Maria Ivone Mendes da Silva de Correia Costa As - Repositório ...
Maria Ivone Mendes da Silva de Correia Costa As - Repositório ...
Maria Ivone Mendes da Silva de Correia Costa As - Repositório ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
64 <strong>As</strong> (re)citações <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s na Me<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Mário Cláudio<br />
A informação cénica dá conta <strong>de</strong> que se continuam a ouvir as panca<strong>da</strong>s do<br />
camartelo que vai <strong>de</strong>molindo o teatro. Quando se interrompem as panca<strong>da</strong>s e antes <strong>da</strong><br />
<strong>de</strong>rroca<strong>da</strong> do teatro, a personagem diz:<br />
Amei-vos quase tanto como a mim mesma, lançadora <strong>de</strong> encantações, ceifeira <strong>de</strong><br />
medos. Durmo agora, <strong>de</strong>moli<strong>da</strong> a casa, rente ao coração <strong>da</strong> treva que me viu<br />
nascer. (p. 62)<br />
Po<strong>de</strong>r-se-á ver na re<strong>de</strong>nção <strong>da</strong> Me<strong>de</strong>ia euripidiana pelo carro do Sol o encontro <strong>da</strong><br />
heroína com a sua natureza não humana, o abandono <strong>de</strong> um chão a que nunca pertenceu<br />
totalmente.<br />
A Me<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Mário Cláudio, porém, não terá essa re<strong>de</strong>nção solar. Quando a heroína<br />
<strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s diz: “Saí <strong>de</strong> casa”, inicia o percurso <strong>da</strong> sua vingança: liberta do<br />
constrangimento a que no oikos se sujeitara, vem a público reclamar <strong>da</strong> sua time ofendi<strong>da</strong>.<br />
Me<strong>de</strong>ia, por ser estrangeira não po<strong>de</strong> fun<strong>da</strong>mentar a adikia que lhe é feita na<br />
ruptura <strong>de</strong> um contrato matrimonial mas sim nos juramentos <strong>de</strong> Jasão. Ao trazê-la para a<br />
Grécia, o Argonauta trá-la para uma diferente organização do mundo. O juramento,<br />
anterior à lei, também organiza o mundo mas fá-lo <strong>de</strong> uma forma muito precária. Para se<br />
fazer ouvir Me<strong>de</strong>ia tem <strong>de</strong> sair do espaço que exigiu tudo <strong>de</strong>la mas que lhe não dá direito<br />
algum.<br />
A Me<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Mário Cláudio <strong>de</strong>corre entre o espaço <strong>da</strong> casa e espaço do teatro, é um<br />
oikos bifurcado que acaba por se refractar na personagem. O espaço doméstico dilui-se<br />
face à importância do palco. “Demoli<strong>da</strong> a casa” diz a personagem pouco antes <strong>da</strong><br />
<strong>de</strong>rroca<strong>da</strong> do teatro cujas pare<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> uma certa forma, escoravam uma loucura na<br />
iminência do <strong>de</strong>sabamento final: “Durmo agora, <strong>de</strong>moli<strong>da</strong> a casa, rente ao coração <strong>da</strong> treva<br />
que me viu nascer.” (p. 50)<br />
<strong>As</strong> citações feitas neste último quadro são as que cronologicamente se aproximam<br />
mais <strong>da</strong> sequência do texto euripidiano, a personagem <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>ia segue em ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s<br />
peças um diferente rumo: a <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s procura os <strong>de</strong>uses olímpicos; a <strong>de</strong> Mário Cláudio<br />
ren<strong>de</strong>-se aos <strong>de</strong>uses ctónicos.<br />
No Epílogo, on<strong>de</strong> não é feita qualquer citação, concretiza-se o que foi dito no<br />
parágrafo anterior. Me<strong>de</strong>ia não tem, nesta peça, um carro puxado pelos dragões alados que