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1 Dom Expedito Lopes: Esquecimento e Memória (Discurso ... - anpuh

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<strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> <strong>Lopes</strong>: <strong>Esquecimento</strong> e <strong>Memória</strong><br />

(<strong>Discurso</strong> sobre sua Beatificação e Canonização – 1990/2004)<br />

Igor Alves Moreira<br />

Mestrando em História Social – UFC<br />

Orientador – Professor Dr. Francisco Régis <strong>Lopes</strong> Ramos<br />

As reflexões aqui dispostas incidem sobre um crime ocorrido em Garanhuns,<br />

Pernambuco, envolvendo Padre Hosana de Siqueira e Silva e o Bispo <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong><br />

<strong>Lopes</strong> e o discurso atual da Igreja Católica daquela cidade em promover eventos<br />

públicos e uma escrita específica sobre o fato a fim de construir e instituir uma memória<br />

oficial acerca da figura do bispo assassinado.<br />

O ponto crucial de nossa prosa incide sobre o esforço desta instituição em<br />

promover a santificação oficial de <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong>. Para isso, como mencionamos há<br />

pouco, momentos públicos estão sendo desenvolvidos desde a década de 1990 para cá<br />

em prol do convencimento da gente garanhense e das autoridades romanas em torno das<br />

virtudes do prelado. É um trabalho de construção, institucionalização e perpetuação de<br />

uma memória oficial em que os artesãos desses discursos são clérigos e religiosas.<br />

<strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> <strong>Lopes</strong> era sobralense, cidade do interior do Ceará, nascido em 08<br />

de Julho de 1914. Sob a proteção do Bispo de Sobral, <strong>Dom</strong> José Tupinambá da Frota,<br />

considerado pela elite da cidade como “Bispo Conde”, estudou no Seminário São José,<br />

nesta cidade, no Seminário da Prainha, em Fortaleza, e no Colégio Pio Brasileiro, em<br />

Roma – onde se doutorou em Direito Canônico. Em Dezembro de 1948 é nomeado<br />

bispo de Oeiras-Piauí com uma pomposa festa de sagração realizada na Catedral da Sé,<br />

Sobral. Somente em 1955 é nomeado Bispo de Garanhuns. Lá chegando, encontra<br />

problemas de comportamento de quatro sacerdotes, dentre eles padre Hosana de<br />

Siqueira e Silva, responsável pelo desenrolar dos acontecimentos que fomentam as<br />

considerações que se segue.<br />

Em Julho de 1957, Padre Hosana de Siqueira e Silva alveja com três tiros seu<br />

Bispo <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> <strong>Lopes</strong>. O prelado vem a óbito oito horas depois, especificamente<br />

dia 02 do mês em questão. Durante esse “tempo de agonia” - como afirmaram as<br />

inúmeras matérias em jornais, revistas, programas de rádio e na narrativa dos que<br />

presenciaram e souberam do fato e seu desenrolar - o iminente moribundo deixa escapar<br />

de si palavras últimas de perdão ao padre autor dos disparos bem como se oferece ao<br />

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clero e à cidade como um cordeiro imolado, num ritual de entrega, assim como Cristo<br />

entregou-se pela humanidade na cruz.<br />

Acolhido no Hospital <strong>Dom</strong> Moura, teve assistência médica e religiosa. Muitos<br />

padres e religiosas o acompanhavam em seu leito. Frei Romeu Peréa, capelão daquele<br />

hospital na época, anotara suas últimas palavras. As escreveu e publicou em dois livros.<br />

Nestas obras 1 faz alusão do leito de morte de <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> à cena bíblica da última<br />

ceia, ou seja, Cristo estava rodeado de apóstolos oferecendo seu corpo e seu sangue à<br />

humanidade. Entre eles estava um traidor, Judas Scairotes. Cristo, então, partilha o pão,<br />

o vinho e oferece-se como um cordeiro imolado. <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong>, por sua vez,<br />

encontrava-se rodeado de padres. Um deles o traiu, Padre Hosana. O bispo então se<br />

configura na descrição desta cena como o pão partilhado para todos, ao mesmo tempo, o<br />

cordeiro imolado que doa a própria vida e o seu próprio sangue aos seus.<br />

Um texto fabricado para convencer ao clero e a população de Garanhuns as<br />

virtudes de <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong>. O homem que doa a própria vida pela Igreja, pela<br />

preservação da moral, dos bons costumes e pela perpetuação e solidificação da tradição.<br />

Podemos considerar sua morte como um ritual, uma fabricação intencional, uma vez<br />

que, em entrevistas com alguns padres ainda presentes que viveram essa experiência e o<br />

depoimento de outros no processo criminal sobre esse caso, eles afirmam que o bispo<br />

pressentia e/ou sabia que algo desagradável iria acontecer. 2 Uma morte com intenção<br />

de perpetuar uma memória, de congelá-la e, sob a administração da Igreja Católica, ser<br />

vigiada e repassada para a população pernambucana. Entretanto, antes de adentrarmos<br />

nessa discussão é necessário descrever um pouco mais sobre a sucessão de<br />

acontecimentos imediatos aos disparos.<br />

Padre Hosana refugiou-se no Mosteiro de São Bento, próximo ao Palácio<br />

Episcopal – local dos disparos. Foi acolhido por <strong>Dom</strong> Bento, administrador do<br />

Mosteiro, e, posteriormente, entregue à polícia. Foi transferido para a Casa de Detenção,<br />

capital. Lá esperou seu julgamento. Lá também foi ouvida sua Excomunhão,<br />

1 PERÉA, Frei Romeu. A Morte de <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong>. Editora Flos Carmelo, Recife-PE, 1957. Ver ainda: -<br />

---------------------. <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> <strong>Lopes</strong>: considerações a cerca de um cadáver glorioso. Editora Flos<br />

Carmelo, Recife-PE, 1958.<br />

2 Cita-se: <strong>Dom</strong> Acácio Rodrigues Alves, Bispo Emérito de Palmares-Pernambuco; Padre Frota Carneiro,<br />

auxiliar e amigo de <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong>; Depoimento de Monsenhor Adelmar Valença, pároco da Catedral de<br />

Santo Antônio, à época do Crime. Este último só foi possível essa informação através de seu depoimento<br />

no Processo Criminal de Padre Hosana; uma vez que já pereceu. Fragmentos do Processo Criminal de<br />

Padre Hosana de Siqueira e Silva encontra-se em meu poder, especificamente, os depoimentos das cinco<br />

testemunhas de defesa e as cinco testemunhas de acusação do sacerdote. Estes me foram gentilmente<br />

cedidos por Ana Maria César, advogada aposentada, residente em Recife-Pernambuco.<br />

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pronunciada por <strong>Dom</strong> Antônio Moraes de Almeida Júnior, Arcebispo de Olinda e<br />

Recife naquela ocasião. Julgado por três vezes, somente na última foi condenado a 19<br />

anos de prisão. Depois de onze anos no cárcere, o bom comportamento lhe arrancara<br />

daquele lugar em 1968. Voltou para sua cidade natal, Correntes, Pernambuco, para<br />

cuidar de sua pequena propriedade rural. Morava sozinho. Em 1997 seu corpo foi<br />

encontrado naquele lugar quase em estado de putrefação, estava marcado com golpes de<br />

pauladas. Não se sabe o motivo de seu assassinato. As investigações cessaram e seu<br />

processo encontra-se arquivado.<br />

Três motivos foram levantados para explicar essa desenfreada ação de matar o<br />

bispo, considerada brutal pela mídia e pela comunidade garanhense daquele tempo de<br />

outrora: o primeiro seria porque <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> recebia visitas e cartas de pessoas de<br />

Quipapá – cidade onde o sacerdote era pároco – denunciando-o de cobrar preços<br />

exorbitantes pelos sacramentos; a segunda denúncia é de que o sacerdote não estava<br />

dando assistência religiosa devida às escolas da comunidade e que sempre chegava<br />

atrasado às missas e compromissos da paróquia porque direcionava mais preocupação e<br />

atenção no cuidado com sua fazenda e nos empreendimentos obtidos com ela e, como<br />

terceira denúncia, que mais se alastrou e ganhou corpo no disse-me-disse daquela urbe,<br />

era que Hosana estaria tendo um caso amoroso com Maria José, sua prima e empregada<br />

doméstica, que carregaria em seu ventre um filho, fruto do amor proibido.<br />

Acreditando nessas denúncias e sem pretensão de ouvir as explicações do<br />

sacerdote, <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> – com autorização da Santa Sé – decide excomungá-lo através<br />

da leitura de uma nota no programa de rádio chamado A Voz da Diocese. A nota iria ser<br />

lida na segunda-feira, 01 de Julho de 1957, dia dos disparos. Padre Hosana, sabendo<br />

dessa decisão do bispo, dirigiu-se à rádio munido de documentos que, segundo ele, iria<br />

provar que eram falsas essas denúncias. Não tendo liberdade da palavra, foi ao Palácio<br />

Episcopal e consumou os tiros.<br />

Este fato é algo que acabou. Não existe mais. Existiu, no particípio. O que nos está<br />

sendo apresentado agora são as versões que se tem e que se pode ter do mesmo. O<br />

conhecemos hoje através do que se escreveu e do que se ouve, ou não se ouve, sobre<br />

ele. Ou seja, temos à nossa disposição fragmentos e interpretações do ocorrido. Jamais o<br />

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teremos novamente. Ele nos está exposto e/ou estampado nos jornais, em bibliografias 3<br />

específicas e na oralidade de quem se interessa em narrá-lo.<br />

Nesse aspecto, Lucette Velensi 4 já aponta observações. Seu texto começa com<br />

indagações pertinentes e de extrema importância para os estudos históricos<br />

contemporâneos: “E nós, podemos ouvir as palavras que na época foram<br />

pronunciadas?” 5 . Sua resposta é imediata ao inferir que ouvimos apenas os ecos das<br />

batalhas e dos acontecimentos. Eles chegam até nós através dos textos. O texto é o lugar<br />

onde estão alguns seletivos e eletivos traços da batalha. Como uma narrativa, o texto se<br />

apresenta como um caminho para comunicar a lembrança do evento e tendem a<br />

fixar/apagar imagens, pronunciar e/ou comunicar lembranças de um determinado<br />

acontecimento, partilhá-lo e glorificá-lo.<br />

No caso do assassinato de <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong>, os textos abundam sobre suas últimas<br />

palavras, sobre o impacto de sua morte – dolorosa e heróica, como afirma a Igreja e os<br />

jornais. É uma escrita com intenção de arquitetar ou fabricar, um mito, em detrimento<br />

de se apagar o anti-herói, o contraponto, configurado na pessoa do sacerdote assassino.<br />

O objetivo desses textos é fixar lembranças e esquecimentos, congelar o acontecimento,<br />

torná-lo estático, mais forte ainda, torná-lo a “verdade”. Desta forma, apaga-se a<br />

pluralidade que ele denota e as outras vozes que o compõem ou que o confrontam, as<br />

outras possibilidades possíveis e os seus silêncios. Essa rigidez textual dos escritos<br />

sobre <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> – quer seja oriundo da Igreja ou de outros campos letrados –<br />

contrasta com as afirmações de Lucette Valensi, quando expõe que:<br />

... sempre subsistem certos traços – um título, uma versão dos fatos –<br />

que serão anulados por outros relatos da batalha. Sempre os ecos do ato<br />

produzem uma história que é, ao mesmo tempo, verificável em suas grandes<br />

linhas, penetrada de inexatidões e polêmica em sua interpretação. Todo e<br />

qualquer texto é polissêmico, ou seja, está sempre aberto, chama outras<br />

vozes e interpretações para compô-lo. É uma arquitetura conjunta, ascende<br />

vozes na mesma proporção que tende a calar outras. 6<br />

Então, onde estão as vozes ausentes e que podem contribuir na composição do<br />

quadro de interpretações da morte e das últimas palavras proferidas por <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong><br />

3 Além da obra já aqui citada de Frei Romeu Peréa, temos ainda: CÉSAR, Ana Maria. A Bala e a Mitra.<br />

Edições Bagaço, Recife, 1994 e BRITO, Taíza. As Confissões do Padre Hosana. Edições Bagaço,<br />

Recife, 1998.<br />

4 VALENSI, Lucette. Fábulas da <strong>Memória</strong>: a batalha de Alcácer Quibir e o Mito do Sebastianismo.<br />

Tradução de Maria Helena Franco Martins. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1994, p.41-128.<br />

5 Ibid. P. 41.<br />

6 Ibid. P. 45.<br />

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em seu leito? Para onde foram e como se mostram ou se escondem as outras vozes e/ou<br />

interpretações sobre a personalidade de Padre Hosana e os motivos defendidos por ele<br />

para matar o prelado? Onde está padre Hosana, seus ecos, seus rastros?<br />

O que temos aqui são as vozes proferidas pela instituição católica, os jornais e<br />

alguns depoimentos dos dispersados devotos de <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> para compor sua<br />

“santidade”, sua memória.<br />

Um dos caminhos trilhados até o momento é a apropriação e a (re) interpretação<br />

dos depoimentos orais de pessoas que conheceram e/ou tiveram um maior contato com<br />

o extinto bem como as cartas enviadas por alguns fiéis narrando os milagres e graças<br />

alcançadas por intermédio do morto; os quais contribuem, e muito, no e para o<br />

Processo de Beatificação do Bispo, junto a Roma 7 ; na tentativa de institucionalizar,<br />

desta forma, um “santo”, ainda sem altar.<br />

Outro meio para objetivar a construção de uma memória sobre o bispo<br />

assassinado repousa na realização de uma missa para homenagear os 40 anos de morte<br />

do prelado. Acontecida em Garanhuns, no dia 02 de Julho de 1997 foi uma iniciativa do<br />

Instituto de Nossa Senhora da Fátima, fundado pelo moribundo ainda em vida. A alusão<br />

da morte de <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> à morte de Cristo é uma constante nos textos que e nas falas<br />

proferidas nesta missa. A celebração apresentou-se como um espaço de propagação<br />

oficial de um ser extraordinário para os católicos como também uma<br />

apresentação/convencimento do prelado para os indiferentes a ele, até então.<br />

Consoante ao livro de cânticos e de acompanhamento da missa, assim se deu a<br />

procissão de entrada da liturgia, acompanhada com um comentário intrigante e<br />

instigante: um cartaz era trazido para ser deposto próximo ao altar; o qual trazia<br />

fragmentos das últimas palavras do moribundo. Dizia:<br />

Estou sofrendo muitas dores. Seja tudo pela Diocese.<br />

Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a<br />

fé. Meu Jesus, misericórdia!<br />

7 Em Julho de 2004, uma comissão fez um itinerário entre Fortaleza, Sobral (CE), Oeiras(PI) e<br />

Garanhuns(PE) para recolher depoimentos daqueles e daquelas que conheceram pessoalmente <strong>Dom</strong><br />

<strong>Expedito</strong> e, a partir daí, anexá-los ao processo de Canonização e Beatificação; o qual já foi enviado à<br />

Roma para análise e posicionamento da Santa Sé. Caso seja positivo, <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> pode vir a ser o<br />

primeiro santo do Brasil. Essa comissão é composta por: Padre Marcelo Protázio Alves, atual Pároco da<br />

Catedral de Santo Antônio, local onde se encontra enterrado o corpo de <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong>; Frei Francisco<br />

Fernando da Silva, da Ordem Franciscana de Recife e Irmã Deyse, representante do Instituo de Nossa<br />

Senhora de Fátima do Brasil, fundado por <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> <strong>Lopes</strong>, em 1956, em Garanhuns.<br />

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Pronto, estou preparado. 8<br />

Enquanto o cartaz, o qual fazia alusão do sofrimento de <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> ao do<br />

próprio Cristo, era conduzido ao altar, outras palavras adentravam no recinto. Palavras<br />

arquitetadas e postas para fortalecer ainda mais o mito. Eram as palavras que ocupavam<br />

o espaço do comentário, na celebração.<br />

Ouçamos:<br />

Irmãos e irmãs,<br />

Estamos reunidos para celebrar o amor de Jesus, amor revelado durante<br />

toda a sua vida, mas levado ao extremo através de seu sangue derramado.<br />

Nesta celebração da Páscoa de Jesus, fazemos memória de alguém que<br />

também bebeu do cálice de sofrimento e derramou seu sangue. Fazemos<br />

memória de <strong>Dom</strong> Francisco <strong>Expedito</strong> <strong>Lopes</strong>, 5.º Bispo de Garanhuns,<br />

fundador do Instituto de Nossa Senhora de Fátima.<br />

Celebramos os 40 anos da morte de <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> agradecendo ao<br />

Senhor porque nele manifestou a sua santidade. Como Jesus, <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong><br />

morreu perdoando, fazendo de sua vida uma oferenda.<br />

Acolhemos os concelebrantes e o celebrante da Eucaristia, <strong>Dom</strong> Acácio<br />

Rodrigues Alves. ... 9<br />

É clarividente a constante alusão feita entre <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> e Cristo. Entretanto,<br />

essa metáfora fez-se e faz-se necessário, primordialmente, neste instante; pois a Liturgia<br />

Católica Apostólica Romana é um lócus e/ou um espaço da tentativa de (re) educação,<br />

de (re) construção e (re) modelação de valores coletivos. Valores estes que orientam,<br />

organizam, sustentam e legitimam visões de mundo, catalisam mentes e corações para<br />

sua ideologia, em detrimento das outras crenças. Este é o chão que sustenta a Igreja<br />

Católica Apostólica Romana. <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> é exposto aqui, à luz da igreja, como um<br />

santo que precisa ser institucionalizado por meio dos veredictos de Roma e reconhecido<br />

pela aquela comunidade católica. São as imagens [de memória] de <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> sendo<br />

geradas e gestadas aos poucos na e sobre a cidade.<br />

Eduardo França Paiva, em sua obra “História e Imagens”, afirma que as imagens<br />

de memória estão conosco em nosso cotidiano. Na verdade “integram a base da<br />

formação e sustentação do imaginário social de nosso dia-a-dia” 10 . Por isso, as<br />

imagens trazem fragmentos e silêncios da história, influenciam julgamentos, formas de<br />

viver, de trabalhar, de morar, de vestir, de se alimentar e, especialmente, de CRER. Para<br />

o cristianismo, as imagens iconográficas e as imagens de memória, funcionam como<br />

8 Livro de Cânticos, em que contém toda a Liturgia sobre a missa dos 40 anos de morte do Bispo <strong>Dom</strong><br />

Francisco <strong>Expedito</strong> <strong>Lopes</strong>; realizada em 02 de Julho de 1997, em Garanhuns-PE. Arquivo pessoal.<br />

9 Ibid.<br />

10 PAIVA, Eduardo França. História e Imagem. Editora Autêntica, Belo Horizonte - MG, 2002, p.14.<br />

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instrumentos pedagógicos poderosos de convencimento, de legitimação e (re)<br />

conhecimento da própria fé. Mas o que é ou em que consistem imagens de memória?<br />

Elas são experiências e conhecimentos apreendidos e acumulados por nós,<br />

quotidianamente. Ora, desta forma, as imagens podem ter longa vida, duração<br />

atemporal ora cultivada/preservada, ora combatida/adormecida - como acontece na<br />

história de <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong>.<br />

A Celebração Eucarística em comemoração aos 40 anos de morte de <strong>Dom</strong><br />

<strong>Expedito</strong> pode ser compreendida, à luz das colocações do autor há pouco citado, como<br />

uma imagem de memória que está sendo construída, no intuito de remodelar valores e<br />

costumes aos preceitos e dogmas católicos apostólicos romanos. E se há essa<br />

preocupação é porque há uma indiferença muito apresentada para com o caso. Assim<br />

sendo, o referencial de bondade, caridade, dedicação, piedade, devoção e assistência aos<br />

pobres deve ser criado, visualizado e alimentado junto aos católicos. Um deles é,<br />

inquestionavelmente, a vida e, impreterivelmente, a morte de <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong>. Não pode<br />

e não deve ser outro, senão o bispo não teria sentido, não teria razão para viver e morrer.<br />

O centro é o moribundo: suas últimas palavras no leito da morte. Ele é o<br />

referencial a ser seguido, o único exemplo. Ele é a encarnação da doação e do perdão.<br />

Isso é notório nessas preces – ditas em uma missa recheada de pessoas no santuário,<br />

lembremos. Pessoas que não tem familiaridade ou não estabeleceram relação afetiva<br />

com o caso, por desconhecê-lo ou conhecê-lo superficialmente. Nesse discurso e em<br />

todo o trabalho de construção de uma memória sobre o bispo, apaga-se a figura de Padre<br />

Hosana. Porém ele está aí, implícito. Um só existe porque há o seu oposto. Ele só existe<br />

na medida em que há o assassino, que não pôde falar, que foi silenciado. Padre Hosana<br />

faz parte da outra voz do discurso: silenciada pela Igreja.<br />

No Ofertório, a situação focaliza-se por completo à esfera transubstancial de <strong>Dom</strong><br />

<strong>Expedito</strong>. Nesse caso, o processo se inverte, pois, agora, o discurso dos padres nessa<br />

celebração objetivava conduzir os fiéis a entregarem junto ao altar de Deus a si próprios<br />

já canalizados nos objetos representativos da entrega e da oferenda de <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> à<br />

população.<br />

<strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> morreu oferecendo ao Senhor a sua vida pelos padres,<br />

pelos seminaristas, pela Diocese de Garanhuns. Trazemos ao altar do<br />

Senhor alguns objetos que fizeram parte de sua vida, de sua paixão.<br />

A FRASE: “MEU DEUS EU VOS OFEREÇO A MINHA VIDA PELA<br />

DIOCESE DE GARANHUNS, PELO SEU CLERO E PELOS SEUS<br />

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SEMINARISTAS.” Oração pronunciada antes de falecer, em atitude de<br />

ofertório.<br />

UM PEDAÇO DA BATINA DE DOM EXPEDITO: Ela traz os furos<br />

das balas, mas ela fala também da pobreza, da simplicidade de <strong>Dom</strong><br />

<strong>Expedito</strong>. No testamento ele escrever: “Nasci pobre, vivi pobre e espero<br />

morrer mais pobre ainda. Tudo que se encontra sob o meu nome pertence<br />

à Diocese de Garanhuns. Espero morrer sem dinheiro, sem dívidas e sem<br />

pecado”.<br />

A MITRA DE DOM EXPEDITO: Símbolo de poder serviço que<br />

invalida toda superioridade. A única grandeza consiste em ser como Jesus<br />

fez, que faz o <strong>Dom</strong> total e gratuito de si mesmo. 12<br />

As batalhas também existem em torno dos símbolos que o homem e a mulher (re)<br />

criam e (re) elaboram e em torno da canalização e controle das interpretações; basta que<br />

tenhamos sensibilidade para perceber o quanto somos bombardeados por interpretações<br />

– embora fragmentadas e flexíveis – porém, tidas e respeitadas como verdades<br />

absolutas, como espelhos e pontos-de-partida para as outras que virão. Apaga-se ou,<br />

tenta-se apagar, desta forma, o outro, o diferente.<br />

Sobre esse ponto, Eni Puccinelli Orlandi, ao escrever “Palavra, Fé e Poder 13 ,<br />

fala-nos que a religião é um espaço institucional constituído por discursos. E esses<br />

discursos religiosos não estão soltos. Ao contrário, possuem uma espessura histórica,<br />

social, teórica e política. E que todo discurso traz consigo silêncios que também falam<br />

algo sobre os fatos e /ou as situações analisados. Nesse raciocínio, Deus é o lugar da<br />

onipotência do silêncio, o qual incita o homem e à mulher a colocar sua fala neste<br />

silêncio. A religião se configura como lócus onde o homem e a mulher coloca sua fala.<br />

Por isso os discursos religiosos estão impregnados de valores como: ascetismo,<br />

separação, ênfase no sofrimento, no sacrifício, na humildade e na salvação. E esses<br />

valores não estão limitados aos discursos religiosos; eles perpassam todas as outras<br />

esferas e vivências das nossas vidas, remodelando-nos às suas vontades. “(...) podemos<br />

perceber que os vários discursos da cultura ocidental são atravessados pelo discurso<br />

religioso: o pedagógico, o jurídico, o acadêmico, o das minorias, o das alternativas,<br />

etc.” 14 , afirma ela.<br />

Eni Orlandi fomenta ainda mais a incompletude dos discursos. Este é o lugar do<br />

possível, do silêncio e do movimento. Nesta assertiva, a Igreja Católica de Garanhuns<br />

precisa conduzir as opiniões, as interpretações, os corações e as mentes de seu povo a<br />

12 Livro de Cânticos, em que contém toda a Liturgia sobre a missa dos 40 anos de morte do Bispo <strong>Dom</strong><br />

Francisco <strong>Expedito</strong> <strong>Lopes</strong>; realizada em 02 de Julho de 1997, em Garanhuns-PE. Arquivo pessoal. Fiz a<br />

opção por citar esse momento do ofertório da mesma maneira como está disposto no livro de cânticos e<br />

de acompanhamento da Liturgia, o qual fora distribuído aos participantes da missa.<br />

13 ORLANDI, Eni Pucinelli. “Palavra, Fé e Poder”. Campinas-SP, Editora Pontes, 1987.<br />

14 Ibid. P. 09.<br />

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enxergar e cristalizar um só <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> – o “mártir” e “santo”, o “bispo dos pobres”,<br />

o “bispo de coração mariano” e o “bispo do perdão” – e, assim, silenciar outras<br />

interpretações do e sobre o mesmo e silenciar a personalidade de Padre Hosana,<br />

deixando-o relegado ao esquecimento. São os silêncios em torno da história do<br />

moribundo, e também, sobre a tentativa de sua beatificação e construção de sua imagem<br />

de herói, que dão-nos brechas e lacunas para fomentar outras interpretações e<br />

questionamentos.<br />

Sallta aos olhos nessa celebração o uso dos símbolos, das imagens e dos discursos<br />

sobre o bispo assassinado. As imagens têm o poder de materializar um discurso. Assim<br />

como as imagens, nessa fala católica as palavras são estáticas, têm uma só interpretação,<br />

uma só possibilidade. Apaga-se a polissemia e a dinâmica do discurso. As palavras não<br />

são “assanhadas”, provocadas, violentadas. Tornam-se linear, cronológica, posta dentro<br />

dos quadros institucionais da Igreja.<br />

Então, outras imagens e interpretações sobre a história de <strong>Dom</strong> <strong>Expedito</strong> podem e<br />

devem ser mencionados, como esta que trilhamos até aqui. As interpretações, os<br />

discursos estão sempre em curso, estão sempre abertos. Não há um ponto final, assim<br />

como não há um ponto inicial, porque a história não é linear, coerente, fechada. O que<br />

há são visões de mundo e interpretações sobre determinadas coisas, pessoas e situações<br />

embebidas nas idéias e ideologias de seu tempo. O dizer, como afirma Eni Orlandi, está<br />

sempre aberto, é sempre flexível e sempre apresenta silêncios que falam.<br />

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