19.04.2013 Views

Décimo Segundo Escrito – Seguindo viagem — Ô ... - deviantART

Décimo Segundo Escrito – Seguindo viagem — Ô ... - deviantART

Décimo Segundo Escrito – Seguindo viagem — Ô ... - deviantART

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>Décimo</strong> <strong>Segundo</strong> <strong>Escrito</strong> <strong>–</strong> <strong>Seguindo</strong> <strong>viagem</strong><br />

<strong>—</strong> <strong>Ô</strong>, meu filho, coma mais um pouco. <strong>—</strong> pediu Dona Guilhermina, preocupada. <strong>—</strong> Você<br />

deveria estar mais animado agora que tudo acabou.<br />

<strong>—</strong> Não... <strong>—</strong> disse Estel, baixinho e sério. <strong>—</strong> Só começou.<br />

Era tarde da noite e a hospedaria estava fechada.<br />

Depois do tumulto pode-se dizer que Diamantina voltou à normalidade. Tepúc Amaru,<br />

após sua aparição triunfal, desapareceu numa esfera de luz verde que entrou no peito de<br />

Luan. O magussírio, desacordado, não viu que uma multidão crescera ao seu redor em<br />

segundos, uns (poucos) querendo coroá-lo rei e outros (a maioria) querendo esfolá-lo vivo.<br />

Quem lhe salvou de qualquer um dos dois destinos foram os caçadores, que traziam no carro<br />

de resgate Solenni e Estel também inconscientes.<br />

Quando os três deram por si, estavam na hospedaria. Descobriram que Dona<br />

Guilhermina, Rosa e os outros hóspedes estiveram todos juntos e presos dentro de um dos<br />

quartos. Os garotos ficaram desconfiados com a clériga, mas a anã explicou o que aconteceu<br />

em tão curto espaço de tempo e eles voltaram tratá-la normalmente.<br />

Aquele era o quarto dia depois de tudo.<br />

<strong>—</strong> E aí, Dona Guilhermina, qual foi o prejuízo que eu dei a cidade pela bagunça daquele<br />

dia? <strong>—</strong> indagou Luan, pesaroso.<br />

<strong>—</strong> Rosa disse que desistiu de metade da carga que levaria para Arthuria para pagar a sua<br />

fiança e os consertos da cidade. <strong>—</strong> respondeu a senhora. <strong>—</strong> <strong>Ô</strong>, não fique com essa cara! Ela<br />

não está chateada, fez questão de ajudar vocês depois do que houve! Além dela mesmo ter<br />

levado parte dessa culpa... E ela ainda tentou segurar aquele cretino, ou aqueles...sei lá!<br />

<strong>—</strong> E porque temos de ficar trancados aqui por mais cinco dias? <strong>—</strong> perguntou Estel.<br />

<strong>—</strong> Porque esse foi o determinado, filho. <strong>—</strong> continuou Guilhermina. <strong>—</strong> Juro que é bem<br />

mais saudável para vocês cumprirem esse prazo. Algumas pessoas ainda estão revoltadas com<br />

que aconteceu, acharam um sacrilégio...e acharam também que até o seqüestro daquela<br />

menina foi armação para que vocês pudessem acordar aquela coisa... Um bando de<br />

fofoqueiros que não tem o que fazer da vida! É tão ruim assim ficar aqui?<br />

Estel e Luan ficaram sem jeito, não queriam ter passado essa impressão para Dona<br />

Guilhermina.<br />

<strong>—</strong> Não, de jeito nenhum! <strong>—</strong> disse o magussírio. <strong>—</strong> É que não queríamos ser trancafiados<br />

como criminosos...<br />

Houve um silêncio muito chato na cozinha onde os três estavam. Estel foi quem<br />

interrompeu a quietude.<br />

<strong>—</strong> Será que Rosa já terminou? <strong>—</strong> indagou.<br />

<strong>—</strong> Acho que sim, meu filho. <strong>—</strong> respondeu a senhora, sorrindo. <strong>—</strong> Já passou a meia hora<br />

que ela disse que precisava para cuidar da menina Solenni. Vá lá dar uns beijinhos nela, quem<br />

sabe assim a cara de vocês melhore um pouco.<br />

<strong>—</strong> Ah...é...então com licença. <strong>—</strong> disse o defensor sem jeito, saindo do aposento.<br />

<strong>—</strong> E eu como fico? <strong>—</strong> indagou Luan, num tom de brincadeira.<br />

<strong>—</strong> <strong>Ô</strong>, meu filho, eu não tenho uma namorada para você. <strong>—</strong> respondeu Guilhermina,<br />

rindo, mas ao mesmo tempo com pena. <strong>—</strong> A única coisa que posso lhe dar é um beijo e um<br />

abraço como uma mãe faria. Você aceita?<br />

<strong>—</strong>... Aceito.<br />

Luan sentiu-se reconfortado, mesmo que o abraço de Dona Guilhermina o tivesse<br />

sufocado. Ele sentia muita falta da mãe.<br />

Estel não pode atualizar Solenni dos acontecimentos, pelo menos não com os detalhes<br />

que ele queria, por conta do “tratamento” que Rosa estava fazendo na espártaca. A clériga lhe<br />

disse que como ela quase teve um demônio retirado de seu corpo, era possível que alguns<br />

vestígios de magia maligna ainda estivessem nela. Solenni passava a maior parte dos dias


dormindo devido à exaustão que tal maldição causara, e quando não estava assim, estava com<br />

Rosa nesse “tratamento de limpeza”.<br />

Mais cedo a clériga veio conversar com ele, falar sobre algo que acontecera.<br />

<strong>—</strong> Olha, Estel, com toda sinceridade...nunca tinha visto isso em minha vida. Primeiro, o<br />

fato de a alma de Solenni ter saído intacta desse episódio; pelo visto, apesar da maldição ter<br />

feito o que fez com ela, feriu-a apenas superficialmente. <strong>Segundo</strong>, você ter suportado duas<br />

almas, Estel...você agora deve ter noção do quanto “pesa” uma alma, e a sua deve ser feita de<br />

vespertrita pura, pois não “quebrou” apesar tudo. Pessoas comuns entrariam em colapso, sem<br />

saber quem é ela quem é a outra pessoa...<br />

“Terceiro e, o mais impressionante, foi o resultado dessa união dentro de você. Houve<br />

uma transferência de você para Solenni e vice-e-versa. Vocês têm agora uma pequena, mas<br />

significante, parte da alma de um, no outro. Se os dois já eram ligados, serão muito mais<br />

agora...e não estou falando apenas de sentimento, é algo concreto, imutável e eterno.”<br />

Sentado no banco do lado de fora do quarto, Estel refletia sobre essas palavras, sem<br />

entender muito bem, mas sabendo que eram verdadeiras.<br />

Rosa saiu do quarto, tirando o defensor de seus pensamentos.<br />

<strong>—</strong> Está acabado, não vejo mais motivo de manter o tratamento. <strong>—</strong> concluiu ela,<br />

sorrindo. <strong>—</strong> Ela está limpa. Acho que o único problema dela agora é tristeza e saudade, mas<br />

disso você saberá cuidar. Com licença.<br />

E saiu. Um minuto depois Solenni apareceu. Fisicamente só tinha uns leves arranhões.<br />

Contudo o que mais preocupou Estel foi a expressão de desânimo dela e os cabelos vermelhos<br />

completamente soltos.<br />

“Espártacas prezam muito por seus cabelos, mas elas só os soltam por poucos<br />

motivos. Ou quando estão impossibilitadas de lutar, ou quando são desistentes ou<br />

derrotadas em uma batalha”, o defensor lembrou-se. Solenni deveria estar assim por não<br />

ter conseguido fazer nada, mesmo que realmente não pudesse, e assim trazido tantas<br />

preocupações.<br />

<strong>—</strong> Nesses dias em que estive dormindo, eu tive sonhos e visões muito estranhas. <strong>—</strong> ela<br />

falou, antes sequer de olhar para ele. <strong>—</strong> Vi cenas que não pertencem as minhas memórias,<br />

mas que me eram muito familiares, como se realmente me pertencessem. Foi quando numa<br />

desses momentos eu vi que era você, que estava no seu lugar. Fui espancada por pessoas que<br />

me xingavam, fui posta a tapas para fora de uma sala, ouvi grosserias, provocações,<br />

preconceitos. Vi minha mãe chorando, vi pessoas de branco me rodeando e me tocando<br />

assustadas. Passei vergonha várias vezes... Vi meus dois únicos amigos acabarem me<br />

enganando também por medo de me dizerem a verdade. De um eu queria a amizade, da outra<br />

mais que isso...mas não tive nenhum dos dois. Daí, quando a oportunidade veio, eu fugi. Parei<br />

em Eternia. Fiquei porque não queria voltar. Deixei minha mãe para trás... Mas aqui ainda<br />

sinto o mesmo medo, de ser rejeitado, de ser taxado de anormal, de não me encaixar. Tenho<br />

medo agora também de não cumprir o que prometi, o que prometi pela pura vontade de não<br />

voltar... Estel, me desculpe, fiz pouco caso da sua dor. Apesar de você ter me contado, não<br />

fazia idéia do quanto você sofreu e ainda sofre... Soltei meus cabelos como modo de honrá-lo,<br />

porque agora eu compartilho do que você sentiu e sente, literalmente.<br />

Solenni ergueu a cabeça, mostrando um olhar gentil, mas pesaroso. E ela continuou a<br />

olhar quando algumas lágrimas caíram. Estel não teve outra reação senão abraçá-la com toda<br />

força e vontade que guardara aqueles dias.<br />

<strong>—</strong> Ei, tá tudo bem. <strong>—</strong> disse Estel, numa mistura estranha de felicidade e pesar. <strong>—</strong> Não<br />

sei se serve de consolo, mas fiz pouco caso de você também, antes do seu avô vir me contar<br />

tudo e eu ver com meus próprios olhos.<br />

E finalmente pode contar todo o ocorrido, até mais que isso. Queria saber também se a<br />

voz que ouvira era a dela.<br />

<strong>—</strong> Sim, tentei muito falar com vocês. <strong>—</strong> respondeu a espártaca, voltando a sua bela<br />

normalidade séria. <strong>—</strong> Não queria que se separassem. Foi isso que falaram para nós.


<strong>—</strong> Mas como fez isso? <strong>—</strong> indagou o defensor, intrigado.<br />

<strong>—</strong> Eu não sei... Eu estava num lugar completamente escuro, e, só conseguia me enxergar<br />

porque havia uma luz dourada em mim. E por causa dessa luz eu conseguia desviar das mãos<br />

que tentavam me pegar, só que numa hora elas se tornaram tantas e tão grandes que não<br />

conseguia mais me mexer. Foi quando vi você lutando, e no seu peito havia uma espécie de<br />

janela, pequena e rodeada de vespertritas. E ela estava aberta, soube que ali eu poderia ir e<br />

ficar segura. Então voltei a falar com você...e saíram palavras que eu nem conhecia... O seu<br />

escudo abriu caminho para mim e entrei na tal janela. Mas ali, apesar de seguro era muito<br />

apertado...lembro que, antes de voltar para o meu corpo, fiquei presa num dos cristais.<br />

<strong>—</strong> Que coisa maluca.... <strong>—</strong> Estel olhou para o próprio peito.<br />

<strong>—</strong> E o Luan, como está?<br />

<strong>—</strong> Está bem, mas só se ele ficar quietinho dentro da hospedaria. Metade da cidade quer<br />

trucidá-lo por....como foi que eles disseram... Roubo premeditado de relíquia ancestral <strong>–</strong> nível<br />

10 de criminalidade; e até nós fomos colocados no meio, como cúmplices. Seu seqüestro foi<br />

dito como encenação. Nos interrogaram para saber onde Hazaniel havia ido, mas pelo menos<br />

isso acreditaram que não sabíamos. Solenni...você disse que viu a mim a ao Luan...você<br />

também viu esse cara?<br />

<strong>—</strong> Sim. E foi ele com quem me encontrei tempos atrás.<br />

<strong>—</strong> O que será que ele tanto quer com você?<br />

<strong>—</strong> Eu sinceramente não sei, mas com certeza não se trata só de vingança pelo que fiz a<br />

mão dele.<br />

<strong>—</strong> Que venha. Da próxima vez vou deixar SÓ o nariz dele inteiro.<br />

Solenni soltou um leve sorriso e apoiou a cabeça no ombro de Estel, que voltou a abraçála,<br />

desejando internamente que nunca existisse essa próxima vez.<br />

Aproveitando que ficariam de molho mais alguns dias, os regidos renovaram seus<br />

estoques de <strong>viagem</strong> (com ajuda de Dona Guilhermina, a única que possuía passe livre pela<br />

cidade) e puderam ver que caminho eles tomariam agora. A senhora anã mostrou para eles<br />

uma abertura no sótão da hospedaria que dava para uma espécie de alpendre, onde, à noite,<br />

eles levaram o Cetro e o Escudo. As armas apontaram para o norte, a de Estel com mais<br />

intensidade do que a de Luan.<br />

<strong>—</strong> Eu espero realmente que tenhamos uma <strong>viagem</strong> tranqüila, sem maldições,<br />

seqüestros, ou destruição de cidades pela metade... <strong>—</strong> comentou o magussírio, de volta a<br />

cozinha, enchendo o prato de comida.<br />

<strong>—</strong> Para onde vocês vão, meus filhos? <strong>—</strong> indagou Dona Guilhermina, com um quê de<br />

tristeza que penalizou os garotos.<br />

<strong>—</strong> Não sabemos exatamente...vamos onde nossas armas nos levarem. <strong>—</strong> respondeu<br />

Estel, sinceramente. <strong>—</strong> E agora elas apontaram para o norte.<br />

<strong>—</strong> <strong>Ô</strong>, meus filhos, cuidado redobrado, por favor. <strong>—</strong> pediu a senhora, a mão pousada<br />

sobre a boca. <strong>—</strong> As caravanas que estão chegando a Diamantina só trazem notícias ruins do<br />

mundo.<br />

<strong>—</strong> Nós sabemos, mais do que ninguém, o que está havendo, Dona Guilhermina. <strong>—</strong><br />

respondeu Solenni, bondosamente. <strong>—</strong> Mas não podemos parar.<br />

<strong>—</strong> Vocês não têm idéia até onde precisam ir em direção ao norte? <strong>—</strong> perguntou Rosa. <strong>—</strong><br />

Estou voltando para Arthuria, que fica nessa direção, e posso dar uma carona para vocês até lá<br />

e, se houver como, arranjar transporte para o resto do caminho. Aceitam?<br />

<strong>—</strong> Com certeza. <strong>—</strong> responderam os três garotos em uníssono.<br />

Uma <strong>viagem</strong> com transporte parecia muito mais segura (e menos cansativa) que a pé.<br />

Na madrugada seguinte, Estel, Solenni e Luan colocaram as bagagens no carro flutuante<br />

de Rosa. Um modelo bonito, branco, que misturava belamente em si aspectos decorativos e<br />

modernos. Deram agradecimentos a uma emocionada Guilhermina e partiram.


Mesmo àquela hora havia pessoas trabalhando e elas fizeram questão de interromper o<br />

serviço para olharem para o grupo de partida e cochichar sobre ele. Durante todo o caminho<br />

até os portões os caçadores ficaram vigiando-os, assegurando que nem os do carro nem<br />

possíveis revoltosos começassem outra confusão na cidade.<br />

Depois de alguns metros dos portões de Diamantina a motorista e os passageiros<br />

conseguiram relaxar.<br />

<strong>—</strong> Pelo Sábio-Rei, que tensão! <strong>—</strong> comentou Luan, respirando aliviado. <strong>—</strong> Podia jurar que<br />

se déssemos um suspiro mais forte, atirariam na gente.<br />

<strong>—</strong> Não os culpem. <strong>—</strong> disse Rosa. <strong>—</strong> Esses tempos difíceis tem deixado a todos muito<br />

estressados. A idéia de que Eternia está morrendo é bem assustadora... Além disso, é claro, o<br />

que aconteceu alguns dias atrás.<br />

<strong>—</strong> Eles têm esse medo, mas não fazem nada contra ele. <strong>—</strong> falou Solenni. <strong>—</strong> Os reinos se<br />

fecham, as pessoas se trancam ao invés de ajudarem umas as outras e fazerem com que esse<br />

medo diminua. Parece que gostam de sofrer e de ver os outros na mesma situação.<br />

<strong>—</strong> Concordo com você, Solenni, mas, por outro lado, pense que não é fácil deixar sua<br />

“segurança” para “se meter” nos problemas dos outros. Claro, isso explica, mas não justifica.<br />

Se todos usufruem de Eternia, todos deveriam protegê-la e mantê-la. O medo existe em todo<br />

lugar, em todo ser, até mesmo naqueles que carregam uma profecia nas costas. Vocês<br />

chegaram até aqui porque tem medo de perder coisas queridas, perder a própria vida.<br />

Contudo esse medo, ao invés de retraí-los, empurrou-os. Todos nós deveríamos agir assim,<br />

mas a verdade é outra. Sinceramente, não tentem entender as atitudes e os sentimentos de<br />

todo mundo, isso é uma carga muito pesada para poucas costas. Continuem seguindo a<br />

vontade de vocês, o que vocês acreditam, e Eternia estará em ótimas mãos desse modo.<br />

Alguns segundos de silêncio acompanharam a reflexão dos regidos. Contudo Estel foi um<br />

pouco mais longe quando disse:<br />

<strong>—</strong> Então tenho pena do Sábio-Rei...ele deve ter as costas muito mais doloridas do que as<br />

nossas.<br />

<strong>—</strong> Ei, acordem! <strong>—</strong> chamou Rosa, contente, despertando os três regidos. <strong>—</strong> Chegamos.<br />

Estel, Solenni e Luan, zonzos por conta das poucas horas de sono que conseguiram no<br />

apertado espaço do veículo, viram-se num estacionamento subterrâneo gigante com vários<br />

outros carros flutuantes em diferentes formas, tamanhos e cores. Ouviam-se ali ecos de<br />

muitos barulhos.<br />

<strong>—</strong> Onde estamos? <strong>—</strong> perguntou Estel, no meio de um bocejo.<br />

<strong>—</strong> Em Arthuria, mas numa parte que não é tão interessante assim. <strong>—</strong> respondeu a<br />

clériga. <strong>—</strong> Vamos subir.<br />

Rosa guiou os jovens para uma porta que levava a um elevador. Levou alguns segundos<br />

para que os regidos entendessem o que a outra falara, contudo, quando o fizeram, foi<br />

juntamente com exclamações de admiração. O elevador subia agora por uma torre vazada,<br />

abrindo a visão para um cenário fantástico. Arthuria era uma espécie de castelo descomunal,<br />

onde todo um mundo existia por trás de grandes muros, torres de todos os tamanhos, pátios,<br />

ruas, pontes e jardins. Um reino-castelo. Flâmulas azul-escuras brilhavam à luz do sol.<br />

O elevador continuou a subir até a que as pessoas do nível mais baixo do reino-castelo<br />

transformaram-se em formigas coloridas. As portas se abriram e Rosa, Estel, Solenni e Luan<br />

caminharam sobre uma larga ponte que ligava a torre do elevador a um pátio jardinado. Neste<br />

erguia-se uma miniatura de Arthuria (se comparado ao tamanho do reino sem si, mas grande o<br />

suficiente para se admirar) onde havia mais gente e agitação. Carregavam de tudo para todos<br />

os lados: armamentos, armaduras, mantimentos e montarias (que, por sinal, era o mais<br />

estranho dali, pois eram grandes aves, lembrando avestruzes avantajados na forma do corpo e


águias, na cabeça. Suas cores variavam do amarelo-ouro ao negro. E alguns deles estavam com<br />

armaduras adaptadas.). Havia também um grande número de soldados, completamente<br />

cobertos de metal, alguns apenas com a ponta do nariz e a boca de fora; pessoas com roupas<br />

mais leves e muito distintas entre si, algumas com cores muito escuras, outras já<br />

completamente brancas. Contudo, por qualquer um que passassem, Rosa ganhava uma<br />

reverência.<br />

<strong>—</strong> Rosa deve ser alguém importante por aqui... <strong>—</strong> comentou o magussírio, para os<br />

outros dois. <strong>—</strong> Muito importante mesmo...<br />

<strong>—</strong> Kain! <strong>—</strong> chamou Rosa, de repente.<br />

No meio da multidão uma pessoa destacou-se para atender o chamado. Um dos<br />

soldados completamente vestidos, este especificamente com uma armadura azul-marinho que<br />

possuía detalhes que lembravam um dragão, como escamas, garras, e cabeça dando forma ao<br />

elmo, veio de encontro a clériga. Tomou-a nos braços num laço apertado e carinhoso.<br />

<strong>—</strong> Rosa! Pensei que você não fosse chegar a tempo! <strong>—</strong> disse ele, sorrindo, a voz jovial,<br />

mas com um quê de preocupação. Ele saiu do enlace e retirou o elmo, mostrando-se idêntico a<br />

outra, masculinamente falando. <strong>—</strong> Todo mundo aqui ficou maluco quando recebemos as<br />

notícias de Diamantina, principalmente seu marido. Ele estava uma pilha esses dias...<br />

<strong>—</strong> Meu Sábio-Rei...incrível como essas notícias correm mais rápido que o vento. <strong>—</strong> disse<br />

a outra, sorrindo sem jeito. <strong>—</strong> E com certeza com algumas distorções. Preciso contar minha<br />

versão ao nosso pai para tentar conseguir uma penalidade mais leve... Trouxe até<br />

testemunhas! <strong>—</strong> e virou-se para os regidos <strong>—</strong> Estel, Solenni e Luan, este é o meu irmão, Kain.<br />

Agora estava explicado. Enquanto os jovens cumprimentavam o irmão de Rosa, ouviramno<br />

falar:<br />

<strong>—</strong> Nas notícias que recebemos também ouvimos o nome de vocês, mas junto com eles<br />

não vieram coisas muito boas...<br />

<strong>—</strong> Já imaginávamos. <strong>—</strong> comentou Luan, dando de ombros. <strong>—</strong> Quase não conseguimos<br />

chegar aqui inteiros e ainda saímos como os vilões...uma má fama aqui outra acolá não faz<br />

muita diferença.<br />

<strong>—</strong> Pelas caras de sono, vocês chegaram agora a pouco, não? <strong>—</strong> perguntou Kain, depois<br />

de rir abertamente. <strong>—</strong> Leve-os para comer, minha irmã, quem sabe de estômago cheio o<br />

ânimo deles melhore.<br />

<strong>—</strong> O movimento aqui está de um jeito que nunca vi. <strong>—</strong> falou Rosa, preocupada. <strong>—</strong> Vão<br />

partir em breve, não é?<br />

<strong>—</strong> Amanhã antes do raiar do dia. Ficaremos fora três semanas. A situação em Mysidia<br />

não está nada boa... Ah! O “chefão” tá vindo aí!<br />

Entrando no meio da multidão e falando com todos que vinham até ele, um cavaleiro.<br />

De armadura prateada e vestes brancas, recebia tantas reverências quanto Rosa. Quando<br />

chegou ao grupo que conversava, pediu um “com licença” a todos e em seguida ergueu a<br />

clériga do chão num abraço e beijando-lhe a face com veemência.<br />

<strong>—</strong> Por Mazda! Pensei que fosse partir sem vê-la, Rosa! <strong>—</strong> disse o cavaleiro, no mesmo<br />

tom de alegria e preocupação que Kain. <strong>—</strong> Se demorasse mais um pouco, eu mesmo iria<br />

buscá-la em Diamantina.<br />

<strong>—</strong> Por isso que resolvi tudo e cheguei antes disso. <strong>—</strong> respondeu Rosa, as faces rosadas<br />

atravessadas por um sorriso. <strong>—</strong> Cavaleiros de armadura brilhante sempre carregam essa<br />

vontade insaciável de salvar tudo, principalmente, princesas.<br />

<strong>—</strong> É... E princesas conseguem resolver tudo de um jeito muito mais eficiente...preciso<br />

me acostumar com essa idéia.<br />

<strong>—</strong> Princesa?! <strong>—</strong> falou Estel, pensando alto.<br />

<strong>—</strong> Ela não disse? Ah, é assim mesmo, minha irmã adora agir em surdina, não sei como<br />

até agora tem usado o nome verdadeiro, jurava que já tinha arranjado uma identidade secreta.<br />

<strong>—</strong> falou Kain, fingindo cochichar. <strong>—</strong> Esta é Rosa Guinevere Del Lunarian, princesa de Arthuria.


<strong>—</strong> Não é nada disso. <strong>—</strong> contrapôs a outra, séria. <strong>—</strong>Desculpem-me por não ter dito antes,<br />

mas o status de “princesa” não traz nenhuma liberdade quando o assunto é trabalho,<br />

entendem? Não quero que façam tudo por mim ou me tratem como um vaso de cristal...<br />

Nosso pai me tornou responsável por ligações comerciais em vários reinos, e ser “princesa”<br />

não dá muita credibilidade nesse meio. Em Diamantina acham no máximo que sou uma<br />

diplomata, e prefiro que continue assim.<br />

<strong>—</strong> E vocês três devem ser Estel, Solenni e Luan. <strong>—</strong> falou o cavaleiro. <strong>—</strong> Eu sou Cecil<br />

Galahad. Minha esposa contou sobre sonhos que teve com vocês, apesar de não saber<br />

realmente que eram vocês...disse-me que viriam para cá. E o sonho se cumpriu. Mas eu<br />

gostaria de saber o que houve antes disso.<br />

E Rosa contou, juntamente com os três regidos.<br />

<strong>—</strong> Agora preciso contar essa história ao nosso pai, tentar justificar a perda de metade da<br />

carga de metais. <strong>—</strong> comentou a clériga, suspirando. <strong>—</strong> A outra já chegou?<br />

<strong>—</strong> Sim. <strong>—</strong> respondeu Cecil. <strong>—</strong> Quer que eu a acompanhe?<br />

<strong>—</strong> Por favor. Apoio moral nunca é demais.<br />

<strong>—</strong> Essa perda vai lhe prejudicar tanto assim, Rosa? <strong>—</strong> perguntou Solenni, preocupada.<br />

<strong>—</strong> Nãão! Minha irmã está fazendo drama, nosso pai nunca ficou realmente bravo com<br />

ela. <strong>—</strong> disse Kain, cruzando os braços e rindo. <strong>—</strong> Ele vai acreditar no que ela disser. No máximo<br />

vai fazer uma cara feia e depois fica tudo bem.<br />

<strong>—</strong> Não sei se dessa vez vai ser tão simples assim. <strong>—</strong> contrapôs a irmã, sorrindo. <strong>—</strong>Não<br />

que a culpa seja de vocês, por favor, foi o fato dos diamantinos não terem entendido o que<br />

houve...e tivemos de pagar por isso. Mas obrigada pelo incentivo, Kain. Até logo e bom<br />

trabalho. <strong>—</strong> e deu um beijo no rosto do irmão. <strong>—</strong> Vamos, garotos, no caminho para a sala de<br />

nosso pai falaremos com Cecil sobre a carona de vocês.<br />

Os regidos despediram-se de Kain e acompanharam o casal por entre a multidão até o<br />

castelo. Dentro, mais gente ocupada e mais reverências, além da beleza do local. Enquanto<br />

andavam, Rosa perguntou para Cecil:<br />

<strong>—</strong> Meu irmão comentou comigo que a situação em Mysidia não melhorou. O que está<br />

acontecendo?<br />

<strong>—</strong> Os ataques aumentaram consideravelmente. <strong>—</strong> respondeu o cavaleiro, a feição<br />

fechada. <strong>—</strong> Os Elementaris estão ficando mais fortes, resistentes às armas e as magias. Além<br />

disso, estão astutos, planejam cada ataque, conseguem interferir em nossas defesas como se<br />

soubessem o que vamos fazer. Estamos levando o dobro de clérigos dessa vez... Sábio Efraim<br />

está tentando buscar reforços com os druidas, o que nos surpreendeu, porque Arborim já era<br />

aliada de Mysidia, mas eles recusam-se a atravessar o Pântano Ocre e dizem já ter seus<br />

próprios problemas. Já nós, tentamos aliança com os reinos Valhol e Eólio, mas todos dizem já<br />

terem seus contratempos para se deslocarem até outra guerra.<br />

<strong>—</strong> Entendo...e pedir ajuda em outro lugar demoraria demais.<br />

<strong>—</strong> E ainda há outro detalhe.<br />

<strong>—</strong> O que?!<br />

<strong>—</strong> Você sabe que os mysidianos guardam uma relíquia importante, não é? Há três dias<br />

soubemos que houve uma tentativa de roubo.<br />

<strong>—</strong> Pela Coroa Branca! Conseguiram pegar alguém?!<br />

<strong>—</strong> Não, infelizmente. Desde então a segurança aumentou e, em relação a isso, por<br />

enquanto, não tivemos mais notícias ruins.<br />

Eles pararam a frente de uma grande porta branca. Atrás dela, muitas vozes.<br />

<strong>—</strong> Esperem só um instante, tudo bem? <strong>—</strong> falou Rosa, para os regidos.<br />

E entrou. Cecil aproveitou para perguntar:<br />

<strong>—</strong> Se eu não for me intrometer, posso saber por que vieram para Arthuria? Foi só por<br />

conta do que houve em Diamantina?


<strong>—</strong> Não, vamos dizer que também foi por isso. Nossas armas é que nos dizem que direção<br />

tomar, e como elas apontaram na direção de Arthuria, Rosa nos ofereceu a vinda até aqui e<br />

possivelmente transporte para o resto do caminho. <strong>—</strong> explicou Solenni.<br />

<strong>—</strong> E para onde vão exatamente?<br />

<strong>—</strong> Não sabemos. <strong>—</strong> respondeu Estel, sincero. <strong>—</strong> Elas nos mostram a direção e a gente<br />

segue, seja lá onde possamos parar. Tudo para encontrarmos ou um dragão ou uma litta, uma<br />

espécie de jóia.<br />

<strong>—</strong> Uma litta...? Essa jóia...a aparência dela é redonda, verde-escura?<br />

<strong>—</strong> Sim! <strong>—</strong> exclamou Luan, surpreendido tanto quanto os outros dois. <strong>—</strong> Ei...não me diz<br />

que...<br />

<strong>—</strong> Exatamente. A relíquia sobre a qual comentei agora é essa que descrevi.<br />

<strong>—</strong> Estel...é uma de suas littas! <strong>—</strong> exclamou Solenni, tensa. Estel engoliu seco.<br />

<strong>—</strong> Nunca soube que se tratava de uma litta, da litta de um dos Regidos de Eternia. <strong>—</strong><br />

continuou o cavaleiro, sincero, vendo as expressões fechadas dos jovens. <strong>—</strong> Sabia, sim, que se<br />

tratava de uma relíquia ligada à profecia, mas não a esse ponto. Os mysidianos sempre<br />

manteram sigilo sobre a verdadeira natureza dela.<br />

Os três regidos estremeceram, Estel mais que todos. Um barulho de porta se abrindo<br />

tirou-os dos pensamentos. Rosa surgia com um sorriso, mas ao ver a expressão dos outros,<br />

perguntou preocupada:<br />

<strong>—</strong> O que houve?<br />

<strong>—</strong> Nós precisamos ir com vocês. <strong>—</strong> disse o defensor, resoluto. <strong>—</strong> Para Mysidia.<br />

<strong>—</strong> Rosa, a relíquia dos mysidianos trata-se de uma das joias do regido Estel. <strong>—</strong> resumiu<br />

Cecil.<br />

<strong>—</strong> Pelo Sábio-Rei...faz todo sentido...conhecemos a relíquia por ela estar ligada à<br />

profecia. Não me espanta agora o fato de vocês estarem seguindo na mesma direção que nós.<br />

<strong>—</strong> disse a clériga. <strong>—</strong> Não se preocupem, já falei com meu pai. Vocês poderiam seguir com a<br />

comitiva de Mysidia até onde precisassem...agora, de certa forma é bom saber que ficarão<br />

conosco a <strong>viagem</strong> toda. Ele só pediu uma coisa em troca.<br />

<strong>—</strong> O que? <strong>—</strong> indagou Luan, tenso.<br />

<strong>—</strong> O rei deseja conhecê-los. <strong>—</strong> e Rosa abriu o sorriso de antes. <strong>—</strong> Hoje à noite vocês<br />

jantarão com ele.<br />

A idéia de que um rei queria conhecê-los, assustou e empolgou os regidos. Até aquele<br />

momento eles só se envolveram com pessoas próximas a eles mesmos ou comuns, e o único<br />

convite que receberam foi o de “por favor, retirem-se antes que vocês nos matem ou a gente<br />

mate vocês”.<br />

Uma excursão por Arthuria foi um merecido momento de despreocupação, apesar da<br />

recente notícia de que uma litta quase fora roubada e dos rumores de guerra que pairavam<br />

sobre as conversas das pessoas. A visão daquele mundo-castelo, cheio de torres, jardins e<br />

casas, além da conversa descontraída sobre as histórias do reino, quase fizeram os regidos<br />

acreditarem que estava tudo bem.<br />

<strong>—</strong> Ah! Vocês estão ótimos! <strong>–</strong> disse Rosa, chegando ao salão de entrada, belamente<br />

vestida assim como Cecil.<br />

Os jovens pensaram que Rosa estava sendo mais gentil do que sincera. Eles não tinham<br />

pensado em levar roupas para uma ocasião tão formal, tendo de se arranjar com o que<br />

possuíam, o que significou vestes que depois de tantas idas, vindas e remexidas de <strong>viagem</strong><br />

exibiam vincos e amassados.


Os três foram levados até uma ante-sala, onde Rosa pediu que esperassem um instante.<br />

Sentiam-se nervosos. Será que o rei desejava alguma coisa deles?<br />

<strong>—</strong> Vamos, entrem. <strong>—</strong> disse Cecil, abrindo a porta para eles.<br />

Estel, Solenni e Luan timidamente atravessaram o portal, esperando encontrar aquelas<br />

mesas retangulares compridas e requintadas. Contudo, o lugar onde estavam era uma sala<br />

espaçosa, sim, mas decorada com simplicidade e bastante confortável. Exibia grandes janelas<br />

abertas e uma porta de correr para a varanda; havia no chão acarpetado almofadões ao redor<br />

de uma mesa redonda e baixa já servida; estantes com vários livros e objetos estranhos<br />

preenchiam uma das paredes; a luz prateada da lua e a dourada dos lustres dividiam espaço<br />

harmonicamente ali.<br />

Sentadas nos almofadões, duas pessoas: Cain e outro homem. Era uma versão de Cain<br />

anos mais velho, porém seus cabelos e barba aparada eram de um ruivo escuro.<br />

<strong>—</strong> Boa noite, meus filhos! <strong>—</strong> cumprimentou ele, a voz grave e empolgada. <strong>—</strong> Que prazer<br />

recebê-los!<br />

O homem levantou-se e foi diretamente para os regidos, apertando fortemente as mãos<br />

e os ombros de Estel e Luan, e beijando a mão de Solenni. Ele se vestia com elegância,<br />

parecendo um árabe para Estel, tendo até um turbante na cabeça.<br />

<strong>—</strong> Todos me chamam de Majestade ou de Rei. <strong>—</strong> disse ele. <strong>—</strong> Mas aqui, chamem-me<br />

apenas de Baron. Por favor, fiquem a vontade! Tirem as sandálias dos pés, e deixem toda<br />

formalidade com elas!<br />

Os jovens se surpreenderam com tal recepção, tão simpática que os relaxou.<br />

<strong>—</strong> Como é bom ver a mesa cheia! <strong>—</strong> comentou Baron, com um largo sorriso. <strong>—</strong> Ainda<br />

mais com convidados tão ilustres! Digam-me, meus filhos, vocês foram bem acomodados?<br />

<strong>—</strong> Sim, senhor, obrigada. <strong>—</strong> respondeu Solenni. <strong>—</strong> E obrigada também por permitir<br />

viajar com suas tropas.<br />

<strong>—</strong> Não há de que, Solenni. Pelo que vejo, espártacos são tão educados quanto são bons<br />

em batalha e, as espártacas, belas (as bochechas de Solenni ficaram rosa). Então, o que<br />

acharam de Arthuria?<br />

E a partir daí uma conversa longa se desenrolou. O rei estava muito interessado no que<br />

acontecera aos regidos antes deles chegarem ali, de como era a vida de cada um (até a de<br />

Estel, mesmo que não tivesse entendido muito bem), seus gostos, medos e esperanças. Estel,<br />

Solenni e Luan sentiram-se aconchegados, quase como se estivessem em suas próprias casas,<br />

porém havia também uma ponta de desconfiança com tanta gentileza. Estavam<br />

envergonhados com esse mútuo sentimento, mas porque o rei seria tão atencioso com três<br />

completos estranhos?! Então Baron, parecendo ler isso no rosto deles, falou:<br />

<strong>—</strong> Meus filhos, um dia minha amada Rosa veio me contar que teve um sonho. E nele<br />

estavam os Regidos de Eternia, os quais ela sabia que encontraria quando partisse. E eu disse a<br />

ela: “Filha minha, a você foi concedida tanto uma dádiva quanto uma maldição. Se seu<br />

caminho se mistura aos dessas pessoas, você levará consigo tanto as bênçãos que as cobrem<br />

quanto o peso da responsabilidade que carregam.”. E quando li a mensagem de Diamantina<br />

sabia que o sonho dela se tornara real. E que alegria a minha quando soube que viriam com<br />

ela! Fiquei ansioso para conhecer aqueles que carregam nas mãos a luz da Coroa Branca!<br />

<strong>—</strong> Mas o senhor não tem medo de trazermos a parte da “maldição” para o seu reino? <strong>—</strong><br />

indagou Solenni, séria.<br />

<strong>—</strong> Não vou mentir dizendo que não, minha filha, mas vou me corrigir. Vocês não<br />

carregam essa “maldição”, ela os persegue. E vai ser assim até que Eternia esteja segura<br />

novamente. Contudo, seria covardia minha culpá-los por qualquer coisa que acontecesse aqui.<br />

Eu decidi, eu quis recebê-los em minha casa, portanto, ajudá-los-ia a carregar o fardo de vocês<br />

por quanto tempo permanecessem aqui. E é o que eu acho estar fazendo agora.<br />

“Meus filhos, vocês desistiram de suas vidas para ganhar o mundo numa <strong>viagem</strong> que<br />

pode ser sem volta! Mas pelo Sábio-Rei que não seja assim! Mesmo que estejam fazendo isso<br />

apenas por seus interesses pessoais, ninguém tem ou terá o direito de condená-los, vocês


estão se arriscando para salvar Eternia no fim das contas. E a menor coisa que se pode fazer é<br />

ajudar a tornar a vida de vocês mais feliz, despreocupada, nem que seja por um instante. No<br />

começo pode ser que as pessoas os considerem por vocês serem os Regidos de Eternia, mas<br />

depois que os conhecerem, farão por vocês serem Estel, Solenni e Luan. E perdoem aqueles<br />

que não o fizerem, eles nem imaginam a maravilhosa companhia que vocês três<br />

proporcionam.”.<br />

Estel, Solenni e Luan emudeceram, não sabiam como reagir ao sentimento que os<br />

tomava. Era uma gratidão muito grande para se resumir num “obrigado”. Os outros quatro à<br />

mesa perceberam isso e sorriram. Kain então se levantou e disse:<br />

<strong>—</strong> Alguém tá afim de jogar Batalhas Táticas?<br />

<strong>—</strong> O que?! Não acredito, você joga isso?! <strong>—</strong> indagou Luan, o rosto iluminado.<br />

<strong>—</strong> Não só eu! Esses outros aqui atrás de mim são viciados assumidos.<br />

Estel e Solenni só foram entender a conversa momentos depois. O príncipe foi até uma<br />

das estantes e tirou de lá uma grande caixa cúbica de madeira decorada. Ele a abriu e<br />

remexeu, tirando de dentro duas outras caixas menores e, no final, transformando-a num<br />

tabuleiro de xadrez bem grande e retangular. As casas mudavam de altura quando um botão<br />

era girado na lateral, criando uma espécie de terreno acidentado do jeito que se queria. Nas<br />

caixas menores havia inúmeras peças, mini-pessoas vestidas ou com armaduras ou vestes<br />

coloridas e armadas com arcos, lanças, espadas e cajados.<br />

Luan explicou o tal jogo para os outros dois. Era como xadrez, mesmo, só que as peças<br />

podiam ser movidas com mais liberdade e a partida só acabava quando todo o exército inimigo<br />

era derrotado, o que queria dizer que todas as peças haviam perdido a cor e se tornado<br />

cinzentas. Elas se movimentavam sozinhas com comando de voz, seja para andarem pelo<br />

tabuleiro, seja para atacarem ou usarem magias. Cecil, Cain e Rosa contra Estel, Luan e<br />

Solenni; Baron ficaria de juiz e escolheria as regras da partida a partir uma carta que saia do<br />

tabuleiro antes da partida começar. Foi sensacional. Apesar do regidos só contarem com Luan<br />

de experiente no jogo, o outro time passou maus bocados com as idéias de Solenni, mas eles<br />

mesmo assim ganharam.<br />

<strong>—</strong> E aí? Querem revanche? <strong>–</strong> indagou Kain, rindo.<br />

<strong>—</strong> Não, meu filho, melhor não. <strong>–</strong> falou Baron, resoluto. <strong>—</strong> Eu não sou de ficar<br />

controlando horários, mas amanha será um dia cheio para todos. Fora que eu ainda preciso<br />

discutir algo sério com você, Rosa e Cecil sobre Mysidia. Rosa, minha querida, acompanhe<br />

Estel, Solenni e Luan até o hall. Desejo-lhes boa noite, meus filhos, foi uma noite da qual<br />

jamais me esquecerei.<br />

Rosa ergueu-se e disse:<br />

<strong>—</strong> Vamos então?<br />

Kain e Cecil também se despediram, porém era notável que a expressão deles havia<br />

mudado, de repente ficaram fechadas e sérias. No caminho, Rosa falou:<br />

<strong>—</strong> Vamos tratar agora de assuntos de guerra. Meu pai não deseja importuná-los com<br />

mais essa preocupação.<br />

<strong>—</strong> Tudo bem. Se bem que a nossa única preocupação é nos mantermos vivos. <strong>—</strong><br />

respondeu Estel. <strong>—</strong> Se ele achar que precisa da nossa ajuda é só chamar.<br />

<strong>—</strong> É claro. Obrigada e boa noite.<br />

E Rosa saiu. A caminho de seus aposentos, Luan olhou para Estel e perguntou:<br />

<strong>—</strong> Ei, cara, foi impressão minha ou você foi meio irônico com a Rosa?<br />

<strong>—</strong> Mais ou menos. <strong>—</strong>disse o defensor, sério. <strong>—</strong>Não queria ser rude, mas não consegui<br />

evitar.<br />

<strong>—</strong> Por quê?<br />

<strong>—</strong>Porque enquanto uns nos tratam como “detentores da destruição”, outros nos acham<br />

“condenados à morte”.<br />

<strong>—</strong> Como assim, Estel?


<strong>—</strong> O Rei Baron foi ótimo conosco e não reclamo de nada que ele fez ou disse, mas.... não<br />

sei se você notou, para mim parecia que ele estava mais com pena da gente do que realmente<br />

gentil. Me lembrou Dona Guilhermina.<br />

<strong>—</strong> ... E...você acha isso ruim?<br />

<strong>—</strong> Não...ruim não é a palavra... Sabe, só queria nos tratassem como pessoas “normais”,<br />

se é que me entende. Olha, tudo bem que não possamos saber sobre táticas de guerra de<br />

verdade...mas fico imaginando, se fosse outro assunto, um que pudéssemos ajudar e dizer<br />

alguma coisa sobre ele, o Rei Baron não nos deixaria ficar por não “desejar importunar a gente<br />

com mais essa preocupação”? Enquanto outras pessoas, ao invés, nos esfolariam vivos se não<br />

resolvêssemos a menor das complicações... É estranho...quando queremos ajudar as pessoas<br />

nos negam, mas se dissermos não vão nos condenar. E eu não acredito que isso vai terminar<br />

depois que salvarmos Eternia...seremos outros Vigilantes.<br />

<strong>—</strong>...... Então o que fazemos?<br />

<strong>–</strong> O que temos feito até agora, nos manter vivos e continuar. <strong>—</strong> respondeu Solenni, que<br />

havia ficado inexpressiva até ali. <strong>—</strong> Sei que não é fácil simplesmente ignorar o que os outros<br />

dizem, isso incomoda até a mim e bastante... Mas se deixarmos isso tomar conta de nós, não<br />

faremos nada do que queremos, realmente nos tornaremos “novos Vigilantes”. Temos que<br />

saber nos intrometer quando nos negam e esquecer quando nos condenam. Todos dizem a<br />

mesma coisa para nós: lutem pelo o que vocês acham certo, pelo o que desejam. Então vamos<br />

fazer isso. Não precisamos conhecer qualquer estratégia de guerra para saber e querer ajudar<br />

no meio de uma. Esqueceram Magussíria? Não foi, nem seria, a última vez que teremos de agir<br />

daquele jeito.<br />

Estel e Luan lembraram. Solenni estava certa.<br />

Na manhã seguinte os regidos esperavam por Rosa, Kain e Cecil no saguão de entrada.<br />

Alguns minutos e eles apareceram. Kain e Cecil de volta às suas armaduras, o primeiro com<br />

uma lança e o outro com espada e escudo. Rosa deixara as roupas de clériga para se<br />

armadurar também, levando consigo um longo arco e uma aljava recheada de flechas.<br />

<strong>—</strong> Desculpem a demora. Vamos, tomaremos o desjejum a bordo. <strong>—</strong> falou Rosa, mesmo<br />

que os outros três não tenham entendido a expressão “a bordo”. <strong>—</strong> Ah, gostaria também que<br />

me entregassem as armaduras e as roupas com que costumam viajar, o Rei Baron quer dar um<br />

tratamento especial a elas.<br />

Os garotos gostaram (e entenderam) a ultima frase, principalmente Estel e Solenni, cujas<br />

vestes apresentavam mais desgaste da que as de Luan. O grupo seguiu até outro elevador do<br />

pátio externo e desceu até o pavimento mais baixo de Arthuria. Andaram por um longo<br />

corredor, chegando a uma porta guardada por dois soldados.<br />

<strong>—</strong> Bom dia, Soldado Vicks. <strong>—</strong> disse Cecil, educado. <strong>—</strong> Os navios já estão prontos?<br />

<strong>—</strong> Sim, senhor. <strong>—</strong> respondeu o outro, respeitosamente. <strong>—</strong> Bahamuts, Wyverns e<br />

Pterodracos estão apenas esperando seu comando para zarpar, senhor.<br />

<strong>—</strong> Obrigado.<br />

Então o soldado abriu a porta. Estel, Solenni e Luan, que até agora não haviam<br />

entendido o porquê das palavras “navios” e “zarpar”, deixaram seus queixos caírem.<br />

Eles acabavam de entrar em um hangar gigantesco, onde vários navios modificados<br />

estavam. Estes exibiam ao mesmo tempo velas e asas, seus cascos de metal eram vermelhoescuros<br />

com muitos detalhes e na parte detrás havia turbinas onde caberia uma casa dentro<br />

facilmente. O grupo foi até o maior deles, onde o nome “Asas Escarlates <strong>–</strong> Bahamut Fígaro”<br />

brilhava. Dentro, muitos corredores, salas e compartimentos cheios de pessoas em<br />

movimento. Chegando à cabine de navegação, Cecil, Rosa e Kain falaram com todos os<br />

presentes. Cinco minutos depois o som de inúmeros trovões ressoou, as turbinas eram ligadas.


O teto do hangar abriu-se em vários pontos diferentes. Cecil trocou as últimas palavras com o<br />

soldado que estava de frente para uma espécie microfone.<br />

<strong>—</strong> Pterodracos: Tzen, Albrook, Maranda e Nikeah, permissão concedida para<br />

decolagem. <strong>—</strong> ele disse então, a voz metalizada ecoando no hangar.<br />

Estel, Solenni e Luan observaram das janelas da cabine os quatro menores navios<br />

ganharem altura. O barulho de turbinas sendo ligadas encheu e remexeu o ar. O defensor<br />

lembrou-se de lanchas agigantadas quando os observou. Ao atravessarem o teto, o soldado<br />

falou de novo:<br />

<strong>—</strong> Wyverns: Veldt, Barren e Lethe, permissão concedida para decolagem.<br />

E os navios medianos, que lembravam cargueiros para Estel, também subiram. E pela<br />

terceira vez o soldado anunciou:<br />

<strong>—</strong> Bahamuts: Doma, Fígaro e Vector, permissão concedida para decolagem.<br />

Os regidos sentiram um leve tremor, dessa vez eram eles que subiam. Estel não<br />

conseguia crer que três coisas que tinham envergaduras de porta-aviões conseguiam voar. A<br />

luz do sol fazia o cenário tornar-se mais irreal e sensacional ainda. Então todos da cabine se<br />

levantaram e olharam para o oposto de onde os jovens estavam. Eles olharam na mesma<br />

direção também. Uma figura diminuta estava numa varanda do castelo real. Rei Baron. Ele fez<br />

um gesto com as mãos que Cecil traduziu em palavras de comando:<br />

<strong>—</strong> O rei nos dá a sua benção! Que se abram as Asas Escarlates!<br />

Os soldados voltaram para seus acentos e posições. Um barulho metálico encheu o ar,<br />

vindo de todos os navios voadores. Os regidos viram os mastros com velas se abrirem,<br />

revelando um tecido estranho, meio transparente, que brilhava em inúmeras hexagonais<br />

avermelhadas quando o sol batia neles. Então eles começaram a se movimentar. Os jovens<br />

deixaram seus olhares na figura do Rei Baron e nos enormes muros de Arthuria, perguntandose<br />

quando os veriam de novo.<br />

<strong>—</strong> Quanto tempo demora a <strong>viagem</strong> até Mysidia? <strong>—</strong> perguntou Estel, os olhos pregados<br />

na vastidão abaixo dele.<br />

<strong>—</strong> Se nada nos atrasar, três dias. <strong>—</strong> respondeu Cecil, que ao contrário do outro tinha os<br />

olhos concentrados nos navios.<br />

Ele, Estel e Solenni estavam no convés. A sensação de irrealidade ainda pairava sobre os<br />

olhos dos dois regidos observando os gigantes que voavam. Abaixo deles uma imensa planície<br />

irregular verde, com muros de rochas brancas a enfeitá-la, algumas tão altas que pareciam<br />

penhascos. Seu nome era Calimanto. Aqui e acolá se erguiam torres cinzentas que Cecil disse<br />

serem postos avançados. O defensor e a espártaca encontraram um lago onde inúmeros<br />

cavalos de pelagem azul-escura, três pares de patas, crina e rabos prateados, com alguma<br />

coisa mais clara nas costas que eles não conseguiram identificar, bebiam água. Alguns deles<br />

pareciam bem nervosos, balançando as cabeças e trotando ao redor do resto do grupo<br />

constantemente.<br />

<strong>—</strong> Uau... <strong>—</strong> foi o que o defensor conseguiu dizer.<br />

<strong>—</strong> Bonitos, não são? <strong>—</strong> perguntou Cecil, aproximando-se. <strong>—</strong> São Sleipinires. Não são<br />

comuns dessa planície, eles vivem no Vale Bifrost, no meio daquelas montanhas ali adiante.<br />

Soube que o vale ficou frio demais, até para eles. Tiveram de vir para cá atrás de água e<br />

comida, mas isso assinou a sentença de caça deles.<br />

<strong>—</strong> Por quê?! <strong>—</strong> espantou-se Solenni.<br />

<strong>—</strong> Estão vendo que as costas deles são mais claras? Aquilo é uma camada de um mineral<br />

muito raro e, conseqüentemente, cobiçado; além que as crinas e os rabos são de fios de prata<br />

de verdade. Nos filhotes tudo isso se torna mais puro. Por conta disso Calimanto encheu-se de<br />

caçadores clandestinos.<br />

<strong>—</strong> E não se pode fazer nada por eles? <strong>—</strong> questionou Estel.


<strong>—</strong> Infelizmente não, seria necessário um contingente de soldados e caçadores de que<br />

não dispomos. A planície é enorme e cheia de lugares onde só os bandidos sabem se esconder,<br />

fora que é necessário o flagrante de que realmente estavam caçando esses animais. São<br />

homens sem escrúpulos, capazes de tudo para conseguir o que querem.<br />

Estel e Solenni fixaram a expressão “capazes de tudo” em suas mentes, enquanto os<br />

sleipinires voltavam a correr pela Planície Calimanto.<br />

À noite do terceiro dia, Cecil devolveu as armaduras e roupas de Estel, Solenni e Luan.<br />

Eles não conseguiram reconhecê-las. Todos os rasgos e imperfeições das vestes foram<br />

consertados e se podia jurar que entre as linhas do tecido havia linhas metálicas. O peitoral de<br />

Estel foi coberto por uma camada grossa e fosca de metal cinza-azulado, o mesmo que cobria<br />

sua braçadeira em placas sobrepostas, seu bracelete e caneleiras. O peitoral, os braceletes e as<br />

sandálias com joelheira de Solenni exibiam uma cobertura escovada de um metal branco. Luan<br />

ganhou uma cota de malha feita de mínimas argolas cinza-escuras peroladas, onde no peito e<br />

nos ombros havia placas finas sobrepostas. Tudo era tão leve e perfeito que os garotos nem<br />

sentiram a diferença ao vestir.<br />

<strong>—</strong> Mitrilo para o defensor, diamantina temperada para a espártaca, e platina-chumbo<br />

para o magussírio. <strong>—</strong> falou Rosa, sorrindo. <strong>—</strong> Esses são os presentes que o meu pai oferece<br />

aos Regidos de Eternia. Luan...você está se sentido bem?<br />

<strong>—</strong> Hã?! Quem?! Eu?! Ah, sim! Sim, estou...é só sono. <strong>—</strong> falou Luan, que se apoiava no<br />

cetro para não cair.<br />

<strong>—</strong> Você está desse jeito desde o primeiro dia, parece um zumbi. Só aparece para comer.<br />

<strong>—</strong> comentou Kain, sorrindo com malícia. <strong>—</strong> Você tem medo de altura, não é?<br />

<strong>—</strong> Não. <strong>—</strong> respondeu Solenni. <strong>—</strong> Se fosse isso, ele não teria dormido pendurado no<br />

para-peito ontem.<br />

<strong>—</strong> Relaxem, eu tô legaaaaaaaaal... <strong>–</strong> continuou o magussírio, entre um bocejo. <strong>—</strong> Pensei<br />

que Estel e Solenni já tivessem explicado pra vocês...é que o velho não me deixa descansar.<br />

E saiu, desejando boa noite a todos.<br />

<strong>—</strong> O que ele quis dizer com aquilo? <strong>—</strong> questionou Kain, tão confuso quanto os outros<br />

dois.<br />

<strong>—</strong> Vamos explicar. <strong>—</strong> disse Estel, rindo.<br />

Antes de irem dormir, Estel e Solenni voltaram ao convés para ficarem um tempinho a<br />

sós. Enquanto olhavam para o céu sem lua, mas coalhado de estrelas, o defensor contou sobre<br />

o sonho que tivera na noite anterior, o que não foi nem um pouco romântico, mas falar com a<br />

espártaca acalmava. E ela sabia disso, tanto que, mesmo que não soubesse traduzi-los, ouvia<br />

com muita atenção. Havia chamas, água, pedras e vento se batendo; uma sala em preto e<br />

branco; pessoas gritando, sendo uma voz de homem bem mais forte que as outras; e no final<br />

um homem metade felino que corria.<br />

<strong>—</strong> Bom, dessa vez, eu sei pelo menos o que significa uma parte do seu sonho. <strong>—</strong> disse<br />

ela, deixando Estel intrigado. <strong>—</strong> Conversei com Cecil, queria saber exatamente com quem ou<br />

com o que eles estavam em guerra. E ele me disse: Atmas. São espíritos naturais dessa planície<br />

que se manifestam na forma de algum dos quatro elementos.<br />

<strong>—</strong> E por que eles estão em guerra? <strong>—</strong> questionou o defensor, mais confuso ainda.<br />

<strong>—</strong> Isso Cecil não soube me responder. Antes os Atmas conviviam pacificamente com os<br />

mysidianos, até ensinaram a eles como manipular os elementos. Mas agora...dizem querer<br />

tirar deles o que mostraram...<br />

Descobrir que uma parte do seu sonho tinha um sentido não deixou Estel lá muito<br />

animado, mais uma vez sonhava com coisas ruins... Só de imaginar o que poderia acontecer<br />

sentia dores na cabeça. Solenni encostou sua testa na do defensor, tentando tirar a agonia que<br />

o incomodava.


Quando o sol mal riscou de luz o horizonte, todos já estavam de pé. Estel, Solenni e Luan<br />

permaneceram ao lado de Cecil na cabine principal, enquanto Rosa e Cain se juntavam a<br />

primeira tropa que desembarcaria.<br />

<strong>—</strong>Por medidas de segurança, ninguém fica no lado de fora quando entramos no espaço<br />

aéreo de Mysidia. <strong>—</strong> comentou Cecil, visivelmente tenso. <strong>—</strong> Um ataque pode acontecer a<br />

qualquer momento.<br />

Os regidos engoliram seco, até mesmo Luan, que depois de ouvir aquilo, perdeu o sono.<br />

A possibilidade de que o monstro voador em que estavam poderia ir de encontro ao chão fez a<br />

sonolência se transformar em tensão em dois segundos.<br />

O Reino de Mysidia foi tomando forma logo abaixo deles. Um reino-jardim cortado por<br />

ruas curvas de pedras brancas com construções que lembravam templos, igrejas, oratórios e<br />

altares, com inúmeras e exuberantes fontes de água e pátios lotados de cascalhos vítreos e<br />

coloridos. Era como um vitral gigantesco.<br />

<strong>—</strong> Preparar para o pouso. Formação de meia lua no lado leste. <strong>—</strong> anunciou Cecil.<br />

A mensagem fora transmitida para os outros navios, que desceram até o chão numa<br />

formação semicircular. Ao redor do reino já havia tantos outros navios, com sinais de danos<br />

(alguns deles bem assustadores), onde muitas pessoas se mexiam por dentro e por fora. Cecil<br />

deu mais algumas ordens e chamou os jovens a seguirem-no. Rosa e Kain os esperavam na<br />

saída do navio, onde muitos soldados já entravam em formação. O Bahamut Fígaro tocou o<br />

chão com uma incrível suavidade para seu tamanho titânico. Enquanto os soldados se<br />

espalhavam para cumprirem suas ordens, o grupo tomou um dos caminhos de pedras brancas<br />

que levavam ao interior de Mysidia. Lá, Estel, Solenni e Luan viram que o reino também exibia<br />

marcas da guerra, com seus muros quebrados, construções destroçadas e monumentos<br />

caídos.<br />

<strong>—</strong> Vamos levá-los diretamente ao Sábio Efraim, falaremos sobre a litta. <strong>—</strong> falou Rosa,<br />

um tanto tensa. <strong>—</strong> Tenho certeza de que ele reconhecerá vocês e as suas insígnias. Queremos<br />

que o caminho de vocês esteja livre, não queremos atrasá-los.<br />

Estel, Solenni e Luan entreolharam-se, acabavam de decidir por eles o que iriam fazer.<br />

As pessoas do reino andavam apressadas e ansiosas, contudo não deixavam de olhar<br />

para os novos três transeuntes ao lado dos nobres de Arthuria. E os regidos não puderam<br />

deixar de notar que os mysidianos andavam com roupas multicoloridas, leves e bastante<br />

adornadas, nem parecendo estarem no meio de um conflito, o máximo que alguns carregavam<br />

eram cetros brilhantes e bastonetes incrustados de jóias.<br />

O grupo se dirigia a uma construção que lembrava uma igreja gótica, cheia de pontas e<br />

detalhes esculpidos na pedra. À frente dela havia um homem de meia-idade vestido de preto,<br />

branco e púrpura. Ele tentava manter a calma entre um grupo de pessoas que discutia sem<br />

parar. Mesmo de costas ele notou que se aproximavam e virou-se. Os olhares das pessoas se<br />

viraram junto com ele, o que, segundos depois disso, causou uma reação indignada e<br />

desesperada de uma delas:<br />

<strong>—</strong> Meu senhor, Efraim! Pelo Vigilante Altíssimo!! Veja!!! É ELE!! O...O...DESGRAÇADO!!!<br />

O ASSASSINO!! O LADRÃO!!!<br />

O dedo acusador e a voz incisiva da pessoa pesavam sobre Estel. Houve gritos e<br />

exclamações enquanto a voz raivosa do outro enchia o ar repetidas vezes. Entretanto o regido<br />

nada pode fazer para se defender, houve um lampejo branco sobre seu rosto e ele desmaiou.<br />

. . .

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!