19.04.2013 Views

Reconhecimento do desespero: Uma leitura de António Lobo Antunes

Reconhecimento do desespero: Uma leitura de António Lobo Antunes

Reconhecimento do desespero: Uma leitura de António Lobo Antunes

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

1. Literatura, Ciência e Loucura<br />

ISSN: 1983-8379<br />

Um <strong>do</strong>s conflitos motores que conduzem a narrativa em Memória <strong>de</strong> elefante e<br />

Conhecimento <strong>do</strong> inferno é o embate entre a sensibilida<strong>de</strong> e angústia <strong>do</strong> autor (angústia que se<br />

revela impossível <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>cifrada e compreendida) e sua formação e análise psiquiátrica <strong>do</strong><br />

próprio quadro (que supostamente o permitiria a diagnosticar e solucionar sua angústia<br />

existencial).<br />

No início <strong>de</strong> seu primeiro romance, o autor se revolta contra a classificação didática<br />

das angústias humanas feita pela psiquiatria:<br />

Puta que pariu os psiquiatras organiza<strong>do</strong>s em esquadra <strong>de</strong> polícia, pensava sempre<br />

ao procurar os cem escu<strong>do</strong>s na complicação da carteira, puta que pariu o Gran<strong>de</strong><br />

Oriente da Psichiatria, <strong>do</strong>s etiqueta<strong>do</strong>res pomposos <strong>do</strong> sofrimento, <strong>do</strong>s chonés da<br />

única sórdida forma <strong>de</strong> maluquice que consiste em vigiar e perseguir a liberda<strong>de</strong> da<br />

loucura alheia <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong>s pelo Código Penal <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s, puta que pariu a Arte Da<br />

Catalogação Da Angústia (...) (LOBO ANTUNES, 2006, p.9-10).<br />

A revolta <strong>do</strong> autor contra a institucionalização das angústias humanas cria <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si<br />

um cisma, um conflito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s entre o profissional psiquiatra e o artista-homem-<br />

comum que se <strong>de</strong>ixa levar pelo vórtice <strong>de</strong> suas crises e emoções. Entretanto, é interessante<br />

notar as <strong>de</strong>finições da prática psiquiátrica cunhadas pelo narra<strong>do</strong>r: “Gran<strong>de</strong> Oriente da<br />

Psichiatria”, “etiqueta<strong>do</strong>res pomposos <strong>do</strong> sofrimento”, “maluquice que consiste em vigiar e<br />

perseguir a liberda<strong>de</strong> da loucura alheia <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong>s pelo Código Penal <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s” e “a Arte<br />

Da Catalogação Da Angústia” – todas elas indican<strong>do</strong>, <strong>de</strong> certa maneira, o “po<strong>de</strong>r disciplinar”<br />

(Foucault) que tal prática médica exerce sobre sujeitos consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s patológica e/ou<br />

socialmente inaptos. Tal conceito, embora já tenha si<strong>do</strong> expresso por vários autores<br />

anteriormente, é <strong>de</strong>scrito poética e lucidamente pelo francês Antonin Artaud, em seu ensaio<br />

“Van Gogh: o suicida<strong>do</strong> pela socieda<strong>de</strong>”:<br />

As coisas vão mal porque a consciência <strong>do</strong>ente [da socieda<strong>de</strong>] tem o máximo<br />

interesse, nesse momento, em não sair <strong>de</strong> sua <strong>do</strong>ença. Desta maneira, uma socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>teriorada inventou a psiquiatria para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se das investigações <strong>de</strong> alguns<br />

ilumina<strong>do</strong>s superiores, cujas faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> adivinhação a incomodavam (ARTAUD,<br />

s/d, p.8).<br />

Darandina Revisteletrônica– Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Letras/ UFJF – volume 5 – número 1<br />

6

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!