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Maria Ivone Mendes da Silva de Correia Costa As - Repositório ...

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<strong>As</strong> (re)citações <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s na Me<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Mário Cláudio 45<br />

A personagem-actriz <strong>de</strong> Mário Cláudio, que interrompe a recitação do texto<br />

euripidiano para reflectir sobre a sua vi<strong>da</strong>, fá-lo antes <strong>de</strong>sta citação para protestar contra<br />

subentendi<strong>da</strong>s vozes, segundo as quais ela já não teria nem a voz nem a figura que uma<br />

Me<strong>de</strong>ia exige. A recitação <strong>de</strong>stes versos, enquanto a projecto para a recor<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> uma<br />

antiga traição conjugal fazem nascer nela a Me<strong>de</strong>ia mítica, como se a personagem<br />

consi<strong>de</strong>rasse que a vivência <strong>de</strong> uma experiência semelhante, mu<strong>da</strong>dos embora o tempo e o<br />

contexto, fizessem nascer nela a neta do Sol ultraja<strong>da</strong> na casa <strong>de</strong> Corinto.<br />

No texto que segue esta citação, o autor utilizou um conjunto <strong>de</strong> vocábulos cuja<br />

ressonância semântica transporta ain<strong>da</strong> o espectador para a cena antiga, para um mundo<br />

que não é o <strong>da</strong> actriz mas sim o <strong>da</strong> personagem mítica:<br />

Eu acho que posso dizer estas palavras sem parecer ridícula. Há séculos que as<br />

trago no coração. São <strong>de</strong> fogo e <strong>de</strong> sangue, vermelhas como o vinho, grava<strong>da</strong>s a<br />

tinta negra numa taça com uma harpia no fundo. (p.13)<br />

A última citação <strong>de</strong>ste quadro não segue a or<strong>de</strong>m do texto <strong>de</strong> Vellacott e,<br />

consequentemente, do texto <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s. Pela primeira vez a personagem refere o pedido<br />

feito ao Ministério <strong>da</strong> Cultura para subsidiar a produção <strong>da</strong> peça. Apercebendo-se <strong>de</strong> que<br />

entre este pedido e a resposta que não mais chega <strong>de</strong>corre um tempo infindo, a actriz tornase<br />

irónica e, mais uma vez, utiliza um vocabulário que transporta o espectador para um<br />

outro tempo, um outro mundo.<br />

Decorreu a estação em que an<strong>da</strong>vam os filhos <strong>de</strong> Perséfone, muito ligeiros, a ajudála<br />

a entretecer grinal<strong>da</strong>s <strong>de</strong> flores. Entrou o Verão, e veio Deméter dirigir a ceifa do<br />

trigo. Abriu o Outono, e apareceram Apolo e Ártemis, ora entretidos com frutos que<br />

comiam, ora disparando suas flechas contra coelhos e narcejas. E o Inverno foi <strong>da</strong>r<br />

com os velhos amochados à beira <strong>de</strong> um braseiro, apegados aos rafeiros<br />

hume<strong>de</strong>cidos pelas neves <strong>da</strong> Cólqui<strong>da</strong>. (p.14)<br />

A informação cénica dá-nos conta que o autor preten<strong>de</strong> que esta fala contenha<br />

ironia. Porém, não será <strong>de</strong> todo estranho começar a ver já aqui aquilo que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>da</strong><br />

peça se <strong>de</strong>senha: a actriz a transformar-se na personagem. Aqui também, se po<strong>de</strong> dizer que<br />

“o texto <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s não contém, mas podia conter um texto assim”.<br />

Depois <strong>de</strong> dizer que o Ministério <strong>da</strong> Cultura nunca mais se dignava enviar uma<br />

resposta, a personagem volta a citar o texto <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s, retroce<strong>de</strong>ndo, pela primeira vez,

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