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Maria Ivone Mendes da Silva de Correia Costa As - Repositório ...

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72 <strong>As</strong> (re)citações <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s na Me<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Mário Cláudio<br />

Eu acho que posso dizer estas palavras sem parecer ridícula. Há séculos que as<br />

trago no coração. São <strong>de</strong> fogo e <strong>de</strong> sangue, vermelhas como o vinho, grava<strong>da</strong>s a<br />

tinta negra numa taça com uma harpia no fundo. (p.13)<br />

Po<strong>de</strong>r-se-ia dizer que a personagem <strong>de</strong> Mário Cláudio, a actriz que não consegue<br />

levar à cena Me<strong>de</strong>ia, provoca, por força <strong>de</strong>ssa obsessão, uma clivagem no interior do<br />

espaço doméstico on<strong>de</strong> não há espaço para os sonhos nem eles são compreendidos. A<br />

prová-lo, está o testemunho que dá do comentário <strong>de</strong> Jasão:<br />

A vossa mãe está fora do Mundo e há quase vinte anos que an<strong>da</strong> agarra<strong>da</strong> como um<br />

abutre à carcaça <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>ia. Come e dorme com os seus <strong>de</strong>mónios, <strong>de</strong> que outra<br />

coisa quer ela saber? (pp. 25-26)<br />

O comentário do marido, para além <strong>de</strong> reflectir a incompreensão e a falta <strong>de</strong><br />

cumplici<strong>da</strong><strong>de</strong> no projecto profissional <strong>da</strong> mulher, <strong>de</strong>monstra também a cegueira em relação<br />

a si próprio, porquanto há uma outra carcaça em cena: a caveira <strong>de</strong> carneiro, símbolo e<br />

testemunho fossilizado <strong>de</strong> um passado heróico que não se prolonga no quotidiano coríntio<br />

do Jasão euripiadiano nem se manifesta no Jasão sugerido por Mário Cláudio como<br />

Me<strong>de</strong>ia refere <strong>de</strong> um modo muito lúcido:<br />

Os conquistadores, já se sabe, não ganham sonhos, teimam em perdê-los, à medi<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong>s conquistas que realizam. (pp. 45-46)<br />

No espaço familiar e conjugal não há lugar para o sonho <strong>da</strong> personagem apenas a<br />

incompreensão <strong>de</strong> um marido que lhe é repeti<strong>da</strong>mente infiel, <strong>de</strong>la esperando a tolerância<br />

que é uma certa forma <strong>de</strong> aju<strong>da</strong> nos seus sonhos <strong>de</strong> conquistador:<br />

À noite recebi-o como se na<strong>da</strong> fosse […] Nessa altura não era eu, era uma<br />

apaixona<strong>da</strong>, e a paixão gosta <strong>de</strong> sofrer na chama que a alimenta. O incêndio que me<br />

consumia vinha <strong>da</strong>quela cama on<strong>de</strong> me roubava <strong>de</strong> si o homem que saíra do mar.<br />

Ele voltava, <strong>de</strong>bruçava-se para mim, entregava-se todo. “Aqui me tens”, dizia<br />

então, “e embora me o<strong>de</strong>ies estou pronto a ouvir-te.” Que podia eu fazer? Pegavalhe<br />

na mão, levava-o como se fosse um menino ao lugar que lhe pertencia. (pp. 18-<br />

19)

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