Casa de penhores - Isis Baião - Cia. Atelie das Artes

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19.04.2013 Views

HELENA - Não tente fazer chantagem comigo. EDUARDO - Que que você quer que eu faça? Estou desempregado, fodido... Olha a minha casa, já não tem mais nada... HELENA - Você adora se fazer de vítima. Vítima do sistema! É muito fácil ser vítima, difícil é ir à luta! Sabe que que eu acho, Eduardo? Você vive paralizado de tanta culpa. Até hoje, você carrega essa culpa masoquista de não ter sido preso, torturado, morto, como os teus amigos. Você queria ser uma vítima heróica da ditadura, mas sobrou nessa também. Os milicos não te deram importância. EDUARDO APERTA A TESOURA. PARECE QUE QUER TRUCIDAR HELENA. EM VEZ DISSO, SUSPIRA, SORRI COM SUPERIORIDADE. EDUARDO - Você perdeu o controle. Olhaí, tá toda trêmula. É falta de homem. Arranja um marido que passa. HELENA - Você não passa de um machão vulgar. EDUARDO - Virou feminista, sapatão? HELENA - Virei e vou te meter na cadeia. (SAI) EDUARDO - Vai, vai arrumar homem. (EXPLODE) Merda! Vocês não vão me destruir, seus filhos da puta! (ESPATIFA UM CINZEIRO NA PAREDE) NO PREGO. DADDY - Peço a atenção de Vossas Senhorias para o sexto lote, que contém peças verdadeiramente originais. Um par de pés, de unhas mal pintadas, calejados pela labuta cotidiana de uma jovem trabalhadora, imagem viva da nossa gente forte e saudável! Um par de seios, firmes, orgulhosos, apontando desafiadoramente o futuro! A peça pode ser colocada em um elegante e sedutor banheiro, à guisa de torneiras... GARGALHADAS. CENA 11 - CASA DE DORA MADRUGADA. EDUARDO DORME SENTADO NO SOFÁ RASGADO, SUJO, ÚNICO MÓVEL QUE RESTOU. A MÃE ESTÁ DESPIDA, COM PANINHOS TAPANDO OS SEIOS E O SEXO. MÃE E TIO ESTÃO COBERTOS DE TEIAS DE ARANHA. O AMBIENTE É DE ABSOLUTA DECADÊNCIA. ENTRA DORA, TRAZENDO PENDURADAS PELO CORPO VÁRIAS E DESBOTADAS COROAS DE DEFUNTO. DESFAZ-SE DAS COROAS. VAI 42

À COZINHA, PEGA UNS PEQUENOS POTES DE TINTA E UNS PINCÉIS. VOLTA PRA SALA E COMEÇA A PINTAR AS FLORES DAS COROAS. MÃE` - Dora, tire essas malditas teias de aranha de minha cara. Não estou vendo você direito. DORA - Ótimo! EDUARDO - (SONHANDO) Não, você não pode ficar, vão te matar... (GRITA) Juliana, Juliana... DORA - Eduardo, vai dormir na cama. Eduardo! ELE ACORDA ASSUSTADO. DORA - Vai dormir na cama. ELE CONTINUA ALÍ, APATETADO. DORA - Vai, continua a sonhar com a tua amante guerrilheira, enquanto eu arrisco a minha pele... EDUARDO - Eu te disse pra não ir... DORA - Não aconteceu nada... EDUARDO - Mas podia ter acontecido... DORA - Pulei o portão dos fundos... EDUARDO - É muito alto? DORA - Uns três metros. EDUARDO - Não se machucou? DORA - Quase me feri nas pontas de ferro... EDUARDO - O filho de Rommy Schneider, lembra-se? DORA - Morreu espetado... EDUARDO - No portão da casa do avô, parece... DORA - Melhor que no portão do cemitério... EDUARDO - Quantas coroas? DORA - Uma dúzia. EDUARDO - Só? DORA - Já não se enfeitam túmulos como antigamente... EDUARDO - E na saída, o vigia, não te viu? DORA - Dormia numa cova. EDUARDO - De sete palmos? DORA - Raza. EDUARDO - Muitas baratas? DORA - Trouxe três. MÃE - Dora, tire essas baratas do meu caixão. DORA - Todo caixão de defunto tem barata, mãe. MÃE - Tem uma entrando nas minhas partes íntimas! 43

À COZINHA, PEGA UNS PEQUENOS POTES DE TINTA E UNS PINCÉIS.<br />

VOLTA PRA SALA E COMEÇA A PINTAR AS FLORES DAS COROAS.<br />

MÃE` - Dora, tire essas malditas teias <strong>de</strong> aranha <strong>de</strong> minha cara. Não<br />

estou vendo você direito.<br />

DORA - Ótimo!<br />

EDUARDO - (SONHANDO) Não, você não po<strong>de</strong> ficar, vão te matar...<br />

(GRITA) Juliana, Juliana...<br />

DORA - Eduardo, vai dormir na cama. Eduardo!<br />

ELE ACORDA ASSUSTADO.<br />

DORA - Vai dormir na cama.<br />

ELE CONTINUA ALÍ, APATETADO.<br />

DORA - Vai, continua a sonhar com a tua amante guerrilheira,<br />

enquanto eu arrisco a minha pele...<br />

EDUARDO - Eu te disse pra não ir...<br />

DORA - Não aconteceu nada...<br />

EDUARDO - Mas podia ter acontecido...<br />

DORA - Pulei o portão dos fundos...<br />

EDUARDO - É muito alto?<br />

DORA - Uns três metros.<br />

EDUARDO - Não se machucou?<br />

DORA - Quase me feri nas pontas <strong>de</strong> ferro...<br />

EDUARDO - O filho <strong>de</strong> Rommy Schnei<strong>de</strong>r, lembra-se?<br />

DORA - Morreu espetado...<br />

EDUARDO - No portão da casa do avô, parece...<br />

DORA - Melhor que no portão do cemitério...<br />

EDUARDO - Quantas coroas?<br />

DORA - Uma dúzia.<br />

EDUARDO - Só?<br />

DORA - Já não se enfeitam túmulos como antigamente...<br />

EDUARDO - E na saída, o vigia, não te viu?<br />

DORA - Dormia numa cova.<br />

EDUARDO - De sete palmos?<br />

DORA - Raza.<br />

EDUARDO - Muitas baratas?<br />

DORA - Trouxe três.<br />

MÃE - Dora, tire essas baratas do meu caixão.<br />

DORA - Todo caixão <strong>de</strong> <strong>de</strong>funto tem barata, mãe.<br />

MÃE - Tem uma entrando nas minhas partes íntimas!<br />

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