Casa de penhores - Isis Baião - Cia. Atelie das Artes

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19.04.2013 Views

MÃE - Dora, não assuma comprimisso que você não possa cumprir. DORA - Não se meta, mãe.(AO MENSAGEIRO) Em 72 horas, é mais certo. MENSAGEIRO - Por favor, assine a segunda via do pedido. Aqui, no "ciente". DORA ASSINA E O MENSAGEIRO VAI SAINDO. DORA - O senhor não vai deixar um sinal? MENSAGEIRO - Que que a senhora disse? DORA - Um sinal em dinheiro. Preciso comprar material. MENSAGEIRO - (SUPERIOR) No Serviço Público, não pagamos nada a dinheiro. Pagamos com ordem de pagamento. A senhora receberá uma ordem de pagamento por ocasião da entrega da mercadoria.(SAI) DORA - Hum, ainda não é chefete e já tem pose de diretor! Ordem de pagamento! Não estou gostando dessa história! O Instituto de Controle da Mortalidade também vai pagar com ordem de pagamento. Encomendou vinte coroas para os suicidas de amanhã. MÃE - De ontem. DORA - De amanhã. Fui eu que recebí a encomenda! MÃE - De ontem. Como que eles vão adivinhar os suicidas de amanhã? DORA - Ah, eles fazem estatística! Cada dia da semana ou do mês, não sei muito bem, tem um determinado número de suicidas. A Helena me disse que eles, quando erram, erram por pouco. Diz-que fim de mês nunca tem menos de cem suicídios, declarados! MÃE - Os homens estão esquecidos de Deus, minha filha! Até os padres - que Deus me perdoe! Ai, Dora, a morte chegou no fígado! Ai, ai, ai de mim! DORA - (RINDO) Você é uma personagem de tragédia grega! MÃE - A minha vida sempre foi uma tragédia, uma luta! (SUSPIRA) DORA - Ora, mãe, você nunca fez porra nenhuma nessa vida! MÃE - E criar você? Você pensa que não deu trabalho? Eu queria que você tivesse um filho pra ver como sofre uma pobre mãe! Dora, minha filhinha, o que será de você sem a sua mãe?!!! DORA - Tenho mais de quarenta aninhos, mãe! O TELEFONE TOCA. DORA - (AO TELEFONE) Alô... é sim, pode falar... Fábrica de que?... Sim, sei, sei... 34 coroas para amanhã? Impossível, meu senhor, encomenda assim grande tem que ser feita com antecedência... Não, não estou 24

incando. Hoje em dia se pode prever essas coisas, é a tecnologia. O senhor sabe que de vez em quando há escapamentos de gases na sua fábrica. Então verifique a constância desses escapamentos, faça uma estatística do número de mortos e poderá ter uma previsão. Se no mês que vem, por exemplo, deverão morrer mais uns trinta e poucos, faça a encomenda agora. Se faltar uma ou duas coroas... O que? Vá você, seu... (BATE O TELEFONE) Covarde, xinga e desliga. (RI) Me mandou à puta que pariu, mãe. A MÃE NÃO REAJE. DORA ESTRANHA AQUELE SILÊNCIO. DORA - O cara lhe xingou, mãe.(A MÃE NOVAMENTE NÃO RESPONDE) Mãe?... (CORRE ATÉ ELA) Mãe!... (GRITA) Mãe... (SACODE-A) Mãe, não faça isso, não brinque com isso... Mãããeeee, não faça isso comigo, não morra, eu não posso viver sem você... Minha mãezinha... MÃE - (ABRE OS OLHOS) Estou morrendo, filha... DORA - (BERRANDO) Não, mãe, reaja, reaja, minha mãezinha... MÃE - Traga o seu tio... DORA - Não, você não vai morrer, você não pode morrer... MÃE - Traga, quero me despedir dele... DORA - (SE DESCABELANDO) Não, não, nãããooo, isso não pode estar acontecendo comigo... minha mãezinha, minha santa mãezinha... MÃE - Dora, acalme-se. Morrer não é ruim... mas não esqueça a sua mãe... DORA - Eu nunca te esquecerei, nunca. Juro. MÃE - Agora traga o seu tio. Você promete que cuidará dele como eu cuidei? DORA - Prometo. MÃE - Jure. DORA - Juro. MÃE - Vá buscar o seu tio. Depressa! DORA - Vou, mas não morra agora, espere eu voltar... MÃE - Eu espero, vá... EM PRANTOS, DORA SAI CORRENDO E VOLTA ABRAÇADA AO TIO, QUE É UM ESQUELETO. A MÃE BEIJA A CAVEIRA DO TIO, ENQUANTO DORA A PRANTEIA DESESPERADAMENTE. A CENA DEVERÁ TERMINAR COM UM FOCO DE LUZ BRANCA SOBRE AS PERSONAGENS ESTÁTICAS. FIM DO 1º ATO 25

incando. Hoje em dia se po<strong>de</strong> prever essas coisas, é a tecnologia. O senhor sabe<br />

que <strong>de</strong> vez em quando há escapamentos <strong>de</strong> gases na sua fábrica. Então verifique<br />

a constância <strong>de</strong>sses escapamentos, faça uma estatística do número <strong>de</strong> mortos e<br />

po<strong>de</strong>rá ter uma previsão. Se no mês que vem, por exemplo, <strong>de</strong>verão morrer mais<br />

uns trinta e poucos, faça a encomenda agora. Se faltar uma ou duas coroas... O<br />

que? Vá você, seu... (BATE O TELEFONE) Covar<strong>de</strong>, xinga e <strong>de</strong>sliga. (RI) Me<br />

mandou à puta que pariu, mãe.<br />

A MÃE NÃO REAJE. DORA ESTRANHA AQUELE SILÊNCIO.<br />

DORA - O cara lhe xingou, mãe.(A MÃE NOVAMENTE NÃO<br />

RESPONDE) Mãe?... (CORRE ATÉ ELA) Mãe!... (GRITA) Mãe...<br />

(SACODE-A) Mãe, não faça isso, não brinque com isso... Mãããeeee, não faça<br />

isso comigo, não morra, eu não posso viver sem você... Minha mãezinha...<br />

MÃE - (ABRE OS OLHOS) Estou morrendo, filha...<br />

DORA - (BERRANDO) Não, mãe, reaja, reaja, minha mãezinha...<br />

MÃE - Traga o seu tio...<br />

DORA - Não, você não vai morrer, você não po<strong>de</strong> morrer...<br />

MÃE - Traga, quero me <strong>de</strong>spedir <strong>de</strong>le...<br />

DORA - (SE DESCABELANDO) Não, não, nãããooo, isso não po<strong>de</strong><br />

estar acontecendo comigo... minha mãezinha, minha santa mãezinha...<br />

MÃE - Dora, acalme-se. Morrer não é ruim... mas não esqueça a<br />

sua mãe...<br />

DORA - Eu nunca te esquecerei, nunca. Juro.<br />

MÃE - Agora traga o seu tio. Você promete que cuidará <strong>de</strong>le como<br />

eu cui<strong>de</strong>i?<br />

DORA - Prometo.<br />

MÃE - Jure.<br />

DORA - Juro.<br />

MÃE - Vá buscar o seu tio. Depressa!<br />

DORA - Vou, mas não morra agora, espere eu voltar...<br />

MÃE - Eu espero, vá...<br />

EM PRANTOS, DORA SAI CORRENDO E VOLTA ABRAÇADA AO TIO,<br />

QUE É UM ESQUELETO. A MÃE BEIJA A CAVEIRA DO TIO,<br />

ENQUANTO DORA A PRANTEIA DESESPERADAMENTE. A CENA<br />

DEVERÁ TERMINAR COM UM FOCO DE LUZ BRANCA SOBRE AS<br />

PERSONAGENS ESTÁTICAS.<br />

FIM DO 1º ATO<br />

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