Casa de penhores - Isis Baião - Cia. Atelie das Artes
Casa de penhores - Isis Baião - Cia. Atelie das Artes Casa de penhores - Isis Baião - Cia. Atelie das Artes
EDUARDO - Passei o dia feito louco. Fiz o que pude. Os putos mandam a gente dum lado pra outro que nem bola de pingue-pongue. DORA - Mas isso é um absurdo. A gente vai pagar por um erro deles? EDUARDO - A gente sempre paga pelos erros deles. DORA - Comigo não! O buraco é mais embaixo. MÃE - Dora, não entre nessa onda de pornografia! DORA - Vá pro inferno, sua moralista, sua hipócrita. Você e seus tubarões defuntos, esses indecentes que beberam o meu sangue e não querem me pagar. Pois vou tirar a sua mortalha pra fazer mais coroas pra eles. (ARRANCA A MORTALHA DA MÃE) E, se eles não me pagarem, tiro até as suas calcinhas! MÃE - Filha maldita! Que tu morras de fome e sede! Que não tenhas sossego enquanto viveres! E quando morreres... DORA ENTOPE A BOCA DA MÃE COM UM PANO. DORA - Megera, boca do inferno! Agora fecha esses olhos bisbilhoteiros, senão eu te cego. (A MÃE FECHA RAPIDAMENTE OS OLHOS) Vai, vai ajustar contas com o diabo. SENTA-SE, EXAUSTA, DEPRIMIDA. DORA - Não, eu não mereço isso... ELA CAI EM PRANTOS. A LUZ MORRE. CENA 9 - NO PREGO O PREGO SOFREU UMA MODIFICAÇÃO: NO LUGAR DO GHICHÊ, HÁ UM AMONTOADO DE OBJETOS, FORMANDO UM CORPO. NO TOPO DESSE ESTRANHO CORPO, ESTÁ UMA CABEÇA DE HOMEM, QUE RESPONDE PELO APELIDO DE "DADDY". ENTRA DORA, COM TRÊS COROAS ESTAMPADAS. TEM ASPECTO SOFRIDO, ENVELHECEU. ELA ESTRANHA O AMBIENTE, ACHA QUE SE ENGANOU DE LOCAL. DADDY - É aqui mesmo a Casa de Penhores. ELA SE ASSUSTA. PROCURA LOCALIZAR A VOZ. 34
DADDY - (DIVERTINDO-SE) Olhe pra cima... até você poder olhar de cima... DORA O OLHA BOQUIABERTA. DADDY - Pensa que sou o Anti-Cristo? Sou igual a você, apenas estamos em planos diferentes... apenas uma questão de angulo... DORA - Prefiro me entender com o funcionário. Cadê o funcionário? DADDY - (TRISTÍSSIMO) Foi despedido no último corte. A Casa de Penhores vive momentos muito difíceis, minha filha! Depois de tantos anos de trabalho, estou tendo que atender no balcão. Eu, o chefe! DORA - O senhor é o patrão? E vai me atender pessoalmente? DADDY - Vou atendê-la pessoalmente, claro. DORA - Excelência... DADDY - Pode me chamar de Daddy, paizinho. É como me chamam. DORA - Me chamo Dora. Sou sua freguesa desde os tempos em que a Casa de Penhores só aceitava ouro... DADDY - Bons tempos! Mas temos que nos adaptar à nova realidade... Em que posso ajudá-la, minha filha? DORA - Eu não tenho mais o que empenhar. A última coisa que empenhei foi a geladeira... que nem fez muita falta... DADDY - Eu compreendo. A situação está terrível, apesar dos nossos esforços... DORA - Agora só posso empenhar os meus trabalhos. Sabe, eu confecciono coroas de defunto. Coroas muito especiais, em tecido de várias padronagens. Eu lancei essa moda e as minhas coroas estão sendo disputadas por pessoas muito importantes... Só que não me pagam... DADDY - É, também as pessoas importantes sofrem dificuldades, aqui e alhures! DORA - Então, eu trouxe estas três pra empenhar... DADDY - Você quer me deixar aqui três coroas de defunto? DORA - É... DADDY - Mas isso é um agouro! Está me agourando? DORA - Não, eu não faria isso, Daddy. Veja, são coloridas... DADDY - E daí? Que importa a cor, se a gente sabe a utilidade? A senhora só poderia me ofender mais se xingasse a minha reverenda mãe!... DORA - Desculpe, eu não tive intenção... Eu não podia imaginar... Meus fregueses são ministros de estado, deputados... DADDY - Problema deles. Eu não vou admitir assim a minha morte. Tenho superstições, horror à urucubaca! Sou um empresário nacional, minha senhora! 35
- Page 1 and 2: CASA DE PENHORES tragicomédia em 2
- Page 3 and 4: 1º ATO CENÁRIOS CASA DE PENHORES
- Page 5 and 6: MADAME - (PENSANDO ALTO) Gentinha m
- Page 7 and 8: O FUNCIONÁRIO PESA AS JÓIAS E FAZ
- Page 9 and 10: DORA - (PENSANDO ALTO) Velha mentir
- Page 11 and 12: DORA - Boa noite, pelo menos. EDUAR
- Page 13 and 14: DORA - Pare de agredir o meu marido
- Page 15 and 16: V O Z 2 - Que um câncer te coma os
- Page 17 and 18: DORA - Mas eu não tenho nada com i
- Page 19 and 20: DORA - Tanto melhor. Helena, você
- Page 21 and 22: V O Z E S - Filho da puta, filho da
- Page 23 and 24: MÃE - Dora, estou ficando dura! DO
- Page 25 and 26: incando. Hoje em dia se pode prever
- Page 27 and 28: MÃE - Prostituta! DORA - Calma, Do
- Page 29 and 30: DORA - Estou de saco cheio de blá-
- Page 31 and 32: outro mundo! Vai se casar com algum
- Page 33: Ih, tio, você tá com um cheirinho
- Page 37 and 38: Deus, só Ele sabe dos meus esforç
- Page 39 and 40: DORA - Fala, desembucha agora! EDUA
- Page 41 and 42: MÃE - Chiiiii! (FECHA RAPIDAMENTE
- Page 43 and 44: À COZINHA, PEGA UNS PEQUENOS POTES
- Page 45 and 46: MÃE - Eu disse que me entendo com
- Page 47 and 48: DADDY - (IRÔNICO) Hum, e como se c
- Page 49 and 50: MÃE - (DESESPERADA) Ah, Dora, de n
- Page 51: Pequena", Tribuna da Imprensa, "Def
DADDY - (DIVERTINDO-SE) Olhe pra cima... até você po<strong>de</strong>r olhar<br />
<strong>de</strong> cima...<br />
DORA O OLHA BOQUIABERTA.<br />
DADDY - Pensa que sou o Anti-Cristo? Sou igual a você, apenas<br />
estamos em planos diferentes... apenas uma questão <strong>de</strong> angulo...<br />
DORA - Prefiro me enten<strong>de</strong>r com o funcionário. Cadê o<br />
funcionário?<br />
DADDY - (TRISTÍSSIMO) Foi <strong>de</strong>spedido no último corte. A <strong>Casa</strong> <strong>de</strong><br />
Penhores vive momentos muito difíceis, minha filha! Depois <strong>de</strong> tantos anos <strong>de</strong><br />
trabalho, estou tendo que aten<strong>de</strong>r no balcão. Eu, o chefe!<br />
DORA - O senhor é o patrão? E vai me aten<strong>de</strong>r pessoalmente?<br />
DADDY - Vou atendê-la pessoalmente, claro.<br />
DORA - Excelência...<br />
DADDY - Po<strong>de</strong> me chamar <strong>de</strong> Daddy, paizinho. É como me chamam.<br />
DORA - Me chamo Dora. Sou sua freguesa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos em que<br />
a <strong>Casa</strong> <strong>de</strong> Penhores só aceitava ouro...<br />
DADDY - Bons tempos! Mas temos que nos adaptar à nova<br />
realida<strong>de</strong>... Em que posso ajudá-la, minha filha?<br />
DORA - Eu não tenho mais o que empenhar. A última coisa que<br />
empenhei foi a gela<strong>de</strong>ira... que nem fez muita falta...<br />
DADDY - Eu compreendo. A situação está terrível, apesar dos nossos<br />
esforços...<br />
DORA - Agora só posso empenhar os meus trabalhos. Sabe, eu<br />
confecciono coroas <strong>de</strong> <strong>de</strong>funto. Coroas muito especiais, em tecido <strong>de</strong> várias<br />
padronagens. Eu lancei essa moda e as minhas coroas estão sendo disputa<strong>das</strong> por<br />
pessoas muito importantes... Só que não me pagam...<br />
DADDY - É, também as pessoas importantes sofrem dificulda<strong>de</strong>s,<br />
aqui e alhures!<br />
DORA - Então, eu trouxe estas três pra empenhar...<br />
DADDY - Você quer me <strong>de</strong>ixar aqui três coroas <strong>de</strong> <strong>de</strong>funto?<br />
DORA - É...<br />
DADDY - Mas isso é um agouro! Está me agourando?<br />
DORA - Não, eu não faria isso, Daddy. Veja, são colori<strong>das</strong>...<br />
DADDY - E daí? Que importa a cor, se a gente sabe a utilida<strong>de</strong>? A<br />
senhora só po<strong>de</strong>ria me ofen<strong>de</strong>r mais se xingasse a minha reverenda mãe!...<br />
DORA - Desculpe, eu não tive intenção... Eu não podia imaginar...<br />
Meus fregueses são ministros <strong>de</strong> estado, <strong>de</strong>putados...<br />
DADDY - Problema <strong>de</strong>les. Eu não vou admitir assim a minha morte.<br />
Tenho superstições, horror à urucubaca! Sou um empresário nacional, minha<br />
senhora!<br />
35