Maria Ivone Mendes da Silva de Correia Costa As - Repositório ...
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<strong>As</strong> (re)citações <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s na Me<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Mário Cláudio 23<br />
Além <strong>da</strong> citação e <strong>da</strong> importância que esta forma <strong>de</strong> intertextuali<strong>da</strong><strong>de</strong> assume na<br />
construção <strong>da</strong> personagem e na estruturação do drama, o autor resgatou, ao longo dos<br />
diversos quadros, um universo linguístico que faz ressoar a matriz remota <strong>de</strong> um mito que<br />
se faz ouvir em vocábulos e expressões como, por exemplo: “Medusa” (p.12), “Fogo”,<br />
“sangue”, “harpia” (p.13), “Perséfone”, “grinal<strong>da</strong>s”, “flechas”, “Cólqui<strong>da</strong>”, “serpentes”,<br />
“mãos <strong>de</strong> bronze” (p.22), ”reino <strong>de</strong> taças <strong>de</strong> veneno e <strong>de</strong> tronos <strong>de</strong>rrubados” (p.28),<br />
”mulheres <strong>de</strong> Iolco” (p.29) ”exílio”, “dragões alados” (p.27), “coração <strong>da</strong> treva” (p.36).<br />
To<strong>da</strong>s estas e outras expressões que po<strong>de</strong>riam ser colaciona<strong>da</strong>s matizam, com uma<br />
colocação trágica, o cenário narrativo <strong>da</strong> peça que projecta como pano <strong>de</strong> fundo o mito <strong>de</strong><br />
Me<strong>de</strong>ia.<br />
Os quarto, quinto e sexto Quadros <strong>de</strong>slocam o tempo <strong>da</strong> acção para <strong>de</strong>z anos<br />
<strong>de</strong>pois, segundo a di<strong>da</strong>scália. No que respeita às emoções e sentimentos <strong>da</strong> personagem,<br />
tudo permanece na mesma. Os anos passaram mas a situação conflituosa <strong>da</strong> protagonista<br />
não evoluiu. Ca<strong>da</strong> vez mais envelheci<strong>da</strong>, Me<strong>de</strong>ia insiste em não <strong>de</strong>ixar que se apaguem <strong>da</strong><br />
sua memória as falas <strong>de</strong> um texto que nunca interpretou em cena, encaixando-as numa<br />
narrativa subjectiva <strong>de</strong> recor<strong>da</strong>ções <strong>de</strong> um passado marcado por infi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s conjugais,<br />
pela difícil relação com os filhos, por uma série <strong>de</strong> inesquecíveis frustrações pessoais e<br />
profissionais. Ela nunca interpretou o papel, mas imagina que o viveu ao longo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.<br />
Po<strong>de</strong> dizer-se que a personagem em cena entrelaça o texto <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s na trama <strong>da</strong> sua<br />
própria vi<strong>da</strong> como quem atira uma pedra poli<strong>da</strong> a um lago e <strong>da</strong>í se formam círculos<br />
concêntricos e ca<strong>da</strong> vez mais alargados <strong>de</strong> recor<strong>da</strong>ções.<br />
No entanto, durante este segundo grupo <strong>de</strong> Quadros, há um elemento paratextual<br />
que tem <strong>de</strong> ser levado em conta no <strong>de</strong>senrolar <strong>da</strong> peça: em fundo começam a ouvir-se as<br />
panca<strong>da</strong>s do camartelo que proce<strong>de</strong> à <strong>de</strong>molição do teatro. Para além <strong>de</strong> um vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>struí<strong>da</strong>,<br />
a personagem vê também começarem a ser <strong>de</strong>struí<strong>da</strong>s as pare<strong>de</strong>s <strong>da</strong> sua “casa <strong>de</strong> teatro”<br />
último reduto <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> representar Me<strong>de</strong>ia e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> o po<strong>de</strong>r político a vai<br />
exilar, não por a afastar <strong>de</strong>sse espaço, mas por, ao <strong>de</strong>strui-lo, aniquilar o último reduto <strong>de</strong><br />
esperança que ele representava, como asilo do sonho e <strong>de</strong> um projecto <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>.<br />
No último grupo <strong>de</strong> Quadros, constituído pelo sétimo, oitavo e nono, a acção é <strong>de</strong><br />
novo transporta<strong>da</strong> para <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois e, <strong>de</strong> novo, a personagem revisita o mesmo<br />
passado, enquanto o teatro é <strong>de</strong>molido. To<strong>da</strong> a frustração senti<strong>da</strong> pela personagem gera um<br />
discurso <strong>de</strong>mencial, entrecortado pelas falas <strong>da</strong> peça euripidiana, falas que não pertencem