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Cela 14 - TL Gomes portfolio

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Horieste <strong>Gomes</strong><br />

<strong>Cela</strong> <strong>14</strong><br />

militância, prisão e liberdade<br />

Goiânia<br />

2009


G633c<br />

Copyright © 2009 by Horieste <strong>Gomes</strong><br />

Capa, projeto gráfico e editoração:<br />

Thiago Luis <strong>Gomes</strong><br />

arte da capa sobre fotos da iStockphoto<br />

Revisão:<br />

Marta Angélica Vale<br />

Ficha catalográfica<br />

<strong>Gomes</strong>, Horieste<br />

<strong>Cela</strong> <strong>14</strong>: militância, prisão e liberdade/ Horieste <strong>Gomes</strong>.<br />

Goiânia: Ed. do Autor, 2009.<br />

354 p.<br />

1. Política - Goiás - história. 2. Ditadura - história - Brasil.<br />

1. Título.<br />

2009<br />

CDU: 32 (81) (091)<br />

32174 (81) (091)<br />

Fotos/imagens:<br />

Álbum de família: página 62, 65, 175, 288, 291, 320, 326, 329, 331.<br />

Álbum pessoal: página 50, 59, 84, 185, 213.<br />

Reprodução: página 34, 44, 76, 93, 101, 157, 191, 215, 219, 223, 233, 250, 269, 317.


PREFÁCIO<br />

Nota de esclarecimento<br />

Este depoimento, muito embora parcial, retrata a minha militância<br />

política no Partido Comunista Brasileiro (PCB), a prisão ocorrida<br />

em 1972 e 1974, cumprida no 10º Batalhão dos Caçadores,<br />

hoje 42º Batalhão de Infantaria Motorizada (BIM), no Grupo de Artilharia<br />

Motorizada (GAM) em Brasília, no Pelotão de Investigação Criminal<br />

(PIC) em Brasília e no Cepaigo, assim como as razões que me levaram<br />

a deixar o Brasil e pedir asilo político na Suécia.<br />

Narra a organização e luta dos camponeses de Formoso, Trombas e<br />

de Alvorada do Norte, em defesa de suas terras, contra latifundiários, grileiros,<br />

policiais e jagunços, além do papel de determinadas organizações de<br />

esquerda contra o regime militar.<br />

Descreve também o importante papel político desempenhado pelo<br />

movimento de anistia na reconquista do estado de direito no Brasil, exigindo<br />

democracia e denunciando arbitrariedades e crimes que enlutaram<br />

a família, a sociedade e a pátria brasileira e que macularam o nome das nossas<br />

Forças Armadas.


8<br />

CELA <strong>14</strong><br />

Relata o período da minha prisão à liberdade; o exílio e o retorno à<br />

pátria, após a conquista da Anistia Nacional (Lei 6.683, de 28 de agosto de<br />

1979), e a nova militância política no Comitê Gregório Bezerra do PCB.<br />

Também ressalta o significativo papel político-cultural exercido pelo<br />

Centro de Estudos Filosóficos e Econômicos do Estado de Goiás (Cefeg) e<br />

pelo Instituto Cultural Brasil/URSS-GO.<br />

Revela o teor de vários documentos militares sob o carimbo “confidencial”,<br />

e extratos de documentos encontrados no arquivo do Departamento<br />

de Ordem Política e Social (Dops) em Goiás.<br />

Finalmente, aborda a luta da Associação dos Anistiados de Goiás<br />

(Anigo) em prol dos direitos dos atingidos por ações repressivas e pela legislação<br />

arbitrária do regime militar. Assim como o empenho do governo<br />

do Estado de Goiás, na época exercido pelo governador Marconi Perillo,<br />

editando lei e decreto de regulamentação que permitisse o reconhecimento<br />

do perseguido político à condição de anistiado político, com direito a ressarcimento<br />

econômico por perdas materiais sofridas, porque as perdas<br />

existenciais jamais podem ser ressarcidas, não têm preço e registro nos arquivos<br />

militares. Em si, o documento é um testemunho fidedigno dos<br />

acontecimentos por mim vividos e sentidos nos cárceres da ditadura nazi-fascista<br />

dos governos militares, particularmente no PIC, durante a gestão<br />

do general Emílio Garrastazu Médici.<br />

Como historiador e vítima dos atos cometidos por agentes da repressão,<br />

procurei afastar da minha mente a revolta incontida em meu ser<br />

sob o jugo dos verdugos do regime ditatorial. Confesso que não é nada fácil<br />

abstrair da memória ferida as cicatrizes da violência sofrida, pois, a cada<br />

momento em que mergulho no meu subconsciente, elas retornam a<br />

minha mente, avivando fatos e atitudes abomináveis ocorridas no período<br />

repressivo. Simultaneamente, os comparo a acontecimentos do presente<br />

sob o regime neoliberal a que estamos submetidos, considerado por<br />

muitos brasileiros como sinônimo de democracia, progresso e de justiça<br />

social. Infelizmente, em muitas ocasiões, agentes pragmáticos do regime<br />

político atual, sob a cobertura da lei e da ordem positivista instituída, praticam<br />

nos cárceres, e mesmo a céu aberto, atitudes semelhantes às dos militares<br />

nos anos de chumbo, muito embora tenhamos conquistado uma


NOTA DE ESCLARECIMENTO<br />

relativa democracia e a legislação penal brasileira condene qualquer modalidade<br />

de prática criminosa. Combatem a violência com violência, praticam<br />

a “lei do cão”, do abuso de poder. O desfecho dessas tragédias humanas<br />

recai, principalmente, sobre adolescentes e jovens desassistidos pelo<br />

poder público e privado, sendo eliminados de forma brutal, como se não<br />

tivessem direito à própria existência.<br />

A verdadeira democracia, aquela que eleva o Estado Nacional à condição<br />

de Nação livre e soberana; o indivíduo à condição de cidadão da pátria,<br />

portanto, dotado de deveres a cumprir e direitos a receber; aquela que<br />

resgata a dignidade e respeitabilidade do ser humano no convívio com o<br />

seu semelhante, com a sua comunidade e sociedade e com a Natureza ainda<br />

tem que ser construída no Brasil. Sua construção passa pela luta dos trabalhadores<br />

organizados em suas entidades representativas: sindicatos e associações<br />

de classes; associações comunitárias de ruas, quadras e bairros;<br />

de partidos políticos engajados com o projeto de reconstrução nacional; da<br />

luta de minorias étnicas e raciais em busca do resgate e preservação de suas<br />

identidades culturais e dos seus direitos civis; de instituições acadêmicas de<br />

educação, ensino e pesquisa; de entidades científicas e culturais de profissionais<br />

liberais; de instituições religiosas e esportivas; de segmentos nacionalistas<br />

de nossas Forças Armadas imbuídos do firme propósito de defesa<br />

da soberania nacional; de organizações ambientalistas que estejam, realmente,<br />

comprometidas com a defesa e preservação do meio ambiente local,<br />

regional e nacional, e da Gaia vista como “um todo e uma unidade funcional,<br />

onde tudo está concatenado” (LUTZENBERGER, 1995).<br />

No fundamental, significa o engajamento de classes, categorias,<br />

segmentos e grupos sociais assumindo os seus papéis históricos na construção<br />

da verdadeira democracia popular brasileira. Luta essa que resultará<br />

do embate das classes sociais antagônicas, ocorrendo avanços e<br />

recuos, e permanente estado de depuração dos políticos/politiqueiros,<br />

os quais, infelizmente, foram guindados aos cargos eletivos dos Poderes<br />

da República pelo tido e havido voto democrático, livre e consciente dos<br />

eleitores. Como é do conhecimento das pessoas esclarecidas, em sua<br />

grande maioria, os nossos políticos não possuem a formação geral necessária<br />

para exercer, com ética e competência, o seu mandato. Muito<br />

9


Sumário<br />

INTRODUÇÃO<br />

Explicação necessária ........................................................................18<br />

PARTE I<br />

Militância e prisão<br />

Da razão da narrativa ....................................................................................25<br />

As organizações e as lutas dos camponeses<br />

antes e após o golpe de 31 de março de 1964 ..............................................34<br />

Depoimento de um retirante: Ambrósio Silva Pereira ..............................37<br />

Memórias políticas dos anos 50 ....................................................................44<br />

As organizações camponesas e a luta dos posseiros ..................................49


As lutas de Trombas e Formoso....................................................................51<br />

O papel das camponesas nas lutas de Trombas e Formoso ......................61<br />

Associação dos Lavradores do Vão do Paranã............................................65<br />

A Guerrilha do Araguaia como opção de luta armada no campo ..........70<br />

O período pós-64............................................................................................81<br />

Formação político-cultural............................................................................84<br />

Militância político-partidária........................................................................98<br />

A narrativa histórica da prisão....................................................................103<br />

A prisão (descrição sumária dos fatos)......................................................106<br />

10º BC ............................................................................................................107<br />

Rumo a Brasília ............................................................................................117<br />

Grupo de Artilharia Motorizada (GAM) ..................................................118<br />

Enclausurado no PIC: <strong>Cela</strong> <strong>14</strong> ....................................................................124<br />

Regresso a Goiânia ......................................................................................<strong>14</strong>9<br />

Retorno a Brasília..........................................................................................153<br />

Cepaigo ..........................................................................................................156<br />

Liberdade vigiada..........................................................................................170<br />

Nova militância e fuga para o exílio ..........................................................174<br />

Rumo ao exílio ..............................................................................................179<br />

O exílio em terra distante (a vida na Suécia) ............................................180<br />

PARTE II<br />

Regresso, anistia e luta<br />

Regresso ao Brasil ........................................................................................203<br />

Nova militância política e cultural ............................................................212<br />

Centro de Estudos Filosóficos e Econômicos de Goiás ..........................215<br />

Instituto Cultural Brasil-URSS de Goiás ..................................................223


A situação do PCB após a Lei da Anistia ..................................................228<br />

Volta ao ano de 1963 ....................................................................................234<br />

A preparação do golpe de 64 e seus desdobramentos políticos..............243<br />

A luta pela anistia..........................................................................................261<br />

Honestino Monteiro Guimarães ................................................................269<br />

Um pouco de História..................................................................................274<br />

O grande cisma da esquerda brasileira ......................................................276<br />

Arquivo do Dops em Goiás ........................................................................287<br />

Associação dos Anistiados de Goiás e Comissão de Anistia ..................303<br />

Do reconhecimento de anistiado político<br />

pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça..................................3<strong>14</strong><br />

CONCLUSÃO<br />

Homenagem a quatro militantes<br />

históricos do PCB em Goiás<br />

Juan Bauptista Bassalos Rodrigues (Pablo) ..............................................319<br />

Sebastião Gabriel (Bailão) ..........................................................................325<br />

José Lázaro Bernardo (Santos)....................................................................328<br />

Alaor Souza Figueiredo (Monteiro) ..........................................................330<br />

Referências ................................................................................................335


INTRODUÇÃO<br />

Explicação necessária<br />

Nos dez anos que vão de 1954 a 1964, a Escola Superior de Guerra<br />

(ESG) como aparelho ideológico e de Estado, se especializou<br />

no estudo da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) no âmbito<br />

da guerra fria e da guerra revolucionária, recebendo influência direta<br />

de sua similar norte-americana, a National War College, e desenvolveu<br />

uma teoria de direita para intervenção no processo político nacional.<br />

A partir de 1964, ela funcionaria como formadora de quadros destinados<br />

a ocuparem funções nos sucessivos governos militares.<br />

A partir de 1970, com a progressiva anexação do campo à economia<br />

de mercado, a desestabilização econômico-social e psíquica do trabalhador<br />

rural e de sua família tornou-se rotina, gerando legiões de bóiasfrias<br />

perambulando por estradas e fazendas por este Brasil afora, à cata de<br />

trabalho. Para muitos, a sina final de sua caminhada termina na periferia<br />

das médias e grandes cidades, vivendo como verdadeiros párias sociais. A


20<br />

CELA <strong>14</strong><br />

natureza da vida urbana estritamente monetária, onde tudo se compra e<br />

tudo se paga, a subvaloração do imigrante rural, na condição de mão de<br />

obra barata, gera constante exploração de trabalho e instabilidade empregatícia,<br />

consequentemente, o subemprego e o desemprego, mantendo o<br />

trabalhador e sua família sob baixo padrão existencial.<br />

A questão do acesso à alimentação, à habitação e saúde, à escolaridade;<br />

o problema do menor e do adolescente abandonados, entregues<br />

à própria sorte; da mulher explorada e maltratada; do desamparo do idoso,<br />

etc., somados a uma réstia de outras mazelas sociais que recaem sobre<br />

os que trabalham no Brasil, continuam a desafiar as autoridades e a<br />

sociedade, no que diz respeito à conquista do pleno estado de direito democrático.<br />

Suas causas maiores, encontramo-las na essência do poder<br />

político/econômico do regime capitalista exercido sobre a sociedade brasileira,<br />

de um modo geral, carente, sofrida e desassistida, e que clama<br />

por justiça social.<br />

Ao longo do curso da história-pátria, com ênfase no período militar<br />

pós-64, os mentores militares colocaram em prática uma política entreguista<br />

de favorecimento ao grande capital, à base de intensa propaganda<br />

anticomunista. Em nome de uma suposta competência militar de<br />

gestão político-administrativa, de uma política de segurança nacional calcada<br />

no “perigo” da comunização do Brasil, do receio da politização do<br />

estudante brasileiro, implantaram no País, a exemplo dos recintos escolares,<br />

principalmente nas universidades, um estado de terror gerador da<br />

síndrome do medo, extensiva à sociedade brasileira. Os sindicatos foram<br />

os principais alvos de ataque da ditadura. Simultaneamente, ocorria a<br />

quebra de resistência dos comunardos brasileiros ante a prática policialesca<br />

nazi-fascista da tortura e eliminação física de presos políticos e combatentes<br />

armados. Os juristas do regime militar incorporaram ao Código<br />

Penal Brasileiro a legislação arbitrária dos Atos Institucionais (AIs).<br />

Pelo lado econômico, o governo militar implantava, via Planos Nacionais<br />

de Desenvolvimento (PNDs), os seus programas, as novas bases da infra<br />

e superestrutura do País como suportes de apoio ao advento do capital<br />

multinacional. Enquanto isso, as famílias sofriam o terrorismo do regime<br />

ditatorial, que, nos cárceres e porões da tortura, imolava os seus fi-


EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA<br />

lhos. Por sua vez, a essência da Nação que havia em construção – povo,<br />

território e governo – foi sendo demolida, ocorrendo a perda substancial<br />

da identidade nacional, acrescida da destruição das vocações regionais,<br />

conjuntamente com a restrição da soberania nacional pela dependência<br />

do país de capitais, ciência e tecnologia aos detentores do capital financeiro<br />

internacional. Os PNDs foram planejados e executados para servir<br />

aos interesses das empresas multinacionais. Em seguida, vieram as famosas<br />

cartas de intenções impostas pelo Fundo Monetário Internacional<br />

(FMI), assinadas a partir do governo do general João Baptista de Figueiredo,<br />

configurando-se num expressivo atestado de submissão ao grande<br />

capital, em virtude da política entreguista adotada, permitindo o saque<br />

de nossos recursos e riquezas naturais, vendidos a preço de banana às empresas<br />

estrangeiras. Impôs-se ao país colonizado a ideologia e o pragmatismo<br />

do colonizador que, com suas ações canalizadas para o mercado<br />

internacional, vem, a passos largos, dilapidando o território nacional.<br />

Nos dias de hoje, o Estado brasileiro, apesar de proclamar-se soberano,<br />

portanto, autodeterminado, encontra-se na dependência financeira,<br />

econômica e técnico-científica de poderosos grupos internacionais.<br />

No presente, a luta pela emancipação do povo brasileiro, que se encontra<br />

sob o domínio da ideologia e hegemonia dos dominantes, necessariamente,<br />

passa pela conquista de nossa efetiva soberania. O resgate de nossa<br />

identidade como Nação soberana e livre, cobra dos atuais governantes,<br />

dos membros da sociedade civil organizada em partidos políticos, sindicatos<br />

e associações de classes, de associações comunitárias, culturais, religiosas<br />

e esportivas, de entidades educacionais, científicas e de profissionais liberais,<br />

de empresários nacionais identificados com o desenvolvimento<br />

nacional sustentável, de organizações não-governamentais (ONGs) realmente<br />

compromissadas com a defesa e preservação do meio ambiente, de<br />

segmentos progressistas das Forças Armadas, etc., uma tomada de decisão<br />

histórica dos seus cidadãos, respaldada por uma prática política emancipadora<br />

que envolva os atributos de nacionalidade, soberania e autodeterminação.<br />

Enfim, há que se conquistar a democracia efetiva como regime de direito,<br />

acesso e usofruto dos bens sociais produzidos pela mente e mãos dos<br />

trabalhadores brasileiros. No dizer de Roland Corbisier, “descobrir o País,<br />

21


24<br />

CELA <strong>14</strong><br />

para justificar a validade do regime e sua continuidade histórica. Entretanto,<br />

omitem que o desenvolvimento dessas nações é resultante da impiedosa<br />

exploração dos trabalhadores, desde a gênese do capitalismo, passando<br />

pelo saque colonial e neocolonial praticado contra as nações e povos<br />

do chamado Terceiro Mundo; pela crescente apropriação das diferentes<br />

formas de mais-valia (relativa, absoluta e diferencial) produzidas pelo trabalho<br />

suplementar do trabalhador; pela apropriação da renda da terra; pela<br />

livre remessa de lucros, etc. Atualmente, em virtude da diversificação e<br />

ampliação da classe trabalhadora, além do seu núcleo histórico representado<br />

pelo proletariado industrial, e pelo campesinato como classe social<br />

diretamente ligada às lutas no campo pela reforma agrária, os níveis de exploração<br />

da mão de obra estão disfarçados pela incorporação de técnicas<br />

e tecnologias aplicadas à cadeia produtiva. A flexibilização do trabalho e<br />

a terceirização da economia (formal e informal) sobre o contingente de<br />

trabalhadores urbanos e rurais, colocada em prática por empresas multinacionais<br />

e nacionais operando com flexibilidade e fluidez no contexto da<br />

economia globalizada pelas leis do mercado, impõem a política do neocolonialismo<br />

sobre o mundo dependente, a exemplo do Brasil.<br />

Notas:<br />

• Thiago, Chico e Jacó foram os meus nomes de guerra como militante<br />

no PCB.<br />

• Alguns nomes de militantes do PCB, inclusos os seus nomes de<br />

guerra, estão trocados por outras identidades, em razão de que muitos dos<br />

que viveram a tragédia da ditadura, incluindo familiares, estão vivos e presentes,<br />

e, por uma questão de ética, não tenho o direito de expô-los a juízos<br />

errôneos de terceiros que não viveram os acontecimentos.<br />

• Determinadas situações vividas por mim nos porões da ditadura<br />

e por outros companheiros de que eu tenho conhecimento, por uma questão<br />

pessoal, não serão relatadas neste depoimento.


PARTE I<br />

Militância e prisão<br />

Da razão da narrativa<br />

Aprisão ocorreu na manhã do dia <strong>14</strong> de julho de 1972, data em<br />

que se comemora o aniversário da Revolução Francesa (1776),<br />

com a queda da monarquia absolutista de Luís XVI. O período<br />

carcerário, ocorrido no transcurso de dois anos (1972-74), foi de seis<br />

meses e 10 dias, assim distribuídos: um mês no 10º BC; um mês no Grupo<br />

de Artilharia Motorizada, sediado em Brasília; mais três meses no<br />

Pelotão de Investigações Criminais (PIC), submetido a interrogatórios<br />

e torturas pelos “homens” do Destacamento de Operações de Informações<br />

– Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) de Brasília,<br />

com destaque para o sádico tratado por capitão Ailton. Em 1974,<br />

dei entrada no Centro Penitenciário Agro-Industrial de Goiás (Cepaigo)<br />

– hoje Agência Prisional–, a fim de cumprir o restante da pena con-


34<br />

CELA <strong>14</strong><br />

As organizações e lutas dos camponeses<br />

antes e após o golpe de 31 de março de 1964<br />

Após o PCB, em 1947, ter sido colocado<br />

na ilegalidade, ocorrendo o cancelamento<br />

do seu registro pelo Tribunal<br />

Superior Eleitoral (TSE), inclusive,<br />

dos seus deputados estaduais – Afrânio<br />

Francisco de Azevedo e Abrão<br />

Isaac Neto –, que tiveram extintos os<br />

mandatos pela Mesa Diretora da Assembleia<br />

Legislativa de Goiás, em 21<br />

de janeiro de 1948, amparada na Lei<br />

nº 211, o partido não conseguiu levar<br />

à frente o trabalho clandestino, que<br />

exigia maior vigilância e desprendi-<br />

Gregório Bezerra<br />

mento dos militantes. As atitudes sectárias<br />

e voluntariosas começaram a tomar<br />

conta das ações empreendidas por companheiros. Na direção, foi se<br />

generalizando a passividade rotineira, que levou o partido a acomodar-se<br />

e cair no imobilismo, deixando de ser dinâmico e criativo. Sem assistência<br />

política do comitê estadual (CE), as organizações do interior tornaramse<br />

frágeis e foram se desativando.<br />

Em setembro de 1949, o partido recebe uma injeção de ânimo com<br />

a chegada a Goiânia do experiente líder pernambucano Gregório Bezerra,<br />

seguindo a rota Pernambuco–Belo Horizonte–Araguari-Anápolis–<br />

Goiânia. O primeiro passo foi a preparação e realização de um ativo com<br />

a presença de militantes organizados em todo o Estado de Goiás, encontro<br />

esse realizado em 5 de janeiro de 1950, congregando 42 delegados de<br />

dez municípios. Nele foram tomadas as seguintes decisões, postas e aprovadas<br />

como tarefas políticas a serem cumpridas:<br />

• reorganizar o partido, tanto na região urbana quanto no meio rural,<br />

em cada cidade ou povoado, a partir da existência do que havia: um militante<br />

ou uma organização de base ou um comitê distrital ou municipal;


MILITÂNCIA E PRISÃO<br />

• recrutamento de novos militantes para o partido, e recuperação<br />

dos militantes flutuantes, tendo como argumento principal as reivindicações<br />

dos moradores de cada localidade, município ou região;<br />

• cada militante conseguir, no mínimo, 100 assinaturas pela paz<br />

mundial, contra a guerra da Coreia e a bomba atômica (Apelo de Varsóvia).<br />

A partir de março de 1950, a campanha foi para o Apelo de Estocolmo;<br />

• procurar saldar as dívidas que o PCB de Goiás tinha com o Comitê<br />

Nacional, inclusive os débitos referentes às publicações Novos Rumos<br />

e Estado de Goiás. Também, aumentar em 20% as cotas de contribuição.<br />

Definidas as tarefas, o comício realizado em Campinas (Goiânia)<br />

marcou o lançamento da campanha pela paz mundial, com coleta de<br />

assinaturas ao Apelo de Varsóvia. Companheiros, simpatizantes e estudantes<br />

são mobilizados, infelizmente dissolvidos à custa de cassetetes e<br />

golpes de sabre desferidos por policiais militares. Repetiu-se assim a<br />

violência policial costumeira, deixando vários feridos e 15 prisões – estudantes<br />

em sua maioria. Seguiram-se os protestos dos companheiros,<br />

das famílias atingidas, de pessoas solidárias da comunidade campineira<br />

e dos colegas estudantes exigindo a libertação dos presos.<br />

No domingo seguinte, novo comício organizado pelo PCB é levado<br />

às ruas e avenidas de Goiânia, e os mesmos fatos se repetiram.<br />

Gregório Bezerra, que durante o ativo passou a ser conhecido por<br />

Estevão, em companhia de Zé Basílio, às vezes de outros companheiros,<br />

parte para uma intensa jornada política, de idas e vindas, por três meses<br />

para o interior de Goiás, percorrendo cidades, povoados e fazendas, arregimentando<br />

camponeses de diversas localidades através de suas reivindicações<br />

mais sentidas; ajudando-os na organização de Ligas Camponesas<br />

e associações, citando como exemplos, em Santa Helena, em Xixá,<br />

em Itauçu, etc., reativando companheiros e reorganizando o partido, com<br />

o objetivo de criar uma legenda com raízes fincadas no campo. Ao mesmo<br />

tempo, colhendo assinaturas para o Apelo de Estocolmo.<br />

Os eixos mais percorridos pelos companheiros foram:<br />

• Goiânia–Sudoeste (Santa Helena, Rio Verde, Jataí, Mineiros,<br />

Caiapônia);<br />

35


50<br />

CELA <strong>14</strong><br />

José Ribeiro, ao centro, de chapéu e óculos, na luta com os posseiros<br />

que teve como primeiro presidente Manoel Alves da Costa, afastado das<br />

lides políticas e sindicais.<br />

Foi na década de 1950 que penetraram as grandes rodovias no<br />

sertão goiano. À medida que a rodovia Belém-Brasília ia adentrando<br />

no sertão, levava a valorização da terra e os grileiros. Tornou-se assim<br />

inevitável a luta entre posseiros e grileiros que já ocupavam a terra, e<br />

contra grileiros que apresentavam títulos falsos auxiliados por juízes<br />

corruptos das pequenas cidades do interior. Foi um caso desse que aconteceu<br />

em Uruaçu, no distrito de Formoso, onde os camponeses pegaram<br />

em armas e eclodiu a guerrilha, que deve ser examinada com mais<br />

profundidade por historiadores e sociólogos interessados em estudar e<br />

contar a história de nosso povo e de suas lutas sociais.<br />

Em Formoso, Trombas, Estrela do Norte, Serrinha, Chapada Grande<br />

e Itapaci foram fundadas Associações de Lavradores. Os trabalhadores<br />

agrícolas fizeram muitos comícios e atos públicos pela reforma<br />

agrária; denúncias nos jornais Terra Livre, O Estado de Goiás e Frente<br />

Popular contra as arbitrariedades cometidas por fazendeiros/latifundiários,<br />

por grileiros e policiais na região contra os camponeses.


MILITÂNCIA E PRISÃO<br />

Também, foi criada a Comissão Feminina em Defesa da Terra,<br />

que teve como primeira presidente a companheira Dirce Ribeiro, mulher<br />

de José Ribeiro, que há muito se destacava na luta do Movimento<br />

Feminino em Goiás.<br />

As lutas de Trombas e Formoso*<br />

Narra José Sobrinho que a realização da Marcha para o Oeste, a partir<br />

de 1940, representou aberturas de estradas para o norte de Goiás, Mato<br />

Grosso e Maranhão, intensificando a migração, principalmente, por<br />

causa da atração exercida pela Colônia Agrícola Nacional de Goiás (Cang),<br />

que dera origem à cidade de Ceres. A colônia foi aberta pelo antigo Departamento<br />

de Terra e Colonização (DTC), sendo o seu primeiro diretor<br />

o Dr. Bernardo Sayão de Carvalho Araújo. Na mesma época, foi fundada<br />

por Jeremias Lunardelli a Companhia Cafeeira Goiana, que deu origem à<br />

cidade de Goianésia. Estas duas colonizações foram as grandes responsáveis<br />

pela penetração da fronteira agrícola no médio-norte goiano.<br />

Na época, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) fez<br />

uma campanha de âmbito nacional, e grande massa de lavradores acorreu<br />

para o Novo Eldorado, a fim de receber uma nesga de terra (seis alqueires)<br />

no maleitoso Vale do São Patrício e do Rio das Almas.<br />

As terras da colônia foram logo distribuídas, mas a propaganda<br />

não parava. Os irmãos Coimbra Bueno, pioneiros da construção de Goiânia,<br />

para receber a sua fatia do bolo, fundaram a Rádio Brasil Central,<br />

intensificando a campanha pela Cang, rádios, revistas e jornais, que não<br />

cessavam com a difusão do slogan “Venha para Goiás, a terra prometida”,<br />

divulgado pelo DIP sob a chefia de Joaquim Câmara Filho. Até um<br />

livro foi editado em inglês – The Promised Land –, pela norte-americana<br />

Joan Lowell, a famosa dona Joana.<br />

Naquela época, Goiás era um imensidão de vazio. As sesmarias<br />

registradas durante o ciclo econômico do ouro abrangiam terras até as<br />

* texto revisto e ampliado pelo autor deste livro.<br />

51


84<br />

CELA <strong>14</strong><br />

Formação político-cultural<br />

Natural de Igarapava-SP, cheguei a<br />

Goiânia em fins de 1939, vindo de<br />

Orlândia-SP, em companhia de meus<br />

pais. Eles vieram juntar-se ao clã dos<br />

meus avós maternos, de linhagem<br />

italiana: Fioravanti Bariani e Maria<br />

da L`occa Bariani, que se tornaram<br />

migrantes radicados em Campinas<br />

(Goiânia), desde 1937.<br />

Na época da vinda para Goiânia,<br />

contava com 5 anos de idade. Foi<br />

pela educação de berço recebida dos<br />

meus pais, humildes trabalhadores<br />

Horieste <strong>Gomes</strong> (Thiago)<br />

(marceneiro e doméstica) de descendência<br />

portuguesa e italiana, pelo<br />

exemplo concreto de suas vidas desprendidas, dedicadas ao trabalho<br />

com disciplina, honestidade e respeito mútuo para com os semelhantes,<br />

é que aprendi a me pautar pelo caminho do bem. O trabalho sempre<br />

foi uma atividade permanente em suas vidas. Seres simples, forjados<br />

no e pelo trabalho, ensinaram-me a praticar o maior bem da vida,<br />

o próprio trabalho. Inicialmente, na condição de aprendiz de marceneiro;<br />

tempos depois, como aprendiz de trabalhador de máquina de beneficiamento<br />

de arroz, propriedade do meu futuro sogro, atividades estas<br />

concomitantes com o aprendizado escolar, médio e superior, e minha<br />

inserção nos movimentos político-nacionalistas, na comunidade goianiense.<br />

Primeiro, na condição de simpatizante dos ideais socialistas que<br />

o curso de História contribuiu para plasmar na minha consciência, independente<br />

da ideologia contrária manifestada por alguns dos meus<br />

professores. Finalmente, como militante ativo no PCB é que me fiz homem,<br />

cidadão goiano, brasileiro e planetário, à altura de compreender<br />

a dinâmica do capitalismo a partir de sua formação socioeconômica e<br />

do respectivo modo de produção: sua gênese, evolução e estágios de de-


MILITÂNCIA E PRISÃO<br />

senvolvimento; suas crises de superprodução (geral e cíclicas); sua maneira<br />

de exploração da mão de obra pelas diferentes formas de maisvalia<br />

(absoluta, relativa e diferencial). Mais recentemente, via terceirização<br />

da economia e flexibilização do trabalho, assim como, no presente,<br />

é possível antecipar o prognóstico de sua decadência e extinção como<br />

sistema político-econômico, por ser incapaz de superar a sua principal<br />

contradição: eliminar as desigualdades sociais por ele criadas.<br />

Desde adolescente, em virtude de acontecimentos que presenciei<br />

ou que fui protagonista e que contribuíram na minha formação política,<br />

social e humanista, comecei a compreender o significado/ significante das<br />

palavras democracia e liberdade; a entender a razão de existir a discriminação<br />

contra pessoas. Vários momentos da minha infância, adolescência<br />

e juventude foram marcados por cenas de violência policial em Campinas<br />

(Goiânia). Assim aconteceu, principalmente, contra os tutelados como comunistas<br />

perseguidos nas casas, ruas e avenidas de Campinas, bairro onde<br />

eu morava. Também, conheci vários deles à medida que recebiam abrigo<br />

no modesto lar dos meus pais, residência situada na Rua Pouso Alto,<br />

607, por sinal sempre de portas abertas à proteção aos perseguidos políticos,<br />

muito embora meus pais não tivessem nenhuma vinculação de caráter<br />

ideológico-partidário com o PCB, ou com outra organização de esquerda,<br />

e muito menos de direita. Vários foram os militantes do PCB,<br />

nacional e regional, que receberam guarida sob o teto da família <strong>Gomes</strong>/Bariani.<br />

Comportamento este de solidariedade e humanismo que me<br />

fazia muito feliz e orgulhoso dos meus entes queridos. Sem dúvida alguma,<br />

foi uma significativa escola à minha formação político-partidária. Recordo-me,<br />

como se fosse hoje, como foi importante a presença daqueles<br />

líderes comunistas perseguidos pela ditadura, cuja procedência e nomes<br />

verdadeiros ignorávamos e não tínhamos interesse em saber, apesar da curiosidade.<br />

No entanto, pela sua fala e seu saber, deduzíamos terem vindo<br />

dos grandes centros do País – Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte,<br />

etc. Seus ideais de vida, de pátria e nação eram extensivos a todo o povo<br />

brasileiro e a todos os povos; seus dizeres, reflexões e ensinamentos sobre<br />

a situação política, econômica e social do Brasil, e do mundo, prendiam a<br />

minha atenção de aprendiz do socialismo e dos demais presentes, à me-<br />

85


184<br />

CELA <strong>14</strong><br />

Marisa estava no firme propósito de viajar conosco (eu e o boliviano<br />

Guilhermo, pessoa que havia conhecido em Paris), por não ter<br />

mais condições legais de permanência em Paris, e na França.<br />

Tomamos o trem na Gare du Nord rumo a Hamburgo, na Alemanha,<br />

depois a Copenhague, na Dinamarca. Viagem longa e tranquila,<br />

mas sem problemas. Na alfândega de Copenhague tamnbém não tive<br />

maiores problemas com as autoridades aduaneiras, em vista da<br />

legalidade do meu passaporte. Atravessamos o Báltico e chegamos à cidade<br />

portuária de Malmö, na Suécia. Na estação tomamos o trem rumo<br />

a Lund, nosso destino final, terminado no encontro feliz com o casal de<br />

amigos Washington e Nice. Estávamos no final de novembro. Marisa ficou<br />

instalada, provisoriamente, no apartamento do casal, eu fui residir,<br />

temporariamente, com o amigo José Fernandes, que havia chegado meses<br />

antes e já tinha conseguido residência.<br />

Assim, em 7 de setembro de 1975, depois de 35 anos de vivência familiar-comunitária<br />

e profissional em Goiânia, a ditadura vigente no Brasil<br />

obrigou-me a deixar tudo o que eu havia construído (família, tradição,<br />

profissão, círculo de amigos) e optar pelo exílio forçado. Anteriormente,<br />

havia sido preso, torturado, condenado e cassado. E, em novembro de 1975,<br />

aportava na Suécia, país que me concedeu asilo político (uppehaltilstand).<br />

O poeta/escritor Guillén da Silva, brasileiro, casado com Hylla<br />

Britta, uma sueca da realeza, foi o amigo-cicerone de nós, brasileiros imigrantes,<br />

na Suécia (Lund), encaminhando-nos nas repartições suecas de<br />

controle de imigrantes, para o registro no cartório da Kommuna (na época,<br />

a Suécia estava dividida em 278 comunas municipais), função exercida<br />

pela Igreja; no distrito policial e no Socialvârd.<br />

Em Lund, a colônia latina, em sua maioria, era representada por<br />

chilenos, uruguaios, argentinos e brasileiros, além de representantes de<br />

outras nacionalidades. Era relativamente numerosa, em virtude das perseguições<br />

sofridas em seus países de origem, pelas ditaduras militares<br />

que se apossaram, pela força, do comando político/econômico dos seus<br />

Estados Nacionais, levando aos cárceres, ao extermínio de vidas, ao exílio<br />

milhares de cidadãos. Os brasileiros, embora em menor número, se<br />

identificavam com o trabalho, o estudo e o engajamento político.


Passeata na cidade de Lund, na Suécia, pela anistia no Brasil<br />

MILITÂNCIA E PRISÃO<br />

Num país de clima e cultura diferentes, a fase inicial do imigrante<br />

consiste na adaptação às condições climáticas que, no meu caso, ocorreu<br />

sem maiores consequências, a não ser uma forte tonteira no primeiro<br />

mês de aclimatação. Já a adaptação sociocultural é bem mais<br />

demorada, por ser um processo de aculturação a médio e longo prazo<br />

à nova realidade, tendo como passo inicial o aprendizado da língua sueca.<br />

O trabalho, como condição de sustento material da família, consegui<br />

obtê-lo em fins de fevereiro de 1976, a partir do quarto mês de residência<br />

em Lund, com ajuda do amigo Francisco, que havia se<br />

transferido para outra atividade laboral. Fui atuar como trabalhador em<br />

limpeza (städare), em uma creche da Kommuna de Lund. No mesmo<br />

ano, exerci atividade semelhante na Universidade de Lund, em diferentes<br />

instituições.<br />

Por causa da necessidade de regressar ao Brasil em decorrência<br />

da Lei da Anistia, sancionada em 28 de agosto de 1979, tive de interromper<br />

o curso de doutoramento, já na fase de elaboração de tese, a fim<br />

de assumir, por direito, o cargo de professor-titular da UFG, cargo este<br />

que havia conquistado por concurso público, em 1965.<br />

185


PARTE II<br />

Regresso, anistia e luta<br />

Regresso ao Brasil<br />

Em 11 de maio de 1977 nascia em Lund, cidade histórica/universitária<br />

do sul da Suécia, Vanessa Kristina <strong>Gomes</strong>, graciosa criatura<br />

que, juntamente com os seus irmãos Yuri e Thiago, trouxe-nos<br />

muitas alegrias em nossa permanência no exílio. Na lei sueca, a criança<br />

estrangeira, ao nascer, não é reconhecida como cidadã sueca, sendo registrada<br />

como “apátrida” pelo cartório público administrado pela paróquia<br />

local, Allhelgona, em Lund. Que contradição do Estado sueco, na<br />

prática, todas as crianças, sem exceção, independente de sua nacionalidade,<br />

gozam dos mesmos direitos sociais. Somente, após três anos e seis<br />

meses de permanência no país é que ela pode solicitar a cidadania.<br />

A notícia política mais alvissareira que chegou para os brasileiros<br />

exilados foi a da conquista da anistia no Brasil pelo povo – Lei de


212<br />

CELA <strong>14</strong><br />

• a descoberta tardia, após um mês de residência, que a caixa d`água<br />

em cima da casa não possuía tampa, sendo local preferido dos pombos<br />

tomarem banho e beber água. Como resultado, nossos dois filhos, Yuri e<br />

Thiago, pegaram hepatite. Além de outras “pragas apocalípticas” que aconteceram<br />

naquela casa.<br />

Na Universidade Federal, nos Institutos de Química e Geociências<br />

e de Ciências Humanas, muito trabalho pela frente, traduzido no ministrar<br />

de aulas e cursos, participação em eventos universitários múltiplos,<br />

em pesquisas, a exemplo do Projeto Rondon em Picos, no Piauí; na criação<br />

e editoração do Boletim Goiano de Geografia; no exercício da chefia<br />

do Departamento de Geografia, em 1982, etc. Logo que cheguei, ingressei<br />

na Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), sendo um dos fundadores<br />

da Seção Goiana, entidade recém-criada, na qual realizamos dezenas<br />

de atividades ligadas ao conhecimento e divulgação da ciência<br />

geográfica e afins, e continuamos a realizar até os dias de hoje.<br />

Nova militância política e cultural<br />

Desde a chegada a Goiânia, os jornais abriram espaços em suas<br />

páginas para a minha contribuição, tanto política quanto científica, tomando<br />

como exemplo o Jornal Opção, que propiciou um debate político<br />

coordenado pelo professor Pedro Célio com os ex-exilados Athos<br />

Magno, Tarzan de Castro, Geraldo Rabelo, Gessé Martins Borges, Gerson<br />

Alves Parreira e eu, matéria em quatro blocos, enfocando nossas experiências<br />

do exílio; a visão crítica da realidade brasileira; os partidos e<br />

a Constituinte; explosão urbana, a miséria em Goiás, publicada no suplemento<br />

Encarte em 20 de junho de 1980, tendo como editor José Luiz<br />

Bittencourt Filho, e Conselho Editorial formado pelos professores Sidney<br />

Valadares, Pedro Célio A. Borges e Francisco Itami Campos.<br />

No mesmo jornal publiquei “Atentados: por que a esquerda e não<br />

a direita?” (GOMES, 1980b); o “O Poder da força” (GOMES, 1980c);<br />

foi publicada minha entrevista “O que pensa sobre o Brasil de hoje”<br />

(TOP NEWS, 1980), e escrevi também para O Popular, etc.


REGRESSO, ANISTIA E LUTA<br />

Da esquerda para a direita: Horieste <strong>Gomes</strong>, Gerson Alves Parreira,<br />

Tarzan de Castro, Gessé Martins Borges, Athos Magno, Geraldo Rabelo<br />

e o mediador do debate, promovido pelo jornal Opção em junho de 1980,<br />

o professor Pedro Célio (de costas)<br />

No texto “O poder da força”, enfoquei o acontecimento do dia 9 passado,<br />

no qual o aparato policial, com sua costumeira violência truculenta<br />

– homens e cães, cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo, máquinas e ordens<br />

cumpridas à maneira espartana –, reprimiu a passeata pacífica dos<br />

alunos, professores e funcionários da UFG, que reivindicavam mais verbas<br />

para a Educação e escolas públicas para os jovens brasileiros. A força<br />

do poder fez valer o poder da força. No corpo do texto, ressaltei:<br />

“Possuidor de comprovada eficiência para reprimir passeatas [...],<br />

o ‘poder da força acionado pela força do poder’ tem obrigação, o dever<br />

de proteger bem – com eficiência, presteza e habilidade – os<br />

membros da coletividade de que faz parte. Não se justifica o seu comportamento<br />

unilateral, o ‘seu gosto espartano’ por operários de marmitas<br />

vazias, por camponeses sem-terra, por profissionais liberais,<br />

professores e estudantes idealistas acantonados, unicamente, em es-<br />

213


218<br />

CELA <strong>14</strong><br />

Outra importante realização foi a editoração dos Cadernos do Cefeg,<br />

tendo como editor-chefe o jornalista Luciano Fortini, membro do Conselho<br />

de Titulares, e, como colaboradores, Carla Washeck, Cleide Maria<br />

dos Santos, assessorada por seu companheiro Renatinho, e outros. Na época,<br />

ponderamos que editar uma publicação não era tão difícil em termos<br />

monetários, difícil era manter a regularidade e a qualidade do conteúdo.<br />

Foram editados quatro números dos Cadernos do Cefeg, com as seguintes<br />

temáticas:<br />

1 – Reflexões Sobre a Dialética – Horieste <strong>Gomes</strong>.<br />

2 – Economia Mundial e Dependência, abordando dois textos:<br />

– O Processo de Surgimento de uma Teoria Social – Geraldo<br />

Rabelo;<br />

– Assegurar a Organização Popular – Luís Fortini (entrevista).<br />

3 – Sindicalismo – Hugo Bianchi (entrevista);<br />

4 – Sobre O Capital – Karl Marx e Frederico Engels, tradução do<br />

espanhol por Washington T. Rabêlo:<br />

– A Popularização da Filosofia – José Nicodemos;<br />

– A Paz Mundial – José Nicodemos.<br />

Outra significativa participação do Cefeg foi ministrar cursos, promover<br />

encontros e falas em bairros da capital e cidades do interior. Assim<br />

estivemos presentes na Vila Nova, na Nova Vila, Vila União, Vila Redenção,<br />

Novo Horizonte e outros bairros; em algumas cidades do interior<br />

de Goiás, como Anápolis, Nova Veneza e Itauçu.<br />

A experiência confirmou que cada local visitado possuía suas peculiaridades.<br />

Daí, a necessidade de se trabalhar programas e conteúdos<br />

diferenciados, com o propósito de facilitar a aprendizagem do grupo interessado.<br />

A realidade de cada comunidade visitada; a situação econômica,<br />

social e cultural dos moradores, a exemplo dos participantes, foram<br />

referenciais determinantes no nosso planejamento, elaboração e<br />

execução dos cursos e palestras.<br />

A principal característica do Cefeg foi a de ter sido uma entidade democrática,<br />

aberta, indistintamente, a todos os que desejassem participar dos<br />

seus cursos e eventos, independente do interessado esposar esta ou aquela<br />

ideologia; de pertencer a este ou aquele partido político, a este ou aquele cre-


Capa da 1ª edição dos<br />

Cadernos do Cefeg<br />

REGRESSO, ANISTIA E LUTA<br />

219


232<br />

CELA <strong>14</strong><br />

“conquista do poder político como o grande, crucial e imediato objetivo<br />

dos trabalhadores em geral, e do proletariado, em particular.<br />

Trata-se de liquidar o poder estatal a serviço dos magnatas do capital<br />

e do latifúndio, substituindo-o pelo poder proletário, que expressará<br />

a vontade democrática e os interesses da imensa maioria<br />

de trabalhadores da cidade e do campo” (PLP, 1989).<br />

No evento, o companheiro Luís Fortini fez uma belíssima saudação<br />

poética ao raiar do PLP. (PLP, 1989, p. 63-64).<br />

No cumprimento dessa significativa tarefa política, alguns companheiros<br />

de Goiás não mediram esforços e sacrifícios, empenhandose<br />

ao máximo para dar continuidade à existência de uma sigla ideologicamente<br />

marxista-leninista. A figura do companheiro Martiniano<br />

Cavalcante, entre outros, é sem dúvida um exemplo concreto de abnegação<br />

à causa revolucionária. Nos últimos anos, o companheiro vem<br />

militando no Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), tendo em vista<br />

que o PLP não conseguiu se manter.<br />

Em 1991, o PCB realiza na cidade do Rio de Janeiro o seu IX Congresso<br />

Nacional. Dos delegados que participaram do encontro, 65% recomendaram<br />

a adoção de uma nova política e uma nova estrutura orgânica<br />

para o PCB. A queda do socialismo real na URSS, depois de 70<br />

anos de construção, caiu como uma bomba atômica sobre todos os PCs<br />

dos países que se espelhavam no “modelo soviético” e que buscavam<br />

implantar a via socialista de desenvolvimento político, econômico e social.<br />

No Brasil não foi diferente, o que levou a ampliar, ainda mais, as<br />

contradições no conjunto do partido em todo o território nacional.<br />

Na Conferência Extraordinária do PCB, realizada em São Paulo,<br />

em janeiro de 1992, “no momento do racha com os liquidacionistas, o<br />

partido decidira envidar esforços para contribuir no sentido da unidade<br />

e da unificação dos comunistas brasileiros”. (PCB, 1992a)<br />

No X Congresso Nacional, ocorrido também em janeiro de 1992,<br />

na cidade de São Paulo, tornou pública a mudança do nome e da sigla,<br />

homologada de Partido Comunista Brasileiro (PCB) para Partido Popular<br />

Socialista (PPS) na Convenção Nacional Extraordinária realiza-


REGRESSO, ANISTIA E LUTA<br />

da em fevereiro do mesmo ano. Evidentemente<br />

alguns não aceitaram a<br />

mudança, por considerá-la um jogo<br />

de interesses pessoais, inclusive eleitoreiro,<br />

defendido por analistas superficiais<br />

das verdadeiras causas que<br />

levaram o colapso do “socialismo<br />

real” na URSS. Os que discordaram<br />

da mudança, como foi o meu caso,<br />

continuaram mantendo o nome, a sigla<br />

e a tradição histórica do PCB, e,<br />

acima de tudo, a sua essência político-ideológica<br />

na linha do marxismo-<br />

Luiz Carlos Prestes<br />

leninismo. (PCB, 1992b)<br />

Em Goiás, o reflexo da desestruturação<br />

do PCB no plano nacional se fez sentir, e o racha também<br />

aconteceu, em grande parte por causa da composição representativa de<br />

pessoas oriundas da classe média, da pequena e média burguesia urbana,<br />

em maior número de Goiânia e Anápolis (estudantes secundaristas<br />

e universitários; professores e funcionários públicos; profissionais liberais,<br />

etc.), cuja grande maioria não tinha o domínio mínimo necessário<br />

do marxismo-leninismo como doutrina e método de investigação<br />

científica da sociedade e guia prático de ação transformadora, com vista<br />

a aplicá-lo ao conhecimento da realidade goiana. O mais grave, contudo<br />

compreensível, é que militantes ocupando cargos de direção em<br />

seus organismos desconheciam a ideologia da sigla, em termos de princípios<br />

e normas de disciplina e fidelidade partidária.<br />

Na época, tínhamos poucos trabalhadores braçais, operários e<br />

camponeses na organização, muito embora marcamos certa presença e<br />

atuação em determinados sindicatos e associações de trabalhadores, em<br />

Goiânia, Anápolis, Itumbiara, etc., citando os sindicatos da construção<br />

civil, o Stiueg, em Goiânia, entre outros.<br />

233


316<br />

CELA <strong>14</strong><br />

• cópia da declaração do administrador do Presídio–Pelotão de Investigações<br />

Criminais (PIC), onde fui preso dia <strong>14</strong> de julho de 1972, e que,<br />

em 7 de novembro de 1972, encontrava-me detido no referido presídio;<br />

• cópia do processo, sentença e condenação, como membro do<br />

Comitê Estadual do PCB (CE), julgamento pela Auditoria da 11ª Circunscrição<br />

Judiciária Militar-Conselho Permanente de Justiça da Marinha,<br />

em Brasília;<br />

• cópia da Certidão da Auditoria da 11ª Circunscrição Judiciária<br />

Militar atinente a minha condenação a pena de seis meses de reclusão,<br />

por estar incurso no art.<strong>14</strong> do DL 898/69, da Lei de Segurança Nacional,<br />

constando que o referido civil já cumpriu a pena acima mencionada, e<br />

que a sentença respectiva ainda não transitou em julgado;<br />

• cópia do Alvará de Soltura, emitido pelo juiz-auditor Dr. Célio<br />

de Jesus Lobão Ferreira;<br />

• cópia da Certidão Carcerária da Agência Prisional (Cepaigo)<br />

confirmando a minha entrada no presídio em 11/11/1974, sob regime<br />

fechado, e posto em liberdade por Alvará de Soltura, em 20/12/1974;<br />

• cópia da Portaria de nº 01315/72, de 15 de dezembro/72, do reitor<br />

da UFG, suspendendo-me da função de professor titular do Instituto<br />

de Química e Geociências e do Instituto de Ciências Humanas e<br />

Letras, da Universidade Federal de Goiás (UFG);<br />

• Dec. Lei nº. 477, de 26 de fevereiro de 1969, via Portaria nº 01352,<br />

de 22 de dezembro de 1972, do reitor da UFG, punindo-me com “a pena<br />

de dispensa e proibição de ser nomeado, admitido ou contratado por<br />

qualquer outro estabelecimento da mesma natureza, pelo prazo de cinco<br />

(cinco) anos”, punição esta sob coação militar sugerida, melhor dizendo,<br />

“exigida” pelo general Segadas Viana.<br />

Com a aplicação do 477, perdi também, o cargo de professor de<br />

ensino superior da Universidade Católica de Goiás;<br />

• Portaria nº 00765, de 10 de junho de 1980, confirmando o retorno<br />

ao serviço público federal na UFG, amparado pela Lei da Anistia<br />

de 28/8/1979.<br />

• outros documentos anexados, a exemplo de alguns diplomas,<br />

títulos e comendas recebidos.


REGRESSO, ANISTIA E LUTA<br />

Certidão de 4 páginas da Abin registra minhas atividades “subversivas”<br />

317


CONCLUSÃO<br />

Homenagem a quatro militantes<br />

históricos do PCB em Goiás<br />

Juan Bauptista Bassalos Rodrigues (Pablo)<br />

(o espanhol mais brasileiro que muitos brasileiros)*<br />

Nascido em 24 de junho de 1897, filho único de Manoel Yañes<br />

Rodrigues e de Concepcion Bassalos. Seu pai, lavrador e mineiro,<br />

por razões econômicas migrou para a Argentina antes do<br />

filho nascer, e nunca mais regressou à terra natal. Sua mãe, de família simples,<br />

tendo recebido algumas pequenas propriedades, dedicava-se a cultivá-las:<br />

plantava centeio, batata, feijão, cebola, alho, couve e outras hortaliças;<br />

plantava o linho e tosquiava as ovelhas, fiava e tingia a lã; no tear,<br />

fazia tecidos de lã para atender as encomendas dos moradores do Pueblo.<br />

Com esses recursos, Concepcion criou o filho e educou-o na Igreja<br />

* documento produzido pelo seu neto Thales Bassalos.


320<br />

CELA <strong>14</strong><br />

Católica. O adolescente Juan, entre 10<br />

e <strong>14</strong> anos, serviu a igreja como coroinha<br />

e neste ofício aprendeu a rezar toda<br />

a missa em latim. Nessa idade,<br />

aprendeu também a pastorear cabras<br />

e ovelhas, e assim podia ajudar sua<br />

mãe no sustento familiar. Nesse tempo,<br />

a Espanha mantinha guerra no<br />

Marrocos para sustentar privilégios<br />

dos governantes. Por essa causa o país<br />

estava empobrecido e a população<br />

proletária vivia na miséria.<br />

Objetivando um futuro pro-<br />

Juan Bassalos (Pablo)<br />

missor na América, Juan, com idade<br />

de <strong>14</strong> anos, juntamente com alguns<br />

parentes, chega ao Brasil no ano de 1912 para trabalhar na Mina de Ouro<br />

de Morro Velho, explorada pelos ingleses na cidade de Nova Lima-<br />

MG. Na mina, exerceu o trabalho em várias atividades: timoneiro de<br />

vagoneta de minério; ascensorista; bombeiro; apontador e repositor de<br />

ferramentas, tempo em que se trabalhava 12 horas por dia.<br />

No final de 1912, foi organizada a primeira greve, encabeçada pela<br />

Sociedade Espanhola de Socorros Mútuos, que pleiteava oito horas de<br />

jornada de trabalho (lei universal), com salário equivalente a 12 horas<br />

em vigor na Mina de Morro Velho. Caso a reivindicação não fosse atendida,<br />

os mineiros estavam dispostos a dinamitar a mina. Isso não aconteceu<br />

porque a direção da Saint John Del Rey Mining Company, em Londres,<br />

resolveu acatar o pedido dos mineiros. Realmente, os trabalhadores<br />

da mina, na maioria imigrantes espanhóis, viviam num regime de semiescravidão.<br />

Refletindo sobre isso, Juan deu conta que os ingleses donos<br />

da mina eram os neocolonizadores numa terra que se dizia liberta.<br />

O fato o desgostou profundamente.<br />

Na ocasião, circulava na Sociedade Espanhola de Socorros Mútuos<br />

o jornal Diário Español, publicado em São Paulo, com a finalidade de<br />

“vender” os interesses dos imigrantes espanhóis vindos para trabalhar nas


HOMENAGEM A QUATRO MILITANTES HISTÓRICOS DO PCB EM GOIÁS<br />

fazendas de café no Estado de São Paulo. Em todas as edições trazia o<br />

anúncio: “Terras de Graça no Noroeste do Brasil”. Juan, com a idade entre<br />

17 e 18 anos, atraído por esse anúncio, juntamente com os parentes,<br />

colegas de trabalho e três companheiros, resolve se livrar do “inferno”,<br />

pois era assim que chamavam a mina de Morro Velho, jurando que para<br />

lá nunca mais voltariam. Saem da Vila de Nova Lima e viajam de trem da<br />

Central do Brasil para a capital paulista. Desembarcam na Estação da Luz,<br />

onde, providencialmente, encontram um “agenciador” da Fazenda Paredão<br />

do Conde de Serra Negra, fazenda esta que ficava cerca de dez quilômetros<br />

da Estação da Noroeste do Brasil, em Presidente Pena. Contratados<br />

pelo gerente da fazenda como mão de obra qualificada, pois tinham<br />

aprendido na Mina de Morro Velho noções de eletricidade, hidráulica e<br />

mecânica, tiveram melhores salários, e lá cumpririam apenas oito horas<br />

de trabalho por dia, enquanto os operários da lavoura trabalh avam, de<br />

sol a sol, cumprindo turno de 12 horas por dia.<br />

Juan e os companheiros resolveram juntar dinheiro para investimento<br />

em negócio próprio, ou seja, serem fazendeiros nas “Terras de Graça”.<br />

A dificuldade em encontrar pessoas para trabalhar como empregados<br />

nessas terras desanimou os espanhóis, visto que a maioria dos<br />

imigrantes fora contratada por proprietários das fazendas de cafezais, e<br />

o salário estava “inflacionado”. Deixando seus companheiros na Fazenda<br />

Paredão, passou por Araçatuba e foi para Campo Grande, no Mato Grosso.<br />

Nessa cidade, trabalhou como faxineiro no Instituto Pestalozzi e depois<br />

como agenciador do Hotel Roial. Neste hotel encontra o capitão do<br />

Exército Nicolau Tibúrcio Cavalcante, vindo de Pernambuco para servir<br />

na Comissão Rondon, encarregada da construção da linha telegráfica ligando<br />

Campo Grande a Ponta Porá, fronteira com o Paraguai. Convidado<br />

pelo capitão, trabalhou de 1923 a 1925 na comitiva da comissão como<br />

ajudante de topógrafo, em seguida, como encarregado dos<br />

suprimentos. Durante o tempo que passou na floresta matogrossense conheceu<br />

os índios caiúas, os terenas e os guaiacurus, que também ajudaram<br />

na construção da linha telegráfica. Na ocasião, conheceu pessoalmente<br />

o general Antonio Cândido Mariano da Silva Rondon, que mais<br />

tarde receberia o título de “Pai das Comunicações do Brasil”. De volta pa-<br />

321


Referências<br />

ABREU, S. B. Trombas – A Guerrilha do Zé Porfírio. Brasília: Goe the,<br />

1985.<br />

ABREU, S. O Comunismo Camarada (entrevista J. Marques). Jornal<br />

Opção, Goiânia, <strong>14</strong> a 20 jun. 1998.<br />

AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA. CERTIDÃO. Presidência<br />

da República – Gabinete de Segurança Institucional. Brasília/DF:<br />

24 nov. 2004.<br />

AIRES, C. SNI microfilmou documentos do Dops (declaração do<br />

ex-delegado do Dops José Francisco dos Santos. O Popular, Goiânia, 15<br />

out. 1995.<br />

ALCURE, L.PRESTES, L.C. Esses Comunistas ai já estão desmoralizados<br />

(entrevista com Luís Carlos Prestes). Fatos, págs. 19-21.<br />

ALVES, Cosette. A revolução de 64 não era para ficar (entrevista<br />

com Ernesto Geisel). Folha de São Paulo, São Paulo, 15 set. 1996.


350<br />

CELA <strong>14</strong><br />

VEJA. A Guerrilha do Araguaia (Relato do coronel Pedro Corrêa<br />

Cabral). São Paulo: Abril, 13 out. 1993.<br />

VEJA. A lei da barbárie. Depoimento de Marival Chaves Dias do<br />

Canto. São Paulo: Abril, 18 nov. 1992.<br />

VEJA. A queda do cavaleiro. São Paulo: Abril, 28 mai. 1980.<br />

VEJA. Autópsia da sombra – Casa de Petrópolis. Marival Chaves<br />

Dias do Canto (entrevista). São Paulo: Abril, 18 nov. 1992.<br />

VEJA. Centro de Informação do Exército (CIEx). Informe<br />

209/1975 – Confidencial. São Paulo: Abril, 25 nov. 1987.<br />

VEJA. CIEx. Subversão no Brasil (analistas). São Paulo: Abril, 24<br />

out. 1984.<br />

VEJA. Depoimento na Câmara Federal elogiando o trabalho dos<br />

homens do DOI (General W. C. Pires). A Repressão perdoada. São Paulo:<br />

Abril, 4 jul. 1979.<br />

VEJA. Porão de estrelas. São Paulo: Abril, 1º abr. 1987.<br />

VEJA. O tamanho do porão. São Paulo: Abril, 10 set. 1986.<br />

VILAS-BOAS, A da M. Movimento militar de 1964: um golpe<br />

contra a educação. O Popular, Goiânia, 3 abr. 1994.<br />

VILLAMÉA, L. Bomba-relógio. IstoÉ, n. 1381. São Paulo: Três,<br />

20 mar. 1996.<br />

VINHAS, M. O Golpe militar de 1964. O Partidão – A luta por um<br />

partido de massas. 1922-1974. São Paulo: Hucitec, 1982.<br />

VINICIUS, M.; DIAS, R. Estudantes eram alvo dos agentes do<br />

Dops. Diário da Manhã, Goiânia, 25 set. 1995.<br />

VINICIUS, M. Memórias da Revolta de Trombas (entrevista J.<br />

Ribeiro). Diário da Manhã, Goiânia, 12 abr. 1998.<br />

WEFFORT, F. C. Indecisões, dúvidas, modorra. IstoÉ. São Paulo:<br />

Três, 20 mai. 1981<br />

WEINER, C. Trabalho de ideólogo (apreciação crítica). A revolução<br />

faltou ao encontro – Os comunistas no Brasil, de Daniel Aarão Reis.<br />

Edição CNPq/Brasiliense, 1990.


L embranças do período em que esteve enclausurado no Pelotão<br />

de Investigações Criminais (PIC) em Brasília – durante o governo<br />

linha-dura do general Garrastazu Médici, em plena ditadura<br />

militar – é o ponto de partida para o enredo desse livro.<br />

O autor, ex-militante do PCB, descreve o seu processo de formação<br />

e militância político-partidária, intercalando fatos históricos<br />

com os acontecimentos vividos por ele.<br />

Das lutas pela posse da terra, passando pela Guerrilha do Araguaia<br />

e pelas arbitrariedades cometidas nos “porões da ditadura”;<br />

do exílio forçado na distante Suécia, ao movimento pela Anistia<br />

e a reconquista da democracia no país; da constatação da “limpeza”<br />

feita nos arquivos do Dops em Goiás ao reconhecimento<br />

dos direitos de reparação aos anistiados, <strong>Cela</strong> <strong>14</strong> resgasta parte<br />

precisosa da memória política de Goiás e da luta em prol da democracia,<br />

do socialismo e da soberania nacional.

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