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Maria Ivone Mendes da Silva de Correia Costa As - Repositório ...

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48 <strong>As</strong> (re)citações <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s na Me<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Mário Cláudio<br />

É também interessante observar a fala <strong>da</strong> personagem, na p. 19:<br />

O rosto <strong>de</strong> uma actriz nunca está acabado. Atravessa-o o público dos teatros do<br />

Mundo, <strong>de</strong>ixando a marca <strong>da</strong>s personagens que ela carrega. Naquele dia, ao sentarme<br />

diante do espelho, adivinhava a cara <strong>da</strong> outra naquilo que a minha começava a<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, um suporte <strong>de</strong> grinal<strong>da</strong>s, uma área percorri<strong>da</strong> pelo vento, uma<br />

limpi<strong>de</strong>z sem pinturas.<br />

Só a referência àquele dia, nos permite pensar que a actriz recor<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> a visão do<br />

marido entrelaçado por outras pernas que não as suas. Tudo começa a ser Me<strong>de</strong>ia à sua<br />

volta, até “a outra” é um “suporte <strong>de</strong> grinal<strong>da</strong>s”, on<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> se ler um epíteto<br />

<strong>de</strong> uma Glauce recém-<strong>de</strong>sposa<strong>da</strong>.<br />

Mas retomemos a fala <strong>da</strong> personagem: “O rosto <strong>de</strong> uma actriz nunca está acabado”.<br />

<strong>As</strong>sim como a máscara, retoca<strong>da</strong> inúmeras vezes pelo teatro oci<strong>de</strong>ntal, não tem <strong>de</strong><br />

representar a fisionomia <strong>de</strong> um rosto individual, po<strong>de</strong> ser uma máscara que neutraliza o<br />

olhar e dirige a atenção para a palavra, a mímica ou o corpo do actor, também a<br />

personagem retira a maquilhagem para encontrar no espelho o seu próprio rosto, on<strong>de</strong> se<br />

revelam os traços <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>ia: “Desfaço-me <strong>da</strong>s tintas, e encontro a caracterização que lá<br />

não estava” (p. 19). O rosto é afinal a persona, a máscara que não tem aqui uma forma<br />

exterior, é um produto <strong>de</strong> uma vivência e <strong>de</strong> uma emoção. Acho que dificilmente se<br />

encontrará para aquilo que <strong>de</strong>ve ser o rosto <strong>de</strong> uma actriz uma metáfora melhor do que<br />

“uma área percorri<strong>da</strong> pelo vento, uma limpi<strong>de</strong>z sem pinturas.” (p.19) Como diz Pavis<br />

(1990: 301), a coisificação do rosto actua como uma super-máscara. <strong>As</strong>sim é o rosto <strong>da</strong>s<br />

gran<strong>de</strong>s actrizes. Mas esta actriz, “uma gran<strong>de</strong> actriz falha<strong>da</strong>” na pergunta irreverente do<br />

neto, (p.24) conseguirá manter o seu rosto inacabado ou ele acabará por tomar,<br />

<strong>de</strong>finitivamente, a forma <strong>da</strong> personagem que quer representar?<br />

A segun<strong>da</strong> citação, “Tomaste a <strong>de</strong>cisão que <strong>de</strong>verias ter tomado”, repete uma frase<br />

já enuncia<strong>da</strong> na primeira citação.<br />

Esta repetição é mais uma <strong>da</strong>s muitas repetições analépticas que se encontram ao<br />

longo do texto: a actriz memoriza e volta a memorizar, recor<strong>da</strong> e torna a recor<strong>da</strong>r. Uma<br />

actriz presa numa teia <strong>de</strong> recor<strong>da</strong>ções, carregando a obsessão <strong>de</strong> representar uma heroína<br />

presa numa outra obsessão.

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