Medindo o pulso das veredas de Minas Gerais - IEF
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<strong>Medindo</strong> o <strong>pulso</strong> <strong>das</strong> vere<strong>das</strong> <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> <strong>Gerais</strong><br />
Philippe Maillard<br />
Instituto <strong>de</strong> Geociências,<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> <strong>Gerais</strong>,<br />
Av. Antônio Carlos, 6627, Belo Horizonte - MG 31270-901<br />
philippe@cart.igc.ufmg.br<br />
Em uma correspondência com o tradutor italiano<br />
Edoardo Bizzarri, Joâo Guimarâes Rosa explicava:<br />
“Há vere<strong>das</strong> gran<strong>de</strong>s e pequenas, compri<strong>das</strong><br />
e largas. Vere<strong>das</strong> com uma lagoa; com um brejo<br />
ou pântano; com pântanos <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se formam e<br />
vão escoando e crescendo as nascentes dos rios;<br />
com brejo gran<strong>de</strong>, sujo, emaranhado <strong>de</strong> matagal<br />
(marimbú); com córrego, ribeirão ou riacho.”<br />
Se há muito tempo que as populações do cerrado<br />
sabem muito bem o que são vere<strong>das</strong>, não se<br />
po<strong>de</strong> dizer o mesmo dos cientistas, pois ainda não<br />
existe uma <strong>de</strong>finição universal do que é uma vereda:<br />
botânicos, geógrafos, ecólogos, engenheiros florestais<br />
entre outros têm várias <strong>de</strong>finições para o<br />
ambiente <strong>de</strong> vere<strong>das</strong>. Os elementos comuns a essas<br />
<strong>de</strong>finições incluem os fatos <strong>de</strong> serem áreas úmi<strong>das</strong><br />
que acompanham os cursos d’água, com solos orgânicos,<br />
geralmente caracterizados pela presença marcante<br />
<strong>das</strong> palmeiras buriti.<br />
Figura 1. Vereda típica (foto: T. Alencar-Silva).<br />
1<br />
Figura 2. Transecto esquemático <strong>de</strong> uma vereda<br />
(<strong>de</strong>senho: T. Alencar-Silva).<br />
A caixa d’água do cerrado<br />
O que todos concordam em dizer é que as vere<strong>das</strong><br />
são associa<strong>das</strong> ao cerrado e armazenam a preciosa<br />
água durante os longos meses <strong>de</strong> estiagem. O<br />
conhecimento popular <strong>de</strong>screve as vere<strong>das</strong> como<br />
“a caixa d’água do cerrado” substituindo lagos,<br />
lagoas e pântanos ausentes na maior parte <strong>de</strong>le.<br />
Como as águas superficiais são rapidamente evapora<strong>das</strong><br />
durante os meses <strong>de</strong> seca, a única água disponível<br />
vem geralmente do subsolo: o aqüífero. Essa<br />
água armazena-se nas cavida<strong>de</strong>s e na porosida<strong>de</strong><br />
da rocha on<strong>de</strong> é protegida dos raios solares que,<br />
se estivesse na superfície, a evaporariam. O aqüífero<br />
po<strong>de</strong> ser comparado a uma esponja que, nas<br />
suas partes mais baixas, <strong>de</strong>ixa a água chegar à superfície.<br />
São nestes lugares justamente que se encontram<br />
as vere<strong>das</strong> que representam, para o aqüífero,<br />
pontos <strong>de</strong> reabastecimento em água; especialmente<br />
durante a época <strong>das</strong> chuvas.<br />
O ciclo <strong>de</strong> vida <strong>das</strong> vere<strong>das</strong><br />
Essa posição “estratégica” on<strong>de</strong> encontram-se o<br />
aqüífero e o ar cria condições i<strong>de</strong>ais para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong> uma vegetação exuberante, verda<strong>de</strong>iros<br />
oásis na secura do cerrado. O estado permanentemente<br />
úmido do solo é particularmente fa-
vorável ao crescimento <strong>das</strong> palmeiras buriti, o símbolo<br />
da vereda. Porém, o buriti, como a vereda,<br />
precisa da variação sazonal do nível da água e não<br />
resistiria nem a um estado permanentemente inundado,<br />
nem a vários anos <strong>de</strong> seca. A vereda vive<br />
e cresce nesta “pulsação” <strong>das</strong> águas do aqüífero.<br />
A própria presença <strong>das</strong> gramíneas beirando geralmente<br />
a parte central da vereda, po<strong>de</strong> ser explicada<br />
por esta variação sazonal, pois, as gramíneas são<br />
especialmente bem adapta<strong>das</strong> para resistirem tanto<br />
às inundações anuais quanto aos longos meses sem<br />
água. Estas ban<strong>das</strong> <strong>de</strong> capim natural são justamente<br />
a expressão da transição entre o cerrado seco<br />
e a vereda úmida.<br />
Um ambiente frágil e ameaçado<br />
Consi<strong>de</strong>rando to<strong>das</strong> essas condições para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong> vere<strong>das</strong>, é fácil enten<strong>de</strong>r porque elas<br />
são ambientes tão frágeis e importantes. Qualquer<br />
mudança no frágil equilíbrio do nível do aqüífero<br />
po<strong>de</strong>rá ter efeitos negativos para as vere<strong>das</strong>. O<br />
fato <strong>de</strong> se usar a água do subsolo para irrigação resulta,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da quantida<strong>de</strong>, no rebaixamento<br />
do aqüífero e po<strong>de</strong>rá ter um efeito <strong>de</strong>vastador nas<br />
vere<strong>das</strong> próximas, especialmente nas vere<strong>das</strong> <strong>de</strong><br />
cabeceira. O aproveitamento da banda <strong>de</strong> gramíneas<br />
como caminho para veículos irá provocar problemas<br />
<strong>de</strong> erosão, aumentar o escoamento superficial<br />
e diminuir o reabastecimento da vereda em<br />
água. A presença <strong>de</strong> gado pisoteando e comendo<br />
as gramíneas terá um efeito semelhante. A construção<br />
<strong>de</strong> barragens provocará a inundação <strong>de</strong> vere<strong>das</strong><br />
a montante e a secagem <strong>das</strong> vere<strong>das</strong> a jusante<br />
causando a morte <strong>de</strong> ambas.<br />
Água é vida e sem vere<strong>das</strong> teria-se muito menos<br />
água para a fauna e a flora mas também para as<br />
populações que vivem e trabalham no cerrado. As<br />
vere<strong>das</strong> são ambientes vitais à vida no cerrado.<br />
A situação <strong>das</strong> vere<strong>das</strong> hoje<br />
Qual é a situação <strong>das</strong> vere<strong>das</strong> <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> <strong>Gerais</strong><br />
hoje? Já se passaram 20 anos <strong>de</strong> um mapeamento<br />
<strong>das</strong> vere<strong>das</strong> do Estado realizado pelo CETEC na<br />
década <strong>de</strong> 1980 e não temos uma idéia clara do<br />
quadro <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação <strong>das</strong> vere<strong>das</strong> hoje. Nestas<br />
duas déca<strong>das</strong>, centenas <strong>de</strong> quilômetros <strong>de</strong> estrada<br />
foram construí<strong>das</strong>, milhares <strong>de</strong> quilômetros quadra-<br />
2<br />
dos <strong>de</strong> cerrado foram convertidos em agricultura,<br />
pastagem e plantações <strong>de</strong> eucaliptos e pinheiros.<br />
Dado o tamanho do território mineiro, o inventário<br />
<strong>das</strong> vere<strong>das</strong> é uma tarefa árdua. Os métodos tradicionais<br />
<strong>de</strong> levantamento florestal são caros e <strong>de</strong>morados.<br />
É preciso uma abordagem rápida que<br />
possa ser repetida com freqüência para inventariar<br />
e monitorar as vere<strong>das</strong> do Estado.<br />
A contribuição da tecnologia do espaço<br />
Os satélites <strong>de</strong> observação da Terra são usados <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
a década <strong>de</strong> 70 para avaliar e mapear os recursos<br />
naturais. Esta tecnologia é a única que permite o<br />
mapeamento e o monitoramento rápido <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />
áreas.<br />
Se, durante muito tempo, o sensoriamento remoto<br />
era restrito a uma pequena comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
cientistas, hoje ele é utilizado por todos os profissionais<br />
que trabalham com o gerenciamento do espaço<br />
e em particular para o monitoramento do meio<br />
ambiente.<br />
Novos sensores orbitais permitem a aquisição<br />
<strong>de</strong> dados <strong>de</strong> noite ou através <strong>das</strong> nuvens (radar)<br />
e <strong>de</strong> resolução permitindo <strong>de</strong>talhes do tamanho <strong>de</strong><br />
uma mesa <strong>de</strong> café (resolução ultra-fina). Apesar <strong>de</strong><br />
toda esta tecnologia, as coisas não são tão simples<br />
assim, e técnicas operacionais para a <strong>de</strong>limitação<br />
e a caracterização <strong>das</strong> vere<strong>das</strong> precisam <strong>de</strong> aprimoramento.<br />
A título <strong>de</strong> exemplo, as vere<strong>das</strong> “vistas”<br />
pelo satélite são muito semelhantes às matas<br />
galerias que também são comuns no cerrado.<br />
Des<strong>de</strong> 2002, o autor e seus alunos <strong>de</strong> Pós-graduação<br />
do Instituto <strong>de</strong> Geociências da UFMG estão<br />
pesquisando a vegetação <strong>de</strong> vere<strong>das</strong> e do cerrado<br />
a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver melhores métodos <strong>de</strong> mapea-<br />
Figura 3. Vere<strong>das</strong> “vistas” <strong>de</strong> cima.
mento, <strong>de</strong> caracterização e <strong>de</strong> monitoramento da<br />
vegetação <strong>de</strong>sses ambientes. Em particular, imagens<br />
radar do satélite cana<strong>de</strong>nse Radarsat-1 têm<br />
sido usa<strong>das</strong> para diferenciar as vere<strong>das</strong> <strong>de</strong> outros<br />
ambientes ribeirinhos parecidos utilizando a capacida<strong>de</strong><br />
do radar <strong>de</strong> “penetrar” o dossel e sondar<br />
a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> umida<strong>de</strong> do solo, característica especial<br />
<strong>das</strong> vere<strong>das</strong>. Os resultados têm sido promissores<br />
e novas técnicas <strong>de</strong> processamento <strong>de</strong> imagens<br />
permitem a <strong>de</strong>limitação rápida <strong>de</strong> vere<strong>das</strong><br />
sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir ao campo a não ser para verificar<br />
a precisão. A equipe se empenhou também<br />
em <strong>de</strong>senvolver uma tipologia <strong>de</strong> vere<strong>das</strong> <strong>de</strong> acordo<br />
com a sua posição e seu grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.<br />
Os resultados levaram a dividir as vere<strong>das</strong> em três<br />
tipos distintos: 1) vere<strong>das</strong> <strong>de</strong> cabeceiras com uma<br />
largura menor e com buritis e arbustos mas geralmente<br />
sem outras árvores; 2) vere<strong>das</strong> típicas on<strong>de</strong><br />
to<strong>das</strong> as fisionomias vegetais (herbácea, arbustiva<br />
e arbórea) se encontram com a presença <strong>de</strong> buritis<br />
e solos orgânicos; 3) vere<strong>das</strong> <strong>de</strong> transição (para<br />
mata galeria) on<strong>de</strong> o estrato arbóreo é muito mais<br />
importante do que os outros dois e on<strong>de</strong> os solos<br />
são menos orgânicos e o canal do curso d’água é<br />
geralmente bem <strong>de</strong>finido.<br />
Estas pesquisas foram <strong>de</strong>senvolvi<strong>das</strong> no Parque<br />
Estadual Vere<strong>das</strong> do Peruaçu (PEVP) no norte<br />
do Estado próximo da divisa com a Bahia. O PEVP<br />
é uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação que possui a maior<br />
área <strong>de</strong> vereda preservada do Estado. Situado no<br />
Chapadão <strong>das</strong> <strong>Gerais</strong>, a beleza do lugar é superada<br />
apenas pela sua importância ecológica. O Instituto<br />
Estadual <strong>de</strong> Florestas (<strong>IEF</strong>) criou o parque<br />
e é responsável pelo seu gerenciamento. O <strong>IEF</strong><br />
tem sido um parceiro inestimável no <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong>ssas pesquisas, fornecendo um apoio imprescindível.<br />
As terras úmi<strong>das</strong> do mundo foram, durante muito<br />
tempo, vistas como insalubres e ameaçadoras, trazendo<br />
perigo e doenças para as populações. Essa<br />
“maldição” já acabou e percebemos hoje o quão<br />
importante essas áreas são para a biodiversida<strong>de</strong><br />
dos ecossistemas. No caso <strong>das</strong> vere<strong>das</strong>, a essa<br />
característica, po<strong>de</strong>mos acrescentar o seu papel <strong>de</strong><br />
reservatório <strong>de</strong> água, um recurso tão precioso nos<br />
cerrados <strong>das</strong> <strong>Gerais</strong>!<br />
3<br />
(a) Imagen ASTER<br />
(b) Imagen Radarsat<br />
(c) Mapa <strong>das</strong> vere<strong>das</strong><br />
(d) Detalhe do mapa <strong>das</strong> fisionomias <strong>de</strong> vere<strong>das</strong><br />
Figura 4. Vere<strong>das</strong> “vistas” pelo satélite.