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Maria Ivone Mendes da Silva de Correia Costa As - Repositório ...

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<strong>As</strong> (re)citações <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s na Me<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Mário Cláudio 53<br />

citação. A personagem não se limita a citar falas <strong>da</strong> peça, falas <strong>da</strong> personagem, falas <strong>de</strong><br />

outras personagens, como se torna também espectadora/ouvinte <strong>da</strong> sua própria voz. Não é<br />

a voz <strong>da</strong> actriz em cena, é a voz grava<strong>da</strong> <strong>da</strong> actriz que repete um excerto traduzido pelo<br />

autor <strong>de</strong> uma versão inglesa <strong>da</strong> peça <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s. O espectador é arrastado num<br />

re<strong>de</strong>moinho intencional <strong>de</strong> referências, tudo é Me<strong>de</strong>ia em palco, tudo se transforma em<br />

Me<strong>de</strong>ia e é por ela transformado.<br />

O facto <strong>de</strong> este quadro apresentar uma única citação, permite ao dramaturgo criar<br />

espaço para se afastar do texto que a personagem <strong>de</strong>cora e fornecer elementos fulcrais para<br />

a análise <strong>da</strong> peça e para a compreensão <strong>da</strong> intencionali<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> técnica segundo a qual<br />

nele são inseri<strong>da</strong>s as citações.<br />

Antes <strong>de</strong> mais, importa observar uma referência explícita <strong>da</strong> personagem a um<br />

comentário <strong>de</strong> Jasão sobre a obsessão <strong>da</strong> mulher em levar à cena Me<strong>de</strong>ia:<br />

A vossa mãe está fora do mundo (…) e há quase vinte anos que an<strong>da</strong> agarra<strong>da</strong> como<br />

um abutre à carcaça <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>ia. Come e dorme com os seus <strong>de</strong>mónios, <strong>de</strong> que outra<br />

coisa quer ela saber? ( p. 26)<br />

Esta referência constitui o único comentário exterior, o único juízo feito sobre a<br />

personagem, sendo uma síntese que permite traçar a partir <strong>da</strong>í, retroce<strong>de</strong>ndo no texto ou<br />

avançando, se necessário, o quadro <strong>de</strong>mencial evolutivo em que a personagem progri<strong>de</strong>:<br />

uma actriz que perante a impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, sempre reitera<strong>da</strong>, <strong>de</strong> representar a peça, teima em<br />

repetir as falas, falas que muitas vezes, como já se viu, não são <strong>da</strong> personagem que quer<br />

encarnar mas <strong>de</strong> outras, enquanto a sua vi<strong>da</strong> conjugal se <strong>de</strong>sfaz e a relação com os filhos<br />

assume contornos <strong>de</strong>menciais que surgem sob a forma <strong>de</strong> indícios <strong>da</strong>dos ao espectador:<br />

Foi então que percebi como po<strong>de</strong> incitar-nos à morte o sangue <strong>de</strong> um filho nosso,<br />

concebido numa noite que tínhamos julgado sem fim. (p. 27)<br />

Mais à frente, ain<strong>da</strong> neste Quadro, a personagem diz:<br />

Bem mais felizes terão sido essas mulheres antigas, <strong>de</strong>sci<strong>da</strong>s <strong>de</strong> um reino <strong>de</strong> taças<br />

<strong>de</strong> veneno e <strong>de</strong> tronos <strong>de</strong>rrubados, <strong>de</strong>sgrenhando a cabeleira no ventre dos seus<br />

amantes. Pariam, em sangue em sangue assassinavam. «Quem mais», perguntariam<br />

elas, «<strong>de</strong>terá o direito <strong>de</strong> tirar a vi<strong>da</strong> do que as que a sentiram crescer nas<br />

entranhas? (p.28)

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