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Maria Ivone Mendes da Silva de Correia Costa As - Repositório ...

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<strong>As</strong> (re)citações <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s na Me<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Mário Cláudio 73<br />

Se o sonho <strong>da</strong> personagem é rejeitado no espaço doméstico, também não se realiza<br />

no espaço do teatro. O po<strong>de</strong>r político não lhe reconhece o direito <strong>de</strong> representar Me<strong>de</strong>ia, <strong>de</strong><br />

se representar, <strong>de</strong> se afirmar como actriz. Também na antiga pólis grega, a princesa <strong>da</strong><br />

Cólqui<strong>da</strong>, uma vez repudia<strong>da</strong> pelo marido grego perdia a sua i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e o seu papel num<br />

mundo em que não podia impor a sua vonta<strong>de</strong>/reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. A xenia <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>ia reflectia-se,<br />

no passado, na sua condição <strong>de</strong> bárbaros e, no presente, na situação estranha em que<br />

acredita viver. A xenia traduzia-se numa forma <strong>de</strong> alteri<strong>da</strong><strong>de</strong> que a segregava do espaço<br />

político, tal como a sua voz feminina a sujeitava, incondicionalmente, ao po<strong>de</strong>r<br />

institucional dominante.<br />

A personagem <strong>de</strong> Mário Cláudio procura a aprovação do po<strong>de</strong>r político para a<br />

realização do seu projecto profissional e, na recusa que lhe repetem, encontra a sur<strong>de</strong>z <strong>da</strong><br />

pólis perante mulher que se quer fazer ouvir:<br />

Subimos as esca<strong>da</strong>s do Ministério, e ain<strong>da</strong> quando o ministro é uma <strong>de</strong> nós,<br />

continuamos mulheres. Procuramos no espelho o que possa incendiar um<br />

homem, e ain<strong>da</strong> quando não é inflamável, faz-nos falta a labare<strong>da</strong> que já<br />

tivemos nas ancas e nas coxas. O Ministro <strong>de</strong>sce com dois cavalheiros,<br />

sempre a sorrir, e ao passar por mim, baixa respeitosamente a cabeça. É<br />

então que se esgueira a sombra <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>ia. Cola-se ao homem, crava-lhe no<br />

ouvido o grito que o pobre não consegue ouvir. «Ó Zeus! Ó Justiça, filha <strong>de</strong><br />

Zeus! Ó Sol glorioso! (p. 31)<br />

A recitação <strong>da</strong>s palavras <strong>da</strong> peça euripidiana é como que o bordão em que Me<strong>de</strong>ia<br />

se apoia para que a ouçam. Numa perspectiva pós-mo<strong>de</strong>rna, recusa-se uma i<strong>de</strong>ia singular<br />

<strong>de</strong> sujeito e o “eu” <strong>da</strong> personagem fragmenta-se dispersando-se num “outro” que traz à<br />

colação a arquetípica figura euripidiana que insufla uma lógica particular à enunciação <strong>de</strong><br />

um conflito que se representa e interpreta como comum.<br />

Pela história banal <strong>da</strong> actriz falha<strong>da</strong> passar-se-iam os olhos rapi<strong>da</strong>mente e sem<br />

atenção, se ela não dissesse:<br />

Como és doi<strong>da</strong>; Me<strong>de</strong>ia, teimas em te queixar, quando o que os outros preten<strong>de</strong>m é<br />

apenas levar a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> melhor maneira possível, teimas em te queixar, erguendo-te<br />

contra o rei e contra o teu próprio marido.

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