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SOBRE A MORTE E O MORRER

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que raramente surge quando é atendido pelo médico da família que o acompanhou desde o parto até a morte<br />

e que está a par das fraquezas e forças de cada membro da família.<br />

Há muitas razões para se fugir de encarar a morte calmamente. Uma das mais importantes é que, hoje em dia,<br />

morrer é triste demais sob vários aspectos, sobretudo é muito solitário, muito mecânico e desumano. Às vezes, é<br />

até mesmo difícil determinar tecnicamente a hora exata em que se deu a morte.<br />

Morrer se torna um ato solitário e impessoal porque o paciente não raro é removido de seu ambiente familiar e<br />

levado às pressas para uma sala de emergência hospitalar. Só quem sobreviveu a isto é que pode aquilatar o<br />

desconforto e o desespero sentidos... O caminho para o hospital é, aqui, o primeiro capítulo da morte como, de<br />

fato, acontece com muitos. O barulho, a luz, as sondas e as vozes se tornam insuportáveis. É provável que<br />

também devêssemos dar mais atenção ao paciente sob os lençóis e cobertores, pôr talvez um ponto final em<br />

nossa bem intencionada eficiência e correr para segurar a mão do paciente, sorrir ou prestar atenção numa<br />

pergunta...<br />

Quando um paciente está gravemente enfermo, em geral é tratado como alguém sem direito a opinar. Quase<br />

sempre é outra pessoa quem decide sobre se, quando e onde um paciente deverá ser hospitalizado. Custaria tão<br />

pouco se lembrar de que o doente também tem sentimentos, desejos, opiniões e, acima de tudo, o direito de ser<br />

ouvido...<br />

Pouco a pouco o paciente começa a ser tratado como um objeto. Deixou de ser uma pessoa. Decisões são<br />

tomadas sem o seu parecer. Se tentar reagir, logo lhe dão um sedativo. Transforma-se num objeto de grande<br />

preocupação e investimento financeiro. Pode clamar por repouso, paz e dignidade, mas recebe em troca infusões,<br />

transfusões, coração artificial ou uma traqueotomia, se necessário. Pode desejar que alguém pare por um<br />

instante para fazer só uma pergunta, mas o que vê é uma dúzia de pessoas olhando um relógio, todas muito<br />

preocupadas com as batidas de seu coração, com seu pulso, com o eletrocardiograma, com o funcionamento dos<br />

pulmões, com as secreções ou excreções, mas não com o ser humano que há nele.<br />

O fato de nos concentrarmos em equipamentos e em pressão sanguínea não será uma tentativa desesperada de<br />

rejeitar a morte iminente, tão apavorante e incômoda, que nos faz concentrar nossas atenções nas máquinas, já<br />

que elas estão menos próximas de nós do que o rosto amargurado de outro ser humano a nos lembrar, uma vez<br />

mais, nossa falta de onipotência, nossas limitações, nossas falhas e, por último, mas não menos importante, nossa<br />

própria mortalidade?<br />

Urge, talvez, levantar uma questão: estamos nos tornando mais ou menos humanos?<br />

A verdade é que, independente da resposta, o paciente está sofrendo mais, talvez não fisicamente, mas<br />

emocionalmente. Suas necessidades não mudaram através dos séculos, mudou apenas nossa aptidão em<br />

satisfazê-las.<br />

MARIA EVILASA XIMENES MELO<br />

CRP 18/01809-0<br />

____________________________________<br />

KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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