Casa de penhores - Isis Baião - Cia. Atelie das Artes

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19.04.2013 Views

DORA - (FEROZ) Fecha a matraca, megera. (DOCE) Duda, um profissional do seu nível, logo logo arruma outro trabalho... EDUARDO - Eles não se interessam por qualidade. Eles querem nomes, estrelas. Eu não fiz o meu nome, fiquei lá naquela redação, como um funcionário público da casa. Ninguém mais se lembra de mim. DORA - E os teus amigos dos tempos da política? EDUARDO - Pode ser que me arrumem algum bico. Mas não tem nenhum importante. Eles também engordam e envelhecem, como eu. Eu acabei, Dora. AGARRA-SE A ELA E CHORA COMO UMA CRIANÇA. DORA - (AFAGA-O) Chore, meu amor, desabafe... Duda, não chore, a vida pro homem começa aos quarenta. Até pra mulher, descobri isso. Estou começando a tomar conta da minha vida. Antes, eu trabalhava para os outros e estava mofando. Agora, não, estou construindo a minha vida com as próprias mãos. Não tenho garantias, mas tenho esperanças. Estou gostando tanto de viver! Tanto que tenho tido vontade de ter um filho! MÃE - Filho, nessa idade! Desfrutável! EDUARDO - (EM PÂNICO) Dora, não faça isso. Prometa que vai continuar tomando a pílula, prometa. (ELA SORRI, ELE SE DESESPERA) Não brinque com isso, eu não posso ser pai, estou desempregado. Já tenho que pagar pensão pra três, eu não posso... me prometa... DORA - (MATERNAL) Calma, meu querido, só tenho tipo vontade! Vamos deixar pra quando a gente ficar rico, tá? MÃE - Hum, dessa mata num sai mais coelho! EDUARDO - Essas coroas de defunto estão te pirando. Você acredita mesmo que vamos ficar ricos? Pois sim! DORA - Acredito. Ainda não pintou nenhuma grana, mas vai pintar. E já. Senhor diretor da "Dora Confecções Moribundas Limitada", à luta! Você vai começar a trabalhar agora! EDUARDO - Não, deixa pra amanhã. Estou estourando de dor de cabeça. DORA - Tome um analgésico que passa. Nada de deitar. Vai ficar pensando besteira e atrasando a vida. Olhaqui as ordens de pagamento. Vai à luta. (ENCAMINHA EDUARDO PRA PORTA COM DECISÃO) Ciao, amor. Jogo duro com os caras, hein! (ELE SAI) Ciao. (JOGA UM BEIJO). Ciaaaooo! (FECHA A PORTA. SUSPIRA EXAUSTA) Tomara que você consiga, Duda! Se não conseguir, nem sei... CONTA AS COROAS. DORA - Treze! Sorte ou azar? O Instituto de Controle da Mortalidade encomendou mais cem para os suicidas deste final de mês. Tá ruço! 32

Ih, tio, você tá com um cheirinho meio podre! Vou lhe botar na janela pra pegar um sol. MÃE - Cuidado com os urubus no seu tio. DORA - Velha, você ficou realista depois de morta! MÃE - Já não tenho ilusões! Cresci. DORA - É, você esticou mesmo. Os mortos esticam. E perdem as ilusões, é? Perdem as emoções também, é? Me responda. Preciso saber. Você tem emoções? (A MÃE FECHA OS OLHOS) Sacana, já se mandou. (PENDURA O TIO NA JANELA) Não sei porque, mas pensar em pessoas sem emoções me dá um frio na espinha... E pensar que são elas que mandam na gente!... Não, Dora, tira isso da cabeça, você tá pirando. Ih, não, isola! TOCA O TELEFONE DORA - Alô... De Brasília? Não, eu não atendo mais pedidos de Brasília. Essa cidade está cheia de caloteiros... Não quero nem saber. Descansem em paz! (DESLIGA O TELEFONE) Mais um ministério moribundo! Nunca pensei que existissem tantos ministérios, e moribundos! Não tenho nada com isso. Há uma semana que como arroz, feijão e batata. Isso é o que me interessa. (METE UMA BALA NA BOCA) Vida mais maluca! VAI PRA COZINHA. MEXE NO ARMÁRIO. DORA - O feijão acabou. COMEÇA A ESCURECER. ELA VAI À JANELA E RETIRA O TIO. FECHA A JANELA. ACENDE A LUZ. VOLTA PRA COZINHA. ENTRA EDUARDO. DORA - (ANSIOSA) E então? EDUARDO - Nada feito. DORA - Como, nada feito? Explica. EDUARDO - Eles não vão pagar. DORA - Não vão pagar? Mas eles compraram, eles me encomendaram... EDUARDO - Tinham que ter feito concorrência pública. DORA - Eduardo, quer explicar essa porra que eu não estou entendendo nada? EDUARDO - No serviço público, qualquer coisa que se compre tem que ser através de concorrência. Várias firmas apresentam propostas e a que oferecer menor preço, fornece o produto. É isso. DORA - E que que a gente tem com isso? EDUARDO - Nada. DORA - E você não vai fazer nada? Vai se conformar? 33

DORA - (FEROZ) Fecha a matraca, megera. (DOCE) Duda, um<br />

profissional do seu nível, logo logo arruma outro trabalho...<br />

EDUARDO - Eles não se interessam por qualida<strong>de</strong>. Eles querem nomes,<br />

estrelas. Eu não fiz o meu nome, fiquei lá naquela redação, como um funcionário<br />

público da casa. Ninguém mais se lembra <strong>de</strong> mim.<br />

DORA - E os teus amigos dos tempos da política?<br />

EDUARDO - Po<strong>de</strong> ser que me arrumem algum bico. Mas não tem<br />

nenhum importante. Eles também engordam e envelhecem, como eu. Eu acabei,<br />

Dora.<br />

AGARRA-SE A ELA E CHORA COMO UMA CRIANÇA.<br />

DORA - (AFAGA-O) Chore, meu amor, <strong>de</strong>sabafe... Duda, não<br />

chore, a vida pro homem começa aos quarenta. Até pra mulher, <strong>de</strong>scobri isso.<br />

Estou começando a tomar conta da minha vida. Antes, eu trabalhava para os<br />

outros e estava mofando. Agora, não, estou construindo a minha vida com as<br />

próprias mãos. Não tenho garantias, mas tenho esperanças. Estou gostando tanto<br />

<strong>de</strong> viver! Tanto que tenho tido vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter um filho!<br />

MÃE - Filho, nessa ida<strong>de</strong>! Desfrutável!<br />

EDUARDO - (EM PÂNICO) Dora, não faça isso. Prometa que vai<br />

continuar tomando a pílula, prometa. (ELA SORRI, ELE SE DESESPERA) Não<br />

brinque com isso, eu não posso ser pai, estou <strong>de</strong>sempregado. Já tenho que pagar<br />

pensão pra três, eu não posso... me prometa...<br />

DORA - (MATERNAL) Calma, meu querido, só tenho tipo<br />

vonta<strong>de</strong>! Vamos <strong>de</strong>ixar pra quando a gente ficar rico, tá?<br />

MÃE - Hum, <strong>de</strong>ssa mata num sai mais coelho!<br />

EDUARDO - Essas coroas <strong>de</strong> <strong>de</strong>funto estão te pirando. Você acredita<br />

mesmo que vamos ficar ricos? Pois sim!<br />

DORA - Acredito. Ainda não pintou nenhuma grana, mas vai pintar.<br />

E já. Senhor diretor da "Dora Confecções Moribun<strong>das</strong> Limitada", à luta! Você<br />

vai começar a trabalhar agora!<br />

EDUARDO - Não, <strong>de</strong>ixa pra amanhã. Estou estourando <strong>de</strong> dor <strong>de</strong> cabeça.<br />

DORA - Tome um analgésico que passa. Nada <strong>de</strong> <strong>de</strong>itar. Vai ficar<br />

pensando besteira e atrasando a vida. Olhaqui as or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> pagamento. Vai à<br />

luta. (ENCAMINHA EDUARDO PRA PORTA COM DECISÃO) <strong>Cia</strong>o, amor.<br />

Jogo duro com os caras, hein! (ELE SAI) <strong>Cia</strong>o. (JOGA UM BEIJO). <strong>Cia</strong>aaooo!<br />

(FECHA A PORTA. SUSPIRA EXAUSTA) Tomara que você consiga, Duda!<br />

Se não conseguir, nem sei...<br />

CONTA AS COROAS.<br />

DORA - Treze! Sorte ou azar? O Instituto <strong>de</strong> Controle da<br />

Mortalida<strong>de</strong> encomendou mais cem para os suici<strong>das</strong> <strong>de</strong>ste final <strong>de</strong> mês. Tá ruço!<br />

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