Casa de penhores - Isis Baião - Cia. Atelie das Artes
Casa de penhores - Isis Baião - Cia. Atelie das Artes Casa de penhores - Isis Baião - Cia. Atelie das Artes
MÃE - (VOZ OFF) Dora, parece que o seu joelho começou a endurecer... Foi assim que aconteceu comigo! A morte me pegou de baixo para cima. Depois do joelho, vêm as cadeiras, o intestino, o fígado, o coração... EDUARDO - (V.OFF) Tentei filar a bóia na casa de uns amigos... DORA - (V. OFF) Não deu pra trazer nada? EDUARDO - (V.OFF) Eles não tinham. Dora, tô trêmulo. MÃE - (V. OFF) O intestino já endureceu, filha? Que bom que você vem pra perto de sua mãe! Cadê o álcool do seu tio, Dora? DORA - (V. OFF) Se a cólera que espuma... AS VOZES AGORA SE MISTURAM. V. GRAVADAS - Cadê o álcool cadê o álcool S.Excia pergunta pelas coroas que encomendou você tem quarenta e oito horas pra mandar as coroas se não mandar já sabe Dora não comemos há três dias faça alguma coisa o coração já endureceu, filha? deixe essa mania boba de viver Dora Dora vamos ao prego vem filhinha vem filha ingrata S.Excia. disse que paga as coroas cadê as coroas de S.Excia? Dora cê tá os cornos da tua mãe Dora sai daí menina tem teia de aranha debaixo dessa cama será que o vizinho arranja um pouco de café? se a cólera que espuma a dor deixa dessa mania boba de viver filha se a cólera se a cólera... UM ESTALO, SEGUIDO DE RUÍDOS ESTRANHOS. OS RUÍDOS VÃO AUMENTANDO DE INTENSIDADE À MEDIDA QUE DORA DESCREVE SUAS LOUCAS SENSAÇÕES. VIBRANTE, ENLOUQUECIDA, DORA FALA E SE EXPRESSA TAMBÉM COM O CORPO: SEGURA A PERNA, PROTEGE A CINTURA, ADMIRA SEUS PEDAÇOS NO ESPAÇO, CORRE PARA JUNTAR OS SEUS PEDAÇOS E, FINALMENTE, TORCE-SE NO RISO. DORA - Essa corrente elétrica subindo pela perna ai na cintura não tenho cócegas uma explosão meus pedaços no espaço como fogos de artifício olha a cabeça rolando sobre os edifícios a perna direita aterrisou na linha do trem aquela criança tá soprando o meu estômado meu estômago não é bola menino ha-ha-ha deix'eu juntar os meus pedaços ha-ha-ha se não tenho cuidado junto perna com ombro ha-ha-ha-ha-ha- pé com cabeça ha-ha-ha-ha-ha-ha cabeça com bunda ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha... SILÊNCIO TOTAL. DORA OLHA EM VOLTA COMO SE ESTIVESSE ACORDANDO DE UM SONHO. ALGO NELA MUDOU. ESTÁ LOUCAMENTE LÚCIDA. HÁ UMA ESTRANHA VITALIDADE NO SEU OLHAR, NO SEU CORPO. ERGUE-SE DE UM PULO E CORRE PARA OS FUNDOS DA CASA. 48
MÃE - (DESESPERADA) Ah, Dora, de novo! Me levem pro cemitério. Não aguento mais esta casa! EDUARDO - (CANTA, DEMENTE) Pobre Dora! Dora, Dorinha, tá louquinha, tá louquinha... DORA IRROMPE NA SALA, ESFUSIANTE. VESTE A FARDA DE CORONEL DO TIO, MAS NÃO TROCOU AS SANDÁLIAS DE SALTOS ALTOS. DORA - Mãe, diga pra S.Excia. que conseguirei as coroas. Palavra de Dora! MÃE - (INDIGNADA) Dora, tire a farda do seu tio. É a farda de um herói! DORA - (DEBOCHADA) Escolha: os brios do tio ou a vontade de S.Excia. MÃE - A última. O tio entenderá. (NT) Filha, cê tá um belo coronel! EDUARDO - Dora, Dorinha, louquinha, louquinha, louquinha... DORA - Tô bonita mesmo, mãe? (APROXIMA-SE DA MÃE) MÃE - Linda! Mas bote um pouco de perfume. Você fede a mofo. DORA - O perfume acabou. EDUARDO - Dora, Dorinha, louquinha, louquinha... DORA ENFIA A PISTOLA DO TIO NO CINTO E VAI SAINDO. DORA - Adeus, mãe! MÃE - Espere. Tire essas sandálias. Não ficam bem para um coronel! DORA - Não tenho sapatos. MÃE - Pois bote as botas do tio. DORA - Estão furadas de balas. Parece que ele só levou tiro nos pés!... MÃE - Ora, um herói também corre! DORA - Adeus, mãezinha! MÃE - Honra o teu sangue, filha! DORA - Quem viver, verá! MÃE - Deus está conosco! DORA SAI. EDUARDO - Dorinha, louquinha... MÃE - Ai, como os vivos me cansam! Adeus, mundo ingrato! 49
- Page 1 and 2: CASA DE PENHORES tragicomédia em 2
- Page 3 and 4: 1º ATO CENÁRIOS CASA DE PENHORES
- Page 5 and 6: MADAME - (PENSANDO ALTO) Gentinha m
- Page 7 and 8: O FUNCIONÁRIO PESA AS JÓIAS E FAZ
- Page 9 and 10: DORA - (PENSANDO ALTO) Velha mentir
- Page 11 and 12: DORA - Boa noite, pelo menos. EDUAR
- Page 13 and 14: DORA - Pare de agredir o meu marido
- Page 15 and 16: V O Z 2 - Que um câncer te coma os
- Page 17 and 18: DORA - Mas eu não tenho nada com i
- Page 19 and 20: DORA - Tanto melhor. Helena, você
- Page 21 and 22: V O Z E S - Filho da puta, filho da
- Page 23 and 24: MÃE - Dora, estou ficando dura! DO
- Page 25 and 26: incando. Hoje em dia se pode prever
- Page 27 and 28: MÃE - Prostituta! DORA - Calma, Do
- Page 29 and 30: DORA - Estou de saco cheio de blá-
- Page 31 and 32: outro mundo! Vai se casar com algum
- Page 33 and 34: Ih, tio, você tá com um cheirinho
- Page 35 and 36: DADDY - (DIVERTINDO-SE) Olhe pra ci
- Page 37 and 38: Deus, só Ele sabe dos meus esforç
- Page 39 and 40: DORA - Fala, desembucha agora! EDUA
- Page 41 and 42: MÃE - Chiiiii! (FECHA RAPIDAMENTE
- Page 43 and 44: À COZINHA, PEGA UNS PEQUENOS POTES
- Page 45 and 46: MÃE - Eu disse que me entendo com
- Page 47: DADDY - (IRÔNICO) Hum, e como se c
- Page 51: Pequena", Tribuna da Imprensa, "Def
MÃE - (VOZ OFF) Dora, parece que o seu joelho começou a<br />
endurecer... Foi assim que aconteceu comigo! A morte me pegou <strong>de</strong> baixo para<br />
cima. Depois do joelho, vêm as ca<strong>de</strong>iras, o intestino, o fígado, o coração...<br />
EDUARDO - (V.OFF) Tentei filar a bóia na casa <strong>de</strong> uns amigos...<br />
DORA - (V. OFF) Não <strong>de</strong>u pra trazer nada?<br />
EDUARDO - (V.OFF) Eles não tinham. Dora, tô trêmulo.<br />
MÃE - (V. OFF) O intestino já endureceu, filha? Que bom que<br />
você vem pra perto <strong>de</strong> sua mãe! Cadê o álcool do seu tio, Dora?<br />
DORA - (V. OFF) Se a cólera que espuma...<br />
AS VOZES AGORA SE MISTURAM.<br />
V. GRAVADAS - Cadê o álcool cadê o álcool S.Excia pergunta pelas coroas<br />
que encomendou você tem quarenta e oito horas pra mandar as coroas se não<br />
mandar já sabe Dora não comemos há três dias faça alguma coisa o coração já<br />
endureceu, filha? <strong>de</strong>ixe essa mania boba <strong>de</strong> viver Dora Dora vamos ao prego vem<br />
filhinha vem filha ingrata S.Excia. disse que paga as coroas cadê as coroas <strong>de</strong><br />
S.Excia? Dora cê tá os cornos da tua mãe Dora sai daí menina tem teia <strong>de</strong> aranha<br />
<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong>ssa cama será que o vizinho arranja um pouco <strong>de</strong> café? se a cólera que<br />
espuma a dor <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong>ssa mania boba <strong>de</strong> viver filha se a cólera se a cólera...<br />
UM ESTALO, SEGUIDO DE RUÍDOS ESTRANHOS. OS RUÍDOS VÃO<br />
AUMENTANDO DE INTENSIDADE À MEDIDA QUE DORA DESCREVE<br />
SUAS LOUCAS SENSAÇÕES.<br />
VIBRANTE, ENLOUQUECIDA, DORA FALA E SE EXPRESSA TAMBÉM<br />
COM O CORPO: SEGURA A PERNA, PROTEGE A CINTURA, ADMIRA<br />
SEUS PEDAÇOS NO ESPAÇO, CORRE PARA JUNTAR OS SEUS<br />
PEDAÇOS E, FINALMENTE, TORCE-SE NO RISO.<br />
DORA - Essa corrente elétrica subindo pela perna ai na cintura não<br />
tenho cócegas uma explosão meus pedaços no espaço como fogos <strong>de</strong> artifício<br />
olha a cabeça rolando sobre os edifícios a perna direita aterrisou na linha do trem<br />
aquela criança tá soprando o meu estômado meu estômago não é bola menino<br />
ha-ha-ha <strong>de</strong>ix'eu juntar os meus pedaços ha-ha-ha se não tenho cuidado junto<br />
perna com ombro ha-ha-ha-ha-ha- pé com cabeça ha-ha-ha-ha-ha-ha cabeça com<br />
bunda ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha...<br />
SILÊNCIO TOTAL. DORA OLHA EM VOLTA COMO SE ESTIVESSE<br />
ACORDANDO DE UM SONHO. ALGO NELA MUDOU. ESTÁ<br />
LOUCAMENTE LÚCIDA. HÁ UMA ESTRANHA VITALIDADE NO SEU<br />
OLHAR, NO SEU CORPO. ERGUE-SE DE UM PULO E CORRE PARA OS<br />
FUNDOS DA CASA.<br />
48