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Maria Ivone Mendes da Silva de Correia Costa As - Repositório ...

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<strong>As</strong> (re)citações <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s na Me<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Mário Cláudio 41<br />

individual, mas são também reflexões que repetem outras, <strong>de</strong> uma outra personagem em<br />

tudo similar.<br />

Quando, na última fala <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>ia, no Quarto Quadro, o autor coloca na voz <strong>da</strong><br />

personagem «A chuva <strong>de</strong>sta noite espalhou pela terra as azeitonas antes que amadurecessem» O<br />

texto <strong>de</strong> Eurípe<strong>de</strong>s não contém mas <strong>de</strong>veria conter uma fala assim. (p. 28), dá ao seu espectador<br />

ou leitor o fio que lhe permite encontrar o percurso entrecruzado e complexo <strong>da</strong>s citações<br />

<strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s na fala <strong>da</strong> sua personagem, uma Me<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> quem se apropriou, a quem<br />

alterou tempo e espaço sem per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista o referencial mítico. Para Mário Cláudio,<br />

Me<strong>de</strong>ia é sempre a Me<strong>de</strong>ia, seja quais forem as suas coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s sociais ou geográficas.<br />

Para o autor, o que é importante é entendê-la <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssas coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s, tornando-a<br />

atemporal e a-espacial. No fundo, uma Me<strong>de</strong>ia apátri<strong>da</strong>, ontologicamente apátri<strong>da</strong>, disso<br />

tirando a sua força e ditando a sua <strong>de</strong>sgraça. Na voz <strong>da</strong> personagem, o autor apropria-se <strong>de</strong><br />

um texto alheio, opina sobre o que lhe falta, integra nele as falas que consi<strong>de</strong>ra po<strong>de</strong>rem<br />

estar no original. Mas para o autor como para o leitor/espectador, esse texto será sempre<br />

teatro <strong>de</strong>ntro teatro (the play-whtin-the play), isto é, um elemento metateatral que reforça a<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> representação. <strong>As</strong> falas <strong>da</strong> sua personagem ou as suas reacções têm um arquitexto<br />

preliminar a que não po<strong>de</strong>m escapar, ain<strong>da</strong> que se possam mover <strong>de</strong>ntro do novo texto sem<br />

preocupações <strong>de</strong> seguir o percurso do original. É possível dizer que ele <strong>de</strong>veria conter mais<br />

uma ou outra fala, mas não é possível abandoná-lo sob pena <strong>de</strong> se per<strong>de</strong>r a um tempo tema<br />

e peça.<br />

O autor cria a personagem <strong>de</strong> uma actriz que arrasta ao longo do seu percurso<br />

artístico o objectivo <strong>de</strong> representar a Me<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s. Objectivo tornado obsessão a<br />

acompanhar uma vi<strong>da</strong> em que os sucessivos fracassos se enformaram na personagem como<br />

na mítica heroína se enformaram o sentimento <strong>de</strong> frustração e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vingança.<br />

Estamos, pois, perante uma actriz com o firme e inabalável objectivo <strong>de</strong> representar<br />

Me<strong>de</strong>ia. E on<strong>de</strong> está essa Me<strong>de</strong>ia, on<strong>de</strong> estão essas vozes, esses gritos plangentes a pairar<br />

sobre a orquestra antiga? Como é que o autor nos dá uma nova personagem sem nos <strong>de</strong>ixar<br />

per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista a Me<strong>de</strong>ia antiga? Através <strong>da</strong>s citações do texto original. Mas o mesmo<br />

autor que diz que o texto euripidiano “não contém, mas <strong>de</strong>veria conter, uma fala assim”,<br />

parte <strong>da</strong> evocação texto original para manipular as citações com uma intencionali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

dramatúrgica precisa. É ain<strong>da</strong> o texto <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s, mas já não é o texto <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s.

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