SOBRE A MORTE E O MORRER
SOBRE A MORTE E O MORRER
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ACEITAÇÃO<br />
Nele o paciente está fisicamente debilitado, sente necessidade de dormir mais e de ficar só. Emocionalmente, no<br />
entanto, está mais saudável. Não se confunda aceitação com um estágio de felicidade. É quase uma fuga de<br />
sentimentos.<br />
É como se a dor tivesse se esvaecido, a luta cessada e dado lugar à resignação. O doente absorve a ideia da<br />
morte.<br />
Como lidar com a ideia do fim? A História está cheia de exemplos de mortes nobres. Ao receber a sentença de<br />
que estava condenado à morte, acusado de corromper a juventude grega, o filósofo Sócrates (47-399 a.C.)<br />
respondeu apenas: - E não estamos todos?‖<br />
Se para os mortais comuns essa elegância é inconcebível, especialistas acostumados a presenciar a agonia<br />
concordam que existe pelo menos uma forma de abrandar a angústia que a morte causa. Perto do fim, afirmam,<br />
ninguém se arrepende por não ter juntado fortuna, deixado passar a hora de comprar ações na bolsa, feito uma<br />
carreira menos do que brilhante. Tampouco se clama por vingança contra as ofensas acumuladas.<br />
No apagar da vida, as pessoas anseiam por paz. E o maior obstáculo para essa paz costuma ser o sofrimento por<br />
não ter conseguido zerar ressentimentos. Filhos, amores passados, pais, amigos - sempre existe alguma conta<br />
pendente. Despedir-se das pessoas amadas e reconciliar-se com elas faz com que morrer seja mais suave tanto<br />
para os que ficam quanto para os que vão. Pacientes que melhor reagem são aqueles que foram encorajados a<br />
extravasar suas raivas, a chorar durante o pesar preparatório, a comunicar seus temores e fantasias, a quem<br />
puder sentar-se e ouvi-los em silêncio.<br />
Deveríamos tomar consciência do enorme trabalho em alcançar este estágio de aceitação, levando a uma<br />
separação gradativa (decatexia), onde não há mais diálogo.<br />
Assim, quando chegarmos ao fim de nossos dias tendo trabalhado, sofrido, nos doado e nos divertido, voltaremos<br />
ao estágio por onde começamos, e se fecha o ciclo da vida... Viver, no fim, é um exercício para o ato derradeiro.<br />
“Quem presencia a agonia tantas vezes aprende que só se consegue ter paz na morte quanto se<br />
usufrui da vida e se faz as pazes com ela”.<br />
Ana Geórgia Cavalcanti de Melo, do Day Care<br />
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KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Martins Fontes, 1998.