se entrosou<br />

plenamente com a do país, numa cooperação ativa, uma coexistência pacífica e uma<br />

integração harmoniosa.<br />

Vale destacar que do casamento de Diogo Álvares Correia com Catarina, a filha do Chefe da<br />

tribo, nasceram muitos filhos e esses tiveram muitos outros, constituindo uma estirpe que<br />

incluiu, <strong>por</strong> exemplo, os poderosos Ávilas da Casa da Torre. O clã primordial derivado de<br />

Catarina e Caramuru influenciou de forma extraordinária na formação da sociedade brasileira.<br />

Neto de Catarina e Caramuru, Melchior Dias Moréia'é o descobridor das lendárias minas de<br />

prata. Entra na História com o apelido de Moribeca, quase revela a localização dessas minas,<br />

morre sem revelar o aonde. É o nascimento da lenda da cidade perdida que, em 1983, me é<br />

contada pelo rabino Hamu, lamentando que a hidrelétrica de Tucuruí vá sepultar a "cidade<br />

Moribeca"...<br />

(Quem quiser se deliciar e se informar mais com a aventura de Caramuru, deve ler "Caramuru<br />

e Catarina", lendas e narrativas sobre a Casa da Torre de Garcia d'Ávila, de Francisco Antonio<br />

Doria, Editora Senac, São Paulo).<br />

Para a formação do Brasil, esse período foi decisivo. No seu transcurso, fez-se sentir o poderio<br />

da metrópole, primeiro através das capitanias hereditárias e depois <strong>por</strong> intermédio do Governo<br />

Geral, que unificou politicamente o território, exercendo o poder da Coroa sobre o dos capitãesmóres.<br />

É da maior im<strong>por</strong>tância verificar que, durante esse período de expansão, os judeus tenham<br />

desempenhado um papel honroso e atuante na vida econômica e social do país.<br />

No período da colonização sistemática (1530-1570), criaram-se todas as condições favoráveis<br />

à expansão de uma sólida comunidade israelita no Brasil.<br />

O número dos judeus, graças à intensa imigração e ao crescimento natural, alcançou uma<br />

pro<strong>por</strong>ção razoável vis-à-vis a população geral, o suficiente para se o<strong>por</strong> ao risco de<br />

assimilação. Havia tolerância e liberdade suficientes para que os judeus mantivessem<br />

abertamente suas práticas religiosas, ainda que algo sincretizadas com o catolicismo.<br />

As sucessivas levas imigratórias de judeus <strong>por</strong>tugueses exerciam um papel de reativação do<br />

cotidiano israelita, evitando, até onde isso era possível, a aculturação.Graças a esta<br />

conjuntura, estavam se desenhando perspectivas seguras para que, nos fins do século XVI,<br />

passasse a existir no Brasil uma coletividade judaica, numerosa e estável.<br />

No entanto, novos fatores adversos intervieram para tumultuar esse processo em marcha.<br />

Por volta de 1570, sobreveio uma alteração na política emigratória de Portugal. Às normas<br />

liberais até então em vigor, surgiu uma longa série de medidas restritivas, volta e meia<br />

entremeadas de permissões, condicionadas e efêmeras, concedidas a troco de subornos.<br />

Em 30 de junho de 1567, na regência do Cardeal D. <strong>Henrique</strong>, foi expedido o primeiro alvará<br />

que proibia a saída do reino, <strong>por</strong> mar ou <strong>por</strong> terra, a todos os cristãos-novos.<br />

Em 1573, foi essa proibição reforçada <strong>por</strong> D. Sebastião. E, embora quatro anos mais tarde, em<br />

1577, o próprio D. Sebastião a revogasse, mediante a contribuição de 250 mil cruzados para o<br />

custeio da malograda expedição à África, voltou o alvará a ser revigorado em janeiro de 1580,<br />

pelo Rei-Inquisidor D. <strong>Henrique</strong>. Nesse mesmo ano de 1580, perdeu Portugal sua<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

independência para a Espanha e, em 1587, foram confirmadas todas as leis anteriores sobre a<br />

proibição da saída de judeus.<br />

Em julho de 1601 foi, <strong>por</strong> Carta-Patente, concedida aos judeus licença para sair do reino, a<br />

troco de 200 mil cruzados. Mas, nove anos mais tarde, em março de 1610, foi promulgada uma<br />

lei que revogou a concessão de saída, apesar das promessas de que a proibição não mais se<br />

repetiria. Somente em 1627, voltou a ser concedida aos judeus uma permissão condicionada<br />

de saída e, finalmente, em 1629, a lei estabeleceu definitivamente a livre saída do reino,<br />

benefício para cuja concessão tiveram os judeus que contribuir com a quantia de 250 mil<br />

cruzados.<br />

Tudo, fruto da freqüente incompatibilidade entre a igreja e a coroa - pela situação precária das<br />

finanças do país, que impelia ao recurso da extorsão de dinheiro judaico, em alternância com a<br />

necessidade de reter os judeus no país, eis que, emigrando para outros países, eles<br />

concorriam para sua prosperidade, enquanto se depauperava o reino, como chegou a<br />

confessá-lo o Conselho de Fazenda nestes termos: "...estar o comércio empobrecendo e terem<br />

os homens de mais cabedal deixado o País".<br />

Apesar de tudo, o êxodo dos judeus de Portugal em busca do Brasil prosseguia intenso. Tão<br />

crescentes eram as perseguições a que os judeus se viam expostos, que eles sempre<br />

encontravam os meios de contornar as proibições, nos períodos em que não o conseguiam<br />

oficialmente através das já mencionadas contribuições de vulto<br />

Na última década do século XVI, a corrente emigratória dirigiu-se basicamente para a França e<br />

aos Países Baixos, onde florescia o comércio e reinava tolerância religiosa, o que permitiu a<br />

rápida formação de uma ampla comunidade na cidade de Amsterdã, aí conhecida como a<br />

"Nova Jerusalém".<br />

Mesmo nesse período, continuava a vinda de judeus <strong>por</strong>tugueses ao Brasil. Há indícios de que,<br />

de um modo geral, os países europeus, e em especial a Holanda, eram preferidos pelos<br />

emigrantes mais abastados, enquanto ao Brasil se dirigiam os pertencentes às camadas<br />

sociais mais modestas, sobretudo os que tinham propensão à agricultura. Fosse como fosse, o<br />

certo é que essa simultânea emigração de judeus <strong>por</strong>tugueses, para o Brasil e os Países<br />

Baixos, propiciou o estabelecimento de um elo comercial e afetivo entre os judeus brasileiros e<br />

holandeses, o qual nos anos seguintes veio a ter im<strong>por</strong>tante repercussão político-social,<br />

decorrente do conflito de consciência em que se viram lançados os judeus brasileiros em<br />

virtude do triângulo Brasil-Portugal-Holanda que passou a dominar os seus interesses<br />

individuais e suas aspirações coletivas.<br />

As sucessivas restrições à emigração dos judeus de Portugal, as quais cobriram todo o período<br />

de 60 anos (1570-1630), não foram de molde a afetar substancialmente a entrada contínua de<br />

judeus no Brasil, onde prosseguia crescendo seu número e sua prosperidade. Entretanto,<br />

fatores outros passaram a prejudicar a vida judaica no Brasil, até então tranqüila e serena.<br />

Começaram a surgir sinais indiscutíveis de restrição à liberdade, que com o tempo se<br />

reforçaram, fazendo definhar a vida coletiva judaica, justamente quando parecia aproximar-se a<br />

sua consolidação, e forçando os judeus a retornarem, qual na sua mãe-pátria, a uma vida<br />

disfarçada, dupla, de forma a guardarem as tradições apenas no recesso da família e assim<br />

mesmo com a devida cautela.<br />

A primeira manifestação de intolerância verificou-se logo em 1573, na cidade do Salvador,<br />

onde foi instalado um auto de fé. Paradoxalmente, mas talvez de propósito, não era israelita a<br />

primeira vítima; era um francês que, acusado de heresia, foi condenado e queimado vivo. O<br />

balão de ensaio não surtiu, <strong>por</strong>ém, os esperados efeitos. Os espetáculos dos autos de fé em si<br />

não exerciam nenhuma emoção especial sobre os índigenas, habituados à incineração de<br />

prisioneiros e que,<strong>por</strong> outro lado, permanecia incompreensível para os gentios que se<br />

queimassem pessoas <strong>por</strong> respeitarem e servirem outro Deus, o que os levava a simpatizar com<br />

os prisioneiros da Inquisição. Assim, esta encerrou brevemente a sua cruel tentativa.<br />

Restabeleceu-se, então, o ambiente de tolerância, com o franco apoio da opinião pública.Em<br />

1591, acabou vindo ao Brasil o Santo Ofício, sendo essa missão conhecida como "Primeira<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil pelo licenciado Heitor Furtado de Mendonça". Na<br />

Bahia, permaneceu a Inquisição durante dois anos, até 1593, seguindo então o Inquisidor para<br />

Pernambuco, Itamaracá e Paraíba, onde ficou até 1595. Decorridos 25 anos, a Bahia, então<br />

capital do Brasil, foi, entre 11 de setembro de 1618 e 26 de janeiro de 1619, alvo de uma nova<br />

visitação do Santo Ofício, que ficou a cargo do Inquisidor de Évora, o bispo D. Marcos Teixeira.<br />

Diante desta segunda comissão inquisitorial, foram denunciados nada menos de 90 marranos,<br />

entre eles muitos senhores de engenhos de açúcar. Registre-se que o Santo Ofício limitou<br />

suas visitas ao Nordeste, jamais tendo tentado instalar-se no Sudeste do país, talvez para não<br />

se ex<strong>por</strong> a um fracasso completo, dado o ambiente hostil que certamente ali iria encontrar.<br />

Essa circunstância propiciou o primeiro movimento migratório interno dos judeus do Brasil.<br />

Todavia, cabe registrar aqui a tragédia de Izaque de Castro, o adolescente que veio<br />

embarcado preso na caravela do mestre Antônio Borges, vinda da Bahia para Lisboa em março<br />

de 1645. Tragédia esta que foi descrita nos seus mínimos detalhes <strong>por</strong> Elias Lipiner em "Izaque<br />

de Castro, o mancebo que veio preso do Brasil". É uma história extraordinária, escrita com<br />

todas as peças do seu processo no Santo Ofício em mãos de Lipiner. É a história de um jovem<br />

judeu luso-holandês, profundo conhecedor da Lei de Moisés e que jamais, em momento algum,<br />

cedeu à tortura e às chantagens da Inquisição. E terminou queimado vivo em Lisboa, em 15 de<br />

dezembro de 1647.<br />

É provável que o movimento migratório interno viesse se processando, em condições normais.<br />

Sobretudo <strong>por</strong> motivos econômicos, pois não se ocupavam os judeus somente de agricultura; o<br />

seu senso inato de mobilidade e de ubiqüidade certamente os levara a monopolizar o comércio<br />

entre os núcleos rurais e urbanos, assim penetrando nas mais recônditas partes do país.<br />

Mas eram migrações lentas,de caráter voluntário. Já <strong>por</strong> ocasião dos inquéritos da Inquisição<br />

no Nordeste deve ter sido de forma forçada, e em mais rápido rítmo, a saída de judeus daquela<br />

região em direção da parte mais liberal do país, onde não medravam preconceitos, e que era<br />

sobretudo a capitania de São Vicente - justamente o segundo foco de progresso do país.<br />

Não se sabe ao certo dos motivos das visitações do Santo Ofício ao Brasil, pois tornaram os<br />

inquisidores ao reino sem que viessem a lume os efeitos das sindicâncias.É todavia de se<br />

presumir que tivessem fundo político, receosa como se achava a Coroa quanto aos negócios<br />

dos cristãos-novos com a Holanda e quanto a certos indícios de que o inimigo encontraria no<br />

Brasil aliados e guias.<br />

A conjetura tinha fundamento, e os registros da visitação de 1618-1619 revelaram,<br />

efetivamente, que, durante cerca de 25 anos, os marranos do Brasil vinham se mantendo em<br />

constante comunicação com os judeus praticantes de Flandres e, em especial, com os exmarranos<br />

<strong>por</strong>tugueses que tinham escapado para Amsterdã e recuperado a sua condição<br />

judaica.<br />

As suspeitas foram reforçadas mais tarde com a criação da Companhia das Índias Ocidentais,<br />

aprovada em 1621 pelo governo holandês. Em face do programa e dos poderes dessa<br />

Sociedade - entre os quais se incluíam os de nomear e de<strong>por</strong> governadores, fazer tratados de<br />

aliança com os indígenas, erguer fortalezas e construir colônias - e da circunstância de que o<br />

capital da empresa era constituído em grande parte com os cabedais de judeus espanhóis e<br />

<strong>por</strong>tugueses, era lógico desconfiar que o íntimo intercâmbio entre os judeus do Brasil e da<br />

Holanda pudesse vir a ajudar os propósitos conquistadores dessa última.<br />

A primeira prova real desse receio foi de fato obtida em 1624, quando os holandeses invadiram<br />

e conquistaram a cidade do Salvador, capital do Brasil. A população israelita, que na Bahia era<br />

então mais numerosa do que em qualquer outra cidade do País, submeteu-se alegremente aos<br />

conquistadores, com os quais haviam vindo muitos judeus. Perto de duzentos cristãos-novos<br />

aceitaram desde logo o jugo holandês e passaram a induzir os demais habitantes de origem<br />

judaica a seguirem o seu exemplo.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Esse longo período de 60 anos foi altamente favorável ao desenvolvimento e à prosperidade<br />

da população judaica do Brasil, mas, em contraste com o período anterior (1530-1570), ele não<br />

constituiu uma fase tranqüila de evolução.<br />

Foi um período muito tumultuado, pleno de sobressaltos que, se não impediram o progresso<br />

material dos judeus - os quais em 1600 chegaram a possuir uma ponderável <strong>por</strong>centagem dos<br />

120 engenhos então existentes no Brasil - solaparam todavia a sua organização coletiva, que<br />

vinha tomando corpo, e feriram fundo as suas esperanças de<br />

liberdade. - perseguições.<br />

A esperança dos judeus no Brasil de que sua sorte<br />

melhoraria graças a alguma forma de intervenção holandesa<br />

não falhou. Finalizando uma série de tentativas frustradas<br />

com que visavam tornar a conquistar a Bahia no decorrer do<br />

ano de 1627, os holandeses, após verificarem que a façanha<br />

seria mais exeqüível em Pernambuco - ponto pior defendido<br />

e mais fácil de ser depois fortificado - atacaram-no em 15 de<br />

fevereiro de 1630 com uma poderosa esquadra de 70 navios,<br />

tripulada e guarnecida <strong>por</strong> 7.000 homens, iniciando assim a<br />

ocupação do Nordeste brasileiro, a qual iria durar até 1654,<br />

centralizada na próspera capitania de Pernambuco.<br />

Esse período singular da vida judaica no Brasil é de ser<br />

Sinagoga Tsur Israel (interior)<br />

considerado em inteira conexão com a ocupação holandesa,<br />

com ela tendo começado e também tido fim, quase abruptamente.<br />

Mas, o que impressiona não é simplesmente essa coincidência, senão a rapidez com que os<br />

judeus lograram constituir no Nordeste do Brasil uma comunidade das mais florescentes do<br />

mundo de então. De fato, cabe descontar a tumultuada fase de 1630 a 1635, em que se<br />

processou a consolidação da conquista e que foi assinalada <strong>por</strong> lutas incessantes, que a<br />

resistência tenaz dos pernambucanos tornou inevitáveis; se deve deduzir, também, a fase de<br />

decadência do domínio holandês, a qual se estendeu de 1645 a 1654; resta, assim, o período<br />

de 1635 a 1644, que abrangeu o governo liberal e progressista do Conde Maurício de Nassau,<br />

espaço esse de apenas 10 anos, o qual, entretanto, bastou aos judeus para alçarem a um nível<br />

excepcional a sua vida econômica, social e cultural, dentro do arcabouço de uma organização<br />

coletiva.<br />

A ocupação holandesa do Nordeste do Brasil introduziu profundas modificações na vida<br />

econômica dos judeus, alargando o seu âmbito, diversificando os seus ramos ocupacionais e<br />

erguendo a sua potencialidade a um grau singular.<br />

Antes da conquista holandesa, os judeus exerciam, em larga escala, as atividades de<br />

plantadores de açúcar, mas os donos de engenho representavam apenas uma percentagem<br />

razoável, e os magnatas não passavam de uma escassa minoria. No mais, a colônia judaica<br />

era constituída de pequenos comerciantes e de profissionais manuais mal remunerados.<br />

Com o advento dos holandeses e a decorrente implantação de uma grande tolerância religiosa,<br />

o panorama foi se alterando. Levas ininterruptas de judeus afluiam a Pernambuco de vários<br />

países, especialmente da Holanda, trazendo capitais, experiência comercial e um prodigioso<br />

espírito de realização. Esses judeus vindos da Holanda - e que em grande parte eram exrefugiados<br />

de Portugal, Espanha e França - tinham a vantagem de falar vários idiomas:<br />

espanhol, francês, ladino e holandês, e claro, <strong>por</strong>tuguês, que era a língua falada no Brasil; eralhes<br />

fácil assim servir de intérpretes para os 7 mil homens do exército e da marinha<br />

holandeses, constituídos de mercenários - holandeses, ingleses, franceses, alemães,polacos e<br />

outros - que não falavam o <strong>por</strong>tuguês. De simples intérpretes, foram rapidamente passando a<br />

comerciantes, de um modo geral a intermediários, profissão que se tornou quase monopólio<br />

dos judeus, com os quais não podiam competir os pequenos negociantes e operários<br />

brasileiros e flamengos.Por volta de 1638, aproveitando-se do confisco dos engenhos<br />

pertencentes aos <strong>por</strong>tugueses, feito pelos governantes holandeses, que puseram essas<br />

propriedades em hasta pública, os judeus fizeram grandes aquisições <strong>por</strong> preços irrisórios. Não<br />

tardou assim que os judeus se tornassem grandes proprietários urbanos e rurais, controlando a<br />

vida econômica da Nova Holanda; merece lembrar, como testemunho disso, que a principal rua<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

do Recife era conhecida como a "rua dos Judeus" (depois de 1654 - "rua da Cruz"e, finalmente,<br />

"rua do Bom Jesus") e o <strong>por</strong>to era chamado "cais dos judeus".<br />

Um documento da época, vazado em linguagem pitoresca, ainda que algo exagerada, dá um<br />

retrato expressivo da rapidez com que se efetuou a ascensão econômica dos judeus no Brasil<br />

Holandês: "Haviam vindo com os holandeses, quando tomaram a Pernambuco, alguns judeus,<br />

os quais, não trazendo mais do que um vestidinho roto sobre si, em breve se fizeram ricos com<br />

seus tratos e mofatras, o que sabido <strong>por</strong> seus parentes, que viviam em Holanda, começaram a<br />

vir tantos, e de outras partes do Norte, cada um com suas baforinhas, que em quatro dias se<br />

fizeram ricos e abundantes, <strong>por</strong>que, como os mais deles eram <strong>por</strong>tugueses de nação e haviam<br />

fugido de Portugal <strong>por</strong> temor da Santa Inquisição, e juntamente sabiam falar a língua flamenga,<br />

serviam de línguas entre os holandeses e <strong>por</strong>tugueses e <strong>por</strong> esta via grangeavam dinheiro, e<br />

como os <strong>por</strong>tugueses não entendiam os flamengos, nem eles aos <strong>por</strong>tugueses, e não podiam<br />

negociar nas compras e vendas, aqui metiam os judeus a mão comprando as fazendas <strong>por</strong><br />

baixo preço e, logo, sem risco nem perigo, as tornavam a revender aos <strong>por</strong>tugueses com o<br />

ganho certo, sem trabalho algum".<br />

A prosperidade dos judeus na Nova Holanda não se processou todavia sem incômodos. O<br />

acréscimo do seu bem estar e o desenvolvimento extraordinário do seu poderio econômico<br />

despertaram inveja e geraram uma perigosa inimizade da concorrência cristã. Se tais ondas de<br />

ódio coletivo não tiveram maiores conseqüências, o fato se deve à ação equilibrada de<br />

Maurício de Nassau, que, durante a sua regência de sete anos, trabalhara honestamente para<br />

fazer a união de todas as oposições religiosas na colônia, distribuindo justiça imparcial: era o<br />

primeiro a exigir reparação quando provadas infrações legais cometidas <strong>por</strong> judeus, mas<br />

também sabia defendê-los com o seu braço poderoso quando os via vítimas de atiçamento.<br />

PESQUISA<br />

Num texto apresentado no Seminário O mundo que o Português criou, o pesquisador<br />

pernambucano Leonardo Dantas Silva, da Fundação Joaquim Nabuco, destaca que<br />

“perseguidos pela Inquisição, os judeus, disfarçados em cristãos-novos, tentavam estabelecerse<br />

no Brasil onde, em algumas partes, detinham 14% da população economicamente ativa.<br />

Quando da Dominação Holandesa (1630-1654), a comunidade do Recife veio a ser conhecida<br />

internacionalmente, sendo o seu passado objeto do interesse dos estudiosos dos nossos dias”.<br />

Leonardo destaca que “em Pernambuco, a primeira presença documentada de cristãos-novos,<br />

com animus de fixar permanência, data de 1542 quando da doação das terras a Diogo<br />

Fernandes e Pedro Álvares Madeira, nas quais pretendiam erguer o Engenho Camarajibe. O<br />

primeiro, originário de Viana do Castelo, era marido de Branca Dias, então respondendo<br />

processo <strong>por</strong> práticas judaizantes perante o Tribunal do Santo Ofício de Lisboa só se<br />

transferindo para o Brasil <strong>por</strong> volta de 1551; o segundo, talvez oriundo da Ilha da Madeira, era<br />

especialista no fabrico de açúcares”.<br />

Ele registra que, em 1555, um ataque dos índios destruiu as suas plantações, o que motivou<br />

carta de Jerônimo de Albuquerque, cunhado do primeiro donatário então no governo da<br />

capitania, ao Rei de Portugal, pedindo auxílio para Diogo Fernandes, "gente pobre de Viana",<br />

então com seis ou sete filhas e dois filhos, que, com sua mulher Branca Dias, vieram a ser<br />

acusados de práticas judaizantes anos mais tarde.<br />

O pesquisador conta mais: além desses, outros cristãos-novos tornaram-se senhores de<br />

engenho em Pernambuco, permanecendo também como mercadores, atividade peculiar dos<br />

judeus <strong>por</strong> todo o mundo. Outros, <strong>por</strong>ém, se transformaram em rendeiros na cobrança dos<br />

dízimos e faziam empréstimos, sendo denunciados como onzeneiros, isto é, agiotas, como o<br />

James Lopes da Costa, João Nunes Correia e Paulo de Pina. Grande parte deles dedicava-se<br />

ao comércio de ex<strong>por</strong>tação de açúcares, indústria que se encontrava em franco<br />

desenvolvimento na capitania. Alguns chegavam muito jovens e, com a ex<strong>por</strong>tação desse<br />

produto, se transformavam em representantes das grandes famílias de capitalistas da época,<br />

como João da Paz, sobrinho de Miguel Dias Santiago, e Duarte Ximenes, ligado <strong>por</strong> laços de<br />

parentesco aos Ximenes de Aragão, grandes comerciantes de Antuérpia.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

“Um deles, James Lopes da Costa, o mesmo que aparece em 1591 como onzeneiro<br />

(Denunciações), era senhor do Engenho da Várzea, tendo-se transferido para Lisboa,<br />

residência de sua mulher e filhos, e de lá para Amsterdam, onde se encontrava em 1598.<br />

Nesta cidade, conhecida como a Jerusalém do Ocidente, declarou-se judeu passando a usar o<br />

nome de Jacob Tirado, e aí fundou a primeira sinagoga <strong>por</strong>tuguesa daquele grande centro,<br />

chamada Bet Yahacob (Casa de Jacob). Era natural do Porto (Portugal), tendo nascido em<br />

1544, transformando-se, assim, num dos mais ilustres membros da comunidade de<br />

Amsterdam. Nesta cidade foi alvo de significativa homenagem do rabino alemão Uri Phoebus<br />

Halevi, que dedicou-lhe o seu livro ali editado em 1612”.<br />

Foi ainda James Lopes da Costa que, em 1615, constituiu um grupo de quinze judeus<br />

<strong>por</strong>tugueses, a Santa Companhia de Dotar Órfãs e Donzelas, mais conhecida entre os<br />

sefarditas pela sigla Dotar, no qual foram acrescidos os nomes de quatro judeus ausentes, dois<br />

dos quais residentes em Pernambuco, João Luís <strong>Henrique</strong>s e Francisco Gomes Pina.<br />

No final do século XVI, quando da Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil (1593-<br />

95), era considerável o número de cristãos-novos em Pernambuco. Numa amostragem com<br />

base nos depoimentos, constantes das denunciações e confissões, pode-se estimar em 14%<br />

da população desta capitania.<br />

Leonardo conta que, na segunda metade do século XVI atuaram em Pernambuco dois<br />

mestres-escolas leigos, ambos cristãos-novos: Branca Dias, que mantinha uma escola para<br />

moças, e Bento Teixeira, um erudito que atuou como mestre-escola em Olinda, Igaraçu e<br />

Cabo.<br />

Também em Pernambuco residiu <strong>por</strong> muitos anos o também cristãonovo<br />

Ambrósio Fernandes Brandão, proprietário de terras em São<br />

Lourenço da Mata (Denunciações e Confissões de Pernambuco p. 231 e<br />

260), que em 1618 veio a escrever o livro Diálogos das Grandezas do<br />

Brasil (Recife: Imprensa Universitária, 1962), um dos mais im<strong>por</strong>tantes<br />

relatos sobre a flora, fauna, paisagem e vida econômica do país naquele<br />

primeiro século de sua colonização, obra hoje de consulta obrigatória<br />

pelos estudiosos dos mais diversos misteres.<br />

Bento Teixeira é o autor da primeira obra poética produzida no Brasil que<br />

veio a alcançar as honras do prelo, Prosopopéia, escrita em<br />

Pernambuco, entre 1585-94, e publicada em Lisboa (1601) com a<br />

dedicatória a "Jorge de Albuquerque Coelho, Capitão e Governador de Pernambuco", numa<br />

produção da oficina de Antônio Álvares<br />

Que eu canto um Albuquerque soberano<br />

Da fé, da cara pátria firme muro,<br />

Cujo valor é ser que o céu lhe inspira,<br />

Pode estancar a lácia e grega lira.<br />

Diogo Barbosa Machado (1682-1772), em sua Biblioteca Lusitana (Lisboa 1741), declara ser<br />

Bento Teixeira, a quem ele acresceu o sobrenome "Pinto", natural de Pernambuco, dando<br />

causa à repetição de um erro que se arrasta ao longo de dois séculos. Somente em 1960,<br />

quando da publicação do seu livro Estudos Pernambucanos (Recife: Imprensa Universitária; 2ª<br />

ed. Recife: Fundarpe, 1986), coube ao historiador José Antônio Gonsalves de Mello esclarecer<br />

a real naturalidade do poeta Bento Teixeira. Ao compulsar o processo n.º 5206 da Inquisição<br />

de Lisboa (ANTT), em que aparece como réu um Bento Teixeira originário de Pernambuco, em<br />

seus depoimentos ele se declara natural da cidade do Porto (Portugal) onde nascera em cerca<br />

de 1561.<br />

Em meio desta obra alpestre e dura,<br />

Uma boca rompeu o mar inchado<br />

Que na língua dos bárbaros escura,<br />

Paranambuco de todas é chamada:<br />

De Pará, no que é mar; Puca, rotura,<br />

Feita com a fúria desse Mar Salgado,<br />

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Que sem derivar, cometer mingoa,<br />

Cova do Mar se chama em nossa lingoa.<br />

Prosopopéia<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Bento Teixeira, erudito dos mais brilhantes do seu tempo, conhecedor dos clássicos, do latim e<br />

de outras línguas, dado a fazer trovas e sonetos, foi o autor do poema épico, Prosopopéia,<br />

editado nas oficinas do impressor Antônio Álvares, "o primeiro escrito no Brasil a merecer as<br />

honras do prelo", infelizmente publicado no ano seguinte ao da sua morte: 1601.<br />

MAURÍCIO DE NASSAU<br />

Se o governo do Brasil Holandês ia mal, em face dos insucessos provocados pela resistência<br />

dos <strong>por</strong>tugueses e naturais da terra, e os seus responsáveis, geralmente pouco experientes e<br />

inclinados ao abuso, não auferiam os lucros esperados, o mesmo não se pode dizer do<br />

comércio estabelecido no Recife, cuja prosperidade tornava o seu <strong>por</strong>to tão im<strong>por</strong>tante como o<br />

de Amsterdam sendo centro de organização de expedições e paragem de frotas com destino<br />

às Índias.<br />

Apesar de senhores da terra, os Conselheiros da Companhia das Índias Ocidentais não<br />

pareciam satisfeitos com a administração dos seus diretores no Brasil. Daí surgiu a<br />

necessidade da contratação de um administrador civil e militar, caindo a escolha no conde<br />

João Maurício de Nassau-Siegen para o posto de governador-geral. Com trinta e três anos de<br />

idade, educado em universidades européias, testado nas guerras de<br />

Flandres, o futuro príncipe era a pessoa ideal para estabelecer a paz na<br />

conquista e desenvolver a agricultura. Chegando a Pernambuco a 23 de<br />

janeiro de 1637, o conde trouxe consigo a mais im<strong>por</strong>tante missão científica<br />

que até então pisara em terras da América, ainda hoje objeto de atenção de<br />

todos que se dedicam ao estudo daquele período. Na ocasião fazia-se<br />

acompanhar do latinista e poeta Franciscus Plante, do médico e naturalista<br />

Willem Piso, do astrônomo e naturalista George Marcgrave, dos pintores<br />

Frans Post e Albert Eckhout, do médico Willem van Milaenen, do humanista<br />

Elias Herckmans, aqui encontrando os artistas amadores Zacharias<br />

Mauricio de<br />

Nassau<br />

Wagener e Gaspar Schmalkalden, tendo incor<strong>por</strong>ado posteriormente à missão o cartógrafo<br />

Cornelis Sebastianszoon Golijath e o arquiteto Pieter Post.<br />

Na administração de João Maurício de Nassau um surto de progresso tomou conta do Brasil<br />

Holandês, cujas fronteiras foram estabelecidas do Maranhão à foz do Rio São Francisco. O<br />

Recife, "coração dos espíritos de Pernambuco" na observação de Francisco de Brito Freyre,<br />

veio a sofrer inúmeros melhoramentos e testemunhar vários pioneirismos, como a instalação<br />

do primeiro observatório astronômico das Américas. Uma nova cidade veio a ser construída na<br />

ilha de Antônio Vaz, onde os franciscanos haviam estabelecido em 1606 o convento de Santo<br />

Antônio. A nova urbe, projetada <strong>por</strong> Pieter Post, veio a receber a denominação de Cidade<br />

Maurícia, em 17 de dezembro de 1639, a Maurits Stadt dos holandeses; cujos mapas, aspectos<br />

e panorama (94 x 63 cm.) aparecem na obra de Gaspar Barlaeus, publicada em Amsterdam<br />

(1647), e em outras produções artísticas de sua época.<br />

A produção do período desenvolveu-se em outros centros, com a publicação de memórias,<br />

mapas, livros científicos e uma infinidade de pinturas, desenhos e gravuras diretamente ligadas<br />

ao Brasil holandês, hoje espalhados <strong>por</strong> bibliotecas, galerias, museus e coleções particulares<br />

de todo o mundo.<br />

Aos melhoramentos urbanísticos, inclusive a construção dos palácios das Torres (Friburgo) e<br />

Boa Vista, de um horto zoobotânico, de canais e viveiros, a instalação de duas pontes em<br />

grandes dimensões, a primeira ligando o atual bairro do Recife à nova cidade e a outra ligando<br />

esta ao continente, vieram juntar-se os trabalhos dos artistas que faziam parte da comitiva.<br />

Uma intensa produção de uma arquitetura não religiosa, de pinturas e desenhos<br />

documentando a paisagem, urbana e rural, retratos, figuras humanas e de animais, naturezas<br />

mortas, serviram para documentar e divulgar esta parte do Brasil em todo o mundo. Estudos<br />

sobre a flora, fauna, a medicina e os naturais da terra, bem como observações astronômicas e<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

um detalhado levantamento cartográfico da região, dizem da im<strong>por</strong>tância da presença do<br />

conde João Maurício de Nassau à frente dos destinos do Brasil Holandês.<br />

GENTE <strong>DA</strong> NAÇÃO<br />

Quando da tomada de Pernambuco pela força das armas das tropas holandesas, financiadas<br />

pela Companhia das Índias Ocidentais, e consolidação das fronteiras do Brasil Holandês, após<br />

a vitória contra os naturais da terra em 1635, mais de 7.000 pessoas vieram morar na estreita<br />

faixa de terra da zona <strong>por</strong>tuária do Recife.<br />

José Antônio Gonsalves de Mello conta, em “Gente da Nação”, que "ocupado Pernambuco<br />

pelas armas da Companhia das Índias Ocidentais muitos cristãos-novos, que aqui moravam,<br />

declararam-se publicamente judeus, fazendo-se circuncidar. Possivelmente essa confissão de<br />

fé que secretamente professavam foi feita quando da consolidação da conquista, no início de<br />

1635. Essa decisão foi possível graças à concessão de liberdade de consciência pelos Estados<br />

Gerais dos Países Baixos. No 'Regimento do governo das praças conquistadas ou que foram<br />

conquistadas' concedido pelos Estados à Companhia das Índias Ocidentais, datado de Haia,<br />

13 de outubro de 1629, permitia-se aos que residiam nas terras onde se viesse a estabelecer a<br />

soberania holandesa, quer fossem espanhóis, <strong>por</strong>tugueses e nativos, católicos ou judeus, 'que<br />

não sejam molestados ou sujeitos a indagações em suas consciências ou em suas casas<br />

particulares'"( Gente da Nação p. 212-213).<br />

A tomada de Pernambuco ecoou como uma boa-nova e veio a despertar a atenção dos judeus<br />

<strong>por</strong>tugueses (sefarditas) e alguns outros migrados da Polônia e da Alemanha (ashkenazitas),<br />

residentes na Holanda, que logo se apressaram em vir tentar a sorte em terras do Nordeste do<br />

Brasil. A situação desses judeus, estabelecidos em Amsterdam e em outras localidades dos<br />

Países Baixos, era, <strong>por</strong> vezes, de extrema penúria, como bem demonstra Elias Lipiner, em<br />

artigo publicado na revista Comentário( Rio, 1972).<br />

A liberdade religiosa concedida aos judeus na Holanda atraía para esse asilo os fugitivos da<br />

Inquisição em número constantemente crescente. Aumentava, em conseqüência, na mesma<br />

pro<strong>por</strong>ção, a quantidade de pessoas necessitadas. Cabe lembrar aqui que entre as<br />

associações judaicas existentes em Amsterdam nos séculos XVII e XVIII, a maioria visava ao<br />

socorro dos pobres. As denominações hebraicas destas associações revelavam as suas<br />

finalidades beneficentes: Avi-Ydthomim (Pai dos Órfãos), Avodáth-Hakhéssed (Ação<br />

Caritativa), Baalé-Zedaká (Os Benfeitores), Bikúr-Kholim (Auxílio aos Doentes), Khonén-Dalim<br />

(Protetor dos Pobres), Éven-Yekará (Pedra Preciosa), Guevúl-Almaná (Asilo das Viúvas),<br />

Guemilúth-Khassidim (Obra Beneficente), Maassim Tovim (Ações Boas), Maréi-Néfesh<br />

(Pessoas Aflitas), Maskil-el-Dal (Protetor dos Necessitados), Mezón-Habanóth (Alimentação<br />

das Órfãs), Meli-Zedaká (Roupas para os pobres), Menakhém-Avelim (Consolo aos Enlutados),<br />

Mishéneth-Zekenim (Amparo aos Velhos), Móhar-Habethulóth (Dote para as Donzelas),<br />

Nothén-Lékhem-Ladái (Pão para o Pobre), Ozér-Dalim (Auxílio aos Pobres), etc.<br />

SINAGOGAS DE CURUÇAU E SURINAME<br />

Lipiner cita ainda o opúsculo do filósofo e economista judeu holandês Isaac de Pinto (1715-<br />

1787) que, ao analisar a situação de pobreza de alguns judeus de Amsterdam, onde "800<br />

famílias que vivem ou morrem a nosso cargo", aconselha uma emigração organizada a ser<br />

conduzida ao "Suriname, Curaçao, Jamaica, Barbados e outras colônias da América, onde já<br />

existissem comunidades judaicas". Deixa de mencionar o Brasil, visto que a comunidade<br />

formada na primeira metade do século XVII, havia sido extinta quando da expulsão dos<br />

holandeses em 1654.<br />

Estabelecido o governo holandês, muitos cristãos-novos de Pernambuco<br />

vieram a declarar-se publicamente judeus, fazendo-se circuncidar, dentre<br />

os quais Gaspar Francisco da Costa, Baltasar da Fonseca e seu filho,<br />

Vasco Fernandes [Brandão] e seus filhos, Miguel Rodrigues Mendes,<br />

Simão do Vale [Fonseca], Simão Drago e muitos outros.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Com a notícia de uma colônia holandesa no Nordeste do Brasil, um grande número de judeus<br />

sefarditas e alguns poucos ashkenazitas resolveram embarcar para a nova colônia. Isso se<br />

depreende do grande número de solicitações, feitas ao Conselho Político da Companhia das<br />

Índias Ocidentais em Amsterdam, no período de 1º de janeiro de 1635 a 31 de dezembro de<br />

1636, cujo único livro de atas se conservou até os nossos dias.<br />

Na significativa lista de judeus que solicitam transferência para a "terra do açúcar", naqueles<br />

dois anos, trazendo consigo suas famílias, se depreende os requerimentos assinados <strong>por</strong><br />

Abraão Serra, dois filhos e um irmão; Jacobus Abecanar, quatro filhos; Jacob Moreno, com a<br />

mulher, desejando estabelecer-se como cirurgião na Paraíba; Pedro de Lafaia, a mulher, dois<br />

sobrinhos e duas sobrinhas; a mulher e dois filhos de Diogo Peixoto , cujo marido já se<br />

encontrava no Recife; três ourives <strong>por</strong>tugueses Moisés Neto, Isaac Navarro e<br />

Matatias Cohen; Arão Navarro e um criado; Abraão Gabid; Miguel Rodrigues Mendes;<br />

Bento Rodrigues; Benjamim de Pina; João Carvalho; Abraão Cardoso e Isaac de<br />

Cáceres; Daniel Gabilho que ia ao Brasil a serviço de Duarte Saraiva; David<br />

Ferdinandus; Simão Gomes Dias e Jacob Serra, com mulheres, filhos e toda a<br />

mobília; Rodrigues da Costa e Moisés Franco de Wit; Abraão Serra e um filho de 16 anos;<br />

David Levy Bon Dio; Jacob Fundão; Abraão Gabai, com sua mulher, sua mãe e cinco filhos;<br />

Moisés Alves; Salvador de Andrade e Davi Gabai "seu camarada"; Isaac da Costa e seu primo<br />

Bento Osório; Simão Gomes Dias, sua mulher e uma criada; Jacob Serra e seu sobrinho,<br />

Mardocai Serra; Samuel Namias; Jacques Rodrigues e seu empregado, Moisés Rodrigues;<br />

David Gabai e Salvador de Andrade; Jacob Rodrigues e Manuel <strong>Henrique</strong>s, com o seu criado<br />

Moisés Rodrigues; os comerciantes David Atias, Jacob e Moisés Nunes.<br />

Grande parte dos solicitantes pediam à Câmara de Amsterdam passagem gratuita, havendo<br />

alguns que se comprometiam em pagar as despesas de alimentação; sendo registrado casos,<br />

como Duarte Saraiva, cujo nome judeu era David Senior Coronel e que em 1635 já se<br />

encontrava no Recife, de judeus que pagavam todas as suas despesas.<br />

A RUA D<strong>OS</strong> JUDEUS<br />

Com a consolidação da ocupação de Pernambuco, milhares de judeus aqui se estabeleceram<br />

no ramo do comércio, particularmente do açúcar e do tabaco, chegando alguns a possuir<br />

engenhos e a dedicar-se à cobrança de impostos e ao empréstimo de dinheiro. Alguns deles<br />

dedicavam-se ao comércio de escravos que, trazidos pelos barcos da Companhia da costa da<br />

África, eram aqui arrematados em leilões e vendidos a prazo aos senhores de engenho;<br />

atividade retratada pelo artista Zacarias Wagener, que viveu no Recife entre 1634 e 1641, no<br />

seu "Mercado de escravos na Rua dos Judeus".<br />

Por sua vez, tornou-se crescente o número de judeus que se transferiam para Pernambuco, a<br />

partir de 1635, originários principalmente dos Países Baixos, conforme se comprova em<br />

depoimentos da época; a exemplo de Manuel Mendes de Castro que, em 1638, trouxe de uma<br />

só vez em dois navios 200 deles, entre ricos e pobres, mulheres e crianças ( Gente da Nação<br />

p. 218 - 223).<br />

Tal era o número de judeus que chegavam ao Recife que o Conselho Político, em sua reunião<br />

de 9 de novembro de 1635, assim decide: "como a extensão e área do Recife é pequena para<br />

acomodar os comerciantes livres em suas necessidades e negócios, resolveu-se vender um<br />

terreno medindo oitenta pés de comprimento e sessenta de largura [2.434,40 cm. x 1.828,80<br />

cm.], situado fora de <strong>por</strong>tas onde se costuma fazer a 'guarda do bode' (bochenwacht), ao<br />

Senhor Duarte Saraiva, comerciante livre aqui, pelo preço de 450 reais e oito, para que<br />

construa uma casa segundo o seu gosto, ou para vender o terreno ou casa e o terreno para<br />

seu lucro".<br />

Esse terreno estava localizado fora da "<strong>por</strong>ta de terra", ao Norte do Recife, no istmo que ligava<br />

a povoação a Olinda, e, graças às construções nele realizadas, já a partir de 1636, veio dar<br />

origem à Rua dos Judeus, denominação que se manteve até 1654, quando da expulsão dos<br />

holandeses de Pernambuco.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Duarte Saraiva, conhecido entre os do Recife e da Holanda pelo nome de David Senior<br />

Coronel, judeu <strong>por</strong>tuguês nascido em cerca de 1572 e cujo filho, Isaac Saraiva, era rabino e<br />

mestre-escola entre os judeus <strong>por</strong>tugueses de Amsterdam, veio a ser um dos principais líderes<br />

da comunidade de então. Na sua casa funcionou a primeira sinagoga, em 1636, antes de ser<br />

construído o prédio onde veio estabelecer-se de forma definitiva a Kahal Kadosh Zur Israel , ou<br />

seja, a "Santa Comunidade o Rochedo de Israel", talvez em alusão ao próprio Recife; bem de<br />

acordo com a visão de outro contem<strong>por</strong>âneo, o reverendo Joannes Baers (1580-1653), que<br />

assim sintetiza a descrição da cidade de então: "o Recife é um arrecife".<br />

Segundo José Antônio Gonsalves de Mello, in Revista do Instituto Histórico e Geográfico<br />

Brasileiro ( Rio 1988), "na Rua dos Judeus residiam aqueles que tinham alcançado as<br />

melhores condições econômicas e muitas de suas casas foram construídas pelos proprietários,<br />

pois que a área da Rua dos Judeus foi incor<strong>por</strong>ada à cidade após a ocupação holandesa.<br />

Nessas casas a parte residencial colocava-se no andar ou andares superiores, ao rés-do-chão<br />

ficava a casa de negócio. Vários judeus ricos moravam nessa rua, como Gaspar Francisco da<br />

Costa (aliás José Atias), Moisés Navarro, Abraão Azevedo e Duarte Saraiva (aliás David Senior<br />

Coronel), dentre outros".<br />

A A SINAGOGA<br />

SINAGOGA<br />

Com o aumento da comunidade fez-se necessário uma casa de orações, daí ter-se<br />

estabelecido uma sinagoga na casa do capitalista Duarte Saraiva, o mesmo que comprara o<br />

terreno "na guarda do bode" e que, segundo o autor de Gente da Nação , "pela sua idade [c 64<br />

anos] e sua ação entre os correligionários, era pessoa prática no judaísmo, um pregador leigo,<br />

sendo um dos seus filhos, Isaac Saraiva, haham, isto é, rabino e mestre-escola entre os judeus<br />

<strong>por</strong>tugueses de Amsterdam".<br />

É desta época o surgimento da nova sinagoga do Recife, estabelecida no primeiro semestre de<br />

1636, segundo denúncia dos predicantes do Conselho da Igreja Reformada, Schagen e Poel,<br />

feita ao Conselho Político em 23 de julho daquele ano: "Em primeiro lugar, observa-se que os<br />

judeus que residem aqui começam a estabelecer uma assembléia em forma de sinagoga, o<br />

que deve ser impedido" ( Dag Notule ).<br />

Em princípio funcionou a sinagoga em casa alugada, mas, logo depois, veio a ser construído<br />

um templo próprio em pedra e cal, possivelmente entre 1640 e 1641, conforme documento<br />

enviado ao Conselho dos XIX, com data de 10 de janeiro de 1641.<br />

Em 1839, quando da publicação do Inventário dos prédios que os holandeses haviam edificado<br />

ou reparado até o ano de 1654 , manuscrito raríssimo que teve a sua segunda edição em 1940,<br />

aparece a indicação local onde funcionou a primeira sinagoga do Novo Mundo: "Umas casas<br />

grandes de sobrado da mesma banda do rio, com fronteira para a Rua dos Judeus, que lhes<br />

servia de sinagoga, a qual é de pedra e cal, com duas lojas <strong>por</strong> baixo, que de novo fabricam os<br />

ditos judeus". - Hoje, como veremos adiante, a antiga sinagoga ocuparia os prédios de nº 197 e<br />

203 da Rua do Bom Jesus, no bairro do Recife.<br />

A sinagoga estava situada no sexto lote de terreno, construído a partir do norte, funcionando no<br />

primeiro andar de um prédio geminado, servido <strong>por</strong> uma só escada, no qual funcionava no<br />

andar térreo duas lojas, bem próxima à "Porta de Terra", que dava saída para o istmo que<br />

ligava o Recife a Olinda. Estabelecida no andar superior, o salão da sinagoga, a exemplo da<br />

primitiva sinagoga de Amsterdam, tinha encostada à parede da frente, voltada para o leste, a<br />

arca com os rolos da Torá e, ao centro, o local de leitura e pregação. - Após a expulsão dos<br />

holandeses em 1654, a Rua dos Judeus veio a ser denominada de da Cruz e, a partir de 1870,<br />

teve o seu nome mudado para do Bom Jesus.<br />

Nesta primeira sinagoga em terras das Américas exerceu o rabinato Isaac Aboab da Fonseca<br />

que era <strong>por</strong>tuguês de nascimento. Natural de Castro Daire, distrito de Viseu, na Beira Alta,<br />

Isaac Aboab da Fonseca nasceu em 1605, tendo emigrado com os seus pais para a França e,<br />

em 1612, para Amsterdam. Era filho de David Aboab e Isabel da Fonseca. Tendo estudado nas<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

escolas judaicas daquela cidade holandesa, denominada de " A Jerusalém do Ocidente ", em<br />

1626 foi designado rabino da Congregação Beth Israel, função que ocupou até 1638 quando da<br />

unificação de três sinagogas ali existentes. Em 1641 aceitou o convite da comunidade do<br />

Recife para vir presidir os serviços religiosos da sinagoga local, construída em 1636, que tinha<br />

a denominação de Zur Israel , recebendo para isso o estipêndio de 1.600 florins anuais.<br />

Exercia ainda a função de Mohel, ou circundador, e vivia, ao que parece, exclusivamente do<br />

culto e do ensino - do hebraico, da Torah e do Talmud - para os que se iniciavam.<br />

Na sinagoga Zur Israel , do bairro do Recife, serviam personagens ilustres como o Hazan (o<br />

leitor), Jehosua Velosino; o Rubi (o mestre-escola), Samuel Frazão e o Shames (guarda) Isaac<br />

Nehamias, segundo relação do ano de 1649. O famoso erudito Menasseh ben Israel (1604-<br />

1657), rabino de Amsterdam, cujo nome <strong>por</strong>tuguês era Manuel Dias Soeiro que esteve para<br />

partir para Pernambuco em 1640, onde já se encontrava o seu genro, Ephraim Soeiro, ao<br />

publicar a segunda parte de sua obra em 1641, O Conciliador , em quatro volumes<br />

(Amsterdam, 1632-51), faz uma dedicatória "aos anciãos da Nação Judaica" do Recife, David<br />

Senior Coronel, Dr. Abraão de Mercado, Jacob Mocat e Isaac Castanho.<br />

Com o retorno do conde João Maurício de Nassau à Holanda, em 1644, teve início, logo no<br />

ano seguinte, o movimento chamado de Insurreição Pernambucana que, liderado <strong>por</strong> João<br />

Fernandes Vieira e outros representantes da nobreza da terra, visava a expulsão das tropas da<br />

Companhia das Índias Ocidentais do território da então capitania de Pernambuco.<br />

O ano de 1646 foi de grande crise para os holandeses e judeus residentes no Recife. Depois<br />

das vitórias conquistadas no monte das Tabocas, na Casa Forte e no Cabo de Santo<br />

Agostinho, nos meses de agosto e setembro de 1645, os insurretos isolaram o Recife,<br />

deixando os seus habitantes sem acesso aos alimentos produzidos na zona rural, o que<br />

resultou em grande fome para cerca de 6 a 8.000 pessoas, quando até ratos foram consumidos<br />

pela população.<br />

Esse momento de privação é descrito em cores vivas e pungentes na coletânea hebraica sob o<br />

extenso título: "Memória que compus acerca dos milagres de Deus e seu imenso favor com<br />

graça e misericórdia concedida à Casa de Israel, no Estado do Brasil, quando sofreram o<br />

ataque das tropas de Portugal, gente indigna que despreza Seu nome, para exterminar , matar<br />

e aniquilar todos que eram de origem de Israel, inclusive crianças e mulheres, num só dia, no<br />

ano de 5406 [1946], eu o humilde Isaac Aboab".<br />

Nos seus versos, os primeiros escritos em aramaico e hebraico nas três Américas, descreve o<br />

rabino, que "os que estavam habituados a comer à mesa de ouro, davam-se <strong>por</strong> felizes com<br />

um pedaço de pão seco e bolorento, num ambiente agitado. Mas também isso faltou em<br />

nossas casas, que faltou o azeite na botija e a farinha na panela acabou"...<br />

A sorte parecia traçada quando, em 22 de junho de 1646, a<strong>por</strong>taram no Recife os barcos<br />

holandeses Gulden Valk e Elizabeth trazendo alimentos para aquela população de<br />

esfomeados. Em agradecimento, novamente o rabino Aboab da Fonseca escreveu no estilo<br />

bíblico de sua época:<br />

No nono dia do quarto mês dois navios dos Países Baixos trouxeram a<br />

salvação para o meu povo.<br />

Se não tivessem chegado a tempo, ninguém teria escapado.<br />

Gravai tudo isso e estejais lembrados, meus congregados, que naquele<br />

dia manifestou- se o favor de Deus.<br />

Lembrai-vos do caminhar milagroso. Evocai com louvores Seu nome.<br />

Cantarei ao Deus Majestade o dia em que Ele afogou o faraó no Mar<br />

Vermelho e salvou Seu povo.<br />

Seu nome não será esquecido pelos seus descendentes.<br />

Ele nos salvou do campo da morte e sobre nós estendeu a Sua nuvem<br />

para garantir nossa salvação,<br />

E não deixou de iluminar o nosso caminho com Seu clarão e fogo<br />

luminoso.<br />

E meu povo cantava caminhando terra afora: não há ninguém semelhante<br />

a Ti, entre os deuses.<br />

Isaac Aboab da<br />

Fonseca<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Além do poema, deixou Isaac Aboab da Fonseca uma oração, em forma de confissão, quando<br />

da chegada a Pernambuco dos regimentos <strong>por</strong>tugueses, em julho de 1645. "Dirigindo-se a<br />

Deus confessa seus pecados, isto é, os do povo de Israel, <strong>por</strong> ter estado voltado para os<br />

interesses materiais, para os gozos mundanos esquecido dos mandamentos, tal qual os<br />

demais habitantes do país; e conclui <strong>por</strong> pedir o perdão a Deus misericordioso".<br />

A prece de Aboab da Fonseca, lida na sinagoga da Rua dos Judeus, obrigatoriamente <strong>por</strong><br />

disposição regimental da comunidade, a partir de então, em dia de ação de graças, tem o título<br />

Mi Kamókha ; ou seja, Quem é semelhante a Ti ?.<br />

Quem é como Ti e não há como Ti<br />

Quem se assemelha a Ti e não há semelhante a Ti<br />

Deus dos deuses, Senhor meu. Altíssimo, descansas no meu lar.<br />

Teu nome pronunciarei entre os que crêem. Com cânticos serás lembrado.<br />

Por meus pecados fui abandonado numa nação longínqua. Cumpriam-se, assim, as palavras dos<br />

Teus profetas<br />

Quando precipitei-me abismo abaixo. Feliz aquele que pode dizer que Tu és o seu escudo.<br />

As ondas do mar cobriram minha cabeça. Isto acontecia de acordo com Teu desígnio.<br />

Não reneguei meu Deus. Permaneci fiel à aliança<br />

Unido intimamente. Não me desviei do caminho.<br />

Tuas palavras alegram minha alma. Espero, <strong>por</strong>tanto, <strong>por</strong> ti.<br />

Todos evocam o Todo Poderoso que poupando a própria ira<br />

Sorriu novamente para o povo eleito <strong>por</strong> Ti, como predileto.<br />

No ano de 5406,<br />

Manifestou-se o poder terrificante de Tua espada. Tínhamos pecado contra Ti.<br />

Lembrou-se Deus do rei de Portugal, cuja ira nos aterrorizou.<br />

Que Deus se abata sobre os seus nobres e chefes do exército.<br />

Ele tramou aniquilar os sobreviventes, do meu povo e queimar, os meus mais queridos;<br />

Enviou regimentos em perseguição aos meus. Seu coração é pleno de maldade;<br />

Preparou-me uma cilada em combinação com um outro degenerado, semelhante a ele,<br />

Que foi retirado e elevado da imundície para se tornar apoio às suas maquinações,<br />

Conhecido como homem sem coração, um sádico e embusteiro de mão negra,<br />

Cujo próprio pai desconhece seu paradeiro e o tem como um insulto para si mesmo.<br />

Com prata e ouro saqueados, tramava-se astutamente uma conspiração,<br />

A qual meus chefes não davam crédito e ridicularizavam a notícia<br />

Da reunião em blocos de grupos de negros. Quando esta notícia se espalhou,<br />

Ele fugiu sorrateiro para as matas, servindo-lhe de refúgio à escravidão.<br />

Por toda parte, sua gente foi perseguida até que chegassem os tão esperados regimentos,<br />

Ordenados pelo rei, para fazerem o cerco em torno deste solitário.<br />

E a Casa de Jacó tomou-se de ira, com lágrimas, pranto e terror.<br />

Foi designado um dia de jejum e de oração para acalmar a ira do seu Deus.<br />

O terror tomou-me o corpo. Esquecera-me de meu Criador, quando tudo estava bem.<br />

Instintos satânicos seduziram-me e lhes dei atenção.<br />

Saquear meu povo, eis o intento do inimigo. Seu plano é o extermínio dos meus que se<br />

encontram em refúgio,<br />

E nem imaginou que Deus está comigo e que estabeleceu seu lar entre nós.<br />

Medo e pavor assaltaram-me. Senti dores como as de uma mulher grávida.<br />

E o inimigo querendo tirar minha vida, tão cansada e cheia de fé,<br />

Vigia meus passos, amargura-me a vida..<br />

Chegou, <strong>por</strong>ém, o dia que o mar lhe preparara como armadilha,<br />

Quando pensara matar-nos de sede. Deus não quer perdoá-lo.<br />

O anjo salvador ouviu nosso clamor e diante dos nossos sofrimentos rompeu em soluços:<br />

Israel é abandonado pelo seu Deus. Choro e suplico diante d'Ele.<br />

O pastor de Israel é um Deus Poderoso e Aterrorizante que envia salvação para o<br />

seu povo,<br />

Aos inimigos e adversários, um dia infeliz, ao qual não podem o<strong>por</strong> resistência.<br />

Ó Sempre, Eterno e Onipotente, vem e olha para Teu povo que é vendido como animal,<br />

Forçado a aceitar uma água maldita, Não os ajudarás?<br />

Abre Teus olhos e ouve com atenção. Só, então, descansaremos felizes na Tua bem-aventurada<br />

Tranqüilidade,<br />

E com Teu braço forte protegerás os pobres abandonados.<br />

A primeira versão livre do texto em hebraico, escrito no Recife em 1646, foi feita para a língua<br />

inglesa, de forma bastante resumida, <strong>por</strong> M. Kayserling, quando da publicação do seu artigo<br />

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<strong>OS</strong> HEBRAIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong> <strong>–</strong> <strong>por</strong> <strong>Henrique</strong> <strong>Veltman</strong> <strong>–</strong> março/2005 - www.veltman.qn.com 24


<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

"Isaac Aboab, the first Jewis author in America", in Publications of the American Jewish<br />

Historical Society, (Baltimore, 1897). No seu artigo, o autor transcreve o texto em hebraico, o<br />

que deu condições ao professor Isaac Halper Filho, do Colégio Israelita do Recife, de fazer<br />

uma primeira tradução para a língua <strong>por</strong>tuguesa, em 1946, a pedido do historiador José<br />

Antônio Gonsalves de Mello, que nos dá uma versão sucinta das orações de Aboab da<br />

Fonseca, em seu livro Gente da Nação - Cristãos -novos e judeus em Pernambuco.<br />

O manuscrito, anteriormente guardado na Livraria Montesinos, do Seminário Português<br />

Israelita de Amsterdam, fundado em 1637, foi posteriormente transferido para a Biblioteca da<br />

Universidade Hebraica de Jerusalém, onde hoje se encontra. Elias Lipiner recuperou o códice<br />

que reúne três partes: a) Poemas litúrgicos em geral incluindo o referente à guerra da<br />

restauração. Este seguido de uma prece em prosa, cujo conteúdo é genérico, embora no título<br />

se anuncie que foi composto para ser recitado "na aflição pelo ataque contra nós dos exércitos<br />

do Rei de Portugal, e que Deus nos pôs a salvo de sua ameaça"; b) lamentações<br />

comemorativas da destruição do Templo, e c) resenha especializada da língua hebraica.<br />

Com a rendição dos holandeses, em 27 de janeiro de 1654, Isaac Aboab da Fonseca retornou<br />

a Amsterdam, onde deu continuidade a sua ação pastoral, fundando a atual Sinagoga<br />

Portuguesa de Amsterdam em 1675, e transformando-se numa das mais im<strong>por</strong>tantes figuras<br />

da comunidade israelita do século XVII.<br />

Segundo a inscrição do seu túmulo, faleceu aos 88 anos, em 9 de abril de 1693, na cidade de<br />

Amsterdam. Sua biblioteca foi vendida em leilão, logo após a sua morte. Dela constavam 18<br />

manuscritos em hebraico, 373 livros em hebraico e 53 em outras línguas.<br />

(A Sinagoga da Zur Israel está sendo restaurada, hoje, no Recife, no programa de recuperação<br />

urbanística do centro da capital pernambucana. Resultado do trabalho conjunto da Associação<br />

para a Restauração da Memória Judaica nas Américas, Federação Israelita de Pernambuco,<br />

Prefeitura do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Instituto do Patrimônio Histórico e<br />

Nacional e Ministério da Cultura, patrocínio da Fundação Safra. Todo o trabalho está sendo<br />

coordenado pelo arquiteto José Luiz da Mota Menezes, e a restauração do Kahal Kadosh Zur<br />

Israel fica devendo, também, ao trabalho pioneiro de Ariano Suassuna, então Secretário da<br />

Cultura na gestão do governador Miguel Arraes).<br />

Em 1645, começa a entrar em declínio a vida judaica no Brasil. A bem dizer, já a data de 6 de<br />

maio de 1644 - em que Maurício de Nassau, após uma série de desinteligências com a<br />

Companhia das Índias Ocidentais, deixa o governo - marca o início simbólico dessa fase que<br />

iria terminar um decênio mais tarde com a melancólica liquidação da pujante comunidade que<br />

se havia implantado - aparentemente com tanta solidez - no Nordeste do Brasil.<br />

A saída de Nassau favoreceu sobremodo o nascimento da insurreição pernambucana, pois, em<br />

substituição àquele estadista que havia grangeado as simpatias gerais da população, ficara a<br />

administração do domínio holandês entregue ao Supremo Conselho do Recife, composto do<br />

negociante Hamel, do ourives Bass e do carpinteiro van Bollestraten, indivíduos incapazes para<br />

a missão, segundo a História registra.<br />

Nassau, no seu testamento político, havia apontado a tolerância como uma das diretrizes mais<br />

im<strong>por</strong>tantes do Governo. O triunvirato que o sucedeu implantou um regime opressor e tirânico,<br />

inclusive passando a tratar os católicos como infiéis, dificultando aos seus sacerdotes a<br />

celebração de missas e expulsando os frades do país, como suspeitos do Governador da<br />

Bahia. Os judeus de Pernambuco cedo deram-se conta do que a nova situação viria<br />

representar para eles. Previram facilmente que, sem a política tolerante e apaziguadora do<br />

príncipe de Nassau, seria inevitável o enfraquecimento e a queda do domínio holandês, ficando<br />

eles irremediavelmente expostos à sanha dos insurrectos pernambucanos. Em vista disso,<br />

iniciaram o processo de retorno à Holanda, tendo emigrado em alguns anos cerca de metade<br />

da população judaica, sobretudo os negociantes mais ricos. O comércio começou então a<br />

decair, o dinheiro passou a escassear e as tropas já se recusavam a combater; ainda mais -<br />

mediante suborno, os soldados holandeses desertavam com freqüência para o exército<br />

<strong>por</strong>tuguês, que, em verdadeira antítese, possuía moral elevadíssima.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Para agravar a situação, a Holanda, que então se achava em guerra com a Inglaterra, não<br />

podia prestar a necessária ajuda à colônia decadente e os reforços, que todavia lhe mandava,<br />

eram insuficientes e extem<strong>por</strong>âneos.<br />

Embora a conjuntura se apresentasse nitidamente desfavorável aos holandeses, os judeus que<br />

permaneceram em Recife - cerca de 700 - resignaram-se a aguardar até o último instante o<br />

desfecho da luta, ficando fielmente ao lado dos holandeses e com eles compartilhando de<br />

todos os horrores do longo cerco da cidade.<br />

Sobre a atitude de inteira fidelidade aos holandeses, assumida pelos judeus remanescentes de<br />

Recife, não faltam pronunciamentos desfavoráveis. Há, com efeito, quem a considere uma<br />

espécie de deslealdade ou ingratidão ao Brasil. É um erro que cabe corrigir.<br />

Merece notar desde logo que o Brasil não estava propriamente em jogo. Aos judeus impunhase<br />

escolher entre dois ocupantes, entre duas potências estrangeiras: Portugal e Holanda. De<br />

um lado - o país que perseguia, expulsava e queimava vivos os judeus; do outro - a nação que<br />

agia para com os judeus, tanto na metrópole como nas colônias, com a maior tolerência<br />

religiosa. De um lado - a inquisição e os autos de fé; do outro - a liberdade de consciência.<br />

Com a queda de Recife e subseqüente capitulação dos holandeses, entrou em plena<br />

desagregação a comunidade israelita no nordeste do Brasil.Viram-se então os judeus dessa<br />

região, após vários anos de privações e sofrimentos, em face de uma dolorosa encruzilhada:<br />

permanecer no Brasil, onde presenciaram a calamitosa destruição da sua vida coletiva e dos<br />

seus bens pessoais, e onde os ameaçavam os horrores de uma implacável perseguição - não<br />

obstante o arranjo feito pelos holandeses com os <strong>por</strong>tugueses no sentido de ficarem impunes<br />

os judeus remanescentes - ou emigrar em busca de refúgio, onde pudessem reconstruir as<br />

suas vidas.<br />

Uma pequena parcela resignou-se à permanência no Brasil, dispersando-se pelo seu território,<br />

enquanto o grosso optou pela emigração. Destes, um grupo - constituído provavelmente dos<br />

mais ricos e mais relacionados na Holanda, entre eles o próprio chefe da comunidade rabino<br />

Isaac Aboab da Fonseca - decidiu retornar a esse país - ilha de liberdade no vasto oceano de<br />

intolerância que então era o continente europeu - ao passo que a maioria, a parte mais pobre,<br />

preferiu enfrentar o desconhecido, aventurando-se em direção das mais longínquas paragens<br />

das três Américas.<br />

Os que regressaram à Holanda, ali se reintegraram na comunidade israelita, sem deixarem<br />

maiores vestígios. Os outros, pulverizados entre diversas colônias francesas, inglesas e<br />

holandesas das Américas, lançaram nas novas pátrias a afirmação pujante da sua vitalidade,<br />

contribuindo eficazmente para o desenvolvimento econômico das mesmas e implantando<br />

aglomerações judaicas, uma das quais viria a ser nos tempos modernos a extraordinária<br />

comunidade judaica dos Estados Unidos da América do Norte.<br />

O êxodo dos judeus brasileiros para as colônias européias nas Américas tomou três rumos:<br />

Guianas, Antilhas e Nova Holanda (América do Norte), dos quais o segundo foi que atraiu a<br />

maioria.<br />

De início, um grupo de judeus fugitivos, sob a direção de David Nassib, fixou-se em Caiena<br />

(1657), de onde, <strong>por</strong> ter sido hostilizado pelos habitantes locais, passou mais tarde para o<br />

Suriname, que naquele tempo era uma colônia inglesa, somente vindo a ser conquistada em<br />

1667 pelos holandeses. Lá, os judeus contribuíram substancialmente para o desenvolvimento<br />

da colônia, à base da cultura da cana de açúcar, e, graças à absoluta liberdade de que<br />

gozavam, foram crescendo em número e se organizando em uma comunidade duradoura que,<br />

em fins do século XVIII, chegou a contar mais de 1.300 almas. O núcleo mais im<strong>por</strong>tante - com<br />

1.045 judeus numa população de 2.000 - ficava nos arredores de Paramaribo e era conhecido<br />

como "Savana Judea".<br />

A primeira leva de judeus procurou atingir a Martinica, que gozava da fama de ser bem<br />

administrada pelo governador Parquet. Este, entretanto, embora a princípio disposto a aceitálos,<br />

resolveu, <strong>por</strong> influência dos jesuítas, não permitir o desembarque, o que fez com que os<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

forasteiros, em número de 900, seguissem para Guadalupe, onde foram acolhidos e, bem<br />

depressa, prosperaram. Mais tarde, Parquet, arrependido, permitiu que outras levas de judeus<br />

se estabelecessem na ilha, a qual passou então a experimentar enorme progresso na<br />

agricultura e no comércio.<br />

Outro grupo atingiu Barbados, onde já havia alguns cristãos-novos trazidos pelos ingleses e<br />

que, acrescidos agora dos judeus brasileiros, deram um forte incremento à indústria do açúcar.<br />

Vários outros grupos estabeleceram-se em Jamaica e São Domingos, dedicando-se, como<br />

sempre, à sua tradicional ocupação - indústria açucareira.<br />

Graças a esse concurso dos judeus foragidos do Brasil, conseguiu a América Central<br />

estabelecer o seu monopólio no mercado mundial de açúcar, monopólio esse que antes estava<br />

nas mãos do Brasil.<br />

Forneceram, assim, aqueles judeus às colônias centro-americanas os elementos de riqueza<br />

que, <strong>por</strong> influência da desastrada política dos monarcas <strong>por</strong>tugueses, o Brasil desprezara.<br />

CURAÇAU<br />

CURAÇAU<br />

Olhem <strong>por</strong> um momento, o mapa da América do Sul. Localizem a Venezuela e percebam, em<br />

frente a ela, a ilha de Curaçau. Essa ilha foi descoberta em 1499 pelo espanhol Alonzo de<br />

Ojeda. Em 1634, onze anos antes da derrota holandesa no Recife, Samuel Cohen tomou<br />

posse da ilha, a mando da Companhia das Índias Ocidentais. E foi Samuel Cohen, em pessoa,<br />

quem tratou da recepção dos judeus e holandeses que batiam em retirada das terras<br />

brasileiras. Uma primeira e extraordinária experiência agrícola foi tentada em Curaçau pelo<br />

brasileiro João da Ilha. Mas as condições eram muito ruins - até hoje, Curaçau praticamente<br />

não tem água potável, é da água do mar, através de uma usina de dessalinização montada <strong>por</strong><br />

Israel, que os habitantes de Curaçau abastecem-se. Por isso mesmo, apesar da tranqüilidade<br />

de que os judeus passaram a gozar em Curaçau, desde então, um grupo pioneiro foi enviado à<br />

Nova Amsterdã.<br />

Em Curaçau e nas ilhas próximas e <strong>por</strong> toda a América Central, os judeus brasileiros e<br />

holandeses espalharam-se, e com eles, a cultura da cana-de-açucar.<br />

Vinte e três judeus brasileiros seguiram viagem para Nova Amsterdã. Não foram muito bem<br />

acolhidos <strong>por</strong> Peter Stuyvesant, o governador holandês. Mas, <strong>por</strong> pressão da comunidade<br />

judaica de Amsterdã, receberam o green card, ficaram e participaram da fundação do que hoje<br />

é a cidade de Nova York.<br />

Hoje, na esquina do Central Park com a 70th St encontra-se a Congregação Shearit Israel. Ali,<br />

aos domingos, pode-se acompanhar uma interessante palestra, na qual um dos diretores da<br />

Congregação conta um pouco de sua história. Até 1730, a Congregação reunia-se em casas<br />

particulares. Em 1730, Shearit Israel foi consagrada como primeira sinagoga, na Mill Street<br />

(hoje, South William Street). Muitos dos objetos dessa primeira sinagoga foram preservados e<br />

podem ser observados na “pequena sinagoga” da 7oth St.<br />

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SINAGOGA SHEARITH ISRAEL<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

De 1654 (atentem para a data) até 1825, Shearit Israel foi a única<br />

congregação hebraica de Nova York. Durante esse longo período,<br />

os judeus de Nova York pertenciam à Congregação, que provia<br />

todas as necessidades da comunidade, do nascimento à morte.<br />

Ela fornecia educação (religiosa e secular), providenciava<br />

alimentos casher e supervisionava os festejos do Pessach, a<br />

Páscoa, além de uma dezena de outras atividades.<br />

Muitos judeus americanos participaram ativamente da Revolução<br />

da Independência e, até hoje, um Memorial Day é realizado no<br />

histórico cemitério judaico de Chatam Square, bem no meio de<br />

Manhattan. Vale a pena visitá-lo e observar os nomes das lápides;<br />

todos, excelentes judeus descendentes dos nossos foragidos do<br />

Recife: da Silva, Mesquita, Maduro, Fonseca, <strong>Henrique</strong>s, Costa...<br />

No ano de 2001, a comunidade judaica de Curaçau organizou um programa comemorativo de<br />

sua presença naquela paragem antilhana. Nesse<br />

programa, os judeus curaçalenhos de hoje dizem<br />

que "um grupo de judeus, numericamente<br />

pequeno, <strong>por</strong>ém de im<strong>por</strong>tância significativa para<br />

a história dos judeus no Novo Mundo, deixou o<br />

Recife, logo depois da sua queda, em direção à<br />

longínqua Nova Amsterdã (atual Nova York),<br />

então capital da Nova Holanda norte-americana.<br />

Cemitério judaico de Chatam Square<br />

Quando esse grupo de 23 judeus, levado pelo<br />

navio de guerra francês "St.Charles", acampou Cemitério judaico de Chatam Square<br />

em 12 de setembro de 1654, à margem do<br />

Hudson, era sua esperança encontrar ali boa<br />

acolhida, <strong>por</strong> se tratar de uma colônia holandesa. Entretanto, o governador, Peter Stuyvesant,<br />

autócrata e anti-semita, fanático e inflexível em matéria de religião, exigiu a retirada desses<br />

"inimigos e blasfemadores do nome de Cristo". E foi somente graças à intervenção da<br />

Companhia das Índias Ocidentais - em cujo seio acionistas judeus exerciam influência - que<br />

afinal se permitiu a permanência dos 23 judeus brasileiros na aldeia de Nova Amsterdã, com a<br />

condição de que "os pobres entre eles fossem mantidos <strong>por</strong> sua própria nação", que não<br />

exercessem cargos públicos, que não se dedicassem ao comércio a varejo, e que não<br />

fundassem congregação.<br />

Evidentemente, tais restrições passaram em breve a ser letra morta, pois, decorridos apenas<br />

dois anos, já haviam os judeus, sob a liderança de Asser Levy, conseguido adquirir um terreno<br />

para um cemitério próprio. Pouco mais tarde, tendo os ingleses se apoderado em 1664 das<br />

colônias holandesas da América do Norte, os judeus passaram a gozar de absoluta liberdade<br />

de consciência, podendo assim consolidar a sua comunidade e disseminar-se pelo país, onde,<br />

com o correr dos séculos, viria desenvolver-se a maior das coletividades israelitas do mundo,<br />

tendo como principal centro a cidade de Nova York, justamente a antiga aldeia de Nova<br />

Amsterdã onde, em meados do século XVII, um punhado de judeus brasileiros fugitivos<br />

estabelecera a primeira aglomeração judaica da América do Norte".<br />

O ano de 2001 marcou o 350º. aniversário da<br />

Comunidade Judaica em Curaçau, uma ilha<br />

holandesa do Caribe, na costa venezuelana. Esse<br />

evento histórico está sendo celebrado durante todo<br />

o ano, mas teve como ponto alto uma programação<br />

de uma semana especialmente desenhada e<br />

organizada pela Congregação Judaica Sephardic<br />

Mikvè Israel-Emanuel em abril, e <strong>por</strong> uma<br />

programação sobre o mês da Herança Judaica, em<br />

toda a ilha, nos meses de maio e junho.<br />

Cemitério judaico de Chatam Square<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

“O que está sendo comemorado são os três séculos e meio da saga dos descendentes de<br />

algumas famílias judaicas, que, buscando uma nova vida, na qual pudessem viver em<br />

liberdade e praticar sua religião em paz, embarcaram em uma longa e arriscada jornada rumo<br />

aos limites do mundo conhecido. Saíram da Espanha durante a Inquisição, viajando através de<br />

Portugal , nordeste brasileiro, até o paraíso seguro de Amsterdã. De lá começaram a jornada<br />

novamente e, contentes, deram início as suas novas vidas em Curaçau. Como reconhecimento<br />

da im<strong>por</strong>tância desse evento para o mundo judeu, o Estado de Israel anunciou que irá cunhar<br />

uma moeda como registro desta etapa/desafio.<br />

Mas suas histórias não são apenas histórias "judaicas". Os judeus curaçalenhos são um<br />

exemplo, para toda a humanidade, do poder do espírito humano, da força e resistência de um<br />

povo oprimido no passado, mas, hoje, livre para perseguir uma vida na qual possam<br />

demonstrar abertamente suas tradições e crenças religiosas e sua lição de sobrevivência, 350<br />

anos depois e distante meio mundo de suas raízes”, registra o documento que a comunidade<br />

de Curaçau produziu e divulgou em todo o mundo.<br />

A Congregação Mikvè Israel-Emanuel organizou uma programação rica em eventos durante a<br />

Semana de Comemoração, que aconteceu de 22 a 29 de abril. O visitante teve uma extensa<br />

programação com tours, palestras, eventos sociais e religiosos, organizados para passar a<br />

cada um o conhecimento e reconhecimento do significado dessa ocasião.<br />

ACOMO<strong>DA</strong>ÇÃO<br />

Voltemos ao Brasil: a segunda metade do século XVII foi um período de lenta e discreta<br />

acomodação dos judeus. Um período certamente sem brilho e sem quaisquer manifestações<br />

de vida coletiva judaica, mas também sem grandes abalos, sofrimentos e dissabores.<br />

A acomodação, tão bem levada a efeito pelos judeus brasileiros na segunda metade do século<br />

XVII, não logrou trans<strong>por</strong> o umbral do século seguinte, quando, afinal, a Inquisição de Lisboa,<br />

cujas garras até então mal haviam conseguido arranhar a população judaica do Brasil, acabou<br />

estendendo sobre este país a sua implacável rede de perseguições. Essa onda de terror que,<br />

com algumas intermitências, se desdobrou <strong>por</strong> longos 70 anos, com especial virulência nos<br />

períodos de 1707 a 1711 e 1729 a 1739, conferiu à primeira metade do século XVIII as<br />

características de época negra da história dos judeus no Brasil.<br />

Várias razões, entre essenciais e subsidiárias, contribuíram para esses trágicos eventos. Em<br />

primeiro lugar, a perseguição aos cristãos-novos em Portugal atingira então justamente o seu<br />

apogeu, assumindo ali a obra diabólica da Inquisição aspectos verdadeiramente pavorosos.<br />

"Despovoavam-se extensas zonas do país e a Europa contemplava atônita uma nação que se<br />

destruía à ordem de broncos frades". Não admira, pois, que tal fúria acabasse também<br />

repercutindo neste lado do oceano.<br />

Os judeus brasileiros, graças ao seu ajustamento econômico e social, operado na segunda<br />

metade do século XVII, haviam voltado a constituir uma parcela das mais opulentas da colônia;<br />

havia, pois, bens a confiscar, e com facilidade, E, se isso não bastasse, fôra designado bispo<br />

do Rio de Janeiro - D.Francisco de São Jerônimo, que exercera, em Évora, o cargo de<br />

qualificador do Santo Ofício, ali se distinguindo pela sua intolerância religiosa e pelo seu rancor<br />

contra a raça judaica.<br />

Tão furiosa passou a ser então a caça aos judeus brasileiros, principalmente no Rio de Janeiro<br />

e na Paraíba, que, só entre 1707 e 1711, mais de 500 pessoas foram levadas prisioneiras para<br />

a Inquisição de Lisboa.<br />

O pânico se fez geral, paralisando <strong>por</strong> completo o desenvolvimento das relações mercantis da<br />

colônia com a metrópole, e a esta causando tão sérios prejuízos que a coroa <strong>por</strong>tuguesa afinal<br />

se viu forçada a proibir que prosseguisse o confisco dos engenhos de açúcar, na maioria<br />

pertencentes a indivíduos de origem judaica. Sucedeu então uma relativa calma, que,<br />

entretanto, não chegou a durar 20 anos. Tendo neste período os judeus se refeito dos abalos<br />

anteriores e mesmo voltado a enriquecer graças ao incremento da exploração das minas de<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

ouro e do comércio de diamantes, recomeçou a sanha dos inquisidores, atraídos pelas<br />

renascidas perspectivas de maciços confiscos. A nova fase de perseguições, mais intensa<br />

durante o decênio 1729-1739, prosseguiu, praticamente até 1770, quando outras condições<br />

vieram extirpar, e para sempre, o cancro da inquisição, que tanto manchara a história de<br />

Portugal e tanto fizera decair esse grande império dos tempos manoelinos.<br />

Até hoje não se sabe ao certo quantos judeus oriundos do Brasil caíram vítimas da Inquisição<br />

de Portugal.<br />

Ainda agora, existem nos arquivos da Torre de Tombo, em Lisboa, 40.000 processos da<br />

Inquisição, cujos mistérios aguardam o trabalho paciente dos que se disponham a investigá-los<br />

para revelar à história toda a sua hediondez. Como a conversão forçada dos judeus, a captura<br />

de seus filhos menores de 14 anos e seu exílio forçado na ilha de São Tomé, os suicídios e<br />

matanças promovidos pelos desesperados judeus que não queriam ver suas proles convertidas<br />

à força...Elias Lipiner, em seus livros, relata com detalhes esta tragédia, calçado em pesquisas<br />

realizadas em muitos anos, no Tombo. É preciso lê-lo e discutí-lo amplamente. A tragédia da<br />

Inquisição só encontra paralelo na tragédia do Holocausto.<br />

O MARQUÊS DE POMBAL<br />

Em 1770, teve início um novo ciclo para a vida<br />

judaica no Brasil, sem nenhuma semelhança com<br />

todo o seu passado. As cinco décadas seguintes<br />

constituem uma fase de transição para uma política<br />

liberal, que não mais sofreria retrocessos, ampliando<br />

cada vez suas conquistas até a eclosão definitiva em<br />

1824, após a proclamação da independência do<br />

Brasil e sua constitucionalização.<br />

Em Portugal, o cenário mudara e a Inquisição<br />

acabava de entrar nos seus últimos estertores,<br />

golpeada de morte pelo poderoso ministro Sebastião<br />

José de Carvalho e Melo, conhecido como o<br />

Marquês de Pombal.<br />

Já em 5 de outubro de 1768, como medida precursora, havia esse estadista excepcional<br />

desarmado os denominados "puritanos", isto é, os nobres que timbravam em não se alinhar a<br />

sangue suspeito de cristão-novo: determinou o Marquês um prazo de 4 meses àqueles que<br />

tivessem filhos em idade casadoura, para que procedessem a enlaces com famílias até então<br />

excluídas.<br />

Poucos anos depois, em 25 de maio de 1773, conseguiu ele junto ao rei, D.José I, a<br />

promulgação de uma lei que extinguiu as diferenças entre cristãos-velhos e cristãos-novos,<br />

revogando todos os decretos e disposições até então vigorantes com respeito à discriminação<br />

contra os cristãos-novos. As penalidades pela simples aplicação da palavra "cristão-novo" a<br />

quem quer que fosse, <strong>por</strong> escrito ou oralmente, eram pesadas: para o povo - chicoteamento<br />

em praça pública e banimento para Angola; para os nobres - perda dos títulos, cargos, pensões<br />

e condecorações; para o clero - banimento de Portugal. Finalmente, um ano mais tarde, em 1<br />

de outubro de 1774, foi a referida lei regulamentada <strong>por</strong> um decreto, que sujeitava os<br />

veredictos do Santo Ofício à sanção real. E assim, com essa restrição, estava praticamente<br />

anulada a Inquisição <strong>por</strong>tuguesa. Sobre o especial empenho do Marquês de Pombal junto ao<br />

rei em favor da extinção de quaisquer discriminações contra os cristãos-novos, encontra-se na<br />

"História Universal do Povo Judeu" de Simon Dubnov, a seguinte conjetura: "Mas, consta que o<br />

rei manifestou o desejo de que os marranos fossem pelo menos reconhecíveis <strong>por</strong> um sinal<br />

especial. Então, Pombal tirou três chapéus amarelos, dos que usavam os judeus em Roma,<br />

explicando que um seria destinado a ele próprio, outro ao inquisidor geral e o terceiro ao rei,<br />

visto como ninguém - disse ele - podia estar certo de que nas suas veias não corria o sangue<br />

dos marranos".<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

A repercussão das disposições pombalinas no Brasil foi automática e eficaz. Após setenta anos<br />

de perseguições tremendas, estavam os cristãos-novos brasileiros ansiosos de se igualarem<br />

aos demais habitantes do país, dos quais, na realidade, freqüentemente em nada se<br />

distinguiam, a não ser pela discriminação que lhes era imposta. Assim, nesse ambiente já <strong>por</strong><br />

si propício - favorecido ainda pelos intensos cruzamentos étnicos e processos culturais que se<br />

vinham verificando naquela época, graças à mutação econômica parcial da base agrária para a<br />

de mineração - o liberalismo da nova lei foi um franco estímulo à completa assimilação dos<br />

cristãos-novos.<br />

Bem entendido, esse processo de integração não se fez de pronto, nem de maneira cabal, pois<br />

que não desaparecera a desconfiança com relação às reviravoltas políticas da coroa<br />

<strong>por</strong>tuguesa.Tanto assim que, mesmo 25 anos mais tarde, quando, pelo tratado de comércio<br />

formado em 19 de fevereiro de 1810, na cidade do Rio de Janeiro, entre a Inglaterra e Portugal,<br />

foi dado mais um passo à frente no caminho da liberalização, ficando oficialmente proibidas as<br />

atividades da Inquisição no Brasil, o governo de Portugal ainda receava os judaizantes. É como<br />

se explica que, no mesmo artigo nº 12 do aludido tratado, em que se dispunha que: "nem os<br />

vassalos da Grande Bretanha, nem outros quaisquer estrangeiros de comunhão diferente da<br />

religião dominante dos Domínios de Portugal, serão perseguidos ou inquietados <strong>por</strong> matérias<br />

de consciência, tanto nas suas pessoas, como nas suas propriedades, enquanto eles se<br />

conduzirem com ordem, decência e moralidade, e de uma maneira conforme aos usos do País<br />

e ao seu estabelecimento religioso e político",acrescentou-se: "<strong>por</strong>ém, se se provar que eles<br />

pregam ou declamam publicamente contra a religião católica, ou que eles procuram fazer<br />

prosélitos ou conversões, as pessoas que assim delinqüirem poderão, manifestando-se o seu<br />

delito, ser mandadas sair do País..."Foram necessários mais outros 15 anos para que,<br />

alcançada a independência do Brasil em 1822 e promulgada a constituição de 1824,<br />

desaparecesse, pela via aberta da assimilação, o problema judaico brasileiro. Não será demais<br />

lembrar que foi marcante a contribuição dos próprios judeus brasileiros para o movimento que<br />

viria trazer a sua extinção como grupo pela completa integração na coletividade nacional.<br />

Assim o testemunha o historiador Rocha Pombo: "Os primórdios da rebeldia para constituir<br />

uma nação independente tiveram <strong>por</strong> parte dos israelitas e dos seus descendentes destacada<br />

contribuição", e assim o reforça o historiador Adolfo Varnhagen: "Os judeus foram os pioneiros<br />

da independência do Brasil. A sua valiosa contribuição, a sua tenacidade de raça eleita, de<br />

povo perseguido, constituíram os alicerces onde colocou-se o lábaro ardente da esperança na<br />

Libertação do Brasil do jugo da mãe-pátria".<br />

Uma vez constitucionalizado o país e implantada a total liberdade de consciência, nada mais<br />

restava que pudesse sustentar a sobrevivência da população judaica, já bastante reduzida em<br />

conseqüência da assimilação que se vinha operando, lenta mas continuamente, nos 50 anos<br />

precedentes, à sombra do crescente liberalismo pós-pombalino. Esses judeus remanescentes,<br />

cujo espírito coletivo já estava muito debilitado - pois, como mencionado atrás, eles quase só<br />

se consideravam judeus em virtude da discriminação vinda de fora - tão logo perceberam que<br />

desta vez a liberdade viera em caráter duradouro, cortaram aquela última amarra, de odioso<br />

fundo discriminatório, que os prendia ao passado judaico e difundiram-se rapidamente no seio<br />

da população geral, com a qual, de resto, já se achavam inteiramente identificados, sob todos<br />

os aspectos histórico-culturais.<br />

Nada obstante essa integração total, muitos assimilados continuaram e continuam, pelos anos<br />

afora, a declinar a sua condição de ex-cristãos-novos. Decorridos mais de um século e meio,<br />

em pleno século XXI, encontravam-se e encontram-se descendentes que, com<br />

sentimentalismo, evocam a sua origem e testemunham o seu enternecimento pelos<br />

sofrimentos dos antepassados. Eles comparecem às sinagogas e templos <strong>por</strong> ocasião do<br />

Rosh Hashaná e, principalmente, do Yom Kipur <strong>–</strong> na véspera do Kipur, quando se celebra o<br />

Kol Nidré, o ritual estabelece que as <strong>por</strong>tas da congregação estão abertas a todos, inclusive<br />

àqueles que abjuraram de uma ou de outra forma à fé judaica. Os votos são anulados. E os<br />

cripto-cristãos comparecem...<br />

O único fator que, nessa conjuntura criada após a Constituição de 1824, talvez ainda lograsse<br />

reacender a chama passada e preservar aqueles judeus da assimilação total, teria sido uma<br />

imigração maciça e homogênea de judeus, de nível elevado e de tradições afins.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Mas essa hipótese única, assim mesmo de efeito problemático, inexistiu de todo, pois que,<br />

depois da Independência, enfraqueceu de muito o movimento de imigração no Brasil, sendo<br />

que a imigração judaica praticamente se anulou.<br />

Logo após a Independência, principiaram a afluir para a Amazônia elementos judaicos<br />

provenientes do Marrocos. E a história dessa corrente vai contada, em detalhes, neste livro.<br />

Na segunda metade do século XIX, <strong>por</strong> volta de 1855, começou a modificar-se a situação<br />

judaica no Brasil.<br />

A população israelita, até então reduzida unicamente aos judeus marroquinos, na Amazônia,<br />

passou a crescer em número e a espalhar-se pelo território brasileiro. Foram chegando ao Rio<br />

de Janeiro - de onde irradiavam para os estados vizinhos, especialmente para São Paulo e<br />

Minas Gerais - judeus procedentes de vários países da Europa Ocidental - franceses, ingleses,<br />

austríacos e alemães, e sobretudo, alsacianos. O encontro deles com o imperador D.Pedro II já<br />

foi narrado no início deste trabalho.<br />

Em 1857, funda-se uma sinagoga no Rio de Janeiro, <strong>por</strong> estes judeus alsacianos. Seu<br />

primeiro presidente, Leopoldo Hime, o bisavô do compositor Francis Hime...<br />

Esses judeus, originários do oeste europeu, vinham antes com o objetivo de prosperar e de em<br />

seguida regressar aos países de origem. Na realidade, a maioria acabou permanecendo no<br />

Brasil, seja <strong>por</strong>que não houvessem logrado o desejado enriquecimento rápido, fosse <strong>por</strong>que já<br />

se sentissem dominados pelo apego à nova terra. Limitavam-se os judeus do Rio de Janeiro e<br />

dos estados vizinhos às ocupações comerciais, sem nenhuma tentativa de integração em<br />

outras atividades econômicas, de feição mais estável e caráter mais fundamental, e muito<br />

menos procuravam imiscuir-se na vida pública do país.<br />

Na última década do século XIX, a imigração judaica cresceu de vulto, multiplicando-se os<br />

países de procedência e também as regiões em que os imigrantes passavam a fixar-se no<br />

Brasil. Enquanto, até então, os imigrantes judeus provinham quase exclusivamente do Norte da<br />

África e do Ocidente europeu, já agora, afora aquelas regiões, chegavam levas de judeus do<br />

Mediterrâneo oriental - Grécia, Turquia, Síria e Líbano e da própria Palestina e ainda da Rússia<br />

e países vizinhos do leste europeu, localizando-se de preferência na zona sudeste do país -<br />

Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais - mas também se disseminando <strong>por</strong> muitos outros<br />

estados, tanto do Sul como do Nordeste. Ficou assim o Brasil, no final do século XIX,<br />

pontilhado de núcleos judaicos multicolores. É digno de registro que, ao findar o século XIX, já<br />

existia no Brasil uma coletividade judaica em potencial, que abarcava todo o território nacional;<br />

uma rica infra-estrutura, sobre a qual viriam em breve apoiar-se as vastas e homogêneas<br />

ondas imigratórias do leste europeu - Bessarábia, Ucrânia, Lituânia, Polônia - as quais, nas<br />

primeiras décadas do século XX, ergueriam no Brasil o arcabouço de uma sólida comunidade<br />

israelita.<br />

A partir da criação da Jewish Colonization Association, a JCA, em 1891, abriram-se as <strong>por</strong>tas<br />

das Américas aos judeus perseguidos na Europa. Foi assim que surgiram as colônias do Rio<br />

Grande do Sul e da Argentina, onde foi nascer o judeu de bombachas, no dizer de Alberto<br />

Gershunoff, los gauchos judios. Este momento da História Judaica brasileira, felizmente, tem<br />

sido bastante estudado, nos últimos anos. Desde o :"Numa clara manhã de abril", de Marcos<br />

Iolovitch, passando <strong>por</strong> "Filipson" e os vários romances de Moacir Scliar, chegamos ao<br />

trabalho desenvolvido em Porto Alegre pelo Instituto Marc Chagall, promovendo a edição de<br />

livros, vídeos, conferências, exposições e palestras, onde a memória judaica no Sul está muito<br />

bem construída.<br />

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HASSIDISMO E ILUMINISMO<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Na Polônia, Israel ben Eliezer, o Baal Shem Tov, cria o movimento<br />

hassídico, enquanto em Viena, Frederico II, o Grande, promulga um<br />

privilégio, dividindo os judeus em três categorias: ordinários, extraordinários<br />

e desamparados. Ordinários, as pessoas comuns; extraordinários, os que<br />

prestavam serviços à Coroa; e desamparados, os párias.<br />

Surge na Alemanha o movimento iluminista, a hascalá, que pretende<br />

orientar o judaísmo para a cultura universal. Na Polônia e no leste europeu,<br />

continuam surgindo movimentos fundamentalistas, como o de Jacob Frank,<br />

buscando encontrar o Messias redentor dos judeus. Nesse contexto,<br />

finalmente, o Marquês de Pombal, em Portugal, decreta a abolição da<br />

distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos.<br />

É im<strong>por</strong>tante falar dessa distinção que Pombal fulminou. A Inquisição cultuava a pureza do<br />

sangue. Os réus eram classificados segundo a “quantidade” de sangue judaico que tinham nas<br />

veias - a heresia era medida segundo essa pro<strong>por</strong>ção. “Cristão-velho dos costados” era o<br />

cristão de sangue puro, sem nenhuma gota de sangue hebreu. Ao contrário, o cristão-novo era<br />

o que tinha sangue judaico, sem nenhuma gota de sangue cristão. Essa distinção entre<br />

“velhos” e “novos” foi estabelecida quando da conversão forçada ordenada pelo rei<br />

D.Manoel,em 1497.<br />

Pombal, que era um homem moderno e de visão, percebeu, em seu governo, que Portugal só<br />

tinha alguma chance de prosperar se,entre outras medidas, liquidasse com essa sinistra e<br />

ridícula qualificação dos <strong>por</strong>tugueses: cristãos-novos, cristãos-velhos, meio novos, meio<br />

velhos, um quarto novos, um quarto velhos etc. Seu decreto, entretanto, foi acompanhado de<br />

medidas que, hoje, os historiadores lamentam; Pombal, simplesmente, mandou destruir toda a<br />

documentação de origem dos <strong>por</strong>tugueses.<br />

Enquanto isso acontecia em Portugal, nos Estados Unidos editava-se a Declaração dos<br />

Direitos Humanos, que outorga aos judeus a igualdade dos direitos civís.Doze anos depois,<br />

explode a Revolução Francesa: em 27 de agosto de 1792, é proclamada a Declaração dos<br />

Direitos Humanos e Cívicos, que atribui liberdade e igualdade de direitos aos judeus.<br />

Começam, efetivamente, a cair os muros dos guetos <strong>por</strong> toda a Europa. Dez anos depois,<br />

Napoleão declara os judeus “ legítimos herdeiros da Palestina”.<br />

D. PEDRO E <strong>OS</strong> JUDEUS <strong>DA</strong> ALSÁCIA ALSÁCIA-LORENA<br />

ALSÁCIA<br />

LORENA<br />

D.Pedro II<br />

Baal Shem Tov<br />

Em 1887, uma delegação de judeus da Alsácia-Lorena foi recebida,<br />

em grande estilo, pelo Imperador D.Pedro II. O monarca<br />

surpreeendeu a comitiva, falando-lhes em hebraico clássico.<br />

Registram as crônicas o embaraço daqueles israelitas (Simonsen,<br />

Haar,Whitaker,Hime, entre outros) que não dominavam a língua<br />

sagrada.<br />

“ D.Pedro II desde a sua juventude acalentava o desejo de conhecer<br />

a língua hebraica”, destaca Kurt Loewenstamm no seu “ O hebraísta<br />

no trono do Brasil”. “Amo a Bíblia, leio-a todos os dias, e quanto<br />

mais a leio, mais a amo”, disse certa vez o monarca. Seu<br />

conhecimento do hebraico começou <strong>por</strong> acaso, quando encontrou<br />

num banco de jardim do Palácio de São Cristovão uma gramática<br />

hebraica, esquecida <strong>por</strong> um missionário sueco.<br />

Convocado ao palácio, o clérigo acabou <strong>por</strong> aceitar convite de D.Pedro para tornar-se o seu<br />

professor.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Rapidamente, D.Pedro iniciou-se no idioma sagrado. Loewenstamm conta que o imperador, em<br />

pouco tempo, vertia do hebraico para o latim vários livros da Bíblia, entre estes o de Isaías, Jó,<br />

os Salmos, o Eclesiastes, o Cântico dos Cânticos e outros.<br />

Já em Petrópolis, sob a orientação de outro professor, também sueco, chamado Akerblom,<br />

D.Pedro mostrou progressos extraordinários. Foi contratando, sucessivamente, novos<br />

professores. A história registra os nomes do orientalista Dr.Koch e depois, do Dr. Henning.<br />

Quando Koch faleceu, em Petrópolis, D.Pedro escreveu o epitáfio do amigo em latim, grego e<br />

hebraico...<br />

Quando esteve em São Francisco, na Califórnia, o imperador visitou uma sinagoga. Nela, foilhe<br />

pro<strong>por</strong>cionado pelo rabino o ensejo de fazer a preleção do capítulo da Tora daquele dia.<br />

O estudo do hebraico levou o monarca a estudar também a história e a literatura judaicas.<br />

Em 1877, em Paris, estudou a obra de Rabinowitz, “La législation Criminelle du Talmud”. Em<br />

Cannes, em 1888, encontrou-se com o rabino-chefe de Marselha, Benjamin Mossé, numa<br />

reunião que durou mais de duas horas. Ao sair, o rabino Mossé, segundo atesta o historiador<br />

Eduardo Prado, declarou: “ Majestade, sois mais que um Imperador, sois um filósofo e um<br />

sábio !”.<br />

Coerentemente, o imperador foi ao Oriente, visitando a Síria, o Egito e,principalmente, a<br />

Palestina. Claro, o ponto alto de sua visita foi Jerusalém: “Jerusalém”, escreveu ele em carta<br />

ao ministro francês Gobineau, “ pela sua posição elevada, domina quase toda a Terra Santa, e<br />

produz o efeito mais surpreendente, qualquer que seja o lado pelo qual se lhe aproxima. A ela<br />

cheguei três vezes”.<br />

Depois da queda da monarquia, no seu exílio europeu, D.Pedro estudou o hebraico e o<br />

provençal, editando em 1891 um pequeno livro, “Poésies Hebraico-Provençales du Rituel<br />

Israélite - Contadin, Traduites et transcrites par S.M. Dom Pedro II d’Alcantara, Empereur du<br />

Brésil” (Avignon). O volume, de 76 páginas, contém uma introdução na qual o imperador faz<br />

observações sobre os seus estudos do hebraico, esclarece sobre os poemas traduzidos - dos<br />

quais dá as versões hebraica e provençal. São Piutim, cânticos liturgicos sinagogais, um<br />

comentário sobre o livro de Esther e o chad-gad-yá, cantiga tradicional nas noites de<br />

Pessach.O provençal era um idioma judaico falado na Provence, França, enriquecido <strong>por</strong><br />

termos hebraicos e árabes, escrito com caracteres hebraicos (com o que se assemelha,<br />

estruturalmente, ao idiche, ao ladino e à hakitia). Hoje em dia, só é falado - e assim mesmo,<br />

<strong>por</strong> poucos judeus - na região de Marselha.<br />

Esse amor do imperador à cultura judaica explica a política amistosa para com os israelitas,<br />

desenvolvida pelos vários governos da monarquia, inclusive e sobretudo no estímulo à<br />

imigração e à cooperação com as várias entidades envolvidas na questão judaica.<br />

Barão Hirsch<br />

Com a declaração da Independência, em 1822, e a promulgação<br />

da Constituição do Império, em 1824, ficou estabelecida a<br />

tolerância religiosa,e as primeiras práticas públicas de judaísmo<br />

começaram a aparecer em terras brasileiras. Uma das figuras<br />

proeminentes desse período foi Denis de Samuel (1782-1860),<br />

um jovem imigrante inglês, que conquistou grande prestígio na<br />

Corte, inclusive o título de barão.<br />

A grande corrente imigratória, originária principalmente da<br />

Europa Oriental, começou na década de 80 do século 19.<br />

Milhões de judeus foram deslocados da Europa para as<br />

Américas, especialmente para os Estados Unidos, no hemisfério<br />

norte, e Argentina, no sul. Essa imigração era conseqüência da<br />

situação em que os judeus viviam na Zona de Residência do<br />

Império Czarista, caracterizada <strong>por</strong> uma grande concentração de<br />

população sem os meios mínimos de subsistência e acossados<br />

<strong>por</strong> pogroms e legislação discriminatória.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

As zonas de residência eram um artíficio dos governos czaristas, que não admitiam a liberdade<br />

de ir-e-vir dos súditos judeus. Eles podiam viver e trabalhar em regiões determinadas. O<br />

acesso a Moscou, São Petersburgo e outras grandes cidades do império, era proibido <strong>por</strong> lei.<br />

Exceções eram abertas, ao custo de suborno e tráfico de influências. Poucos judeus podiam<br />

sair das zonas de residência para cursar a Universidade -onde, de qualquer forma, vigorava o<br />

regime de numerus clausus, ou seja, os estudantes israelitas contavam com pouquíssimas<br />

vagas. Era uma ação de relações públicas internacionais do Czar, para provar que judeus<br />

tinham acesso até a universidades..<br />

.<br />

O judaísmo da Europa Ocidental mobilizou-se, considerando viável encaminhar grandes<br />

massas ao Novo Mundo. No caso da América do Sul, a Argentina demonstrou, a partir de<br />

1881, interesse em receber imigrantes judeus. Assim, em agosto daquele ano, um agente<br />

argentino estabeleceu-se na Europa e contatou lideranças judaicas em São Petersburgo, “ para<br />

tratar de induzir a essa população a trasladar-se ao nosso país sob o amparo e a proteção de<br />

nossas leis”<br />

Na mesma época, o governo imperial russo autorizou o funcionamento de um Comitê Central<br />

do Jewish Colonization Agency, em São Petersburgo, e filiais nas principais províncias. Um<br />

projeto de colonização foi elaborado pelo dr. Guilherme Loewenthal, aprovado pelo Barão<br />

Hirsch (que afinal, foi quem criou o JCA e deu-lhe recursos) e os trabalhos foram iniciados.<br />

Em 1890, em Moises Ville, na Argentina, já estavam vivendo 68 famílias, ocupando quase<br />

4.500 hectares de terra.<br />

Dez anos depois, o JCA ( no Brasil,também conhecido como ICA,Instituto de<br />

Colonização Agrícola), iniciou o seu projeto no sul do Brasil, no Rio Grande. As<br />

primeiras famílias começaram a chegar em 1904, em Pinhal, na região de Santa<br />

Maria. Outros assentamentos ocorreram em Philipson (nome do vice-presidente<br />

do JCA) e em Quatro Irmãos e, uma década depois, no núcleo Baronesa Clara.<br />

Uma última experiência ainda seria tentada pelo JCA no Brasil,às vésperas da Segunda<br />

Guerra, em Resende, no Estado do Rio, no ano de 1936. A idéia era salvar algumas centenas<br />

de judeus alemães, já vivendo, então, o pesadelo nazista.<br />

SOBRE A <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Algumas reflexões sobre a Amazônia, tal como a conhecemos hoje, antes de partirmos para a<br />

saga dos hebraicos.<br />

Como ressalta Otávio Velho (1976), "a não ser como mito e no curto período do auge da<br />

borracha, o Brasil e o mundo viveram quase como se a Amazônia não existisse".<br />

É verdade, há muitos depoimentos de cronistas, aventureiros e cientistas que a percorreram.<br />

A vida dos numerosos e dispersos grupos indígenas foi sendo revelada, em sua grande maioria<br />

<strong>por</strong> uma ótica colonizadora ou "racional". Os contingentes populacionais mestiços, os caboclos<br />

e o campesinato ribeirinho foram igualmente identificados e progressivamente catalogadas<br />

suas atividades e descobertas.<br />

A partir de então, esses viajantes puderam classificar os primeiros recursos naturais e<br />

matérias-primas de um mundo aparentemente infinito.<br />

Contudo, essa divulgação era extremamente restrita e, na trilha enunciada <strong>por</strong> Otávio Velho,<br />

pouco se disseminou em termos de conhecimento, nos principais centros nacionais de então,<br />

sobre a natureza, o meio e o homem dessa fantástica região.<br />

A Amazônia continuou sendo o território <strong>por</strong> excelência dos mitos, dos sonhos e da fortuna. Até<br />

o período das reformas pombalinas, em meados século 18, o atual território amazônico<br />

correspondia, em sua parte já apropriada, a um Estado à parte do Estado Colonial Brasileiro,<br />

diretamente subordinado à metrópole lusitana.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Aí acontece o ciclo da borracha, o qual desvendou uma nova Amazônia. Ao lado dos mitos,<br />

fantasias, lendas e sonhos de enriquecimento rápido, inaugurou-se uma nova sociedade,<br />

opulenta para os padrões da época nas capitais e principais centros urbanos e ativa,<br />

organizada, expansionista nas imensas áreas dos seringais que avançavam do território<br />

paraense aos altos rios.<br />

Uma nova sociedade e uma nova geografia, com a consolidação da incor<strong>por</strong>ação da Província<br />

do Amazonas e do norte matogrossense, incluindo Rondônia e a incor<strong>por</strong>ação de novos<br />

territórios, como o Acre. Tudo, conseqüências inevitáveis do chamado surto da borracha.<br />

Mas, à sua sombra, plasmou-se um novo quadro demográfico regional e sobretudo, configurouse<br />

uma absolutamente original questão social. As centenas de milhares de imigrantes, em sua<br />

grande maioria nordestinos vivendo em condições semi-compulsórias de trabalho, subsistência<br />

e reprodução, constituíram a dramática evidência da perversidade social subjacente ao auge<br />

extrativista. A outra face da moeda eufórica da borracha ficou testemunhada em im<strong>por</strong>tantes<br />

depoimentos da época, como os de Euclides da Cunha e Oswaldo Cruz, ambos escritos nos<br />

primeiros anos do século.<br />

Mais tarde, uma vasta historiografia, depoimentos e romances revelou as dimensões gerais<br />

desse processo, enfatizou aspectos específicos e particulares, registrou exceções e aspectos<br />

contraditórios, enfim, fixou o quadro econômico, social, cultural e político do ciclo da borracha<br />

na Amazônia.<br />

Após mais de um século da ascensão do ciclo da borracha, passando <strong>por</strong> sua decadência e<br />

pelo predomínio, durante décadas, de uma sociedade agro-extrativista semi-isolada, a<br />

modernização acelerada das últimas décadas coloca uma questão que é contem<strong>por</strong>ânea das<br />

sociedades onde as relações capitalistas se afirmam hegemonicamente: qual o papel e a<br />

natureza das políticas públicas na Amazônia ?<br />

Isolada dos núcleos integradores da economia e da sociedade nacional, a Amazônia<br />

desenvolveu, também secularmente, formas originais de organização social e comunitária. As<br />

relações típicas da economia extrativista plasmaram a hegemonia de formas de "patronagem",<br />

estabelecendo relações de dependência econômica, social, cultural e psicológica entre as<br />

populações caboclas e os imigrantes nordestinos com comerciantes, seringalistas e<br />

proprietários em geral. O aviamento é a expressão concreta da rede de dependência criada,<br />

simbolizando um sistema de crédito - adiantamento de bens de consumo e instrumentos de<br />

trabalho - que durante muito tempo se identificou com a própria Amazônia. No auge do período<br />

da borracha, o aviamento funcionou como mecanismo de fixação semi-compulsória do<br />

trabalhador, imobilizado pelas dívidas intermináveis. Findo o esplendor da economia da<br />

borracha, a patronagem e o aviamento foram assumindo formas mais suaves - que de resto já<br />

existiam anteriormente em áreas tradicionais amazônicas de ocupação anterior à aventura<br />

febril dos altos rios - traduzidas na constituição de clientelas, no sentido clássico.<br />

A fidelidade comercial do freguês pressupõe "obrigações morais que os patrões tem para com<br />

seus clientes em casos de dificuldades...constitui relação de poder sujeita a uma moralidade<br />

que dispõe prescrições morais de ajuda aos fregueses em casos de perigo (doenças, carestia,<br />

etc) em troca de uma relação comercial monopolista".<br />

O domínio mercantil, basicamente exercido primeiro pelos judeus e, mais tarde, também pelos<br />

árabes e adiante pelos japoneses, estabeleceu uma rede informal de proteção social, em troca<br />

de exclusividade da comercialização dos bens agro-extrativistas produzidos nos núcleos de<br />

seringueiros, castanheiros, colonos, ribeirinhos, extratores diversos e outros, ligados em geral à<br />

vida de povoados, vilas e pequenos centros urbanos de apoio.<br />

Em que consistia essa rede de proteção? Em primeiro lugar, a partir dos anos 20, praticamente<br />

dissolveram-se alguns vestígios da fase ""dura" dos seringais, sendo então possível, em toda a<br />

região, a construção de núcleos familiares de organização doméstica, trabalho e reprodução.<br />

Inaugurou-se assim um novo estágio demográfico regional, com o declínio da alta razão de<br />

masculinidade, uma tendência à distribuição mais homogênea <strong>por</strong> sexo e através das uniões, o<br />

surgimento de um regime de fecundidade e natalidade extremamente intenso. A fixação dos<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

grupos familiares e a reprodução demográfica assegurou a organização de uma divisão social<br />

do trabalho à nível familiar, base da subsistência e comercialização de excedentes. O fato<br />

desses grupos familiares se constituírem em uma situação de abundância de terras e recursos<br />

extrativos, possibilitou um regime de reprodução social que viabilizou a existência de centenas<br />

de milhares de pessoas <strong>por</strong> todo o interior amazônico.<br />

Iniciativas comunitárias e algumas de caráter religioso mantinham uma modesta oferta de<br />

serviços (escolas, associações, clubes) nas pequenas vilas e cidades, substituindo a ausência<br />

de poderes públicos na prestação de serviços.<br />

Rabinos, curiosos, curandeiros e pessoal com rudimentares conhecimentos de saúde exerciam<br />

uma medicina curativa de forte conteúdo empírico e artesanal. O rabino Hamu teve a<br />

o<strong>por</strong>tunidade, durante uma visita ao mercado de Belém, de nos demonstrar seus amplos<br />

conhecimentos dessa medicina popular.<br />

Os rios, as matas e o regime de chuvas equivaliam a sistemas naturais de saneamento<br />

ambiental, de resto favorecido pelas baixas densidades demográficas que criavam obstáculos<br />

ao contágio e a disseminação de infecções. Apesar da espantosa frugalidade dos recursos<br />

médico-sanitários disponíveis, os níveis de mortalidade geral e infantil na Amazônia, desde as<br />

décadas de 20/30, situam-se em torno da média brasileira, inferiores aos da Região Nordeste e<br />

de diversas áreas específicas de risco em regiões mais desenvolvidas do País.<br />

Pairando acima desse quadro estrutural, o judeu patrão exercia o papel de proteção social em<br />

relação à sua clientela, quando as condições "naturais" acima descritas mostravam-se<br />

insuficientes. Nas palavras de Aramburu,"a acumulação do comerciante há de servir para<br />

atender seus fregueses em momentos de dificuldades e perigos... Nesse sistema, os<br />

trabalhadores delegam ao patrão o poder de resolver as fatalidades. O patrão deve amparar os<br />

fregueses no caso de passarem <strong>por</strong> apuros como crise na produção, necessidade de dinheiro<br />

urgente. O poder patronal manifesta-se sobretudo na assistência a doenças, pois é nesses<br />

casos que as famílias estão mais vulneráveis e necessitadas de ajuda".<br />

É im<strong>por</strong>tante perceber, também, que desde há muito, os judeus marroquinos vinham se<br />

misturando às populações caboclas, daí nascendo o hebraico, a quem ele, o patrão, devia um<br />

cuidado e uma atenção maiores. Afinal, família...<br />

A SERPENTE DE CAMETÁ<br />

Vamos voar de Belém a Cametá, no baixo rio Tocantins. É<br />

uma viagem de hora e meia, acompanhando o rio e com o<br />

rádio de bordo sintonizado na única rádio de Cametá - é um<br />

pequeno monomotor, numa viagem emocionante.<br />

A primeira versão da história que vamos contar, é do hebraico<br />

Carlindo Cohen, de quem falaremos mais adiante.<br />

Fim de tarde, o calor intenso indo embora, uma jovem mãe judia, educada na Europa,<br />

amamenta o seu bebê de oito meses sentada no cais.<br />

É lindo o <strong>por</strong>-do-sol nos rios da Amazônia. Depois de longas horas de um tor<strong>por</strong> provocado<br />

pelo calor intenso, as águas do rio voltam a fluir, as pessoas (que desaparecem durante horas),<br />

reaparecem, há vida na beira do cais. Vendem-se frutas típicas e algum pescado.<br />

Sopra uma leve brisa e a jovem mãe quase adormece naquele ato sublime de amamentar a<br />

sua cria. De repente, ela percebe que o outro seio também está sendo sugado. E <strong>por</strong> quem ?<br />

Por uma serpente !<br />

Algumas semanas depois de termos ouvido esse causo, num elegante restaurante de Belém,<br />

uma jovem socióloga nos conta, à guiza de curiosidade, que uma tia-avó de Cametá se<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

divorciara do esposo e regressara ao Marrocos, depois de passar pela traumatizante<br />

experiência de amamentar uma cobra.<br />

E mais alguns dias depois, já em Santarém, estamos no escritório de Fortunato David Serruya,<br />

im<strong>por</strong>tante fotógrafo da região. Ele nasceu em Santarém, em 1930, filho de David Jacob<br />

Serruya, natural de Tetuan, e de Suzanne Cohen Serruya, de Granada, de origem francesa.<br />

Ele conta que seu pai veio ao Brasil a chamado do irmão, o tio Isaac, de Cametá. Isto, nos<br />

anos 20. Quando ele, Fortunato, tinha oito meses, seus pais se separaram e ele, com os<br />

irmãos Jacob e Leão, voltou ao Marrocos. Lá, ele estudou até regressar ao Brasil, na década<br />

de 50.<br />

"Meu pai", conta Fortunato, "vendia linha de costura a metro. De 1920 a 1940, vivia num sítio<br />

chamado Tapará, e navegava de Belém a Santarém, levando e trazendo carga da região".<br />

A pergunta surge e Fortunato sorri, concorda. Sim, é ele o bebê da história de Cametá. Sua<br />

mãe foi a protagonista da narrativa que corre o Amazonas, como lenda. Não foi lenda, nem<br />

excesso de imaginação das pessoas.<br />

Efetivamente, Suzanne não su<strong>por</strong>tou o episódio da cobra - ela chorava todos os dias,<br />

lembrando-se da Europa, de Gibraltar, da Sorbonne , lamentando-se do destino terrível que a<br />

levara a viver em Cametá, no baixo Tocantins.<br />

São histórias como a de Suzanne, David e Fortunato que são contadas, neste livro, resultado<br />

de nossa pesquisa na Amazônia, em janeiro de 1983.<br />

Lendas e narrativas de serpentes sugando seios de jovens mães estão presentes nas tradições<br />

de muitos povos, antigos e modernos. No próprio Midrash (livro do Talmud que registra lendas<br />

e fábulas), vamos encontrar histórias semelhantes. Mas é no fabulário caboclo da Amazônia<br />

que essas narrativas aparecem com muita freqüência.<br />

1808<br />

Quando, em 1808, a família real <strong>por</strong>tuguesa, fugindo das tropas de Napoleão, transferiu a<br />

Corte para o Brasil, elevando-o à condição de reino unido a Portugal e Algarves, os judeus de<br />

Tetuan, <strong>por</strong>to e cidade do norte do Marrocos, onde a história hebraica remonta ao ano de 1399,<br />

defrontavam-se com dramática situação discriminatória, sendo obrigados a viver fechados<br />

num pequeno quarteirão da cidade, a judiaria, aljama ou melah. Este gueto existiria, aliás, de<br />

agosto de 1807 até o ano de 1912.<br />

Foi o Concílio de Trento (entre 1545 e 1563) que oficializou a instituição do gueto, um bairro<br />

com área determinada, cercado geralmente <strong>por</strong> muros altos, com <strong>por</strong>tão, onde os judeus,<br />

aglomerados em vielas estreitas, viviam com suas famílias, desenvolviam as poucas atividades<br />

profissionais permitidas, rezavam em suas sinagogas e enterravam os seus mortos. Com os<br />

seus vários nomes, o gueto existiu em países tão diversos como o Marrocos, Portugal,<br />

Espanha, Polônia, Rússia etc.<br />

Em Portugal, as judiarias foram estabelecidas em Lisboa, Porto, Coimbra, Évora, Viseu, Faro,<br />

Beja, Moncorvo, Covilhã e Santarém. Na Espanha,as aljamas espalhavam-se <strong>por</strong> todo o país.<br />

Em 1492, dá-se a expulsão dos judeus do reino espanhol, seguida, em 1496, pela expulsão de<br />

Portugal.<br />

Expulsos da Ibéria, onde viveram durante séculos (e pacificamente, mesmo sob o domínio<br />

islâmico), os judeus fugiram para vários cantos do mundo, inclusive e principalmente, para o<br />

norte da África, para o Marrocos.<br />

No Marrocos, os expulsos eram conhecidos como megorachim, isto é, os espanhóis exilados<br />

sem pátria. Apesar de tudo, conseguiram prosperar, sobretudo em Tanger, Tetuan, Ceuta,<br />

Melila, Arcila, Azemur, Mogador, Rabat, Marrakesh, Fez, Agadir e Casablanca.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Mesmo assim, nos melahs de Tetuan, Fez, Marrakesh, em muitas vilas e povoados, os judeus<br />

continuaram a sofrer constrangimentos, humilhações, confisco de seus bens - fora os<br />

massacres rotineiros. Doze gerações, mais de trezentos anos, viveram assim no Marrocos.<br />

Os megorachim traziam consigo a língua castelhana, sua ciência, suas instituições, seus usos<br />

e costumes - e sobretudo, seu espírito empreendedor.<br />

Não foram bem recebidos pelos judeus nativos, os tochabim, berberes judaizados, norteafricanos<br />

convertidos e descendentes dos comerciantes que, centenas de anos passados,<br />

vinham de Israel nos barcos fenícios, ou ainda dos sobreviventes da queda do Segundo<br />

Templo, no ano 70. Os espanhóis rapidamente assumiram a liderança nas judiarias. Os<br />

tochabim, que falavam árabe e bérbere, mais pobres e sem grande acesso à educação, tinham<br />

poucos profissionais.<br />

Realizamos, em 1987, um documentário no Marrocos, visitando o antigo cemitério de Tetuan.<br />

Lá, a divisão era clara: de um lado, as sepulturas dos megorachim, com lápides inscritas em<br />

<strong>por</strong>tuguês ou espanhol; do outro, as do tochabim. Um pequeno ato religioso foi solicitado (e<br />

pago) a um judeu marroquino. Fez questão absoluta de apenas rezar diante do túmulo de um<br />

tochab...Jamais rezaria para um espanhol...<br />

Quando iniciaram suas viagens para a Amazônia, os judeus marroquinos levaram consigo as<br />

rivalidades e divergências entre os arabizados e berberizados, e os espanhóis. Que foram se<br />

refletir, <strong>por</strong> exemplo, na criação das duas primeiras sinagogas de Belém, uma dos bérberes,<br />

Essel Avraham, fundada em 1823, outra dos espanhóis, Shaar Hashamaim, fundada em 1824.<br />

Foi a situação de extremo desconforto no Marrocos que teve papel decisivo na organização e<br />

realização de uma tarefa que, aos olhos do estudioso de hoje, parece quase impossível: a<br />

emigração metódica e racional dos judeus de Tetuan,e também de Tanger, para o longínquo,<br />

misterioso e perigoso Amazonas, no Brasil.<br />

Somado a isso,a Carta-Régia de 1808 e o Decreto de 1814 fizeram inserir o Brasil no<br />

comércio internacional, com reflexos imediatos na Europa. Esse livre comércio e a abertura<br />

dos <strong>por</strong>tos "às Nações amigas", criaram boas perspectivas para as judiarias marroquinas,<br />

especialmente Tetuan e Tanger, cidades <strong>por</strong>tuárias, onde os judeus já estavam envolvidos no<br />

comércio de im<strong>por</strong>tação e ex<strong>por</strong>tação - além de falarem espanhol e hakitia. Mais ainda: em<br />

1810, é assinado o Tratado de Aliança e Amizade entre o Reino Unido (Grã Bretanha) e o<br />

Brasil, que autoriza a prática de outras religiões que não a católica, "contanto que as capelas<br />

sejam construídas de tal maneira que exteriormente se assemelhem a casa de habitações e<br />

também que o uso de sinos não lhes seja permitido". O Tratado assumia o compromisso de<br />

que, no futuro, não haveria inquisição no Brasil. Em 26 de abril de 1821, D.João VI extinguiu<br />

finalmente a Santa Inquisição e os Tribunais do Santo Ofício de todo o Reino Unido de<br />

Portugal, Brasil e Algarves.<br />

Como salienta Samuel Benchimol em "Eretz Israel", "estava finalmente aberto o caminho para<br />

os que os judeus do Marrocos apressassem a sua partida do exílio marroquino, que durou<br />

mais de 300 anos". Verdadeira carta de alforria principalmente para esses judeus marroquinos<br />

de origem ibérica, que viveram durante séculos sob o peso da Inquisição.<br />

É im<strong>por</strong>tante também registrar que, proclamada a República brasileira, em 15 de novembro de<br />

1889, o Decreto 119 do governo provisório de Deodoro da Fonseca aboliu a união legal da<br />

Igreja com o Estado e instituiu o princípio da plena liberdade de culto.Neste mesmo momento<br />

os judeus oriundos do Marrocos viviam, na Amazônia, o pleno apogeu do ciclo da borracha, o<br />

que serviu para incentivar ainda mais a contínua emigração.<br />

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TETUAN<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Tetuan é uma cidade bérbere, situada à<br />

margem do Mediterrâneo, antiga capital do<br />

Marrocos espanhol. Ali, a comunidade judaica<br />

de Tetuan tornou-se muito im<strong>por</strong>tante a partir de<br />

1511. O comércio, e basicamente o comércio marítimo, esteve nas mãos da comunidade<br />

israelita local até o início do século vinte.Nas sangrentas lutas que se estabeleceram entre os<br />

marroquinos e os espanhóis, que viriam a ocupar aquela região norte-africana, a comunidade<br />

judaica teve papel de destaque, financiando e armando as tropas do Mulá Yazid, que acabou<br />

derrotado pelas forças espanholas.<br />

Mais de oito mil judeus chegaram a viver em Tetuan, quando sua população total girava em<br />

torno de 30 mil almas. Seu primeiro "av bet din", corte talmúdica com jurisdição sobre os<br />

judeus da região, foi presidida pelo rabi Hayym Bibas, ele mesmo um dos que foram expulsos<br />

da Espanha. Por várias gerações, a liderança espiritual e tem<strong>por</strong>al da comunidade foi ocupada<br />

<strong>por</strong> membros das mesmas famílias - Abudaraham, Almosnino, Bendelac, Bibas, Casé,<br />

Coriat, Crudo, Falcon, Hadida, Hassan, Nahon e Teruel.<br />

Em nenhuma outra comunidade no mundo puderam os judeus descendentes de espanhóis e<br />

<strong>por</strong>tugueses conservar, de forma tão marcante, sua língua, seus costumes e suas tradições.<br />

Até meados do século 18, os judeus de Tetuan continuavam a apoiar e a financiar o regresso<br />

físico e o retorno espiritual dos marranos <strong>por</strong>tugueses.<br />

Marranos eram os judeus que assumiram o cristianismo à força, mas continuavam a professar<br />

sua fé judaica secretamente. O marranismo foi basicamente <strong>por</strong>tuguês, embora haja também<br />

o caso de marranos no mundo islâmico, especialmente no Irã.O Brasil moderno é considerado<br />

o maior país marrano do mundo, pelos especialistas da Universidade Hebraica de Jerusalém.<br />

É verdade que os recém-chegados assimilavam facilmente o ethos e o pathos do núcleo<br />

original, mas acabaram, finalmente, introduzindo numerosas superstições e<br />

crenças.Principalmente, trouxeram e implantaram em Tetuan, e depois em Tanger, a Hakitia.<br />

Em 1982, o general Abraham Ramiro Bentes publicou em Belém, pela Mittograph Editora, o<br />

livro "Os sefardim e a hakitia", uma pesquisa filológica sobre o dialeto hispano-árabe-judaico, e<br />

que nos confins da Amazônia, acabou sendo enriquecido <strong>por</strong> vocábulos <strong>por</strong>tugueses e<br />

indígenas. O general Bentes editou ainda, em 1987, o livro "Das ruínas de Jerusalém à<br />

verdejante Amazônia"(Bloch, Rio de Janeiro), um alentado volume de quase 400 páginas, onde<br />

traça a trajetória judaica a partir do profeta Elias até chegar à instalação da primeira<br />

comunidade israelita brasileira.<br />

TANGER<br />

Tanger, situada na entrada do estreito de Gibraltar, é uma cidade muito antiga.Nos tempos<br />

bíblicos, era conhecida como Tingis, e foi habitada <strong>por</strong> fenícios e,<br />

mais tarde, <strong>por</strong> cartagineses.Uma comunidade judaica existia em<br />

Tingis - o assunto é facilmente comprovado pelas muitas e antigas<br />

cerâmicas ali encontradas, ornadas com objetos de culto, como a<br />

clássica menorah,símbolo até hoje de Israel<br />

A presença judaica tornou-se marcante a partir da chegada dos<br />

judeus expulsos da Espanha. Mais adiante, essas relações se<br />

intensificaram com a comunidade de Amsterdam, ela também<br />

região que atraiu multidões de judeus espanhóis e <strong>por</strong>tugueses. A<br />

prosperidade dos judeus de Amsterdam traduziu-se,também, no<br />

financiamento da emigração marroquina para o Novo Mundo.<br />

Em 1808, viviam 800 judeus em Tanger. Era uma comunidade<br />

muito pobre,apesar de ali existirem algumas famílias ricas, como<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

os Nahon, engajados e conhecidos pelo comércio marítimo em grande escala que praticavam.<br />

Nessa mesma época, destacam-se também Joseph Mogador Chriqui, as famílias Abensur,<br />

Siscu, Azancot e Benchimol. Afinal, foram eles precisamente que, apoiados e financiados <strong>por</strong><br />

correligionários europeus, organizaram e deram início à grande aventura dos hebraicos na<br />

Amazônia.<br />

A influência espanhola sobre Tanger, iniciada pelos judeus de Tetuan, fortaleceu-se com as<br />

vitórias de Madri e, <strong>por</strong> volta de 1820, o espanhol já era o idioma mais difundido na região.<br />

Papéis destacados foram, ainda, os de Ben-Ayon, editor do primeiro jornal de Tanger, em<br />

1820; Levy Cohen, editor do segundo jornal, "Le Reveil du Maroc"; Pinhas Assayag, Abraham<br />

Pimenta, Isaac Laredo, José Benoliel, Samuel Toledano, Salomão Pinto. Todos eles atuaram<br />

de forma muito im<strong>por</strong>tante na saga amazônica, seja financiando,estimulando e apoiando a<br />

emigração de jovens e casais para a Amazônia, seja dando o exemplo, eles próprios, e<br />

seguindo para o mais fundo da "jungle", munidos exclusivamente de fé em Deus e muita<br />

coragem.<br />

Para o historiador, professor e empresário Samuel Benchimol, de Manaus, a imensa maioria<br />

dos judeus marroquinos que vieram para a Amazônia eram originários de Tanger e Tetuan.<br />

Diz Celso Furtado na sua "Formação Econômica do Brasil" que a economia amazônica entrou<br />

em decadência desde os fins do século l8. "Desorganizado o engenhoso sistema de<br />

exploração da mão-de-obra indígena estruturado pelos jesuítas, a imensa região reverte a um<br />

estado de letargia econômica". O algodão e o arroz tiveram sua etapa de prosperidade, durante<br />

as guerras napoleônicas, "sem contudo alcançar cifras de significação para o conjunto do país".<br />

A base da economia da Amazônia era, em 1808, a exploração de especiarias, a extração de<br />

cacau e, logo em seguida, a borracha.O aproveitamento dos produtos da floresta deparava-se<br />

sempre com a mesma dificuldade: a quase inexistência de população e a dificuldade de<br />

organizar a produção baseada no escasso elemento indígena.<br />

Este era o desafio que se oferecia aos judeus de Tanger e Tetuan: nas sinagogas de suas<br />

cidades norte-africanas; faziam o seu bar mitzvá, cerimônia de confirmação e maioridade, aos<br />

13 anos, colocavam os "tefilin" (filactérios) e, dez ou quinze dias mais tarde, embarcavam nos<br />

va<strong>por</strong>es da Mala Real Inglesa. Muitos deles, imberbes mas recém-casados, outros, solteiros,<br />

apenas com a roupa do corpo. Muitos dos recém-casados deixando as jovens esposas<br />

entregues aos cuidados de suas famílias, <strong>por</strong> absoluta falta de recursos para levá-las<br />

imediatamente. Dezenas dessas moças foram esquecidas, quando seus jovens esposos, na<br />

Amazônia, morreram vítimas de enfermidades desconhecidas; outras, simplesmente foram<br />

"trocadas" pelas caboclas. A grande maioria, <strong>por</strong>ém, foi chamada <strong>por</strong> seus noivos e esposos.<br />

Em muitos casos, a noiva era simplesmente "encomendada" para casamentos arranjados pelas<br />

famílias.<br />

Em Belém, os judeus ligados a interesses ingleses e franceses, tais como Nahon, Serfatty,<br />

Israel e Roffé, já os aguardavam com alojamentos, roupas e apoio comunitário. Os meninos<br />

eram alojados numa hospedaria da travessa Santo Antonio e recebiam rápidas e singelas<br />

informações sobre como deviam se com<strong>por</strong>tar nos sítios ao longo dos rios onde iriam viver nos<br />

próximos anos.<br />

Não havia maiores dificuldades quanto ao idioma: todos falavam espanhol e hakitia. Nos dias<br />

que se seguiam, devidamente escalados pelas casas aviadoras às quais se filiavam,<br />

embarcavam num va<strong>por</strong>zinho (no melhor dos casos) ou num simples regatão (grande barco, na<br />

época, a va<strong>por</strong>, hoje movido a diesel), já com sua mercadoria a bordo e um barracão como<br />

destino.<br />

Casa aviadora era a organização comercial, em Belém, a quem ficaria ligado para a compra e<br />

a venda de mercadorias, que supriria também suas demais necessidades e seria o seu<br />

"consulado" na capital.<br />

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<strong>OS</strong> SERINGAIS<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

O barracão - misto de residência do comerciante, do armazém que avia (fornece mercadorias<br />

ao seringueiro caboclo) e do depósito de borracha, castanha etc,era até bem poucos anos<br />

atrás, o núcleo social e econômico do seringal. Próximo a ele ficava o centro, onde se<br />

concentravam as atividades de extração e coleta de castanha, onde estavam os tapiri para a<br />

moradia e o tapiri para a defumação, as bocas ou estradas de seringa, um caminho ou picada<br />

que ligava as seringueiras onde se extraía o latex.<br />

Não existiam vínculos empregatícios entre os seringueiros caboclos e os seringalistas.<br />

O extrativismo amazônico constituia-se numa corrente contínua, cujas principais figuras eram o<br />

seringueiro, o seringalista, a casa aviadora, a casa ex<strong>por</strong>tadora, a casa im<strong>por</strong>tadora, as<br />

conexões nacional e internacional do comércio da borracha. De um ponto de vista secundário,<br />

estavam o regatão e os aviadores, que intermediavam - ora entre o seringalista e o seringueiro,<br />

ora entre o seringalista e a casa aviadora.<br />

O sistema sustentava-se basicamente no crédito. A estrutura econômica da Amazônia, pelo<br />

menos até o fim dos anos 50, caracterizava-se pelo sistema de aviamento: o aviador era a<br />

pessoa que efetuava o aviamento, isto é, fornecia os bens de consumo e de produção; o<br />

aviado era o que recebia. Na produção e circulação da borracha, o seringueiro extrator era<br />

sempre o aviado, pois as suas relações econômicas restringiam-se ao fornecimento dos<br />

produtos extraídos da floresta como pagamento das mercadorias que lhe foram aviadas.<br />

O aviador era aviado do comerciante que lhe fornecia as mercadorias e aviador para aqueles<br />

que adquiriam suas mercadorias. Havia os grandes aviadores, pequenos em número e<br />

estabelecidos nas grandes cidades, e os pequenos aviadores, que intermediavam as<br />

mercadorias até chegar às mãos do produtor ou do extrator.<br />

O judeu, e logo em seguida o seu descendente caboclo, o hebraico, era sempre seringalista,<br />

patrão, muitas vezes ligado às casas aviadoras e , em raros casos, às empresas ex<strong>por</strong>tadoras,<br />

dominadas pelos coronéis de barranco, ingleses, <strong>por</strong>tugueses e nordestinos.<br />

Os judeus foram os primeiros regatões da Amazônia. Ou seja, suas embarcações levavam as<br />

mercadorias para trocar nos seringais mais distantes <strong>por</strong> borracha, castanha, copaíba (cujo<br />

bálsamo era, então, a medicação <strong>por</strong> excelência das doenças venéreas, na Europa), sorva,<br />

balata, ucuquirana, peles e couros de animais silvestres. Muito freqüentemente, os regatões<br />

entravam em choque com o grande poder e o monopólio dos aviadores que "fechavam os rios"<br />

e eram "os donos da praça". No fundo, os judeus regatões nada mais fizeram do que reproduzir<br />

de certa forma, no cenário fantástico da Amazônia, o papel do judeu prestamista, nas cidades<br />

do sudeste e do sul.<br />

No início, o jovem judeu vivia sózinho, regateando. Depois, formada a família, ia comerciar no<br />

interior mais afastado, comprando e vendendo mercadorias. Quando sua situação se<br />

consolidava, tratava de transferir esposa e filhos para cidades maiores, onde a criançada<br />

nascia a cada dois anos, "gerados em cada visita do pai à esposa, durante as páscoas e<br />

celebrações religiosas de Rosh Hashaná, Iom Kipur, Pessach, Purim, Chanuká ou para as<br />

cerimônias de Brit-Milá (circuncisão) de seus filhos, ou para o Bar Mitzvá", assinala Benchimol<br />

no seu livro "Eretz Amazônia". E observa: esses dias festivos eram os dias de fazer nenê com<br />

as esposas parideiras, que tinham uma média de 6 a 8 filhos antes de completar 40 anos de<br />

idade.<br />

BENGUIGI<br />

Um dos patriarcas dos hebraicos da Amazônia, Moisés Benguigui chegou a Belém no dia 9 de<br />

junho de 1909, vindo de Manaus. Hospedou-se na sinagoga da rua das Indústrias e, dias<br />

depois, a chamado do seu tio, embarcou para Marapani, um lugarejo situado às margens no rio<br />

Solimões, na região conhecida como Coari. Lá, Moisés abriu uma bodega: servia cachaça,<br />

fumo e farinha aos caboclos, e deles recebia o sernambi ( a borracha), alguma castanha, óleo<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

de copaíba. Dez anos ficou Benguigui em Coari. Em 1919, a convite de David Azulay, mudouse<br />

para Oriximiná, próximo a Óbidos, no rio Amazonas, e meteu-se na charqueação de gado.<br />

- A borracha já estava em crise, explicou Moisés. Era preciso buscar outros meios de ganhar a<br />

vida.<br />

Em 1931, ele foi até Alenquer, na mesma região, para casar. Com dona Esther Alves, filha de<br />

Alenquer, cujos pais vinham de Rabat e de Lisboa. Com Esther Alves (na origem, El Baz), teve<br />

oito filhos, cinco homens e três mulheres.<br />

As três vivem hoje em Israel. Em 1983, já tinha mais de trinta (ou seriam quarenta ?) netos,<br />

indagava ele mesmo, incrédulo.<br />

Na sinagoga Shaar Hashamayim, na rua Arcipreste, em Belém, já centenário, Moisés<br />

Benguigui, lúcido, acompanhava todo o serviço. E a cada tropeço do rabino Hamu, não<br />

hesitava em corrigi-lo, publicamente...<br />

CAMETÁ<br />

Cametá, no baixo Tocantins, fica a 40 minutos de Belém, de monomotor. De barco,é uma<br />

viagem que pode durar de 18 a 30 horas, dependendo da corrente fluvial.<br />

Cametá foi, na primeira metade deste século, a segunda maior cidade do estado do Pará e,<br />

sem dúvida, a mais im<strong>por</strong>tante cidade comercial da região.<br />

Segundo o rabino Hamu, nascido em Mocajuba, do outro lado do rio Tocantins, viviam ali perto<br />

de sete mil judeus. Cametá teria, no máximo, 30 mil habitantes, então.<br />

A cidade guarda as lembranças do fausto do início do século. As ruas são largas, bem<br />

planejadas. Resistem ainda as velhas residências de <strong>por</strong>te senhorial. Há praças bem<br />

desenhadas, onde à noite, em quase todas elas,reina absoluto um grande aparelho de TV,<br />

sintonizado na Globo... E uma enorme quantidade de pessoas acompanha, ali, as novelas<br />

passadas no Sul maravilha.<br />

"Ninguém falará com vocês em Cametá. Não há mais judeus lá", afirmou o rabino Hamu. Na<br />

verdade, ao desembarcarmos em Cametá, abordados <strong>por</strong> Calixto,misto de chofer de praça,<br />

contrabandista, agiota e "fac-totum",revelamos que buscávamos judeus e seus descendentes.<br />

"Hebraicos ? Pois vamos vê-los".<br />

De pijama leve, sentado à beira da cama do hospital municipal, Moisés Silva treme à menção<br />

da palava Israel.<br />

"Vocês são hebraicos ?"<br />

Nascido em 1919, ali mesmo em Cametá, Moisés nos conta que seu pai era Leão Pinto, de<br />

tradicional família rabínica, chegado ao Brasil com 12 anos de idade e falecido aos 56 anos.<br />

Leão, filho de Salomão, de Tanger.<br />

Leão não teve uma esposa judia. Sua cabocla não queria (ou não conseguiu realizar a sua<br />

conversão. Nem <strong>por</strong> isso Moisés teve outra educação que não a judaica. Com o pai, e até<br />

1983, ele seguia os preceitos que conhecia, jejuava no Iom Kipur (Dia do Perdão, o mais<br />

solene do calendário religioso), acompanhava "as páscoas"(os judeus sefaraditas designam<br />

como "páscoas"as principais celebrações judaicas, como o Pessach, o Purim, o Rosh Hashaná<br />

(Ano Novo), o Iom Kipur, Sucot (festa das cabanas) e o Chanucá (a festa das<br />

luzes, comemorativa da vitória dos macabeus sobre os sirio-gregos). Não sei se Moisés ainda<br />

vive, hoje, no início do novo século.<br />

Seus filhos chamam-se Menassé, Menahem, Esther e Bendita. Seu neto, como determina a<br />

tradição marroquina, chama-se Moisés e vive em Belém.<br />

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<strong>OS</strong> HEBRAIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong> <strong>–</strong> <strong>por</strong> <strong>Henrique</strong> <strong>Veltman</strong> <strong>–</strong> março/2005 - www.veltman.qn.com 43


<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Trêmulo, no leito hospitalar, Moisés pede que se lhe conte a história do moderno Estado de<br />

Israel. Ele possui uma pequena fazenda onde planta pimenta, a riqueza de Cametá.<br />

Seus olhos brilham: "Então é verdade, existe mesmo um país de hebraicos ?!"<br />

Calixto, o motorista-contrabandista-faz tudo não tem dúvidas a respeito do Estado de Israel.<br />

Afinal, ele serviu no Batalhão Suez, do Brasil, que patrulhou a faixa de Gaza, em 1958. Até<br />

namorou uma judia brasileira, de um kibutz fronteiriço. "Moça fina, estudou no Mackenzie", faz<br />

questão de esclarecer. E enquanto conta as suas aventuras no Oriente Médio, Calixto nos<br />

conduz ao cemitério de Cametá. Um cemitério bem cuidado, limpo, onde o nosso trabalho logo<br />

atrai a atenção de dezenas de crianças e adultos, que ficam a olhar como se nada mais<br />

tivessem a fazer. Também o gado zebu, que transita livremente pelas ruas, se sente atraído<br />

pelas máquinas fotográficas, pelos flashes. Defronte ao cemitério, uma casa pequena e bem<br />

cuidada, ostenta na parede uma inscrição: BETEL. A Casa de Deus.Perguntamos aos<br />

moradores do que se trata, será uma igreja evangélica ? Absolutamente. Sabem apenas que é<br />

uma lembrança dos tempos dos judeus, <strong>por</strong>isso a casa é mantida em ordem (pela prefeitura).<br />

Ela é pintada todos os anos, a inscrição é sempre renovada, "dá sorte".<br />

É apenas onde, há décadas, morava o zelador do cemitério e onde eram realizados os rituais<br />

de purificação dos corpos.<br />

"A Prefeitura sabe que o cemitério judaico é um monumento da cidade e que os hebraicos<br />

foram im<strong>por</strong>tantes para o nosso desenvolvimento". Quem faz a observação é outro hebraico de<br />

Cametá, Carlindo das Mercês Cohen.<br />

Titular do Cartório Cohen, Carlindo nasceu em 1915, ali mesmo. Filho de Joseph Cohen e de<br />

Vitória Maria Cohen. O pai era de Tanger, a mãe, de origemcatólica, de Cametá.<br />

A esposa de Carlindo é a judia Luna Bensabat Cohen, filha de Jaime Bensabat, neta de<br />

Manassé Cohen.<br />

Mas uma imensa imagem de Jesus domina o cenário de sua sala de jantar.<br />

Carlindo exibe, com satisfação, as revistas e calendários que, periodicamente, recebe de<br />

instituições judaicas, principalmente do Chabad.<br />

"Mas eu não sei ler hebraico", assinala. Ele se recorda, com prazer, do pai acompanhando o<br />

minyan (o quorum mínimo de dez judeus maiores de 13 anos, indispensável ao serviço<br />

religioso) na casa de Abraham Zancor. Conta de suas travessuras quando ia brincar na<br />

sinagoga, "uma que desapareceu, sem fazer barulho, numa certa noite". É que o rio Tocantins<br />

está "comendo"as terras do cais. Foi assim que numa noite, nos anos 60, parte da rua beira-rio<br />

ruiu e o prédio da última sinagoga de Cametá foi tragado, em poucos minutos, silenciosamente,<br />

pelas águas do Tocantins.<br />

Cametá chegou a possuir várias esnogas (o mesmo que sinagoga) , pelo menos três, como<br />

sugere o rabino Hamu.<br />

"E havia hebraicos leprosos em Cametá", recorda Carlindo Cohen. "Viviam isolados,lá no meio<br />

do mato. A comunidade mandava para eles tudo o que necessitavam, mas estavam isolados".<br />

"Acho isso estranho, pois os judeus são gente limpa, higiênica, dizem que a lepra é doença de<br />

sujeira".<br />

Uma tradição local estabelece que os hebraicos não comiam um peixe extremamente<br />

abundante nas águas do Tocantins, o mapará (ou macapará). Um peixe liso, sem escamas.<br />

Alguma relação entre o peixe e a doença ? Cohen não sabe, mas na sua casa não se come o<br />

mapará.<br />

Recente pesquisa divulgada pelo Jornal Americano de Medicina traz uma nota assinalando que<br />

pode haver alguma relação entre a hanseníase e a ingestão de certas espécies de pescado.<br />

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<strong>OS</strong> HEBRAIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong> <strong>–</strong> <strong>por</strong> <strong>Henrique</strong> <strong>Veltman</strong> <strong>–</strong> março/2005 - www.veltman.qn.com 44


O GOLEIRO DO REMO<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Se Carlindo Cohen não é, do ponto de vista haláchico, judeu, isso já não se pode dizer do Dr.<br />

Mimon Elgrably, médico e farmacêutico em Cametá, mas nascido em Belém. O seu pai foi<br />

goleiro do Clube do Remo - uma goleada de 7 a 0 para o Paysandu encerrou a sua carreira e o<br />

inscreveu nos anais es<strong>por</strong>tivos do Pará.<br />

Mimon vive desde 1972 na cidade. Seu pai é de Belém e a mãe de Macapá. Seu avô, rabino,<br />

veio do Marrocos, é o que sabe informar. Seus seis irmãos vivem espalhados pela Amazônia,<br />

num território do tamanho da Europa: em Itaituba, o engenheiro Mayer Jaime Elgrably; em<br />

Belém, o engenheiro Salomão Peres Elgrably; também na capital, a irmã Simy Elgrably.Outra<br />

irmã, Zahara Elgrably Correia, vive numa localidade próxima de Belém. O irmão mais novo,<br />

Moisés, engenheiro, trabalhava no Projeto Jari. Ele mesmo, Mimon, já viveu em Santarém,<br />

Óbidos, Itaituba e Castanhal.<br />

"Mas, se você quer mesmo conhecer a nossa história, fale com a mamãe. Ela, dona Ester<br />

Peres Elgrably vive lá em Belém, na rua Padre Eustáquio, e lembra de tudo".<br />

O calor é forte, quase insu<strong>por</strong>tável, durante a tarde, em Cametá. Em compensação, no finzinho<br />

da tarde, sopra uma brisa. E a noite é extremamente agradável. Dona Raimundinha,<br />

"gerente"do bordel,é amiga de todos, madame muito respeitável e respeitada. É ela quem,<br />

informada do nosso trabalho, esclarece: "Desde o princípio, não há homens sérios na noite de<br />

Cametá". O que explica, em parte, a multidão de caboclos com sangue hebraico na região.<br />

"Em Mocajuba, cidade que fica do outro lado do rio, próxima a Cametá", confirma o rabino<br />

Hamu, "todos os goyim (gentios) têm sangue hebraico".<br />

Em Mocajuba, em Baião e, principalmente em Cametá, os goyim e os descendentes dos<br />

hebraicos falam de tesouros escondidos, de pregos e dobradiças de ouro maciço, de uma<br />

riqueza extraordinária dos judeus.<br />

E <strong>por</strong>que os hebraicos foram embora?Só a decadência da borracha é explicação suficiente ?<br />

Olhares se entrecruzam. Carlindo Cohen conhece a explicação, hesita em fornecê-la, mas<br />

solta a informação, discretamente: o anti-semitismo... A perseguição religiosa movida pela<br />

Igreja. Por último, e não menos im<strong>por</strong>tante, movimentos como a cabanagem, onde o caboclo,<br />

revoltado com a exploração que lhe era imposta pelo dono do barracão (e o judeu era sempre<br />

dono do barracão), um dia rebelou-se e foi acertar as contas na ponta da faca. Onde os<br />

hebraicos puderam resistir, sua presença prosseguiu <strong>por</strong> várias décadas.<br />

Onde foram fracos, partiram. Como em Cametá, decadente desde a saída dos hebraicos.<br />

Eles se espalharam <strong>por</strong> toda a Amazônia. Fica difícil até mesmo acompanhar a sua saga,<br />

pelos mapas. Eles estiveram em Alenquer, Altamira, Brasil Novo, Curuá Una, Faro, Itaituba,<br />

Juriti, Monte Alegre, Óbidos, Oriximiná, Porto Trombetas, Porto Vitória, Santarém, Terra Santa,<br />

Maués, Itacoatiara, Gurupá, Buiussu, Boim, Aveiro, Manacá Puru, Manicoré, Macapá, Teffé...<br />

"No Alto Solimões", informa Moisés Mendes, de Parintins, "os índios tem características físicas<br />

judaicas. Em Ma'aparim, as palavras hebraicas preenchem o vocabulário indígena. O cemitério<br />

de Abunã, entre Guajará Mirim e Costa Marques, acima de Porto Velho, tem túmulos judaicos<br />

do século 18".<br />

Há túmulos do século 17 em pleno centro de Belém, no meio da rua. Não é força de expressão.<br />

Na realidade, onde hoje está a praça principal, no seu canto extremo oeste enterravam-se os<br />

não católicos. Há pedras tumulares de protestantes e de judeus. Junto à escola Kennedy, ao<br />

lado do velho cemitério judeu, "Necrópole Judaica", há um cemitério misto de judeus e não<br />

católicos.<br />

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NAS ÁGUAS DE OPHIR<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Saindo de Cametá para Abaetetuba, de barco a motor, numa jornada de dezoito horas pelo rio<br />

Tocantins, vamos conversando com o comandante.Um homem de mais de cinquenta anos,<br />

filho da região. "O mais longe que eu já fui na Amazônia, foi a Monte Alegre",explica.<br />

É um homem inteligente, vivido e letrado. Sabe das coisas. Falamos das tribos indígenas de<br />

aspecto diferente, de idiomas orientais mesclados ao vocabulário dos silvícolas, de certos<br />

hábitos e costumes.<br />

Falamos do ouro que brota em todos os pontos da região, e com mais evidência na Serra<br />

Pelada e em Maués.<br />

"Na sua opinião", pergunta o comandante, "os judeus e os fenícios estiveram <strong>por</strong> aqui, nos<br />

tempos bíblicos ?"<br />

Não respondo. Penso nas minas do rei Salomão, nas regiões que os barcos fenícios, partindo<br />

de Ezion-Gerber, iam palmilhar em busca de ouro, de pedras preciosas e de sândalo. Há<br />

muitas hipóteses sobre onde seriam essas terras, se uma ilha no Mar Vermelho, ou na Índia,<br />

quem sabe na China ?Entre Sheba e Havillah, dizem as Escrituras.<br />

Na Somália ? Na península arábica ?<br />

O comandante do barco sorri. Chegamos a Abaetetuba.É noite.Nos despedimos. Ele pede meu<br />

nome, eu peço o seu: "Ophir". Estou, simplesmente, nas terras, nas águas, de Ophir...<br />

Um historiador antigo, Diodoro da Sicília, descreveu uma expedição fenícia que, saindo de uma<br />

região africana próxima a Dacar, seguiu para sudoeste até chegar a terras desconhecidas,<br />

numa rota parecida com a seguida, séculos mais tarde, <strong>por</strong> Cabral. Os fenícios teriam<br />

alcançado o Amazonas, onde há vestígios de civilizações antigas - <strong>por</strong> exemplo, os<br />

marajoaras.<br />

Na Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, inscrições foram identificadas em 1839, pelo Instituto<br />

Histórico e Geográfico Brasileiro, como sendo "Badezir-Jethbaal-Tiro-Fenicia". Justamente os<br />

nomes dos nobres fenícios de uma época muito antiga: o príncipe Badezir era o filho mais<br />

velho de Jethbaal, da cidade de Tiro, Fenícia, e seus restos estariam sepultados ali, na zona<br />

sul do Rio de Janeiro.<br />

CORTA-CABEÇAS<br />

"O Iom Kipur, na casa de Alegria Zagury, era o mais extraordinário do rio Amazonas", afirma<br />

Isaac Serrulha. Ele chegou à cidade em 1916. Havia minyanim (quoruns) permanentemente,<br />

em Parintins. E as famílias mais im<strong>por</strong>tantes, observantes da lei mosaica, eram os Sayad ou<br />

Sayag, Serrulha, Zagury e Mendes (com a observação de que Mendes é a forma <strong>por</strong>tuguesa<br />

de Afriat. Segundo Moisés, todo Mendes é Afriat, todo Afriat é Mendes).<br />

A nobreza judaica dos marroquinos é baseada no número ou na im<strong>por</strong>tância de rabinos, de<br />

chachamim (sábios, eruditos) que se tenha entre os ancestrais.<br />

Moisés Mendes, aliás Afriat, nasceu em Parintins, em setembro de 1938. Seus pais eram<br />

Salomão Mendes, nascido no Rio Grande do Sul, e Simy Mendes, de Macapá, de solteira<br />

Pazuello. Seus avós paternos ele conheceu bem: Alberto Afriat, de Rabat, Sol Azulay, de<br />

Tanger. Ou seria de Casablanca ?<br />

Ele pode ter dúvidas quanto à cidade natal da avó, mas de suas histórias e aventuras, não.<br />

Moisés fala do que foi o anti-semitismo na região. Do saque ao comércio hebraico em Paraná<br />

do Ramo, em 1918. Ao comércio hebraico da barreira do Andirá. Das lutas em Boca do Lago<br />

do Paulo. Seu pai, Salomão, ainda era solteiro. Certa noite, teve de sair para fazer uma<br />

entrega. A mãe, avó de Moisés, Sol, ficou em casa, com o esposo, os filhos menores e a<br />

criadagem. Mais ou menos às três da manhã, perto de cem caboclos avançam. É o ataque. O<br />

pai, Alberto, sai para a primeira defesa. Recebe sete facadas e cai, parece morto. Dona Sol<br />

não teve dúvidas: armou-se com um terçado, um facão de 128 centímetros de lâmina e<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

colocou-se estrategicamente à <strong>por</strong>ta de sua casa-barracão. Um primeiro caboclo investiu, ela<br />

zap ! Cortou-lhe a cabeça.Mais um, e de novo zap !. E ainda mais uma vez, zap ! Três<br />

caboclos tiveram suas cabeças decepadas pela avó judia, na madrugada de Parintins. Os<br />

demais, assustados, fugiram.<br />

Alberto não estava morto. Curou-se das sete facadas. A família, bem como as outras famílias<br />

hebraicas da região, tratou de partir. Parintins, como Oriximiná e outros locais, não eram<br />

cidades para judeus. O rumo primeiro foi Óbidos, depois Juriti, finalmente Belém, Manaus<br />

- e às vezes, o regresso à Europa. E Parintins ? E Oriximiná ? "Decadentes", diz Moisés, com<br />

um sorriso amargo.<br />

A escritora Sultana Levy Rosenblatt, que vive hoje nos Estados Unidos, conta uma história<br />

iniciada em Muaná, na ilha de Marajó e completada em Belém.<br />

"Meu avô David tinha um barracão e um dia apareceu na Capital fora de época. "Por que viera<br />

? Vim <strong>por</strong> causa da safra. Safra, agora, que safra ? A safra do me ceda. Esta é a estação do<br />

me ceda, a grande safra. Me ceda um quilo de farinha, me ceda um quilo de arroz, me cesa<br />

querosene, me ceda aí um dinheirinho..."<br />

"Em realidade, ele deixou sua casa não para escapar somente `a safra do "me ceda", mas<br />

principalmente para evitar que a sua família ficasse exposta a um pogrom, que o povo<br />

chamava de "mata judeu".<br />

"Embora não fossem atacados fisicamente, as mulheres e as crianças se apavoravam tanto<br />

que adoeciam. Meu avô contava que o pânico começava de manhã ainda cedo, quando ele<br />

podia perceber, pela quietude em volta, que alguma coisa terrível estava para acontecer.<br />

Apressadamente, os donos do barracão escondiam as coisas mais valiosas. A mulher<br />

trancava-se no quarto com as crianças. O homem abria o Sidur (livro de rezas) e mergulhava<br />

nas orações. Quando o cão ladrava, o judeu preparava-se para o confronto.Os caboclos<br />

chegavam e atiravam-se com sanha à pilhagem. O dono da loja, mergulhado na leitura, fingia<br />

não se aperceber do que estava acontecendo".<br />

"Logo, <strong>por</strong>ém, que o assalto terminava, ele agradecia a Deus ter-lhe salvo a família, e<br />

procurava esquecer tudo".<br />

Escritor da Amazônia, Paulo Jacob, um não-judeu, conta em seu livro "Um pedaço de Lua Caía<br />

na Mata", Nórdica, 1990), a história da família Farah, Salomão e Sara, e seus filhos Jacó e<br />

Raquel, em Parintins. É ficção, claro, mas calcada na vida real. Muito parecida com as<br />

memórias de Sultana Levy.<br />

Salomão luta para preservar sua tradição judaica, enquanto o meio ambiente trabalha no rumo<br />

da assimilação.<br />

A história é contada em 46 capítulos, cada um deles com títulos alusivos ao calendário judaico:<br />

Iom Kipur, Bar Mitzvá, Tishá Beav, Halom Tob.<br />

Pode-se traçar uma analogia entre a luta familiar de Salomão, no coração do planeta<br />

amazônico, e o encontro dos rios Negro e Solimões, cujas águas correm paralelamente, sem<br />

misturar-se <strong>por</strong> quilômetros sem fim. A cultura judaica e a cultura amazônica, ali, têm contato<br />

direto e constante, andam lado a lado, tocam-se, reconhecem-se. Por fim, mesclam-se,<br />

inevitavelmente.<br />

ÓBID<strong>OS</strong><br />

Situada na margem esquerda do rio Amazonas, onde o rio é mais profundo, a cidade de<br />

Óbidos é um verdadeiro cartão postal. Lembra Ouro Preto, as cidades coloniais de Minas,<br />

Paraty, as paulistas Parnaíba e São Luís do Paraitinga. As ruas do centro histórico são<br />

calçadas de "pé de moleque", pedras irregulares. O casario, se não é de taipa, assemelha-se a<br />

esse material. Respira-se história em Óbidos.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Três famílias judaicas viviam em Óbidos, em 1983. José Jaime Belicha nasceu no sertão de<br />

Óbidos, em Paraná-Mirim, em 1916, "junto com as capivaras".<br />

Seus pais eram Marcos Belicha (Ben-Lichah, no documento marroquino) e Sarah Bittencourt<br />

Belicha. O pai era de Tanger, e veio ao Brasil em 1904, com o irmão, passando primeiro <strong>por</strong><br />

Belém, depois pelo Maranhão e até pelo Rio de Janeiro.<br />

Belicha tem im<strong>por</strong>tante comércio em Óbidos. Sua casa de negócios não é mais o barracão dos<br />

pais e avós, mas, na essência, é ainda o empório que vende de tudo. Claro, ele dá crédito ao<br />

caboclo e acerta as contas na colheita da castanha, da copaíba, da borracha.<br />

A esposa e suas duas filhas estão em Belém.Nesta altura dos acontecimentos, aliás, esta é<br />

uma regra geral para os judeus: os filhos ficam em Belém ou Manaus, os pais resistem no<br />

interior.Nas férias,a criançada vem para o interior. Quando crescem, <strong>por</strong>ém, preferem o Rio de<br />

Janeiro, São Paulo, o exterior. A médio prazo, a presença judaica está condenada em lugares<br />

como Óbidos, Santarém, Alenquer.<br />

O que não impede Belicha de sonhar e planejar. Acaba de adquirir uma maravilhosa casa<br />

vizinha à sua, onde viveu um judeu rico e de bom gosto.<br />

Belicha está reformando a casa. Não sabe se fará uma nova casa comercial ou um hotel -<br />

afinal, modernos catamarãs, barcos confortáveis com ar condicionado, serviço de bordo etc,<br />

trafegam hoje pelo Amazonas. Se eles pararem em Óbidos, na ida e na volta, um hotel<br />

moderno será, com certeza, um bom negócio...<br />

Quem faz companhia a Belicha é seu cunhado Isaac, que viveu sete anos em Jerusalém,em<br />

Ramot, e não vê a hora de regressar. Casado. Enquanto não volta, ele, que nasceu em Juriti,<br />

filho dos marroquinos Eliezer e Sara Benitah, pratica o "cooper" diariamente no beira-rio de<br />

Óbidos. "É pra não perder a forma", diz sorrindo, pensando nas necessidades da Tzavá<br />

(exército israelense).<br />

Vizinho de Belicha, Fortunato Chokron nasceu em Manaus, em 1940. Seu pai, Abraham<br />

Fortunato Chokron, nasceu em Tetuan. Sua mãe, Mary Assayag Chokron, é de Manaus, os<br />

avós de Tetuan.<br />

É orgulhoso que Fortunato abre o baú e de lá retira o documento firmado <strong>por</strong> Sua Majestade,o<br />

Imperador D.Pedro II, autorizando o avô Fortunato a residir e comerciar em terras brasileiras.<br />

O pai de Fortunato sempre trabalhou em Óbidos. Ele segue a tradição familiar. Possui uma<br />

usina de beneficiamento de castanhas, uma serraria e industrializa peixe congelado que é<br />

ex<strong>por</strong>tado para os Estados Unidos dali mesmo, de Óbidos. Fortunato explica que em Oriximiná,<br />

onde há muito ouro e bauxita, há uma renovação econômica. E ele tratou de instalar uma usina<br />

na pequena cidade, o que gerou um comentário otimista do prefeito: "até que enfim, um judeu<br />

volta para cá. Pode ser que Oriximiná, agora, se desenvolva".<br />

A vida dos Chokron foi sempre vivida em Óbidos. O pai de Fortunato viveu ali 60 anos<br />

redondos. Ele não planeja sair da cidade, mostra as suas belezas naturais,comenta as<br />

dificuldades e aponta o morro onde, há duzentos anos, os <strong>por</strong>tugueses colocaram canhões<br />

para a defesa da Amazônia contra as investidas espanholas. "Na Segunda Guerra, os canhões<br />

foram reativados para enfrentar a ameaça nazista", diz Fortunato. E conclui: "há muitos anos,<br />

os canhões foram doados à USP. Mas, ninguém sabe como removê-los daqui. Aliás, não dá<br />

para entender como eles conseguiram levá-los até em cima do morro".<br />

Óbidos foi cenário do filme de Werner Herzog, "Fitzcarraldo", de 1982, que contava a história<br />

de Brian Sweeney Fitzgerald, um irlandês obcecado pela idéia de construir um teatro de ópera<br />

em plena selva amazônica. A cena de uma multidão arrastando um barco montanha acima<br />

sugere bem o que pode ter sido o levar os canhões ao alto do morro. Seja como for, na vida<br />

real os canhões subiram - e se Fitzcarraldo não construiu sua ópera na selva, ela acabou<br />

surgindo, de verdade, em Manaus: o Teatro Amazonas, inaugurado no final do século 19, em<br />

31 de dezembro de 1896, com a apresentação de "La Gioconda", de Ponchielli.<br />

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<strong>OS</strong> HEBRAIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong> <strong>–</strong> <strong>por</strong> <strong>Henrique</strong> <strong>Veltman</strong> <strong>–</strong> março/2005 - www.veltman.qn.com 48


<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Como tem negócios em Oriximiná, Chokron fala do único judeu que lá ainda vive (em 1983), "o<br />

Benzaquen, nascido no Sapucaí, um homem forte, com dose dupla de fé. Vive completamente<br />

afastado do mundo hebraico, mas cumpre todas as mitzvot (obrigações religiosas), como meu<br />

pai fazia - sozinho. A única preocupação <strong>por</strong> toda a Amazônia é não ter quem lhe diga o<br />

"shemá" ("Escuta, Israel") na hora da morte".<br />

Os judeus de Óbidos chegaram a ter uma sinagoga. Depois, à medida que a comunidade foi<br />

diminuindo, os serviços transferiram-se para a casa de dona Ricca Hamoy, e é assim até hoje.<br />

Na realidade, só celebram junto o Kipur. "A casa de dona Ricca é relativamente afastada",<br />

explica Fortunato. Assim, os goyim não entendem bem o que acontece <strong>por</strong> lá...<br />

Remexendo no baú, Fortunato Chokron encontra um documento de Simão Benjó.<br />

Faz o comentário: era im<strong>por</strong>tante aviador de Belém, conhecido como o "pai dos judeus". "Tinha<br />

navio próprio e um imenso coração. Quem colonizou a Amazônia foi Simão Benjó, e isto até<br />

hoje não está registrado nos livros de istória...".<br />

Chokron é muito cuidadoso. Entre os seus guardados, o talit (xale de orações), os tefilin<br />

(filactérios) e o sidur marroquinos, de seu pai e de seu avô.<br />

Na casa (retirada) de dona Ricca Hamoy, um ambiente de serenidade e beleza.<br />

Ela nasceu em Alexandria, no Egito, em 1905. Em 1923, casou-se com Yomtob Hamoy,<br />

também de Alexandria, mas cujos pais eram sírios, de Alepo.<br />

"Troquei o Promenade des Anglais, em Alexandria, pela prainha, em Sapuquã, perto de<br />

Oriximiná. Vivi quatro anos em Faro, no limite do Amazonas. E desde 1930, vivo em Óbidos".<br />

Ricca Hamoy tem seis filhos, vinte e três netos, cinco bisnetos. "Não foi difícil viver na<br />

Amazônia", diz sorrindo. "Tudo era novidade, e afinal, o caboclo é mais gente que o<br />

muçulmano...".<br />

Dona Ricca explica melhor: os muçulmanos que conheceu, eram "mais bravos e menos gentís.<br />

Os caboclos são gente simples, amoráveis". O clima da Amazônia, ao contrário do que alguém<br />

pode su<strong>por</strong>, é agradável, "adorável mesmo". "Aqui se trabalha, não há muito tempo para<br />

diversão". O filho Max é vereador em Óbidos e detém um canal de televisão, o 7, TV Sentinela<br />

da Amazônia. Seu genro Jaime Elmescany, nascido em Óbidos, mas originário de Rabat, é um<br />

dos seus braços direitos. Outro genro, Claude Messody Jamany, é natural de Casablanca.<br />

Líder espiritual da pequena comunidade de Óbidos, dona Ricca reúne em sua casa,<br />

especialmente nos iamim noraim (os dias temíveis, que vão do Iom Kipur ao Rosh Hashaná),<br />

os hebraicos da região.<br />

Mas, se ela é feliz e diz que tudo é bom e bonito na região, o contrário é proclamado <strong>por</strong> uma<br />

estranha, bizarra figura, o ashkenaz (judeu europeu) Meyer Finkelstein, então com 80 anos de<br />

idade, polonês, madeireiro, que vive numa localidade difícil de ser apontada no mapa, no<br />

interior de Juriti, com o curioso nome de Nova Galiléia. Ali,Meyer possui 30 hectares de terra<br />

há oito anos, explora madeira e castanha, buscando trans<strong>por</strong>tar sua riqueza num pequeno<br />

caminhão de 1928. Praticamente sustentado <strong>por</strong> Choukron e Belicha, Meyer proclama que ali,<br />

onde vive, "é o verdadeiro campo de concentração nazista". Ele sonha em ganhar "dois<br />

milhões de dólares, o mínimo que precisa para não chegar em Israel com uma mão na frente e<br />

outra atrás".<br />

É im<strong>por</strong>tante registrar que Óbidos e Santarém, no oeste do Pará, são hoje (1999) o principal<br />

centro de contrabando de insetos e plantas da Amazônia para a Inglaterra, Suiça, França,<br />

Estados Unidos e países asiáticos. Essa atividade já levou à extinção milhares de espécies,<br />

revela o Ibama.<br />

Santarém, além disto, é o grande centro ex<strong>por</strong>tador de ouro da Amazônia - da ex<strong>por</strong>tação legal<br />

e, principalmente,do contrabando.<br />

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<strong>OS</strong> HEBRAIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong> <strong>–</strong> <strong>por</strong> <strong>Henrique</strong> <strong>Veltman</strong> <strong>–</strong> março/2005 - www.veltman.qn.com 49


DE FIAT, NA FLORESTA<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Num Fiat 147 disfarçado de táxi, resolvemos enfrentar uma viagem de duas horas e meia até<br />

Alenquer, outra cidade do Amazonas onde, segundo nossos informantes de Belém, "não há<br />

mais judeus".<br />

É uma viagem, no mínimo, empolgante. A mais de 120 km horários, o Fiat voa <strong>por</strong> um caminho<br />

de terra apelidado de estrada. Macacos, saguis, araras, periquitos, cobras, caititus, espiam<br />

assustados durante todo o tempo. Num certo momento,o carro precisa ser trans<strong>por</strong>tado de<br />

balsa,pelo rio Curuã-Una.<br />

E às 11 horas de uma manhã especialmente quente, chegamos a Alenquer.<br />

A cidadezinha é feia.Não há árvores, o caboclo ali odeia o verde que o cerca e sufoca. Na<br />

cidade, pois, ele não dá tréguas: as árvores inexistem e o calor assume pro<strong>por</strong>ções<br />

extraordinárias.<br />

Por onde começar o garimpo de hebraicos ?<br />

Descemos uma rua, chegamos ao cais e o impulso nos conduz a uma casa baixa, muitas<br />

janelas, uma placa à <strong>por</strong>ta: "Esta é a residência de Abrahão Fima e família. Alenquer, 1967".<br />

A <strong>por</strong>ta está aberta e um caboclo lê, vestido apenas de short. Batemos palmas, pedimos<br />

licença. Somos calorosamente recebidos. O que procuramos, hebraicos ? Pois já encontraram.<br />

Abraham Fima é falecido e a viuva está em Manaus. Mas,os filhos, caboclos, sabem de tudo.<br />

Abraham era filho de Rachel e Jacob Fima, ambos de Tanger. Nasceu em 1909, chegou ao<br />

Brasil em 1930, faleceu em 1972. A esposa não era judia,"não havia hebraicas em<br />

Alenquer",explica o filho Max Diniz Fima, que <strong>por</strong> sua tez escura é conhecido na cidade como o<br />

"judeu preto". Abraham era judeu praticante e culto. Nas diversas reuniões dos clubes de<br />

serviço da cidade, tipo Lions e Rotary, era ele quem, em nome da comunidade hebraica,<br />

apresentava e defendia os pontos de vista dos israelitas. Foi um homem im<strong>por</strong>tante e<br />

conhecido, que sabia como era vã a glória do mundo. Tanto que não teve dúvidas, ele próprio<br />

mandou fazer e colocar a placa na <strong>por</strong>ta de sua casa. Porque não há ruas ou escolas em<br />

Alenquer que lembrem o seu nome.<br />

Teve cinco filhos, Jacob Diniz, José Diniz, Jackson, Carlos Alberto e Rachel. Três desses filhos<br />

retornaram ao judaismo, mudando-se para Manaus e integrando-se ao ishuv (comunidade)<br />

local. Jacob, em Alenquer, herdou o patrimônio do pai e toca os negócios da família. Seu<br />

"feeling"judaico é extraordinário. Sente-se judeu, arranha alguma coisa em hakitia e guarda<br />

com grande zelo os sidurim e os livros do pai.<br />

É o próprio Jacob quem nos conduz a outros hebraicos de Alenquer, especialmente Ruth<br />

Athias, ex-professora e alta funcionária do Banco do Brasil. Enquanto aguardamos Ruth, Jacob<br />

nos conta que até a morte do seu pai, os judeus de Alenquer reuniam-se na casa do "seu"<br />

Shalom. Em Belém, ele e Jacob freqüentavam as duas sinagogas e o Grêmio Azul e Branco.<br />

Jacob jejua no kipur e coloca, quando pode, os tefilin. Seu pai Abraham passou 30 anos sem<br />

sair de Alenquer.<br />

Ruth Athias nasceu em Alenquer em 1950. Era filha de Jacob Amram Athias e de Aduzinda<br />

Coelho Athias. Tem dois irmãos, Rubens e Noemi. Sabe que o pai veio do Marrocos francês e<br />

viveu, a partir dos 12 anos, numa olaria em Oriximiná.<br />

Foi casado duas vezes: do primeiro casamento teve dois filhos, um dos quais vive no Rio.O<br />

outro, Jonathas Athias, falecido há alguns anos, foi Secretário de Educação do Estado do Pará.<br />

Ruth sempre procurou fazer o jejum do Kipur, "sem muito sucesso". Mas, fala com carinho de<br />

Pessach (Páscoa), do matzá (pão ázimo) e do vinho casher (ritualmente puro). Ela se<br />

corresponde regularmente com o primo Yehuda Athias, que vive em Haifa, e mostra com<br />

orgulho o bronze comemorativo da Guerra dos 6 Dias. Ela demonstra claramente que se<br />

envaidece da origem judaica e não precisaria de muito esforço para retornar ao judaísmo<br />

praticante.<br />

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BENZAQUEN<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Na mesma Alenquer, uma figura extraordinária: Ambrósio Benzaquen. Seu avô "foi vizir na<br />

corte do sultão de Marrocos". Seu pai, David Benzaquen, um chacham que enriqueceu no<br />

Brasil.A mãe, uma cabocla chamada Maria Nepomucena Rodrigues. Ele nasceu em<br />

Barreirinha, no Amazonas, em 1913.<br />

"Viveram ajuntados 18 anos", conta Ambrósio.<br />

Tiveram cinco filhos (Fortunato, Rachel, Amélia,<br />

Rafael e Ambrósio), separaram-se em 1922. E<br />

<strong>por</strong> que ?<br />

"Papai conheceu, em 1922, uma moça judia.<br />

Casou com ela. Não quís nos desamparar, mas<br />

mamãe ficou furiosa e não quís aceitar o<br />

"arranjo" que ele propôs".<br />

Ambrósio teve dez filhos, 56 netos, 4 bisnetos.<br />

Vive numa maloca de Alenquer, onde fabrica<br />

vassouras. Antigamente, trabalhava para Isaac<br />

Hamoy, de Óbidos, na comercialização de<br />

castanhas.<br />

A família Benzaquem, em Alenquer<br />

"Meu pai era um homem rico,tinha 17<br />

"negócios". E muitas canoas de regatão. Tinha um empregado, Clodoaldo, cuja única função<br />

era nos levar a passear pelo rio". Benzaquen lembra com detalhes a figura do primo David Zara<br />

Benzaquen, a quem chamava de tio, e que era o responsável pelas festas.<br />

Faziam Sucot (festa das cabanas) , Pessach (Páscoa), jejuavam no Iom Kipur.<br />

Ambrósio sabe que teria direito a uma parte da herança do pai, casado em Parintins com uma<br />

judia da família Mendes. Mas não é homem de brigar <strong>por</strong> essas coisas, "especialmente nesta<br />

fase da minha vida", resmunga.<br />

A BELÉM JU<strong>DA</strong>ICA<br />

Para o então presidente do Centro Israelita de Belém, a comunidade local está resumida a 250<br />

famílias, umas mil almas. O rabino Hamu foi mais radical, acha que não há mais do que 660<br />

judeus 'de verdade". Como já foi registrado, a comunidade dispõe de duas sinagogas, as mais<br />

antigas do Brasil, Essel Avraham (Bosque de Abraão) e Shaar Hashamaym (Porta dos Céus).<br />

Uma é a dos judeus de Belém, ligados às casas aviadoras - <strong>por</strong>tanto, a dos "ricos". A outra,<br />

Eschel Avraham, da rua Campos Sales, é a dos "pobres", dos que viviam nossítios e barracões<br />

ao longo dos rios...<br />

Essas colocações não têm mais nenhuma razão de ser, hoje em dia. Não há mais essa divisão<br />

na comunidade. Não há judeus ricos, na acepção mais nítida do termo. Há pobres, geralmente<br />

remediados. Reza-se de manhã numa das sinagogas e à tardinha na outra. O shabat é<br />

celebrado em Shaar Hashamaym. O reduto mais fechado da comunidade pratica um judaísmo<br />

cativante e emocionante. Não é tanto uma prática religiosa, mas uma forma de ser. A<br />

obediência à cashrut, aos preceitos alimentares, não chega a ser um peso, mas uma defesa. A<br />

sinagoga cumpre a função básica de reunir os judeus. É onde, todos os dias, as pessoas se<br />

encontram "e rendem graças a Deus". A Shaar Hashamaym foi erguida em 1824, obra de<br />

Judah Eliezer Levy.<br />

O rabino Hamu, de tempos em tempos, promove a matança ritual de gado, no matadouro<br />

municipal. É auxiliado sempre <strong>por</strong> um jovem, e os preceitos adquirem uma consistência maior.<br />

Na verdade, toda a comunidade de Belém vive um cotidiano essencialmente judaico.Vai-se à<br />

sinagoga, de manhã bem cedo, antes do trabalho, para rezar e para estar com os patrícios.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Volta-se à sinagoga, ao entardecer, para rezar e conversar com os patrícios. A sinagoga, mais<br />

que um recinto religioso, é um centro comunitário, onde a tradição se mantém e os valores são<br />

transmitidos pelo exemplo.<br />

Quem cuida do açougue é Shalom, que viveu em Israel e lutou em várias guerras. Ele se sente<br />

mais feliz e mais judeu em Belém.<br />

Para Isaac Barcessat, então presidente do Centro Israelita, o que trouxe os judeus à Amazônia<br />

foi a atração do El-Dorado. As histórias mirabolantes das fortunas realizadas em semanas ou<br />

meses.<br />

O pai de Isaac, Moisés, chegou ao Brasil com 14 anos e se estabeleceu em Ituquara, no sítio<br />

que recebeu o nome de "Doce Laranjal".<br />

Na verdade, a atração da fortuna fácil deve ter sido um fator im<strong>por</strong>tante na vinda dos judeus<br />

marroquinos. Não foi a única, mas foi a principal.Por trás dessa emigração semi-organizada,<br />

estavam interesses comerciais ingleses, razoavelmente apoiados economicamente <strong>por</strong><br />

algumas famílias estabelecidas em Belém e no Rio de Janeiro, que viram, no terreno fértil das<br />

agitações que sacudiam Tanger e Tetuan, mão de obra abundante, barata e de confiança.<br />

"Doce Laranjal" ficava próximo de Breves, cidade onde viviam algumasfamílias hebraicas,<br />

quando Barcessat chegou: Athias, Roffé, Zagury, Sarrafe,Farat, Lancry, Gabbay. Nem sempre<br />

se fazia o minyan, mas se respeitava o Iom Kipur. Na Páscoa, na impossibilidade de se realizar<br />

o seder (a céia tradicional) ao menos não se comia hametz (alimentos fermentados) e<br />

fabricava-se o vinho cerimonial, a partir de passas.<br />

NAHON E BIBICO<br />

Manassé Nahon descende, em linha direta, de dirigentes espirituais da comunidade de Tetuan.<br />

Ele nasceu em Belém, em 1933, filho de José Manassé Nahon e de Esther Namir Nahon. O pai<br />

foi, toda a sua vida, comerciante em Belém do Pará, morreu no Rio de Janeiro. Ele, Manassé,<br />

teve duas irmãs, Messody e Julia. É casado com Ieda Nahon e tem cinco filhos, José Maurício,<br />

Ester, Hugo, Emanuel e Max. Seu pai, em homenagem à mãe, Julia, mandou construir em<br />

Belém uma Vila, a Vila Julia Nahon, onde residem até hoje judeus menos afortunados. Como<br />

Bibico, <strong>por</strong> exemplo. Que trabalhava,"antigamente, na Sociedade Israelita. Depois que fiquei<br />

ruim da vista, nãopude fazer mais nada. Não posso andar sozinho na rua, nada'. Ele tem 76<br />

anos e lembra dos tempos em que havia festas no Centro Israelita, quando se ocupava da<br />

limpeza. Bibico é de Belém mesmo, nascido no Mosqueiro. Sua mãe era de Tanger, o pai de<br />

Santarém. Bibico, na verdade Issachar Azulay, lembra com dificuldade do sobrenome da mãe,<br />

Ester Bensayad. Mas se recorda do seu "serviço" na Chevra Kadisha: "Quando tinha alguém<br />

mal, pra morrer, eu ia tomar conta até a hora de expirar. Eu rezava". Bibico lembra das rezas,<br />

do "shemá". Se emociona ainda mais com o "Shir Hashirim" que aprendeu com o pai, na<br />

sinagoga. Sultana, sua vizinha de Vila, ocupa-se de cumprir "mitzvot"na Chevra Kadisha de<br />

Belém. É ela quem prepara os corpos das mulheres falecidas.<br />

O general Isaac Nahon é de Belém, dessa tradicional família judaica. Na sucessão do General<br />

Costa e Silva, foi um dos três militares de alta patente cogitados pelo Comando da Revolução,<br />

para ocupar a presidência da República - que acabou sendo conquistada pelo General Emílio<br />

Garrastazu Médici.<br />

O General Nahon foi comandante do Exército da Amazônia.<br />

SIONISMO<br />

Se as lembranças de Bibico são repletas de religiosidade, e as de Sultana, amargas - "as<br />

pobres moças que já passaram pelas minhas mãos, no triste ritual da morte", as recordações<br />

de dona Anita Levi Soares são as melhores possíveis. Dama autêntica da mais refinada<br />

aristocracia hebraica do Amazonas, seu pai, o Major Eliezer Moisés Levi foi duas vezes prefeito<br />

de Macapá e uma vez prefeito de Afurá. O irmão Moisés Eliezer Levi foi prefeito de Igarapé<br />

Mirim. Anita conta, com orgulho, que a sua família, originária de Tanger, tem cinco gerações<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

nascidas em Belém. Sua avó casou aos 13 anos, com um esposo de 25. "Ela morria de ciumes<br />

dele. Tiveram sete filhos. Eliezer Levi fundou o jornal "A Voz de Israel"e, já em 1922, era o<br />

principal líder sionista do Pará. O fato merece uma análise na medida em que, no contato com<br />

a comunidade belenense, hoje em dia, há uma procura de minimizar o sionismo. "Para nós",<br />

diz um destacado dirigente, "judaísmo é maneira de viver, é religião, é fé". Sem dúvida, mas<br />

<strong>por</strong> comodismo ou lá o que seja, busca-se escapar do nacionalismo judaico. Daí o espanto de<br />

encontrar nas comemorações do Primeiro Centenário da Independência do Brasil, em 1922,<br />

reproduzido no jornal "A Provincia do Pará", uma foto do carro alegórico e a legenda: "A<br />

Palestina livre no Brasil independente".<br />

Anita Levi vestida de azul e branco, o pai Eliezer descrito como "o fundador do sionismo no<br />

Pará" e a referência à Escola Israelita Dr.Weizzman !<br />

A atuação do major Levi no Amapá foi amplamente destacada pela imprensa paraense e<br />

brasileira ao longo dos anos. Realizou muitas obras de engenharia, na região, inclusive o<br />

indispensável trapiche de Macapá, que leva justamente o seu nome.<br />

O irmão de Anita, já falecido, engenheiro Judá Levi, construiu o primeiro edifício de concreto<br />

armado de Belém. Foi ele ainda que concluiu as obras da sinagoga Shaar Hashamaim e traçou<br />

a planta da sinagoga de Manaus.<br />

De uma beleza serena e altiva, Anita Levi gosta de lembrar que fundou, com o primo David<br />

José Perez, o Deborah Clube, só de moças, embrião das Pioneiras e da WIZO. Seu primo,<br />

Isaac Soares, é o mais conhecido colunista social da cidade, escrevendo em O Liberal.<br />

E se chegamos à "aristocracia" judaica de Belém, é hora de falar de Leão e Isaac Israel, o<br />

primeiro nascido em 1917, o segundo em 1922. Os pais foram professores de hebraico e<br />

religião em Belém.Os avós paternos vieram de Gibraltar, os maternos de Marrocos.O avô<br />

paterno, especialmente,Leão Israel, era um judeu extremanente religioso e foi quem deu os<br />

primeiros passos no sentido da organização da comunidade como kehilá (congregação). Ele<br />

fundou a Chevra Guemilut Hassadim, comprou e organizou o velho cemitério da rua<br />

José Bonifácio e apoiou, encontrando alojamento e fornecendo até gêneros de primeira<br />

necessidade, os imigrantes, à medida em que chegavam. Era para a casa de Leão Israel que<br />

vinham as crianças do interior, para receberem educação judaica numa forma primária de<br />

escola. A firma Israel & Cia., foi uma das mais im<strong>por</strong>tantes da colonização. Uma bisneta de<br />

Leão Israel, Sol Ester, serviu com destaque ao exército de Israel.<br />

PARENTESCO<br />

A maioria dos judeus de Belém não conhece, ou não quer conhecer, o destino dos seus<br />

parentes mais ou menos próximos, que vivem <strong>por</strong> toda a Amazônia.Os que sabem da<br />

existência de muitos hebraicos ao longo das vilas e cidades ribeirinhas, preferem não se<br />

aprofundar no assunto. Até <strong>por</strong> que, do ponto de vista legal, da halachá (lei talmúdica) não são<br />

judeus.<br />

Para aqueles que consideram a religião como seu traço singular, é difícil descobrir laços muito<br />

próximos de parentesco com convertidos a outras religiões.<br />

Nada obstante, nos últimos anos, é muito comum que surjam nas sinagogas, especialmente<br />

nos sábados e nos dias festivos, jovens caboclos razoavelmente vestidos, com uma maleta nas<br />

mãos. São os "primos" que vão fazer exames vestibulares na capital, e procuram, é claro, o<br />

apoio de seus parentes. De um modo geral, são bem acolhidos.<br />

Do ponto de vista social e antropológico, o que se encontra é surpreendente.Um cálculo<br />

tranquilo, feito pelo rabino Hamu, nos dá uma cifra extraordinária: 50 a 60 mil descendentes de<br />

hebraicos ! Metade de TO<strong>DA</strong> a população judaica do Brasil de hoje. E o que é mais<br />

interessante: em sua maioria, sabendo de suas origens e buscando alguma forma de retornar<br />

ao seio da família hebraica...<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Já o professor Samuel Benchimol acredita que os judeus-caboclos da Amazônia passem de<br />

trezentos mil !<br />

Passeando pelo mercado tradicional de Belém do Pará, o Ver-o-Peso, o rabino Hamu é<br />

saudado <strong>por</strong> todos os populares e freqüentadores do lugar.<br />

- Rabino, macumba funciona ?<br />

A pergunta é feita <strong>por</strong> <strong>Henrique</strong> Goldman, que dirigiu em 1990 o documentário da TV italiana<br />

sobre os hebraicos da Amazônia.<br />

- Macumba, se a pessoa acredita, funciona.<br />

Numa tenda de "milagres" vendem-se genitálias de boto, ervas e garrafadas. O rabino pergunta<br />

à cabocla:<br />

- Você tem macumba pra fazer um amor voltar ?<br />

Ela diz que sim, o rabino concorda.<br />

- Você tem macumba pra melhorar o humor de uma pessoa ?<br />

Ela diz que sim, o rabino concorda.<br />

- E macumba pra ganhar dinheiro ?<br />

Ela ri, desconversa. Não, não tem macumba pra ganhar dinheiro.<br />

Hamu nasceu no início do século, num sítio entre Baião e Mocajuba, às margens do baixo<br />

Tocantins. Ele estudou na França, onde formou-se rabino.<br />

Mas sempre foi um apaixonado pela Amazônia, suas lendas e tradições. Falando de Tucuruí,<br />

no baixo Tocantins, onde se construía então a mega usina hidrelétrica, Hamu lamentava que<br />

as águas do rio iriam fazer submergir sítios arqueológicos im<strong>por</strong>tantes.<br />

"Na Biblioteca Nacional, no Rio", contava Hamu, "está um documento que registra a existência<br />

de uma grande povoação, muito antiga, sem sinal de moradores, a provável cidade perdida dos<br />

Muribeca, com suas minas de ouro e prata".<br />

O documento existe, realmente, é a "Relação Histórica de huma occulta, e grande Povoação<br />

antiquíssima sem moradores, que se descobriu no ano de 1753". O documento está registrado<br />

sob o número 512, e seria o relato de um explorador de nome Muribeca, que teria encontrado<br />

riquezas extraordinárias na região. Só que, preso pelas autoridades da época, esse Muribeca<br />

jamais revelou o caminho até as minas.<br />

Mas Hamu afirmava que, garoto, várias vezes passou <strong>por</strong> lugares onde havia ruínas de casas<br />

coloniais , ruas largas, minas abandonadas. "As águas do Tocantins, agora, cobrem tudo".<br />

PESSACH EM BELÉM<br />

Não posso deixar de reproduzir aqui um trecho de uma excelente crônica de Sultana Levy<br />

Rosenblatt, escritora paraense que vive hoje nos Estados Unidos, sobre suas lembranças de<br />

um Pessach, na casa paterna. Conta ela: "Nossa mesa de jantar era enorme, sempre com<br />

comensais adventícios, e nas noites de Pessach toda a parentela que não sabia rezar a<br />

Hagadah, acorria para a nossa casa".<br />

"O café da manhã, então, para compensar a falta de pão, tinha uma variedade de iguarias. A<br />

criançada detestava a matzá, geralmente dura e sem sal. Havia bolos de macacheira,<br />

tapioquinha, canjica e, infalivelmente, arroz doce, que no primeiro dia era devorado, no<br />

segundo, comido com menos gosto e, nos últimos, intocado. A semana parecia sem fim. Na<br />

rua não se podia sequer beber água. Nunca se desejava tanto sorvete e gulodices".<br />

"Até que chegava, depois da espera infinita, o dia de Mimona. Era a festa de nosso pai. Cedo<br />

ele ia ao mercado e voltava sobraçando ramos de rosas. Nós fazíamos, o dia todo, doces que<br />

não levavam trigo, "olhos de sogra" e frutinhas de castanha que eram penduradas em ramos<br />

de pintagueira decorando o centro da mesa. Ao meio dia, o trigo entrava em casa. Os pães<br />

chegavam entre aclamações, à tardinha. Mas não podiam ser tocados. Eram pães grandes,<br />

redondos, que iam para a mesa reinando entre símbolos - um jarro com leite (paz), um peixe<br />

cru (abundância), um prato com trigo e, sobre o trigo, cinco ovos e moedas de ouro<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

(prosperidade), uma vasilha com trigo fermentado (que quanto mais subisse, melhor seria o<br />

próximo ano), um vaso com mel, e folhas aromáticas (em geral, hortelã) espalhadas sobre a<br />

toalha, representando a doçura e o perfume da vida. Meu vinha já noite fechada,<br />

"cheteneando", trazendo dúzias de brancos merengues, e a mesa estava pronta para Mimona,<br />

linda, bem arrumada, cheia de encantadoras superstições. A casa, de janelas e <strong>por</strong>tas abertas,<br />

toda iluminada, cheia de flores. Aguentavamos a vontade de comer pão até que meu pai<br />

fizesse as respectivas orações. Nos doces não se tocava enquanto as visitas não chegassem.<br />

As visitas eram sempre grupos alegres de homens (as mulheres ficavam em casa) que saíam<br />

para cumprimentar parentes, amigos e entravam em algazarra, cantando, "a Mimona, a<br />

Shalona". Faziam votos de prosperidade em haquitia: "Ciento nueno, ciento viejo, ciento para<br />

los ainihins"... Só brincadeira. Assim era Pessach sefardita em Belém do Pará".<br />

(Sultana Levy foi considerada <strong>por</strong> Dalcidio Jurandyr como a mais im<strong>por</strong>tante revelação da<br />

literatura brasileira, no início dos anos 50)<br />

SANTARÉM<br />

Em Santarém, segunda cidade em im<strong>por</strong>tância do Pará, os Bemerguy já deixaram de ser<br />

judeus. Raimundo Eros Bemerguy, nascido em Itaituba,em 1934, tem uma vaga lembrança do<br />

avô, descrito como rabino.Já seu irmão mais velho, Elias, nascido em Anajás, em 1907, tem<br />

lembranças muito nítidas. Conta que viveu em Itaituba, dos 5 anos até 1928, quando se<br />

transferiu para Fordlândia.<br />

Registra que eram, ao todo, 16 irmãos, e que o pai, Vital, "sempre seguiu a religião judaica'.<br />

Sua irmã Ester também, casando-se com Isaac Mendes. Elias lembra de mais detalhes: seu<br />

pai foi casado três vezes: a primeira, ainda em Tetuan, daí nascendo três filhos; do segundo<br />

casamento, teve 13 filhos. O terceiro casamento durou até a sua morte. Vital prescrevia ervas e<br />

remédios homeopáticos, realizava casamentos dentro do rito e batizava."Meu pai era meio<br />

rabino". Até 1919, o comércio em Itaituba era inteiramente judaico.<br />

Em Santarém,ainda, Flávio Flamarion Serique, deitado na rede e lambendo os beiços com um<br />

sorvete de graviola, mostra que tem boa memória. Ele nasceu em 22 de dezembro de 1899,<br />

em Boim, distrito de Santarém. Seu pai era Júlio Serique, nascido em Tanger e que chegou a<br />

Boim aos 17 anos. Foi casado duas vezes, a primeira com a judia Ester Azancor Serique, a<br />

segunda com a católica Umbelina Ferreira Serique, natural do Crato, Ceará. Com a primeira<br />

mulher, teve seis filhos, "todos judeus conforme a Lei": José, Moisés, Israel, David, Simi e Rica.<br />

Com a segunda, Elias Garibaldi Serique, Flávio Flamarion Serique, Daniel Cristovão Serique e<br />

Carlos Fernandes Serique, Coronel do Exército.<br />

Flávio foi seringueiro, lavrador, empregado e, aos 22 anos, entrou para o exército, onde seguiu<br />

carreira. Ele se recorda bem dos amigos do pai, especialmente Jacob Cohen, Abrahão Cohen,<br />

Abraão Benaion, Abrão Serrulha, os Azulay, os Benchimol. Flávio sabe, inclusive, que a<br />

pronúncia correta do seu nome Serique é Echerique. "Meu pai, conta ele, era o chacham, uma<br />

espécie de rabino, que atendia a todos em nossa casa. Até os 90 anos, rezava de cor e<br />

cumpria diariamente os preceitos". Flávio lembra que, um dia, seu pai foi até a pista de vôo de<br />

Santarém para, literalmente, tirar Jacob Serruya de um avião, para completar um minyan: era<br />

necessário para o enterro de Jayme Assayag.<br />

O que não aprendeu com o pai, Flávio aprendeu com a prima, Sol Nahmias, nos 12 anos em<br />

que viveu em Belém. "Com ela, aprendi a meldar (rezar)". No período em que viveu no Rio de<br />

Janeiro, Flávio contribuía para a Sinagoga da União Shel Guemilut Hassadim (a mais antiga do<br />

Rio, de 1848, em Botafogo).<br />

Ele nos repete brachot (bençãos) com pronúncia perfeita. Os filhos de Flávio não comem carne<br />

de <strong>por</strong>co ou peixe sem escamas. Foi casado duas vezes.<br />

Do primeiro casamento, não teve filhos. Do segundo, com Olindina Castro Serique, teve oito<br />

filhos, todos com curso superior. Faz política em Santarém, vereador em várias legislaturas. Ele<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

conta, com detalhes, a dramática história de Jacob Cohen, homem que foi extremamente rico e<br />

poderoso, e que se arruinou <strong>por</strong> completo, "tornando-se vegetariano <strong>por</strong>que não tinha dinheiro<br />

para comprar carne". Conta como ele ajudou Jacob a se recuperar, com o apoio também de<br />

um cunhado da Argentina. No fim da vida, Jacob voltou a arruinar-se. Flávio Serique "tem<br />

pavor de padre" e guarda curiosas lembranças do interventor Barata (Magalhães Barata), de<br />

quem foi amigo e adversário político. "Se o Barata fosse vivo", comenta ele a propósito das<br />

eleições, "os padres que apoiaram o PMDB estariam todos na cadeia"...<br />

O sobrinho de Flávio, Rui Serique, é filho do hebraico Moisés Julio Serique, e da católica Ana<br />

Sirottheau Serique, ambos de Santarém. Ele se lembra do pai, comemorando as "páscoas" em<br />

casa de David Azulay e faz questão de recordar que ele morreu "dentro do rito". Rui lembra<br />

ainda, brincando, que quando era criança, "furava" o Iom Kipur, roubando (e comendo)<br />

galinhas, para desespero do pai.<br />

Quando terminou a Guerra de Secessão, nos EUA, americanos insatisfeitos com a derrota para<br />

os nortistas emigraram para o Brasil, onde se estabeleceram em duas cidades: Americana, em<br />

São Paulo, e Santarém, em Belém do Pará.<br />

Descendentes daqueles americanos, na Amazônia, protestantes, aproximaram-se dos<br />

hebraicos, até <strong>por</strong> afinidade de minorias discriminadas. Não foram raros os casamentos entre<br />

judeus e americanos, e muitos de seus descendentes até hoje vivem em Santarém, onde os<br />

rios Tapajós e Amazonas correm paralelamente, sem se misturar, e o tucunaré é o rei dos<br />

peixes.<br />

FORDLÂNDIA<br />

Numa pequena habitação de madeira, em<br />

Santarém, logo depois do cemitério, vive Olga<br />

Cohen. Ela nasceu em Fordlândia, em 1932, filha<br />

de Jacob Salomão Cohen e de Joaquina Moura<br />

Cohen, ele de Tanger, ela de Portugal.<br />

Os pais de Olga e mais os tios Fortunato e<br />

Abrahão vieram para Aveiro, onde se<br />

estabeleceram <strong>por</strong> muitos anos. A primeira esposa<br />

de Jacob morreu no parto,deixando oito filhos. Do<br />

segundo casamento, nasceram nove filhos, entre<br />

Fordlândia hoje casa dos engenheiros<br />

eles Olga. Ela, <strong>por</strong> sua vez, casou-se, teve quatro<br />

filhos e logo separou-se, "<strong>por</strong> questões de religião".<br />

O filho mais velho trabalha em Alenquer, numa<br />

oficina mecânica, Salomão Cohen Neto. O segundo é gerente do Banco da Amazônia, em<br />

Rurópolis, Samuel Cohen Neto. Sergio Jacob Cohen Neto estuda e Sandar Suely Cohen Neto<br />

é casada com o dono da Padaria Progresso, em Santarém.<br />

A casa de Olga é simples, despojada. Mas a pose é de grande dama. Olga fala com firmeza e<br />

orgulho. Não gosta da palavra sacrifício, mas dedicou a vida aos filhos. E deles teve todas as<br />

satisfações. Não tem queixas. Quando o pai faleceu, Manassé Nahon e o filho mais velho de<br />

Fortunato Serruya lavaram o corpo com água de alfazema, costuraram a mortalha e o<br />

sepultaram de acordo com o rito mosaico. "Manassé e o filho dos Serruya estavam do meu<br />

lado e disseram o "shemá". Estou tranqüila".<br />

O que diz a halachá a respeito de Olga Cohen ?<br />

Ao longo da história, o processo de desenvolvimento da Amazônia foi caracterizado pelo ritmo<br />

irregular da colonização, fruto de ciclos exploratórios: o período áureo da borracha, <strong>por</strong><br />

exemplo, gerou em 1928 a fundação de Fordlândia, onde se pretendeu cultivar racionalmente a<br />

seringueira. O projeto de Henry Ford fracassou, suas ruínas são hoje visitadas <strong>por</strong> turistas<br />

interessados em conhecer uma verdadeira cidade-fantasma. O nome, hoje, é Belterra - o da<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

principal fazenda da Ford, e onde viveram dezenas de hebraicos, com sua escola, cemitério e<br />

sinagoga.<br />

Fordlândia ou Belterra, como é conhecida hoje, é uma cidade parada no tempo. Um lugar onde<br />

a selva amazônica ameaça engolir as belas casas da década de 20, o velho hospital, o <strong>por</strong>to e<br />

a imensa caixa d'água, símbolo do poder da Ford no ciclo da borracha. Mas sua população<br />

ainda luta contra o esquecimento e, todos os dias, realimenta as lembranças de uma era de<br />

ouro.<br />

Localizada a 12 horas de barco de Santarém, no Pará, e praticamente perdida no meio da<br />

mata, a cidade foi sede de um projeto ambicioso de Henry Ford, criador da multinacional<br />

automobilística e um dos maiores consumidores de borracha no mundo. Em 1928, ele escolheu<br />

o lugar para o cultivo de cerca de 1,5 milhão de seringueiras.<br />

O projeto era tão ambicioso que Ford implantou um padrão de qualidade de vida compatível<br />

com qualquer cidade dos Estados Unidos. Em uma época que água tratada e energia elétrica<br />

eram raridade mesmo em grandes cidades brasileiras, Fordlândia era um oásis de<br />

modernidade. Possuía hospital, escolas, telégrafo, telefone e até cinema.<br />

Fordlândia/Belterra está parada no tempo. A cidade chegou a ser quase um Estado americano<br />

em plena selva, até suas leis eram as mesmas dos Estados Unidos. Além disso, abrigou 6 mil<br />

moradores. Hoje, cerca de 800 pessoas vivem lá, aproveitando benfeitorias realizadas há mais<br />

de 70 anos.<br />

Em 1947, um fungo pôs fim ao progresso de Fordlândia. Como as mudas de seringueiras<br />

tinham sido trazidas da Ásia, as espécies não estavam preparadas para reagir aos fungos<br />

brasileiros e lavoura foi toda destruída.<br />

Assim, a Ford entregou Fordlândia para o governo brasileiro e transferiu o projeto para outra<br />

cidade do norte do País.<br />

Mesmo sem função, Fordlândia resiste. As poucas pessoas que ficaram são, na maioria,<br />

aposentados, que vivem literalmente de lembranças. Dona América, de 87 anos; Bispo, de 91;<br />

Dona Olinda, de 89, e vários outros, contam essa história que ainda não terminou.<br />

Percorremos as ruas da cidade, chegamos à Vila Americana, onde os técnicos norteamericanos<br />

moravam. Sobraram poucas casas da época. Em uma das que ainda resistem,<br />

encontramos uma bandeira dos Estados Unidos quase destruída pelo tempo.<br />

ITACOATIARA<br />

"Terra que não tem judeu, acaba", sentencia Chunito. É o apelido de Rubens José Ezague, 74<br />

anos, o último judeu de Itacoatiara. Em 1980, ele deixou a cidade, transferindo-se para<br />

Manaus. Vive e trabalha num bar típico do Amazonas, um barraco de madeira, onde se bebe<br />

cerveja, petica-se, joga-se dominó e aceitam-se apostas do jogo do bicho. Chunito nasceu em<br />

Itacoatiara em 1909. Nos bons tempos, dedicava-se ao comércio, viajando com o seu regatão<br />

pelo interior. Ele lembra que havia minyamim, antigamente, na casa<br />

de Ester Ezague, sua prima. E como todos os que um dia viveram ou tiveram negócios em<br />

Itacoatiara, ele lembra, com saudades, de Isaac Leon Peres. Que foi uma figura, sem dúvida.<br />

Irmão de David José Peres, o intelectual que editou, em 1916, o primeiro jornal judaico em<br />

língua <strong>por</strong>tuguesa - A COLUMNA -, Isaac foi eleito Prefeito de Itacoatiara. E a vila, que não<br />

passava de um barranco, transformou-se, sob a sua administração, numa bela cidade,<br />

moderna e ativa. Está na memória de todo o Amazonas.<br />

O filho de Isaac formou-se em Paris, em química industrial. Na viagem de regresso ao Brasil,<br />

contraiu febre amarela e morreu. Não havia cemitério judaico em Manaus; ele o conseguiu das<br />

autoridades. O túmulo de seu filho é o primeiro que se encontra, quando se entra no campo<br />

santo. E Isaac Peres nunca mais saiu de Manaus, para ficar perto do túmulo de seu filho.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Leão Pacífico Esaguy nasceu em Itacoatiara em 1918. Naquela época, o principal negócio dos<br />

judeus era venda e troca de castanhas, peles e pedras preciosas. Seu pai veio de Cabo Verde<br />

e sua mãe de Tanger. Seu pai, que veio ao Brasil com onze anos, enriqueceu com a borracha<br />

e a castanha, e foi a Lisboa para casar. Não pensava em regressar ao Brasil, mas o fato é que,<br />

rapidamente, dissipou a pequena fortuna que construíra, provavelmente afetado pela<br />

desastrada política econômica do governo <strong>por</strong>tuguês, logo após a Primeira Guerra.<br />

Leão publicou, em São Paulo, um livro de contos, em 1981 -"Contos Amazonenses" - onde<br />

narra muitas histórias envolvendo os judeus e a selva amazônica.É interessante reproduzir<br />

aqui a oração pronunciada <strong>por</strong> uma personagem judia, diante da ameaça real de uma onça, no<br />

conto "Satã, o Felino Maldito":<br />

"A Deus, que abeberou o meu espírito de tanta sede de beleza e harmonia, que como cibo<br />

(alimento) da minha mente me deu o pasto imenso da majestosa mataria amazônica e que<br />

embalou toda a minha estrutura sentimental, desde a minha infância, ao cantochão melodioso<br />

e grave das águas cantantes dos igarapés, que formou a minha personalidade sob o influxo da<br />

majestática grandeza do ambiente dela, que me fez um homem simplório, despretencioso e<br />

sentimental graças a Deus".<br />

Hoje, graças à soja, Itacoatiara revive em função de um terminal onde chega e é ex<strong>por</strong>tado em<br />

grande escala aquele grão. Mas, aparentemente, os judeus (ainda) não regressaram à cidade.<br />

O ‘SANTO’<br />

A comunidade judaica de Manaus, embora proceda do mesmo tronco que formou a de Belém,<br />

é diferente. Judeus de Tanger e Tetuan criaram a primeira sinagoga de verdade em 1925, a<br />

esnoga Beth Yacov, na avenida 13 de Maio. Um segundo templo só veio a surgir em 1950, a<br />

Rebi Meyr, na praça 15 de Novembro. Só muitos anos depois, em 1962, as duas se uniram na<br />

Sinagoga Beth Yacov/Rebi Meyr, na rua Leonardo Malcher, 630, <strong>por</strong> inspiração do então líder<br />

da comunidade, Isaac Israel Benchimol.<br />

O Comitê Israelita do Amazonas foi fundado em Manaus em 15 de julho de 1929.<br />

Seu primeiro presidente foi Raphael Benoliel, proprietário da então mais rica e próspera firma<br />

ex<strong>por</strong>tadora e de aviamentos para o interior.<br />

A Sinagoga, hoje (1983) só funciona no shabat e nos dias festivos. Há um clube moderno,<br />

praticamente construído <strong>por</strong> um homem só - e que é uma lenda viva na Amazônia, Samuel<br />

Benchimol. No shabat, gente boa e agradável participa do rito simples e simpático. Não há<br />

rabino em Manaus (em 1983).<br />

Quem cuida do culto é Moisés Elmescany (seu pai, genro de dona Ricca Hamoy, de Óbidos).<br />

Ele foi formado "shaliach" na comunidade de Belém. Não tinha 30 anos, em 1983. Antes dele,<br />

do rabinito como é chamado, de 1972 a 1981, a comunidade foi dirigida, religiosamente, pelo<br />

hoje médico Isaac Dahan, nascido em Alenquer em 1948. Nada menos que o sobrinho de<br />

Abraham Fima, primo de Max Fima, o judeu preto...<br />

Em 1972, ele foi convidado a cantar em Manaus, no Rosh Hashaná e no Iom Kipur. Seu pai,<br />

Shalom, já estava cego e Isaac era "os olhos de meu pai".<br />

Assim mesmo,convidado pela comunidade a ficar e a cuidar de sua orientação, aceitou quase<br />

que <strong>por</strong> imposição paterna.<br />

"Criamos o segundo seder de Pessach em Manaus. É o único dia, no ano, em que tudo é<br />

casher nesta comunidade".<br />

Em 1974, Isaac foi a Israel e do seu contato com a Agência Judaica surgiu uma revitalização<br />

comunitária. Vários jovens de Manaus foram estudar no Seminário (Yeshivá) de Petrópolis,<br />

outros foram e ficaram em Israel. Em 1983, foi iniciado um censo da comunidade. Isaac<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

assinala que, durante quarenta anos,os judeus de Manaus se distanciaram das tradições<br />

religiosas.<br />

Desde então, há um trabalho de recuperação em andamento. Há apoio do rabinato liberal do<br />

Rio de Janeiro (ARI), com vistas à reintegração dos hebraicos. "Gente casada há 15 ou 20<br />

anos regularizou a sua situação com o saudoso rabino Lemle e depois com os rabinos que o<br />

sucederam". Em 1976, na gestão de Samuel Isaac Benchimol, foi fundado o Clube A Hebraica,<br />

na avenida Joaquim Nabuco, 1842.<br />

Dahan conta que, até os anos 80, os sepultamentos judaicos em Manaus eram feitos<br />

exclusivamente com a mortalha. "Lembro de um dia chuvoso em que o corpo escorregou e<br />

caiu. Foi um desastre". Desse dia em diante, Isaac "reinterpretou"a Lei e hoje se enterra com<br />

caixão de fundo falso.<br />

Manaus contribui para o folclore judaico do Brasil de forma destacada. No cemitério cristão, há<br />

dezenas de túmulos de judeus. Não são poucos os túmulos de jovens moças, geralmente<br />

ashkenazis, de profissão duvidosa, prostitutas. Em compensação, há o túmulo de um santo<br />

extremamente popular entre os goyim, e que foi reformado em 1982 <strong>por</strong> alguém que recebeu<br />

uma extraordinária graça.<br />

O santo é o reb Shalom H. Moyal, mais conhecido na cidade como o "santo Moisézinho". Nos<br />

jornais, diariamente, há pequenos anúncios com "graças alcançadas". No cemitério, junto ao<br />

túmulo, dezenas de placas, muitas velas, flores e as inevitáveis pedrinhas. Os gentios<br />

aprenderam a deixar pedras sobre o túmulo.<br />

Reb Moyal veio a Manaus em março de 1910 para fazer tsedaká, angariar fundos para a<br />

caridade. A gripe espanhola grassava e ele foi uma de suas vítimas. O curioso é que, depois<br />

de morto, quase criou um sério problema para os judeus de Manaus. É que sendo de família<br />

im<strong>por</strong>tante em Israel (um sobrinho, Ely Moyal, foi vice-ministro das Comunicações), pretendeuse<br />

remover os seus restos mortais para a Terra Santa. Isto iria criar sérios problemas com os<br />

manauaras. Os parentes israelenses foram discretamente alertados para a necessidade de se<br />

deixar o santo, bendito seja, em paz, aqui, realizando o seu nobre e desinteressado trabalho...<br />

MAUÉS<br />

O calor é intenso, busca-se um pequeno hotel. Depois, um bar onde se possa comer um peixe,<br />

beber uma cerveja. O bar, Panorama,é o indicado, ao lado da praia das Maresias. Cai-se na<br />

água, há uma sensação de alívio. Do lado, fundeado, um barco, o "Levy III".<br />

Come-se o peixe, tranqüilamente. Pede-se a nota e a surpresa: "Bar Panorama, de Samuel<br />

Levy". O rapaz que faz de garçon dá as informações: o barco, o bar, são do Levy. E Levy é<br />

hebraico, mora na casa ao lado.<br />

É uma casa de madeira, ampla, arejada, pintada de amarelo. Os Levy lá estão, crianças <strong>por</strong><br />

entre as pernas, aguardando a nossa visita. De uma forma ou de outra, já sabiam que iríamos<br />

visitá-los. E surgem os álbuns de fotografias, os refrescos, as informações.<br />

Samuel e Moysés Levy nasceram ali mesmo, em Maués,o primeiro em 1928, o segundo em<br />

1937. São sete irmãos, ao todo. Os pais, Isaac Moisés Levy e Candida Ferreira Gato. Ele de<br />

Tanger, ela de Maués. Antes de chegar a Maués, em 1926, viveu em Marapanim. Veio com<br />

Salvador Abecassis, seu cunhado.<br />

Faleceu Isaac aos 80 anos, deixando 40 netos e 6 bisnetos. A que se dedicava ? Agricultura,<br />

pecuária e comércio de guaraná. Claro,pesca também. O restaurante já foi invenção dos filhos.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Os Levy cultivam em 18 hectares pés de guaraná com mais de oitenta anos de produção. Toda<br />

a produção é artesanal e a família de hebraicos está intimamente ligada à produção da fruta<br />

que fez a fama de Maués como a capital do guaraná.<br />

"Uma família, de nome Levy, proprietária de uma<br />

companhia de barcos fluviais."<br />

Isaac Levy seguia a religião, jejuava, fazia as<br />

páscoas. Alguns dos filhos seguem os preceitos,<br />

outros, nem tanto.<br />

- O rio é tudo no Amazonas, diz o jovem Abrahão<br />

Levy. É a estrada que comunica as casas e as<br />

pessoas. É <strong>por</strong> onde trafega a economia. É de<br />

onde a gente retira o alimento básico, o peixe. Foi<br />

ao longo desses rios, imensos e largos e<br />

profundos, que nós, judeus, nos instalamos e<br />

criamos nossos negócios e nossas famílias. O rio,<br />

enfatiza, é a única possibilidade da região.<br />

Abrahão é casado com uma nissei, Sumoto, filha<br />

do "seo" Pedro. Nem <strong>por</strong>isso se sente menos<br />

judeu. Pretende, até, construir uma sinagoga em<br />

Maués. Mas, enquanto isto não acontece, vai<br />

tocando um novo negócio da família Levy:<br />

- O jogo do bicho. É uma loteria popular, muito<br />

difundida no Brasil e absolutamente ilegal. A gente<br />

contribui com as obras sociais e dá uma grana para a polícia. Samuel e Moysés Levy, caboclos<br />

inteligentes, contam a história dos hebraicos de Maués. Dos Abecassis, dos Benchaia, dos<br />

Belezrah, dos Pinto, dos Hatchwell, dos Assayag. São discretos ao comentar um crime de<br />

morte, onde um genro matou o sogro <strong>por</strong> questões de negócio e reservam a melhor informação<br />

para o final, como convém: "vamos visitar dona Mazal".<br />

E quem é dona Mazal ?<br />

- Ora, simplesmente a filha do finado Isaac Sayag Aboab, natural de Tanger e descendente,<br />

em linha direta, do rabino Isaac Aboab da Fonseca, o primeiro rabino do Brasil !<br />

A sensação é a de que estamos sendo enganados. Afinal de contas, como veio Aboab da<br />

Fonseca aparecer ali ?<br />

Moysés Levy não se perturba. Sabe da expulsão dos holandeses em 1654 e dos judeus da<br />

Congregação Zur Israel, no Recife. Sabe dos caminhos do rabino Isaac Aboab (sabe até que<br />

ele participou do processo de excomunhão contra Spinoza !) e afirma que seu pai lhe contou a<br />

história de como, onde e quando descendentes do rabino foram parar em Tanger e Tetuan.<br />

E assim, Isaac Sayeg Aboab veio parar em Maués, aí casou com uma cabocla do Arari e<br />

produziu três filhos, entre eles Mazal, que cozinhava para a comunidade, nas páscoas.<br />

E lá vamos nós conversar com dona Mazal Aboab, nascida no Arari em 1909, uma mulher<br />

extremamente simpática, inteligente e ágil para a sua idade.<br />

Mazal confirma tudo. Ela sabe quem foi o antepassado ilustre, corrige a informação de que seu<br />

pai era casado - "ele só ajuntou, a mãe não era da nação"- e explica que recebeu educação<br />

formal judaica. Aprendeu a cozinhar rigorosamente dentro dos preceitos da cashrut e ainda<br />

hoje prepara uma dafina (prato típico da culinária judaica marroquina) de dar água na boca !<br />

Vamos ao cemitério de Maués ver os túmulos. Não somos necrófilos, mas a pesquisa exige.<br />

Não encontramos o túmulo de Aboab. Moysés o localiza e nota que não há uma<br />

matzeiva.Imediatamente, dá ordens para que uma pedra seja construída. Decide conosco o<br />

que vai escrever nela. E informa Mazal de sua ação. Ela concorda, feliz. Sim, o pai terá a sua<br />

matzeiva, coisa que ela não providenciaram até então <strong>por</strong> absoluta falta de recursos.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Em Maués, ainda hoje, há um costume interessante. Do anoitecer de sexta feira ao anoitecer<br />

de sábado, fecha todo o comércio local. Mas, não há prejuízos: o comércio reabre na noite de<br />

sábado e é o melhor dia da semana, garantem os negociantes...<br />

O ÚLTIMO MARROQUINO<br />

Albert Moise Abecassis é, provavelmente, o último judeu nascido no Marrocos que ainda vive<br />

na Amazônia. Descendente direito de uma personagem dramática na história dos judeus de<br />

Tânger: Solica la Tzadiká, Solica a Justa. Da família dos Hatchwell (Hachuel), aos 14 anos, em<br />

19834, quando se iniciava a emigração dos judeus marroquinos para a Amazônia, o sultão<br />

Muley Abderrahman encantou-se com a menina e pediu-a em casamento, claro, convertida ao<br />

Islã. Ela se recusou, foi perseguida, torturada e decapitada. Esse episódio, <strong>por</strong> si só, provocou<br />

uma onda de emigração de judeus para a Amazônia e para Gibraltar.<br />

A história de Abecassis é idêntica a da maioria dos seus amigos e conterrâneos. Ele veio de<br />

Tânger diretamente para Maués, onde seu pai já vivia,em 1946. Ali ficou até o final da década<br />

de 70. Ele conta: "Vim para o Brasil com 18 anos de idade, fui educado no Marrocos". Seu pai<br />

vivia há muitos anos no Brasil, mas viajava com frequência ao Marrocos, seja para ver a<br />

família, seja para fazer negócios. A mãe de Albert recusava-se a emigrar - seu irmão Moise<br />

havia sido assassinado em Maués. Era casado com uma <strong>por</strong>tuguesa e teve oito filhos. Depois<br />

de assassinado, os filhos abandonaram os vínculos com o judaísmo, sobrando apenas os seus<br />

nomes: Raquel, Rivka, Haim, David...<br />

Moise Albert ainda mantém (em 2003) vínculos com familiares no Marrocos. Mais<br />

precisamente, com Tânger, onde ainda vivem,segundo ele calcula, perto de 200 judeus.<br />

Hoje ele vive em Manaus, trabalhando na ex<strong>por</strong>tação de castanhas e guaraná. Mas recorda<br />

que havia antisemitismo em Maués, especialmente nas proximidades da Semana Santa.<br />

CIRCUNCISÃO<br />

Em Óbidos, tivemos a o<strong>por</strong>tunidade de ver de perto velhos instrumentos de pedra, utilizados<br />

para a circuncisão dos meninos judeus em épocas antigas.<br />

Vale a pena reproduzir uma cena emocionante, narrada pela escritora Sultana Levi, em texto<br />

que nos foi entregue <strong>por</strong> sua prima Anita Levi Soares: "Estava de compras com uma prima,<br />

quando ela lembrou que devia ir a uma sinagoga improvisada (no Marajó), onde umas crianças<br />

vindas do interior iam ser circuncisadas, e fui com ela. Para minha surpresa, os meninos<br />

deviam ter de 9 a 12 anos. Eram três. E os três se aconchegavam um ao outro, calados,<br />

trêmulos de medo. Quando um velho de queixo comprido, contando os presentes, anunciou: -<br />

Já temos minyam, vamos começar. Desencadeou-se uma verdadeira tourada, ou "com que se<br />

prende o touro". Os meninos corriam, gritando, proferindo palavrões, defendendo com as mãos<br />

o lugar a ser operado, repetindo, "não me cape, seu desgraçado, seu filho da puta, não me<br />

cape". E os homens rindo, corriam atrás, cercavam, fechavam a saída nas <strong>por</strong>tas, até<br />

conseguirem agarrar os três. De pés atados, ao som das orações próprias, foram<br />

circuncisados, diante de todos e sem qualquer anestesia. Minha prima era chachamá (sábia,<br />

estudiosa). Era descendente do grande rabino Eliezer Dabela, de quem herdou poderes<br />

sobrenaturais. Sua presença ao ato era necessária, <strong>por</strong>que ela tinha o dom de acalmar dores<br />

com a força de suas preces. Eu me escondi na outra sala, apavorada. Mas não ouvi gritos, pelo<br />

contrário, sons de alegria. Dentro em pouco, tudo estava terminado. Quando vieram me<br />

chamar para tomar parte na festa, fiquei surpreendida ao ver os três garotos comendo e<br />

bebendo entre os convivas.Já então sorriam e pareciam felizes. É que, mesmo vivendo no<br />

interior, na selva, eles aspiravam <strong>por</strong> este dia. Sentiam orgulho de ser judeus. Mas este orgulho<br />

não nasceu da liberdade de religião prometida aos imigrantes. Absolutamente. Eles tinham que<br />

lutar para manter o seu judaísmo".<br />

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GUAJARÁ-MIRIM<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Em Guajará-Mirim, na fronteira com a Bolívia, encontramos David d'Israel.<br />

É um homem velho, nascido em 1900. Judeu, "não como querem os homens, mas como<br />

manda a Lei de Deus". Seu pai, Menahem, nasceu em Tebas, no Egito. Sua mãe, Ricca, na<br />

Europa, mas ele não lembra onde. Ele mesmo é natural de Borba, no Amazonas, e serviu ao<br />

Exército brasileiro. Teve três filhos, um deles vive em São Paulo, tem uma neta. Vive em<br />

Guajará Mirim desde 1940, na companhia de Sarah Azulay. Criou o filho de Sarah, Abrão,<br />

vereador <strong>por</strong> três legislaturas seguidas, chegou a presidente da Câmara.<br />

A história de David d'Israel é confusa, estranha.<br />

Ele vive mal, em condições precárias, há dona<br />

Sarah, netos e netas que ninguém sabe<br />

exatamente de quem são, nem convém perguntar<br />

muito. Enxerga mal, mas ouve o noticiário da<br />

televisão. Considera-se um profeta de Israel e<br />

amaldiçoa os rabinos. E quando a gente se<br />

convence de que está louco, atravessa a rua,<br />

entra no banco e renova uma excelente aplicação<br />

no open-market...<br />

Nessa mesma Guajará Mirim, de 25 mil habitantes<br />

e onde se tropeça nos dormentes da estrada de<br />

ferro Madeira-Mamoré (cada dormente custou uma<br />

vida humana), o extraordinário complexo Em Guajará Mirim, David d'Israel e neto<br />

industrial-comercial criado <strong>por</strong> Saul Bennesby,<br />

nascido em 1888 em Casablanca.Saul foi trazido ao Brasil pelo tio, em 1914 já estava em<br />

Manaus. Em 1916, fazia o regatão nos rios Juruá, Machado, foz do Madeira. Entre 1937 e<br />

1938, estabeleceu-se em Abunã.<br />

Casou-se com Estrela Salgado, ela morreu de parto deixando o filho, Moisés.<br />

Saul casou-se com a cunhada, Anna, e com ela teve mais sete filhos.No total, 22 netos.<br />

Bennesby foi representante do im<strong>por</strong>tante grupo empresarial I.B.Sabbá. Hoje, o grupo<br />

Bennesby emprega diretamente 2.300 pessoas no Acre, Rondônia, Rio de Janeiro e São<br />

Paulo. Possui várias concessionárias da GM, usinas de beneficiamento da borracha e<br />

castanha,empresas de construção, indústrias de cerâmica e madeira, projetos agropecuários.<br />

Isaac Bennesby, que comanda a operação em Guajará-Mirim, está na política, presidiu o antigo<br />

PDS, foi suplente de senador.<br />

Ele sorri, posa ao lado do sernambi na mais moderna fábrica de borracha do mundo.Para ele, a<br />

brachá do menino bar mitzvando em Tetuan, deu absolutamente certo: parnassá tová.<br />

<strong>OS</strong> HEBRAIC<strong>OS</strong> DO MARROC<strong>OS</strong><br />

"Ao longo das semanas que permaneci no Marrocos, não tentei aprender árabe nem os<br />

dialetos berberes. Não quís perder nada do poder exótico de seus gritos. Queria ser atingido<br />

<strong>por</strong> eles, tal como eram, sem enfraquecê-los devido a um saber artificial e insuficiente. Mas<br />

restou-me a palavra Alá e esta eu não pude evitar".<br />

(Elias Canetti, VOZES DE MARRAKECH, L & PM Editores, 1987)<br />

Nossa exposição no Museu da Diás<strong>por</strong>a, trans<strong>por</strong>tada para várias capitais européias,<br />

repercutiu na imprensa mundial, e alcançou o governo de Rabat: o rei Hassan V, pela seu<br />

embaixador em Brasília, Mohamed Larbi Messari, convidou-nos a prosseguir nosso trabalho de<br />

pesquisa sobre os hebraicos da Amazônia no seu local de origem, o Marrocos. Assim, em<br />

1988, uma equipe de TV, liderada pelo cineasta Fábio Golombek e <strong>por</strong> mim, saiu do Brasil no<br />

dia 18 de novembro, e percorreu o Marrocos de norte a sul.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Nada obstante, já no início da viagem, uma coisa ficou clara: a "ponta"que se pretendia<br />

encontrar no país norte-africano não seria encontrada ali - ela deveria ser procurada, sim, em<br />

Israel, para onde se dirigiu, a partir de 1948, a comunidade judaica marroquina.<br />

Ainda assim, continuam vivendo no Marrocos ao redor de cinco mil judeus.<br />

Vários deles, e de suas instituições, foram entrevistados em Fez, Marrakesh e, sobretudo, em<br />

Tetuan e Casablanca.<br />

No Marrocos, a judiaria continua existindo, o mellah fica ao lado do palácio real e é protegido<br />

pelo rei. Os cemitérios, sobretudo o de Tetuan, estão bem cuidados e respeitados.<br />

Participamos de um culto de shabat, em Tetuan, numa sinagoga bem instalada - só que,<br />

externamente, aparentava ser uma casa de família.<br />

Havia na ocasião, e aparentemente continua havendo hoje, um interesse genuíno do governo<br />

real em atrair a simpatia, a boa vontade e sobretudo, investimentos empresariais, dos judeus<br />

de origem marroquina espalhados pelo mundo. O Direito Islâmico prevalece no país, mas os<br />

judeus são regidos pelo Direito Talmúdico. Os jornais, em seus cabeçalhos, apresentam as<br />

datas dos calendários muçulmano, cristão e judaico. Nos dias mais solenes do judaísmo,<br />

o príncipe herdeiro Abdullah, hoje rei, participava das cerimônias, inclusive jejuando no Iom<br />

Kipur.<br />

O documentário "Marrocos, uma nova África" foi realizado e mostra esse país interessante.É<br />

uma viagem aos mais diferentes aspectos de um povo que enfrenta a contradição entre a<br />

tradição e a modernidade. É um país pobre, mas de uma pobreza digna.<br />

Quem chega ao Marrocos, vindo de um país tropical como o Brasil, leva uma cacetada logo de<br />

cara. Não é apenas a visão do exótico, mas uma experiência que nos atinge em todos os<br />

sentidos.<br />

É um festival de sons, formas, cores, que nos acompanham em todas as cidades, vilas e<br />

povoados. E nos obrigam a rever e redefinir conceitos e referências.<br />

De imediato, um mundo bíblico. Camelos e burricos nas areias do deserto, nos contrafortes do<br />

Monte Atlas. Montanhas cujo cume está coberto de neve. Vales verdejantes, planícies<br />

arenosas que se estendem até a beira-mar, nas costas do Atlântico e, sobretudo, do<br />

Mediterrâneo.<br />

De vez em quando, um grito no ar. Na paz das noites e das madrugadas, quase um murmúrio.<br />

De dia, forte e claro. É a voz do muezim, chamando os fiéis muçulmanos à oração, à<br />

abstinência, à procura de perfeição divina.<br />

Alá, o nome ressoa <strong>por</strong> todos os lados.<br />

É impossível compreender o Marrocos sem o Islã, sem a sua visão de Deus, do homem e do<br />

mundo. O Islã fez florescer no norte da África uma cultura esplêndida. Neste cenário, vamos<br />

encontrar os hebraicos. Vamos conhecer, de imediato, contrariando todos os nossos<br />

preconceitos e preocupações, um país onde o Corão determinou o espírito de abertura e de<br />

tolerância. O Corão que rege o dia-a-dia dos marroquinos e que recomenda que sejam<br />

respeitados e protegidos os povos do Livro - dos herdeiros da fé de Abraão/Ibrahim.<br />

COLONIZAÇÃO<br />

Em 1894, quando a colonização francesa na África ocidental estava <strong>por</strong> começar, diversos<br />

projetos envolvendo os imensos territórios do que hoje é o Marrocos, Argélia, Tunisia, Saara,<br />

foram discutidos e elaborados em Paris. Um destes projetos visava instalar os judeus do<br />

Marrocos no Senegal e no Sudão. O empresário Jules Forest, foi a Mogador e, com o apoio da<br />

Aliança Francesa, organizou um grupo pioneiro de dez jovens, solteiros, com a idade variando<br />

entre 19 e 31 anos, sabendo ler e escrever francês, ou inglês, ou espanhol.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Nada obstante, este projeto não saiu dos papéis, mas serve para ilustrar o cenário em que se<br />

iniciou a saga dos hebraicos da Amazônia.<br />

Ao contrário do que muitas fontes insistem em registrar, não era cômoda ou tranqüila a vida<br />

dos judeus no Marrocos, no final do século 19. Por isso mesmo, os jovens sonhavam em<br />

buscar, além fronteiras, riqueza e segurança. Falando do projeto francês, que fracassou, o<br />

então residente-geral da França, Ferdinand Suhard, esclarece, num memorando a Paris: "É<br />

im<strong>por</strong>tante registrar que não se trata de marroquinos, mas de jovens judeus de Mogador e que<br />

se trata de raças diferentes. Os judeus do Marrocos emigram frequentemente para a América<br />

do Sul, regressam após alguns anos ao Marrocos depois de adquirirem a nacionalidade<br />

brasileira. Não estando mais submetidos às leis do Marrocos, podem se dedicar a qualquer<br />

ramo de atividade, explorando a população árabe. Felicitamos a Aliança Francesa <strong>por</strong> sua feliz<br />

iniciativa de salvar os jovens do fanatismo e da estreiteza de espírito do mellah, mas eu duvido<br />

que possamos fazer destes colonos que são sem dúvida inteligentes (todos os judeus são<br />

inteligentes), mas não tem dinheiro ou conhecimentos, se insistirão em regressar para morrer<br />

no Marrocos".<br />

As atitudes dos judeus marroquinos face à penetração européia, que surge e se intensifica ao<br />

final do século 19, foram, no mínimo, complexas. Os que receberam das escolas da Aliança<br />

Israelita Universal uma primeira formação ocidental, acolheram a chegada das tropas<br />

francesas com entusiasmo. Em 1912, em Marrakech, a divisão comandada pelo general<br />

Laperrine foi recepcionada <strong>por</strong> estudantes judeus cantando a Marselhesa...<br />

Uma parte im<strong>por</strong>tante, mais tradicionalista, manteve suas reservas. Habituados, há séculos, a<br />

tratar com as lideranças árabes e bérberes, professando um judaísmo antigo, místico e<br />

supersticioso, não via com bons olhos o racionalismo francês e não confiava na cidadania<br />

francesa outorgada pela Revolução de 1792. Pode-se dizer, até, que resignavam-se de boa<br />

vontade às restrições impostas pelos árabes. Eram apelidados, pejorativamente, de os "bénioui-oui".<br />

E viviam mal, nos mellah, sem grandes perspectivas.<br />

Enquanto isto, o tratado do protetorado assinado em Fez em 30 de março de 1912, entre o<br />

representante francês em Tanger e o sultão Moulay-Hadid, situa-se na linha de uma série de<br />

tratados diplomáticos firmados durante a segunda metade do século 19, pelas grandes<br />

potências que passaram a ocupar, na realidade, o Marrocos.<br />

O acordo de Fez dava ao Moulay-Hadid uma certa soberania nos territórios "protegidos" pela<br />

França, mas criava um sistema complexo de competências: a do sultão e a do residente-geral.<br />

A Espanha instalou-se na zona norte do território, dividindo o poder com um califa designado<br />

pelo sultão.<br />

Como se observa, um cenário propício ao êxodo dos jovens judeus.<br />

<strong>OS</strong> ESPANHÓIS SEM PÁTRIA<br />

O êxodo dos judeus ibéricos em 1492, expulsos pelos reis da Espanha, e em 1496 <strong>por</strong><br />

D.Manuel, de Portugal, é uma das páginas mais dramáticas da história do povo judeu.<br />

Expulsos da península, onde sofreram durante séculos torturas, massacres e humilhações, a<br />

sua transferência para o Marrocos não foi mais que uma seqüencia de sofrimentos e<br />

atribulações. Confinados nos mellahs de Fez, Tetuan, Marrakech, passaram a sofrer toda a<br />

sorte de humilhações, confisco de bens - e massacres.<br />

Os expulsos escolheram o Marrocos, antes de mais nada, pela proximidade geográfica. Basta<br />

olhar o mapa. Depois, o idioma também contou como ponto im<strong>por</strong>tante: o espanhol era a<br />

língua franca do nordeste marroquino, o <strong>por</strong>tuguês era muito difundido <strong>por</strong> ser o idioma dos<br />

comerciantes. A hakitia, finamente, uma mistura de espanhol, <strong>por</strong>tuguês, hebraico e árabe,<br />

também facilitava (aparentemente) a inclusão no mundo marroquino.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Os sefarditas instalaram-se em Tetuan, Tanger, Fez, Rabat, Salé,Marrakech, Arcila, Larache,<br />

Ceuta e Melila. Durante uns trezentos anos, doze gerações, viveram nas vilas e povoados,<br />

isolados e discriminados, não apenas pelos árabes e bérberes, mas até <strong>por</strong> seus irmãos<br />

tochabim, isto é, os nativos.<br />

Um documento reproduzido pela Encyclopedia Judaica (Jerusalém, 1996), registra que "os<br />

expulsos - megorachim, trazem consigo a língua castelhana, sua ciência, suas instituições<br />

comunitárias, usos e costumes, seu espírito empreendedor, que fazem deles em relação aos<br />

tochabim - judeus nativos, moradores e autóctones - um grupo social dominante: a elite cultural<br />

e a burguesia dos notáveis que desempenharão um grande papel nos domínios do comércio,<br />

das finanças e da diplomacia".<br />

É deste grupo de sefarditas (que no cemitério de Tetuan ocupam uma ala distinta da dos<br />

tochabim) que vão sair, a partir de 1810, os quase quatro mil judeus que vieram tentar a sorte<br />

na Amazônia, um pouco antes e logo depois do boom do ciclo da borracha.<br />

Como registra Samuel Benchimol em Eretz Amazônia (Manaus, 1998), "o êxodo dos judeus<br />

marroquinos é explicado pelos diferentes fatores de expulsão: pobreza, fome, perseguição,<br />

discriminação, destruição de sinagogas, como de forças de atração e favorecimento, tanto de<br />

ordem política e econômica oferecidos pelo Brasil e Amazônia, como a abertura de <strong>por</strong>tos,<br />

tratados de aliança e amizade, extinção da Inquisição, liberdade de culto, abertura do rio<br />

Amazonas à navegação exterior e outros elementos que contribuíram para buscar a Amazônia<br />

- a nova terra da Promissão, a Eretz Amazônia".<br />

MIMONA<br />

Este é um texto de Elie Benchetrit, autor marroquino, que recorda um dos aspectos da Mimona,<br />

tal qual ela era comemorada nos anos 60, em Tanger e no norte do Marrocos.<br />

Uma ligeira brisa sopra sobre o pequeno vilarejo numa noite de abril. As sinagogas abrem suas<br />

<strong>por</strong>tas e os fiéis, apressados, deixam seu trabalho. É sábado, "noche de Alhad", como se<br />

costuma dizer em Tanger e na zona norte do Marrocos.<br />

É a Mimona, festa que marca o fim do Pessach e que todos celebram em grande estilo. As<br />

padarias e confeitarias estão abertas, de modo que os judeus possam comprar o seu pão.<br />

Vendedores ambulantes oferecem os mais diferentes pães, espigas de trigo e frutas, que vão<br />

decorar as mesas. Rahamim Bahtot, mendigo e ao mesmo tempo personagem folclórico em<br />

Tanger e arredores, apressa-se a deixar a esnoga de Souiri, a mais antiga sinagoga da cidade,<br />

carregando um enorme bouquê de arrahan (mirta). Ele se dirige ao boulevard, nome que<br />

designa o bairro europeu de Tanger. No seu caminho, ele oferece a outros judeus uma<br />

pequena folha de mirta, dizendo: Shavuá To , Moad Tov, Besiman Tov, Eliyaou Hanavi Zakhor<br />

le Tov. Cada um dos judeus lhe dão algumas moedas e Rahamim os abençoa com fervor.<br />

Tão logo ele acabe de distribuir a sua mercadoria, ele se dirige a um imóvel onde residem<br />

famílias judias. Ele sobe ao primeiro andar e entra num apartamento que está de <strong>por</strong>tas<br />

abertas, segundo o costume da Mimona. Ele entra, quase gritando: Ya Mimon, Ya Shalom, Ya<br />

Baba Tarbah ! Ou seja, Dinheiro, Paz, Sejam todos cobertos de bens.<br />

A dona da casa convida-o a passar à sala de jantar, onde uma mesa tradicional está montada.<br />

O leite, o mel, um prato de farinha com favas verdes, espigas de trigo, um pote de manteiga<br />

fresca embebida com folhas de figo. Um grande peixe cru reina sobre uma bandeja, uma<br />

variedade de doces de mel, de tortas que recordam a renomada patisserie francesa. Doces<br />

que recordam a mais pura tradição hispânica, merengues, toucinho do céu e braço de cigano,<br />

honram, <strong>por</strong> sua vez, a tradição da confiteria espanhola. Um delicioso aroma de "terit" vem da<br />

cozinha onde duas mulheres preparam deliciosos crepes, as iguarias tradicionais que a maioria<br />

das família se apressam a degustar cobertas de manteiga e de mel.<br />

Seja benvindo, Rahamim, exclama a dona da casa, e oferece um assento ao mendigo. Claro,<br />

ela conhece Rahamim há muito tempo e conhece, sobretudo, o seu proverbial apetite...<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Em poucos minutos, ele engole uma meia duzia de mofletas acompanhadas de dois copos de<br />

chá com hortelã, o thé à la menthe, e mais alguns docinhos para rebater... Um pequeno cálice<br />

de aguardente ou "mahia" lhe é oferecido, para ajudar na digestão. Em seguida, ele se levanta<br />

e repete suas bençãos habituais.<br />

" Que el Dio vos dé riqueza y ganancia en zéjut de esta noche y de Eliahou hanavi, amen,<br />

amen, amen ! ".<br />

Após os agradecimentos da dona de casa, e ainda próximo à <strong>por</strong>ta de saída, ele retira de seu<br />

bolso um saquinho de plástico e o entrega à senhora. "No se olvide dek awin para la mujer y<br />

los niños", ou seja, não se esqueçam de me dar alguns docinhos para minha mulher e meus<br />

filhos". Depois, ele sobe para os demais andares do prédio. A noite apenas começou e ela<br />

promete ser vantajosa. "Ya Mimon, Ya Shalom, Ya Baba Tarbah"<br />

Onde estão as Mimonas de antigamente, se interroga Rahamim, muitos anos depois, agora um<br />

homem de negócios que fabrica industrialmente (e ex<strong>por</strong>ta) mofletas para todo o mundo.<br />

Sentado numa poltrona em sua residência em Miami, ele sente saudades dos velhos tempos<br />

FEZ<br />

Os primeiros judeus instalaram-se em Fez, no nordeste do Marrocos, no final do século VIII.<br />

Rapidamente, eles se tornaram influentes e respeitados. Viviam, é claro, no seu bairro<br />

exclusivo, Al-Funduk Al, que se transformou rapidamente num centro cultural e comercial de<br />

primeira grandeza. Algumas figuras rapidamente se tornaram conhecidas, como David B.<br />

Abraham Alfasi, rabi Salomon B. Judah (que chegou a dirigir a Academia de Jerusalém) ,<br />

Dunash Judah Hayyuj. Durante o que se convencionou chamar de a Era Dourada em Fez,<br />

alguns acontecimentos terríveis tiveram lugr, quando a maior parte da comunidade acabou<br />

exilada para Ashir, na Argélia. Por volta do ano 987, 6 mil judeus foram massacrados pelos<br />

fanáticos que conquistaram Fez. A cidade foi sucessivamente invadida e saqueada pelos<br />

Almorávidas (1068 e 1127). É quando surge a figura de um pseudo-messias, Moses Dari, que<br />

tenta atenuar as aflições e tristezas dos judeus. Inutilmente, e muitos judeus de Fez foram,<br />

inclusive, obrigados a converter-se ao islamismo ou abandonar a cidade.<br />

Já em 1244, sob o domínio dos merinidas, a situação sofre uma mudança, e a comunidade<br />

judaica recebe a proteção do sultão. Mas, com o declínio dos merinidas e o ressurgimento do<br />

fanatismo, os judeus são expulsos de seu bairro, em 1438. A difícil situação começa a ser<br />

revertida a partir da chegada dos refugiados sefarditas, que gozam de boa acolhida <strong>por</strong> parte<br />

dos governantes marroquinos. É criado o cargo de Nagid e a Yeshivá de Fez cresce em<br />

im<strong>por</strong>tância, e seus dayyanim tem sua autoridade reconhecida e respeitada em todo o Norte da<br />

África.<br />

Altos e baixos se sucedem na vida judaica de Fez. Assim, em 1790, o mulay Yazid destrói as<br />

sinagogas, mas autoriza o regresso de judeus que haviam fugido, já em 1792. Há uma<br />

renovação espiritual e econômica dos hebreus, com a instalação de escolas, cinco Yeshivot e<br />

uma sociedade de benemerência. Influência da revolução francesa, surge a Escola Francesa,<br />

inicialmente sustentada pelas figuras mais ricas da cidade, logo depois incor<strong>por</strong>ada e apoiada<br />

pela Aliança Israelita Universal.<br />

Em 1912, duas semanas após o estabelecimento do Protetorado francês sobre Fez, uma<br />

revolta explode e os judeus são alvo do ódio marroquino ao invasor europeu. Mas a força dos<br />

franceses restabelece a ordem.<br />

Em 1925, a maioria dos judeus instalam-se na cidade nova de Fez;apenas os mais pobres<br />

permanecem no velho bairro, o Mellah. Em 1947, viviam 22.484 judeus em Fez e arredores,<br />

muitos deles médicos, advogados, industriais e agricultores. Segundo o censo de 1951, 5,8%<br />

dos judeus marroquinos viviam na cidade. Nesta altura, as principais escolas eram a Ozar-Ha-<br />

Torah e Em-Ha-Banim, mantidas pela Aliança Israelita Universal e atendendo a 2.823<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

escolares. Antes da emigração para Israel ali existiam organizações como a Bnei Akiva, Wizo e<br />

até um escritório do Congresso Judaico Mundial.<br />

Após o estabelecimento de Israel em 1948, a maioria dos judeus emigrou para o novo estado,<br />

um número expressivo preferiu seguir para a França (gozando do fato de terem dupla<br />

nacionalidade, francesa e marroquina, outorgada <strong>por</strong> Napoleão). Outros, ainda, foram para os<br />

Estados Unidos, Canadá e Brasil.<br />

Hoje em dia, judeus de origem marroquina costumam realizar peregrinações a sítios judaicos<br />

no país, e o mais popular de todos estes lugares é justamente o túmulo de Yehuda Benatar,<br />

em Fez.<br />

Uma das mais antigas sinagogas do norte da África está em Fez, é a Ibn Danan, construída no<br />

século 17 e recuperada na sua forma atual no final do século 19. Uma réplica dela pode ser<br />

vista no Beth Hatefutsót, em Tel Aviv. Ela foi tombada pelo World Monuments Watch como<br />

exemplar único de uma arquitetura única. Uma obra de arte.<br />

MARRAKECH<br />

"Ao longo das semanas que permaneci no Marrocos, não tentei aprender árabe nem dos<br />

dialetas berberes. Não quís perder nada do poder exótico de seus gritos. Queria ser atingido<br />

<strong>por</strong> eles, tal como eram, sem enfraquecê-los devido a um saber artificial e insuficiente. Mas<br />

restou-se a palavra Alá, e esta eu não pude evitar"<br />

(Elias Canetti, em Vozes de Marrakech, L&PM Editores, 1987)<br />

Uma visita ao Marrocos é um golpe certeiro no viajante ocidental. Não se trata só do exótico,<br />

mas de uma experiência que atinge todos os sentidos.<br />

São sons, formas e cores, e aromas, que nos acompanham <strong>por</strong> toda a parte e nos obrigam a<br />

redefinir nosso mundo de referências.<br />

É um mundo quase bíblico, e não foi a toa que Steven Spielberg elegeu o Marrocos, e<br />

Marrakech especialmente, como cenário de seus filmes da arca perdida.<br />

Camelos e burricos, extremamente pacientes, estão presentes no cenário, que se estende das<br />

areias do deserto aos contrafortes do Monte Atlas. Uma cadeia de montanhas com os cumes<br />

recobertos de neve. E girando a cabeça, a gente vê vales verdejantes, planícies arenosas, e o<br />

mar - o Atlântico e o Mediterrâneo.<br />

Como lembra Canetti, um grito ecoa sempre no ar. De madrugada, é quase um murmúrio. O<br />

muezim vai chamando os fiéis à oração, a abstinência, ao mergulho na perfeição divina.<br />

Alá, Alá...o nome ressoa <strong>por</strong> todos os cantos. É Alá quem dá forma às artes, à poesia, às<br />

ciências, a tudo. É impossível compreender o Marrocos, sua história, a presença antiga e<br />

moderna dos judeus ali, sem o Islã, sua visão de Deus, do mundo e do homem.<br />

Neste cenário, judeus sefarditas e judeus nativos, viveram (e ainda vivem), capítulos<br />

extraordinários da História do povo de Israel. Capítulos sangrentos e dramáticos, capítulos<br />

radiosos, plenos de arte e de ciência. Roger Garaudy, que já foi comunista e hoje é<br />

muçulmano, escreveu: "Um dos traços do Islã que explica a sua rápida disseminação é o<br />

espírito de abertura e de tolerância. O próprio Corão recomenda que sejam respeitados e<br />

protegidos todos os povos do Livro, quer dizer, a Bíblia, herdeiros também eles da fé de<br />

Abraão (Ibrahim), que é a referência comum a todos. Tolerância que se aplicava, também, aos<br />

discípulos de Zoroastro, na Pérsia e na Índia".<br />

Tolerância e perseguição, que se alternaram sempre na história marroquina, desde os tempos<br />

anteriores às quedas do Primeiro e do Segundo Templos.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Com os judeus de Marrakech fui, ao cair da tarde, à grande praça Jemaa el-Fna. A equipe de<br />

cinegrafistas de Fabio Golombek subiu no teto da estação de polícia, um feito inédito, segundo<br />

informação do guia oficial de turismo que nos acompanhava, em 1988.<br />

Na praça, um espetáculo. Acrobatas, encantadores de serpentes, músicos andaluzes e<br />

berberes, contadores de histórias, dançarinos, punguistas e místicos religiosos. Todas as<br />

sensações se confundem. Quando a noite desceu, a praça se transformou.No ar, um forte<br />

cheiro de hortelã e açafrão. Naquele instante, desapareceu o passado e o presente. Como<br />

numa mágica, o mundo, <strong>por</strong> um instante, parou.<br />

Puro sonho.<br />

ISRAEL<br />

Em dezembro de 1943, antigos militantes nacionalistas marroquinos, inclusive muitos de<br />

origem judaica, fundam o Partido Istiqlal que, num manifesto datado de 14 de janeiro de 1944,<br />

reclama a Independência do país. É o que finalmente veio a ocorrer em 2 de março de 1956,<br />

após uma longa série de tratativas diplomáticas, de um lado, de uma curta mas intensa guerra<br />

de libertação nacional.<br />

De 1944 a 1947, a França atendeu a uma série de reivindicações dos nacionalistas, muitas<br />

delas francamente favoráveis aos judeus. Uma decisão de 20 de dezembro de 1947, <strong>por</strong><br />

exemplo, instituiu, na renovação do Conselho de Governo, com atribuições econômicas e<br />

consultivas, uma representação de seis delegados judeus, eleitos pelos comitês das seis<br />

comunidades israelitas mais im<strong>por</strong>tantes (Casablanca, Rabat, Fez, Meknés, Oujda e<br />

Marrakech). Pela primeira vez, os judeus eram chamados pelo Protetorado a participar<br />

efetivamente da vida pública. Até ali, eles eram apenas admitidos a participar de pequenos<br />

conselhos municipais.<br />

Mas, as reformas propostas pelos franceses foram, é claro, consideradas insuficientes pelo<br />

Istqlal. A situação foi ficando tensa e se compararmos as reações hostís dos marroquinos com<br />

a benevolência dos notáveis judeus, pode-se imaginar a distância que separava os dois grupos<br />

étnicos. Apoiando-se na tradição muçulmana, afirmando seus laços com o mundo árabe, com a<br />

Liga Árabe, o movimento nacionalista reclamava a independência, enquanto os dirigentes<br />

judeus tendiam a obter o reconhecimento oficial de sua ocidentalização e o reforço de seu<br />

status de "protegidos", que lhes permitia escapar do nacionalismo árabe...<br />

As reivindicações da dirigência judaica estavam muito próximas do programa de reformas<br />

proposto, desde 1945, pelo residente-geral francês, e que com<strong>por</strong>tava propostas de<br />

modernização em matéria de administração, ensino, Justiça e estruturas econômicas.<br />

Todavia, o judaísmo marroquino estava profundamente dividido quanto as atitudes que deveria<br />

tomar diante do movimento nacionalista de independência. Algumas tendências podem ser<br />

estabelecidas: o judaísmo dito "oficial", que buscava obter o máximo de vantagens da<br />

administração francesa, mesmo ignorando as susceptibilidades marroquinas; os partidários do<br />

movimento de independência marroquina; os representantes do judaísmo marroquino que<br />

tendia a reforçar seus laços com as organizações judaicas internacionais e, finalmente, os<br />

sionistas, que declaravam, sem temor, suas simpatias para com o Estado de Israel e<br />

organizavam a emigração, sobretudo das camadas mais pobres da comunidade. Entretanto, os<br />

limites entre as várias tendências foram ficando difusos, à medida em que um período de<br />

turbulências foi se acentuando, nos dias anteriores á proclamação da independência.<br />

É im<strong>por</strong>tante notar que mesmo o rápido "afranzessamento" não eliminou a lembrança dos<br />

judeus marroquinos de sua coexistência milenar com os muçulmanos nas terras do magreb.<br />

Burgueses muçulmanos e burgueses judeus tinham estreitas e cordiais relações. No curso do<br />

aprendizado dos modos de vida im<strong>por</strong>tados do Ocidente, o muçulmano procurava o vizinho<br />

judeu, adotando seus usos e costumes modernos. Voluntariamente, o muçulmano buscava no<br />

judeu o conselho. De seu lado, mesmo manifestando sua simpatia para com o Protetorado<br />

(que, <strong>por</strong> sua vez, buscava dividir os grupos étnicos), os judeus marroquinos sempre<br />

reafirmavam sua boa relação com os muçulmanos.<br />

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<strong>OS</strong> HEBRAIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong> <strong>–</strong> <strong>por</strong> <strong>Henrique</strong> <strong>Veltman</strong> <strong>–</strong> março/2005 - www.veltman.qn.com 68


<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Em 1933, os nacionalistas marroquinos divulgaram a sua "L'Action du Peuple", onde os judeus<br />

eram considerados marroquinos, com os mesmos direitos e os mesmos deveres dos<br />

muçulmanos. No moderno estado que deveria ser o novo Marrocos, os judeus seriam cidadãos<br />

e não dhimmis. Desde esta época, os nacionalistas marroquinos apelaram à participação dos<br />

judeus em sua ação política.<br />

Em 10 de abril de 1947, Mohammed V pronuncia em Tanger um discurso onde ele não disfarça<br />

as suas simpatias para com os nacionalistas. E os judeus estavam profundamente ligados à<br />

figura do sultão, lembrando, <strong>por</strong> exemplo, suas atitudes corajosas em favor dos israelitas<br />

durante a Segunda Guerra mundial. Acreditando firmemente nas suas declarações e dos<br />

dirigentes políticos de que, no novo Marrocos, os judeus seriam considerados cidadãos de<br />

primeira classe.<br />

Em maio de 1948, na seqüência da proclamação do Estado de Israel, e a fim de evitar<br />

tumultos, o sultão lançou um apelo ao povo marroquino, no qual recorda aos muçulmanos que<br />

os judeus marroquinos, vivendo há séculos no Magreb, "testemunharam sua devoção e<br />

fidelidade ao trono". Mais: os judeus marroquinos tem no sultão, no trono, em todas as<br />

circunstâncias, "o melhor defensor de seus interesses e seus direitos".<br />

Estas declarações, a reafirmação da amizade do sultão ao povo judeu marroquino, suas<br />

atitudes de defesa da comunidade ante o regime pró-nazista de Vichy, foram interpretadas de<br />

uma forma liberal pelos dirigentes marroquinos, os quais tinham todo o interesse em divulgar<br />

que "o Marrocos de amanhã, democrático, tanto no plano ecnômico como no político e social,<br />

permitirá a todos os seus filhos de desenvolver seus talentos e colocará uns e outros, judeus e<br />

muçulmanos, diante de suas responsabilidades, com direitos iguais e deveres iguais" (palavras<br />

de Pacha Bekkai, publicadas pelo jornal Évidences).<br />

No mês anterior à independência, este tipo de declarações se multiplicaram. As entrevistas de<br />

Abdel Kader Benjelloun, dirigente do Partido Democrático de Independência, ao Jewish<br />

Chronicle, e de Bouabid, membro do birô político do Istqlal, ao Jewish Observer, foram<br />

reproduzidas pelas imprensas francesa, judia e marroquina.<br />

Belafrej, secretário-geral do Istqlal, declara na ocasião que "no Marrocos independente os<br />

judeus não sofrerão discriminação de espécie alguma". No Congresso do Istqlal de dezembro<br />

de 1955, uma moção foi aprovada declarando que os judeus são parte integrante da sociedade<br />

marroquina.<br />

Enquanto o movimento pela independência se organizava, os partidos apelavam à colaboração<br />

dos judeus, convidando-os a formar uma frente comum. Do outro lado, a "União pela Presença<br />

francesa"oferecia seus serviços ao judaísmo marroquino. Espremida entre a bigorna e o<br />

martelo, a maioria dos judeus ficou passiva e atenta. Os incidentes sangrentos que se<br />

multiplicavam nas grandes cidades não eram dirigidos contra os judeus - muçulmanos e judeus<br />

sofreram juntos, da mesma forma. O espetáculo cotidiano de violência, contudo, marcou de<br />

forma profunda as massas pobres do mellah, onde emergia o medo atávico do Árabe.<br />

Certos elementos, sobretudo os de classe social e econômica mais elevada, responderam<br />

afirmativamente aos chamados dos partidos marroquinos, sobretudo dos partidos de esquerda.<br />

Desde 1943, o judeu Léon Sultan liderava o Partido Comunista do Marrocos. Em 1952, o<br />

Partido Democrático contava 2.352 judeus filiados. Animados <strong>por</strong> Joe O'Hana, o Movimento<br />

Nacional Marroquino se propunha a despertar a consciência nacional no seio da população<br />

judaica, de lutar contra o preconceito - e contra as instituições judaicas "separatistas". O<br />

Movimento se propunha, também, a criar associações mistas e a organizar cursos de árabe<br />

para os israelitas.<br />

Durante a reunião de Aix-les-Bains, em agosto de 1955, quando foi decidida a volta do Sultão<br />

Moahmmed V, exilado em Madagascar, e a constituição de um governo marroquino, os<br />

delegados do judaísmo marroquino e representantes do Congresso Mundial Judaico<br />

mantiveram vários encontros com os dirigentes marroquinos. Estes declararam solenemente<br />

que no Marrocos indeendente, os judeus seriam considerados como cidadãos iguais com os<br />

mesmos direitos e os mesmos deveres que os outros marroquinos, que nada seria feito no<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

sentido de restringir sua liberdade religiosa. De seu lado, os dirigentes judeus reafirmaram sua<br />

lealdade ao sultão. No dia 30 de outubro de 1955,os representantes das comunidades<br />

judaicas, ao ensejo de uma assembléia plenária, saudaram "com uma alegria profunda, o<br />

regresso à França de Sidi Mohammed" e "convidam as populações israelitas a se associar aos<br />

seus compatriotas muçulmanos para festejar, com alegria, o regresso do Sultão".<br />

Em novembro de 1955, já em terras francesas, Mohammed V recebia em Saint-Germain-en-<br />

Laye uma delegação do Conselho das Comunidades Israelitas, ocasião em que declara que<br />

"os judeus terão todos os direitos, na legalidade mais absoluta e serão associados à vida<br />

nacional, inclusive aos postos diretivos do governo". Mais adiante, o sultão reafirmava os<br />

direitos e os deveres dos judeus.<br />

O regresso do sultão ao Marrocos foi marcado <strong>por</strong> extraordinárias festas, inclusive <strong>por</strong> parte<br />

dos judeus dos mellahs<br />

Em dezembro, 700 judeus de todos os partidos enviaram a Si Bekkaï, presidente do Conselho,<br />

uma moção afirmando sua participação na ação das organizações políticas e sindicais,<br />

expressando sua vontade de ver os Comitês judaicos e seu Conselho agindo nos limites da<br />

legalidade, notadamente nos assuntos de assistência social e de culto religioso.<br />

O Istqlal mesmo contava com militantes judeus, e mantinha uma seção, a Al Wifaq (O Acordo),<br />

criada pelos dirigentes em fevereiro de 1956 com o objetivo de promover a aproximação entre<br />

as elites muçulmanas e judaicas.<br />

Apesar disso, Joe O'Hana, secretário-geral do Movimento Nacional Marroquino, acusava seus<br />

adversários de tentarem fazer dos judeus "uma minoria distinta", criando um "estado dentro do<br />

estado". Ele pleiteava a supressão do Conselho das Comunidades e dos comitês responsáveis<br />

"pelo isolamento dos judeus dentro da nação marroquina".<br />

"Devemos, nós, judeus, afirmar sem equívocos nossa nacionalidade marroquina. Devemos<br />

participar de um estado moderno,que será nossos(...) no novo Marrocos, não precisaremos<br />

mais de escolas judaicas e escolas muçulmanas(...) é preciso que nos reunamos nos mesmos<br />

clubes e associações, judeus e muçulmanos". Ele sonhava com uma fusão, inclusive, dos<br />

elementos religiosos, condenando os que "tentam nos fechar novamente num mellah políticointelectual".<br />

Outras vozes se faziam ouvir, alguns dirigentes proclamando que "quarenta anos de<br />

Protetorado podem destruir 20 séculos de coexistência ? Apesar das aparências ocidentais, o<br />

judeu marroquino continua profundamente um oriental".<br />

De imediato, a situação não apresentava maiores preocupações à comunidade judaica. O<br />

Sultão e o Istqlal reafirmavam sua promessa de considerar os judeus como cidadãos de<br />

primeira classe e o primeiro ato neste sentido foi o da nomeação de um ministro judeu.<br />

Mas,o patriotismo marroquino dos judeus logo se defrontaria com o seu amor <strong>por</strong> Israel.<br />

Durante os anos 1944-1945, a Organização SIonista Mundial havia estabelecido contato com o<br />

judaísmo local. Seus emissários trabalhavam não apenas nos setores de categoria social mais<br />

elevada, que justamente eram os que resistiam mais à cantilena sionista, mas sobretudo junto<br />

às massas empobrecidas, onde sua mensagem soava como a realização de um velho sonho<br />

messiânico.<br />

No mesmo instante em que o Marrocos se organizava no pós-guerra, da luta pela sua<br />

independência, outra luta se travava no solo da Terra Prometida. E ao mesmo tempo em que o<br />

Marrocos afirmava seus laços com a Liga Árabe, os irmãos judeus a combatiam. No dia 15 de<br />

maio de 1948, foi proclamado o Estado de Israel. Os judeus marroquinos não ocultaram sua<br />

alegria, os muçulmanos, seu desapontamento.<br />

Numa declaração de 23 de maio de 1948, o Sultão ordena a seus súditos muçulmanos que não<br />

cometam quaisquer atos de desordem pública. Ao mesmo tempo, dirige-se aos seus súditos<br />

israelitas, lembrando-lhes "que não percam de vista que são marroquinos". Portanto, que<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

deviam se abster de apoiar a ação sionista ou de manifestar sua solidariedade, "<strong>por</strong>que assim<br />

o fazendo, estarão agindo contra seus direitos particulares e sua nacionalidade marroquina".<br />

De imediato,o apelo não foi levado em consideração pelo povo, e tumultos explodiram em todo<br />

o país, provocando graves incidentes nos dias 7 e 8 de junho em Oujda e em Djerada, no<br />

Marrocos oriental. Morreram mais de quarenta pessoas. Os incidentes foram rapidamente<br />

superados, mas chamaram a atenção das organizações judaicas internacionais para a situação<br />

do judaísmo marroquino.<br />

Entre 1948 e 1956, mais de 90 mil judeus da zona francesa deixaram o Marrocos, destinandose<br />

principalmente a Israel. As autoridades francesas não estimularam essa emigração,<br />

tentaram mesmo impedi-la, mas finalmente fecharam os olhos - et laissez faire.<br />

Mohammed V ordena, a partir de 23 de maio de 1948, o impedimento da emigração para Israel<br />

- que passa a ser organizada clandestinamente.<br />

Na verdade, a decisão do sultão não foi determinada apenas pela solidariedade ao mundo<br />

árabe, mas <strong>por</strong> motivos econômicos: o novo Marrocos não podia se deixar ao luxo de ver uma<br />

fuga de capitais. Mais: o Marrocos precisava, para se tornar um estado moderno, dos seus<br />

elementos mais ocidentalizados, os judeus, que detinham um avanço de pelo menos uma<br />

geração de escolarização face à população muçulmana. Situação semelhante, aliás, aconteceu<br />

na Tunísia, no Egito e no Iraque.<br />

As dificuldades para a obtenção de passa<strong>por</strong>te foram impostas (não apenas aos judeus, aos<br />

muçulmanos que queriam emigrar, também). Entre 1957 e 1961, essas dificuldades eram<br />

quase intransponíveis.<br />

E claro, o Marrocos continuava com suas estruturas feudais e teocráticas de pé, apesar de<br />

várias reformas e veleidades de modernização. O judeu continuava a ser o dhimmi, o pobre<br />

israelita "protegido" do sultão.<br />

A ação da Organização Sionista, a incerteza quanto ao futuro, acabaram provocando o êxodo<br />

de dois terços da comunidade judaica do país onde havia vivido durante vinte séculos...<br />

Este êxodo não foi provocado pela ameaça de uma perseguição sangrenta, deve-se frisar. Fato<br />

único na história judaica contem<strong>por</strong>ânea, os judeus do magreb colocaram-se em marcha sem<br />

uma ordem de expulsão.<br />

Bem verdade que vários incidentes, como o naufrágio do navio "Pisces", em 1959, quando<br />

morreram 43 emigrantes ilegais que se dirigiam a Israel e as humilhações sofridas pelos judeus<br />

quando da visita de Gamal Abdel Nasser a Casablanca, em 24 de dezembro de 1960,<br />

estimularam os setores sionistas a defender o direito de emigração dos judeus marroquinos. O<br />

governo israelense, a Agência Judaica e as diversas organizações judaicas pressionaram o rei<br />

Mohammed V no sentido de deixar os israelitas partir do país, seja para a França, Estados<br />

Unidos, Canadá - e principalmente, Israel. A opinião pública marroquina estava dividida, o que<br />

facilitou as gestões no sentido de partida dos judeus, legal e ilegalmente. A "Opération Eclair"<br />

foi organizada pelos sionistas e entusiasmou a comunidade. Houve casos de judeus que<br />

ousaram declarar publicamente que não necessitavam de passa<strong>por</strong>tes para partir, "podemos<br />

partir <strong>por</strong> nossos próprios esforços e competência".<br />

Houve forte repressão, muitas prisões e várias mortes. Nada obstante, os judeus marroquinos<br />

puseram-se a caminho.<br />

Apesar disso tudo, com o correr dos anos, o rei Moahmmed V voltou a buscar o dialogo com os<br />

judeus. Em 18 de fevereiro de 1961, ele recebeu em audiência uma delegação de seis notáveis<br />

liderados pelo Dr. Léon Benzaquen e mais David Amar, presidente do Consistório Judaico,<br />

Méir Ovadia, antigo presidente do Comitê Judaico de Casablanca e o rabino Shalom Mashah.<br />

A delegação queixou-se ao rei das detenções em massa e das numerosas humilhações<br />

inflingidas aos judeus <strong>por</strong> ocasião da visita de Nasser. O rei, cansado e já doente, expressou<br />

suas desculpas pelos acontecimentos, mas insistiu em que cessasse a imigração ilegal.<br />

A este encontro se sucederam outros, extremamente discretos, envolvendo já agora o governo<br />

de Israel. Ben Gurion e Golda Meir, apoiados neste mistér pelo embaixador norte-americano<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

em Rabat, Charles Just, e até mesmo <strong>por</strong> gestões diretas do presidente John Kennedy, buscou<br />

reabrir o dialogo entre Rabat e Tel Aviv. De Gaulle também foi acionado pela diplomacia<br />

israelense para buscar uma atitude melhor do governo marroquino frente aos cidadãos judeus.<br />

O resultado foi positivo, o Marrocos assinou a Convenção dos Direitos do Homem e o<br />

ministério do Interior, apesar de todos os pesares, reiniciou o fornecimento de passa<strong>por</strong>tes aos<br />

judeus que quisessem partir. Com uma restrição facilmente contornável: livres para emigrar,<br />

salvo para Israel...<br />

Anos mais tarde, os primeiros e mais concretos projetos de dialogo entre Israel e os países<br />

árabes, passaram necessariamente pelo Marrocos. Moshe Dayan, em pessoa, esteve várias<br />

vezes em Rabat onde, com o apoio discreto do rei Hassan, conseguiu adiantar o relógio do<br />

diálogo entre árabes e israelenses.<br />

Ainda hoje, o Marrocos abriga uma grande comunidade judaica, a maior em um país islâmico e<br />

que vive e sobrevive sem grandes sobressaltos - e sem maiores perspectivas. Apesar dos<br />

esforços do governo marroquino em atrair os descendentes (e seus capitais) para uma volta ou<br />

uma parceria com Rabat. Neste sentido, no atual governo, alguns judeus ocupam várias e<br />

im<strong>por</strong>tantes pastas ministeriais.<br />

Por outro lado, a emigração dos marroquinos mudou a face de Israel, seja com a emergência<br />

de crenças populares e religiosas, vestimentas, joalheria, música, literatura, seja na arena<br />

política, onde hoje há vários ministros e lideranças de origem marroquina, inclusive partidos de<br />

militância nitidamente marroquina.<br />

O culto dos santos, <strong>por</strong> exemplo, mesclou-se às tradições sefarditas e orientais, num<br />

sincretismo que já atinge, hoje, o movimento sefardita mundial, inclusive no Brasil.<br />

Vivem hoje no Marrocos, segundo informa o Beth Hatefutsot, 6.500 judeus, dos quais 5 mil em<br />

Casablanca.<br />

SEFARDITAS E ASQUENAZITAS<br />

Como regra geral, costuma-se dividir o povo judeu em dois grupos básicos e distintos, os<br />

asquenazistas e os sefarditas. Os sefarditas seriam os descendentes dos antigos judeus que<br />

habitavam Sefarad, a peninsula ibérica, conservando até hoje sua cultura, sua língua (o<br />

espanholito ou ladino e a sua vertente marroquina, a hakitia) e seus costumes. Há registros da<br />

presença judaica na Ibéria desde o período do rei Salomão. Após o édito de expulsão da<br />

Espanha,em 1492, e o de Portugal, em 1496, os sefarditas iniciaram o período marcado como<br />

o galut dentro do galut, o exílio dentro do exílio. Sempre conservando a riqueza espiritual<br />

conquistada ao longo dos séculos na península. Ao serem dispersados, dirigiram-se para o<br />

norte da África (Marrocos), Grécia, Turquia, os Balcãs, Egito e a Palestina. Apesar de todo o<br />

terror da Inquisição, os sefarditas mantiveram o que se pode chamar de saudosismo que<br />

perdura até hoje. Já o judaísmo <strong>por</strong>tuguês acabou praticamente absorvido pelo espanhol -<br />

nada obstante, persistem até hoje as Comunidades Sagradas de Évora e de Lisboa. E a<br />

sinagoga de Botafogo ostenta, orgulhosa, os termos: sinagoga de rito <strong>por</strong>tuguês.<br />

Contudo, costuma-se incluir entre os sefarditas os judeus orientais ou mizrahim, <strong>por</strong><br />

desconhecimento ou comodidade. Estes, viveram em países árabes próximos do Mediterrâneo<br />

e possuem costumes semelhantes aos dos sefarditas. Os mizrahim já habitavam o Oriente<br />

Médio desde os tempos mais remotos, bíblicos, e nunca se distanciaram muito da Terra Santa.<br />

Usam o árabe como língua do dia a dia e habitavam o Iraque, Líbano, Síria, Iêmen e Egito. No<br />

Marrocos, onde ainda existe outro ramo judaico im<strong>por</strong>tante, o dos bérberes judaizados,<br />

costuma-se dizer que os mizrahim são mais religiosos que os sefarditas. No cemitério de<br />

Tetuan, as alas são divididas, e podemos imaginar que, num passado não muito remoto, era<br />

difícil o casamento de um sefardita com um mizrahi.<br />

Quanto aos asquenazitas, atribui-se sua origem à conversão da tribo dos khazares e a uma<br />

pequena imigração de judeus ibéricos. O idiche descende do alemão, e as diferenças de<br />

costumes entre os asquenazitas é pequena e irrelevante. O que não impediu, até recentemente<br />

(criação do Estado de Israel, fundamentalmente), que existissem divisões entre asquenazitas<br />

russos e romenos, de um lado, poloneses de outro e, é claro, alemães e lituanos distantes de<br />

todos, graças aos seus fôros de cidadãos mais instruídos... O nazismo não levou estas<br />

diferenças em conta.<br />

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FAMÍLIAS JU<strong>DA</strong>ICAS <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Em seu "Eretz Amazônia", Samuel Benchimol elaborou uma lista das famílias marroquinas que<br />

se instalaram na Amazônia, a partir de 1820. Por o<strong>por</strong>tuno, reproduzimos aqui essa relação,<br />

fruto de uma pesquisa incomum e extremamente valiosa:<br />

.<br />

Relação de famílias judaicas de Belém<br />

Nome Cônjugue<br />

Aarão Isaac Serruya Orovido Serruyo<br />

Aarão Malul Gabbay Maria Alice Gabboy<br />

Aba Rascovschi Oro Rascavschi<br />

Abraham Aniiar<br />

Abraham Assayag Durvalina Assayag<br />

Abraham Barcessat Bemergui<br />

Abraham Bemergui<br />

Abraham Dinar Ohana Estrelo Ohono<br />

Abraham Fabrizia Bendayan<br />

Abraham Isaac Benzecry<br />

Abraham Pepe larrat<br />

Abraham Serfaty Maria das Graças Serfaly<br />

Acéa Raichel Azulay<br />

Agostinho Ribeira Barros Esther Benchimal Barras<br />

Agostinho Ribeiro Barros Jr. Valéria Maria P. Barras<br />

Aida Zagury Pará<br />

Alon Kabacznik Zatz<br />

Albert Samuel Gabbay Ceci Gabbay<br />

Alberto de Matos Serruya Myriam Serruya<br />

Alberto Jacob Serruya Orly Israel Serruya<br />

Alberto Menasseh Zagury<br />

Alegria Aniiar Benzecry<br />

Alegria Bemerguy Gabbay<br />

Alegria Dahan<br />

Alegria Nahon Zagury<br />

Alegria Soares<br />

Allredo Abitbol<br />

Alida Levy<br />

Alirio Saraiva Serruya Mercedes Serruya<br />

Amélia Bemerguy<br />

André Teixeira Dias Jaqueline Orengel Dias<br />

Anita Aniiar<br />

Antonio Carlos R. da Costa Ruth Larrot da Casto<br />

Ari Zugman Noêmia Zugman<br />

Arlete Melul<br />

Aurenir Soares Serruya Bitran<br />

Aziza Clara Bitran<br />

Aziza Serruya<br />

Aziza Serruya Benmuyal<br />

Barbara Gambôa Serruya<br />

Bela Serruya<br />

Benjamin Abraham Ohana Waldenice Ohana<br />

Benjamin Joseph Israel Eliane Israel<br />

Brunno Serruya<br />

Carlos Alberto da Rocha Bonina B. Rocha<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Carlos Antônio de Araújo Anelte S. de Araújo<br />

Carlos de Matos Serruya Marilia Serruya<br />

Celeste Serqueira Serruya<br />

Charles Hamú<br />

Charles leon Serruya<br />

Cidalia Saraiva Serruya Bitran<br />

Clara Aguiar Benchimol<br />

Clara Benoliel Vascancelos<br />

Claude Messod Hamanie Mery Hamanie<br />

CIaudio Rodrigues de Souza Raquel Bemerguy Souza<br />

CIóvis Amorim de Oliveira Pérola Zecry de Oliveira<br />

Cota Larrat<br />

Cota levy<br />

Cota Melul Dahan<br />

Dan Raphael levy<br />

Daniel Barcessat<br />

Danielle Serfaty<br />

Darcy Bitran<br />

David Aarão S. Serruya Bitran<br />

David Aben-Athar Nícia Aben-Athar<br />

David Benzecry<br />

David Gabbay Rulh B. Gabbay<br />

David Jacob Serruya Myrian Barcessat Serruya<br />

David José Tobelém Clara Tobelém<br />

David Leon Serruya Rosa Maria Nunes Serruya<br />

David Marcos Nahon<br />

David Marcos Tobelém Coaracy Tobelém<br />

David Moysés Tobelém<br />

David Pereira Serfaty<br />

Deborah Bemerguy Gabay<br />

Demerval Dalledone Raquel Pazuella Dalledone<br />

Dêmio Maués Viana Gabriela Athias Víana<br />

Dinah Aflalo Ohana<br />

Dione Pereira Serfaly<br />

Disraely Menasseh Zagury Sarah Noemi C. Zogury<br />

Donnina Amzlak<br />

Douglas Leão Serruya<br />

Edgar Contente Clara Aguiar Contente<br />

Edmundo Barros Maia Celeste Obadia Maia<br />

Edmundo Lauria Sobrinho Lilian Clara lauria<br />

Eduardo M Jacob Benzecry Ana Unger Benzecry<br />

Efraim Bentes<br />

Eli Chocron<br />

Elias Aorão Serruya Nádia de A Serruya<br />

Elias David Dohan Marlene Tobelém Dahan<br />

Elias Elmescay Helena Karp Elmescany<br />

Elias Farage Syme Benchaya Faroge<br />

Elias Gerordes Gabboy<br />

Elias Isoac Serruya<br />

Eljas Jacob Benchoya<br />

Elias José David Israel Sarah Israel<br />

Elias Leão Israel Adriana Farag Israel<br />

Elias Leão Serruya Orovida Serruya<br />

Elias Marcos Pinto Alegria Cohen Pinto<br />

Elias Messod Benzecry Safira Benzecry<br />

Elias Meyr Ohana<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Elias Ohona<br />

Elias Pozuello<br />

Elias Pinto de Almeida Renne Pazuella<br />

Elias Salomõo Bemuyal Helena Benzecry Almeida<br />

Elias Salomõo Mendes Raquel Azulay Bemuyal<br />

Eliezer Athias Clara Nahan Mendes<br />

Eliza Sarraf Vera Maria Alice Athias<br />

Elizer Jayme Levy<br />

Emanoel Zogury Tourinho<br />

Emília Beljcha Nahon<br />

Esmerolda Cohen<br />

Esther Bemuyal<br />

Esther Benchimol Barros<br />

Esther Eigronby<br />

Esther Melul<br />

Esther Moysés Benmuyal<br />

Esther Rossy<br />

Esther Serruya<br />

Esther Serruya Sjcsu<br />

Esther Zagury Silvo<br />

Estrela Bentes<br />

Estrela Bentes Serruya<br />

Estrela Pozuello<br />

Estrela Tobelém<br />

Fábio Unger Esther Unger<br />

Fábio Vasconcelos Nina Vasconcelos<br />

Fernando A C Miranda Michele Larrat Miranda<br />

Fernando Botelho<br />

Fernando Brasil Couto Sandra Orengel Couto<br />

Fernando Carnut Rêgo Simone Soares Rêgo<br />

Fernando E da Silva Esther Zagury Silva<br />

Fernando José Elarrat Cristina Elarrat<br />

Fortunoto Athias Raquelita Athias<br />

Fortunoto Chocron<br />

Fortunato Lancry Vilma Lancry<br />

Francisco Cal Raquel Barcessat Cal<br />

Francisco de Canindé G Pimentel<br />

Franklin Samuel Levy Virgínia Levy<br />

Geraldo Oliveira Suely Larrat Oliveira<br />

Gersino Ferreiro Júnior Orovida Benmuyal Ferreira<br />

Gerson Menasseh Zagury Nancy Zagury<br />

Gerson Pinto<br />

Gimol Bemerguy Gobboy<br />

Gimol Benhimol<br />

Halia Fima<br />

Hanna Levy Soares<br />

Harry David Serruyoa Ana Serruya<br />

Hector Soul Morel Esther Lúcia A Mohel<br />

Helena Aben-Athar Bemerguy<br />

<strong>Henrique</strong> Berman Dina Berman<br />

Herman Bendayan Nair Rodrigues Bendayan<br />

Inácio Obadio<br />

Isaac Abrão Serruyo<br />

Isaac Abraham Serruyo Dafna Serruya<br />

Isaac Abtibol Maria das Graças Abitbol<br />

Isaac Aguiar Consuelo C Aguiar<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Isaac Borcessot Clara B Barcessat<br />

Isaac Benguigui Pérola Nahon Benguigui<br />

Isaac David Azuloy<br />

Isaac David Nahon Rosangela O Nahon<br />

Isaac Elias Israel Messod S. Israel<br />

Isaac Elmescony Myriam Elmescany<br />

Isaac Jocob Serruyo Milda Franco Serruya<br />

Isaac Joyme Serruyo Orovida Serruyo<br />

Isaac Joseph Israel Ângela Israel<br />

Isaac Pepe Larrat<br />

Isaac Roichel Azulay Simone R Azulay<br />

Isaac Romiro Bentes Milene Soares Bentes<br />

Isaac Solomão Mendes Ivone Gabbay Mendes<br />

Isaac Somuel Benchimol Zilma Gomes Benchimol<br />

Isaac Serruya Célia leite Serruya<br />

Isaac Soares<br />

Itajai de Albuquerque Esther B Albuquerque<br />

Jacinto Aben-Athar Creuza Aben-Athar<br />

Jocob Aben-Athar Cota Nahon Aben-Athar<br />

Jocob Benchaya Mery J Benchaya<br />

Jocob Dahan Alegria Zagury Dahan<br />

Jocob David Serruya Esther Cohen Serruya<br />

Jocob Gabbay<br />

Jocob Jayme Pinto Maria Pinto<br />

Jocob Lancry Syme Bemuyal Lancry<br />

Jocob Maluf Gabbay Esther Gabbay<br />

Jocob Messod Benzecry Helena Obadia Benzecry<br />

Jocob Orengel Margareth Serruya Orengel<br />

Jocob Rafael Soares Vera Lúcia Soares<br />

Jayme Benathar Assayag Sarah Assayag<br />

Jayme Elias Bentolila Ivanilda Vélia Bentolila<br />

Jayme Elmescany Esther Elmescany<br />

Jayme Isaac Benzecry<br />

Jayme Ruben Pazuello Jovina M Pazuello<br />

Jayme Soares Vera Alice B Soares<br />

Jimmy Joseph Israel Júlia Stela Israel<br />

João Augusto Lobato Silva Simile Aben-Athar<br />

Joel Leão Serruya<br />

José Abraham Benchimol Irani Benchimol<br />

José Aflalo Pérola Tobelém Silva<br />

José Assayag Sobrinho Aioledes Quadros Assayag<br />

José B Serruya Fleuryce Serruya<br />

José Bemuyal Zagury<br />

José Bencid<br />

José Bohadana<br />

José Canen Raquel Gabbay Canen<br />

José Elias Zagury Syme Aben-Athar Zagury<br />

José Inácio Nardi Clara Pinto Nardi<br />

José Isaac Benzecry Vera B Benzecry<br />

José Isaac Serruya Lise Borcessat Serruya<br />

José Jacob Benzecry Jaqueline Benzecry<br />

José Jacob Essucy Esther Vânio Essucy<br />

José Jocob Serruya Gênia Serruya<br />

José Jayme Levy CIáudia Levy<br />

José leão Serruya CIáudia Aboul Serruya<br />

José Messod Azulay Messody Azulay<br />

José Orengel Belizia Abitbol Orengel<br />

José Samuel Benzecry Orovida S Benzecry<br />

José Serruya Bitran<br />

José Tobelém Mery Alcomumbre Tobelém<br />

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Júlia Bemuyal Zagury<br />

Júlia Tobelém<br />

Julius Serruya<br />

Kedma Faria Tavares<br />

Léa Obadia Aben-Athar<br />

Léa Serruya<br />

Leão Aguiar<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Leão Aguiar Neto Reina Abtibol Aguiar<br />

Leão Dinar Ohana<br />

Leão Elias Israel Alice A. Israel<br />

Leão Isaac Serruya Alegria Serruya<br />

Leão Salomão Aguiar<br />

Leão Unger<br />

Ledicia Serruya<br />

Ledicia Zagury Benzecry<br />

Léo de Matos Serruya Conceição Serruya<br />

Levy Anijar<br />

Levy Mayer Obadia Ruth Alves Obadia<br />

Lia Serruya Bemuyal<br />

Lidia Essucy<br />

Luciola Teixeira Serruya<br />

Lucy Prienken Larrat<br />

Luiz A Barile de Carvalho Silvia Helena Benchimol<br />

Luiz Afonso Sefer Camile Bemerguy Sefer<br />

Luiz Eduardo Santos Silva Syme Soares Silva<br />

Luiz Felipe de Melo Filho Messody Bemerguy Melo<br />

Luiz Fonseca Pérola Serfaly Fonseca<br />

Luiz Gonzoga da Silva Pérola Athias Silva<br />

Luiz Otávio Pontes Bonina Bemerguy Pontes<br />

Luna Nahmias<br />

Luna Zagury<br />

Luz Abensur Bemerguy<br />

Mair Serfaty Ana Maria C Serfaty<br />

Monoel Marques Silva Neto Vanja Rachel Bentes<br />

Mara Lucia Benchimol<br />

Marcelo Berman Kátia Correa Berman<br />

Marcelo H Liboa dos Santos Gina Júlia S. Santos<br />

Marcelo Serruya<br />

Marcelo Serruya Bitran<br />

Márcio Guerra Frida Azulay Guerra<br />

Marcos Abitbol Neto Maria Helena Abitbol<br />

Marcos Alcaim Mery Azulay Alcaim<br />

Marcos Belicha Alves Alegria Gabbay Alves<br />

Marcos Benguigui Maria das Graças Benguigui<br />

Marcos David Nahon Sandra Serruya Nahon<br />

Marcos Jayme Belicha Alegria G Belicha<br />

Marcos José Nahon Graça Nazaré Nahon<br />

Marcos Orengel Laura Cézar Orengel<br />

Marcos Salomão Pinto<br />

Marcos Serruya Celeste Pinto Serruya<br />

Marcos Soares Edna L B Soares<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Margareth Serruya Orengel<br />

Maria do Carmos Lima Pinto<br />

Mariana Benarrós<br />

Mário Femandes Medeiros Jr Suely Serruya Medeiros<br />

Maurício Berman Clara Berman<br />

Max Barcessat Bemerguy Paula M Bemerguy<br />

Max Gabbay<br />

Max Jacob Pinto Telma Suely Pinto<br />

Mayer Levy Obadia Haziza Anijar Obadia<br />

Menahen Serruya Erna Serruya<br />

Menasseh José Nahon<br />

Menasseh José Zagury Messody Athias Zagury<br />

Menasseh Leon Nahmias Darkler Aires Nahmias<br />

Mendel Eliasquevici Rubida Eliasquevici<br />

Mercedes Zagury<br />

Mery Levy Bentes<br />

Mery Melul<br />

Mery Serfaly Cohen<br />

Messody Bemerguy Gabbay Pereira<br />

Messody Levy Barcessat Myriam L Barcessat<br />

Messody Mendes Azulay<br />

Messody Roffé<br />

Messody Serruya Bentes<br />

Messady Serruya Bitran Silva<br />

Moacir Stein Ruth Linda Benchimol Stein<br />

Moisés Auday<br />

Moisés Cohen<br />

Moisés David Nahon Graciete O Nahon<br />

Moisés Elmescany<br />

Moisés Hernan Bandayan<br />

Moisés Isaac Bemerguy Alita Bensimon Bemerguy<br />

Moisés Leon Nahmias Conceição Nahmias<br />

Moisés Levy<br />

Moisés Marcos Alves Raquel B Alves<br />

Moisés Pepe Larrat<br />

Morse Shimon Israel Sigalitte Israel<br />

Moyses Barcessat Belizia Aben-Athar<br />

Moysés Isaac Benchimol<br />

Moysés Isaac Benzecry Suely Benzecry<br />

Moysés Leão Melul<br />

Moysés Maurício Hamoy Rivetle G Benchimol<br />

Myriam Athias Bendahan<br />

Myriam Barcessat Bemerguy<br />

Myriam Bensimon<br />

Myriam Gabbay Assayag<br />

Myriam Nahmias<br />

Myriam Serruya Bitran<br />

Narciso Nahon<br />

Natan Levy<br />

Nazareno Tourinho Myriam Zagury Tourinho<br />

Nelson de Matos Serruya Maria Perpétuo S. Serruya<br />

Nelson Pinto lana Barcessat Pinto<br />

Nissim Aben-Athar<br />

Nissim Marcos Tobelém<br />

Nissim Pepe Larrat Valdiva Faraco Larrat<br />

Norma Suely Serruya Sicsú<br />

Odilson Ferreiro Jr.<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Oro Bemerguy Gabbay<br />

Orovida B Serruya<br />

Oscar Luzi Goldemberg Eliane Martins Goldemberg<br />

Osmar Tadeu Miranda Nadia Larrat Miranda<br />

Oswaldo Alcântara Luciléia Athias Alcântara<br />

Paulo Carneiro Freitas Cota Benzecry Freitas<br />

Paulo César Arruda Pérola Bendayan Arruda<br />

Paulo Loureiro Myriam Bentes Loureiro<br />

Paulo Roffé Borges<br />

Paulo Sérgio Weyl A Costa Susane Serruya Weyl Casta<br />

Pepe Marcos Tobelém Sunny Obadia Tobelém<br />

Pérola Tobelém Benchimol<br />

Preciada Levy Athias<br />

Rachel Laredo<br />

Rachel Moysés Benmuyal<br />

Rachel Ohana<br />

Rafael M Ohana<br />

Rafael Moisés Alves<br />

Raif Jorge Mauad Léa Benarrós Mauad<br />

Raimundo F Serruya Jandira S Serruya<br />

Raimundo Salin Kalili<br />

Ramiro Bentes Janete Serruya Bentes<br />

Ramiro Jayme Bentes Esther Bemerguy Bentes<br />

Raphael lsaac Bemerguy Marieda F Bemerguy<br />

Rophael Levy Alida Viégas Levy<br />

Raquel Aben-Athar Pinto<br />

Raquel Fima de Castro<br />

Raquel Isaac Bemerguy<br />

Raquel Serruya Gabbay<br />

Raquel Soares<br />

Raquel Tobelém<br />

Raul dos Santos Júnior Léa Serfaty Ferreira<br />

Rebeca Coeli Alves<br />

Reina Benzecry<br />

Reina Serruya<br />

Reina Silva<br />

Renée Alves<br />

Ricardo Unger Simone Assayag Unger<br />

Ricas Bibas de Castro<br />

Roberto Maluf Gabbay<br />

Rodinaly da Silva Maia<br />

Ronaldo Luongo Raquel Kabaczinik Luongo<br />

Rosilene R Serruya Bitran<br />

Ruben Ronaldo Serruya Rosângela Serruya<br />

Ruth Léa Bemerguy<br />

Ruy Aguiar Deise Oliveira Aguiar<br />

Sabrina Serruya<br />

Salomão Elias Benmuyal Elaine Benmuyal<br />

Salomão José Tobelém<br />

Salomão José Zagury<br />

Salomão Mendes<br />

Salomão Soares Raquel Larrat Soares<br />

Salvador Leon Nahmias Vera Nahmias<br />

Samuel Abraham Semuya<br />

Samuel Aguiar Maria José Aguiar<br />

Samuel Albert Gabbay Myriam S Gabbay<br />

Samuel Athias<br />

Samuel Elias Gabbay<br />

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<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Samuel G Rodrigues Sonia Suley Pinto<br />

Samuel Hilel Benchaya Edna Hilel Benchaya<br />

Samuel Joseph Israel Hanna Belicha Israel<br />

Samuel Kabacznik Alegria A Kabacznik<br />

Samuel Moysés Levy Débora Levy<br />

Samuel Ramiro Bentes Vera Lúcia Cruz Bentes<br />

Sandra Raquel Sicsú de Paula<br />

Sarah Benchimol<br />

Sarah Benfenaty<br />

Sarah Roffé Borges<br />

Scott Anderson Lilian Serruya Anderson<br />

Sebastião Carvalho Felicidade B. Carvalho<br />

Sérgio Elarrat<br />

Sérgio luiz Meneschy Lyliam Bemerguy Meneschy<br />

Simão Bentes Fortuna Larrat Bentes<br />

Simão de Oliveira Deborah Pinto Oliveira<br />

Simão Hernan Bandayan<br />

Simão Isaac Benzecry Maria Rasa F Benzecry<br />

Simão Jacob Benchaya Sonia Maria Benchaya<br />

Simão Zatz Elka Zatz<br />

Sonia Abadia<br />

Sultana Bentes<br />

Sultana Cohen<br />

Sultana Serruya<br />

Syme Alves<br />

Syme Gabbay<br />

Syme Larrat Tobelém<br />

Syme Pazuello Mendes<br />

Syme Soores Rossi<br />

Vanja Bentes<br />

Walter Vidal Foinquinos Lourdes Foinquinos<br />

Welton Pimentel Helena Obadia Pimentel<br />

Yeda Kaalz Nahon<br />

Yossef Kabacznik Jóia Kabacznik<br />

Zacarias Elmescany<br />

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Relacão das famílias judaicas de Manaus<br />

Nome Cônjugue<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Aarão Leão Foinquinos Regina Glauce Fainquinos<br />

Aarão Leão Ohana<br />

Aaron Benchimol Inah Benchimol<br />

Abraham Benzion Júlia Benzion<br />

Abraham Bohadana<br />

Abraham E Melul Renée Hanan Melul<br />

Abraham Jayme Benemond<br />

Abraham Larrat Maria de Lourdes Larrat<br />

Abraham M Benmuyal Veridiana Cassas<br />

Abraham M Benzecry Clarice Pozuello Benzecry<br />

Abraham Moysés Cohen Mario Mirtes Cohen<br />

Abraham Pinto<br />

Abraham S Serrulha Meryane Z Serrulha<br />

Adelino J Garcia<br />

Aida Pazuello<br />

Luiz FIávio B Simões Aida Renée A Hanan<br />

Albertino Azulay Mello<br />

Alberto Abecassis<br />

Alegria Israel<br />

Alice Benchimol<br />

Ambrósio Assayag Débora Baraúna Assayag<br />

Arão Abtibol<br />

Aron Hakimi Sandra Hakimi<br />

Asher Benzaken Adele Schwartz Benzaken<br />

Augusto Pacífico Ezaguy Joaquina Ezaguy<br />

Aziza Serruya Abtibol<br />

Azury Benzion Amanda Ladeira Benzion<br />

Beniamin Benchimol Natasha Benchimol<br />

Beniamin Benzecry Alice Benzecry<br />

Bonina Serruya Rodrigues<br />

Celeste Elgaly<br />

Celso Neves Assayag Sheyla Vieira Assayag<br />

Clara Azulay Mello Liberal MelIo<br />

Cota Pazuello<br />

Dani Schwarcz Hellen Benzecry Schwarcz<br />

Daniel lsrael Amaral Danielle Amaral<br />

David Bensadon<br />

David Gerzvolf<br />

David Oliveira Benchimol<br />

David Pinheiro Israel<br />

David Salgado<br />

David Simão Benoliel<br />

David Tayah<br />

Davis Benzecry<br />

Deborah Laredo Jezine<br />

Denis Fred Benzecry<br />

Denise Benchimol Resende<br />

Eduardo Abraham Kauffman<br />

Eduardo Csasznik<br />

Elias Abraham Azulay<br />

Elias Simão Assayag<br />

Ely Hizkiano<br />

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Esther Benchimol<br />

Esther Cohen<br />

Esther Cohen<br />

Esther Nilza Levy<br />

Ezra Benzion<br />

Flora Israel<br />

Frank I Benzecry<br />

Franklin Isaac Pazuello<br />

Fred I Benzecry<br />

Giza Abtibol<br />

Hermes Israel Amaral<br />

IIko Mintschev Minev<br />

Isaac Abraham Benchimol<br />

Isaac Bemerguy Ezaguy<br />

Isaac Benarrós<br />

Isaac Beniamin Benchimol<br />

Isaac Dahan<br />

Isaac Moysés Cohen<br />

Isaac Raphael Assayag<br />

Isaac Sidney Benchimol<br />

Isaac Tayah<br />

Ivan Fred Benzecry<br />

Jacob Abraham Benzecry<br />

Jacob Cohen Assayag<br />

Jacob Edelman<br />

Jacob Fortunato Cohen<br />

Jacob Laredo<br />

Jacob Larrat<br />

Jacob Moysés Cohen<br />

Jaime Samuel Benchimol<br />

Janete Israel<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

Janete Silva<br />

Jayme Benchaya Filho Margarida Benchaya<br />

Maria Duarle Santos<br />

Jéssica Sabba<br />

Tayah Alba<br />

Terceira Benzecry Rochesler Jezine<br />

Paulo iemini Resende<br />

Claudia Csasznik Rulh Azulay<br />

Amanda Benzian<br />

Cley Said Benzecry<br />

Léa Maria Pazuella<br />

Lúcia Obadia Benzecry<br />

Amari!is Amara!<br />

Nara Benchima! Minev<br />

Soro Bentes Dohon<br />

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Creuzo Barbosa Cohen<br />

lrlena Leal Benchimol<br />

Genine Portela Tayah<br />

Silvana Benzecry<br />

Creuza Farias Benzecry<br />

Piedade Abecossis Cohen<br />

Mônica laredo<br />

Mo José Carvalho Larrat<br />

Piedade Abecassis Cohen<br />

Anne G Benzecry Benchimol<br />

Jayme Isaac Pazuella Janathan<br />

Saul Benchimol<br />

Jorge Ney A Bentes<br />

José Laredo<br />

José Maria Assayag<br />

José Pacífico Ezaguy<br />

José Pazuello<br />

José Rafael Siqueira Filho<br />

Josué Maxwell Israel<br />

Joy Israel<br />

Juarez Frazão Rodrigues Jr<br />

Júlio Benoliel Silva<br />

Karlo C Ohana<br />

Léa C Abecassis<br />

Leão Aorão Ohana<br />

Leão Israel<br />

Lívio Assayag<br />

Lucinda Tayah<br />

Luna Cagy Cohen<br />

Mo Gina Cardoso Vasques<br />

Marcelo Daniel Laredo,<br />

Morcela Gerzvolf<br />

Marcio Galdbach<br />

Maria Rosa Lozano Barros<br />

Mariel Benayon Mello<br />

Maria Abraham Cudek<br />

Mario Antonio Sussman<br />

Marlene Fortunato Cohen<br />

Mathilde Esther B Ezaguy<br />

Maxim Mamam Gonçalves<br />

Mery Helena Koifman<br />

Mery Ohana<br />

Messod Gilberto S Benzecry<br />

Messod Pazuello<br />

Meyer Isaac Pazuello<br />

Meyr David Israel<br />

Michael Schwarcz<br />

Mirian Abtibol<br />

Mirian Laredo Sousa<br />

Moisés Salgado<br />

Moysés Benarros Israel<br />

Moysés Elias Azulay<br />

Moysés Fortunato Cohen<br />

Moysés Gonçalves Sabba,<br />

Moysés Laredo<br />

Moysés Leão Ohana<br />

Moysés Oliveira Benchimol<br />

Moysés Santos<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

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Deusenir Benchimol<br />

Sonia Laredo<br />

Fatima Assoyag<br />

Bonina Bemergui Ezoguy<br />

Anne M Israel Lopes<br />

Francisca Assis B Silva<br />

Zulmira Ohana<br />

Elisabeth R Gonçalves<br />

Luzione Benzecry<br />

Roimundo Pozuello<br />

Rivka Schwarcz<br />

Júlio Césor de A Dios<br />

Selmo Salgodo Phillsrael<br />

Marineide Azulay<br />

Salete Mangueiro Cohen<br />

Vânia Sabba<br />

Margoreth Ohana<br />

Voniro Benchimol<br />

Antonio Santas<br />

Myrian Kaifman C da Cunha<br />

Naftaly Ohev Zian<br />

Nathan Abraham Benchimol<br />

Nathan Samuel Benzecry<br />

Nathan Toyoh<br />

Nilzo Levy<br />

Nina Laredo Pinto<br />

Njssim J Benoliel<br />

Njssim Pazuello<br />

Njssim Venouziou<br />

Noeme Israel<br />

Noval Benoyon Mello<br />

Otto Fleck<br />

Paulo Frederico C da Silva<br />

Pedro Houser<br />

Pérola Cohen Assayag<br />

Pérola Serruya Rodrigues<br />

Piedade Ohana<br />

Ralph Assayag<br />

Raoul Woreczek<br />

Rejno Ohana<br />

Reno Abtibol de Brito<br />

Ricardo Samuel Benzecry<br />

Roberlo Fleck<br />

Ruben Eljas Azuloy<br />

Ruth Abecassis Oliveira<br />

Ruth Benzecry C Sousa<br />

Ruth Israel Lopes<br />

Sofira Ohana<br />

Salomão Eigaly<br />

Salomão Forlunato Cohen<br />

Salomão Israel Benchimol<br />

Salomõo Jacob Benoliel<br />

Salomão Laredo<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

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Salomão Soares Abecassis<br />

Samuel Afalo Marques<br />

Samuel Aguiar<br />

Samuel Appenzeller<br />

Samuel Assayag Honan<br />

Samuel David Israel<br />

Samuel Eigaly<br />

Samuel Elias Azulay<br />

Samuel Benchimol<br />

Samuel Koifman<br />

Samuel Messod Benzecry<br />

Samuel Pereira<br />

Sandra Mello Pinheiro<br />

Saphira Assayag<br />

<strong>OS</strong> <strong>OS</strong> HEBR HEBRAIC<strong>OS</strong> HEBR AIC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AMAZÔNIA</strong><br />

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BENCHIMOL, Samuel - "Amazônia, um pouco antes e além depois",Manaus, 1977<br />

BENTES, Abraham Ramiro - "Os sefardim e a Hakitia", Rio, 1981<br />

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