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Reconhecimento do desespero: Uma leitura de António Lobo Antunes

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ISSN: 1983-8379<br />

O universo visível não parece ser mais autossuficiente. Agora ele é o reino <strong>do</strong> impo<br />

ético. Po<strong>de</strong> às vezes se tornar o trampolim para o mergulho no ignoto. Mas, para<br />

falar <strong>do</strong> ignoto e <strong>do</strong> invisível, é necessária uma linguagem diversa em relação à<br />

usual, da comunicação, ou à linguagem tradicional da poesia. Se os objetos<br />

singulares sensíveis comparecem, é para remeter a outra coisa, à profundida<strong>de</strong> e ao<br />

mistério que se abrem às suas costas, ciran<strong>do</strong> efeitos <strong>de</strong> vertigem. Os objetos se<br />

tornam símbolos, epifanias, manifestações momentâneas, inesperadas e radiantes <strong>de</strong><br />

uma realida<strong>de</strong> que está além, atrás ou mais adiante (BERARDINELLI, 2007, p.137).<br />

Essa <strong>de</strong>scida ao Maelstrom <strong>de</strong> sua própria alma – para citar Poe – que o autor mo<strong>de</strong>rno<br />

realiza é uma das características da literatura pós-bau<strong>de</strong>lairiana e marca, <strong>de</strong> maneira nítida, a<br />

cisão entre o artista e a socieda<strong>de</strong>, uma vez que <strong>de</strong> agora em diante a linguagem <strong>do</strong> primeiro<br />

<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> comunicar (ou comunica muito pouco) ao gran<strong>de</strong> público:<br />

Diante <strong>de</strong>les [Bau<strong>de</strong>laire e Leopardi] se escancara pela primeira vez a insensatez das<br />

próprias experiências e surge o absur<strong>do</strong> (ou a loucura) <strong>de</strong> uma transcendência <strong>de</strong><br />

valores sem um conteú<strong>do</strong> e um fim socialmente reconhecíveis. A ressaca <strong>do</strong> passa<strong>do</strong><br />

aban<strong>do</strong>nou-os como <strong>de</strong>stroços. Mas eles são ainda personagens <strong>do</strong> teatro clássico<br />

que, sozinhos em cena, parecem recitar pala última vez seu monólogo antes <strong>de</strong> se<br />

precipitar no Maelström da obscurida<strong>de</strong>. O senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> suas visões, apesar <strong>de</strong><br />

claramente <strong>de</strong>scritas, estava <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a resultar incompreensível ou socialmente<br />

inaceitável (BERARDINELLI, 2007, p.136).<br />

A solidão <strong>do</strong> autor mo<strong>de</strong>rno e seu <strong>de</strong>slocamento social interferem, inevitavelmente,<br />

em sua visão <strong>de</strong> mun<strong>do</strong> e em sua linguagem literária. Além disso, a busca pelo novo e pela<br />

experiência inova<strong>do</strong>ra o leva a mergulhar nas águas <strong>do</strong> <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> que existe <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si<br />

mesmo – daí o surgimento <strong>do</strong>s poetas malditos, tais como Lautréamont, Tristan Corbiére e<br />

Rimbaud que escandalizavam a socieda<strong>de</strong> burguesa com seu comportamento fora <strong>do</strong>s padrões<br />

e consumo <strong>de</strong> drogas e entorpecentes para a composição literária, como é o caso <strong>do</strong> escritor<br />

inglês Thomas <strong>de</strong> Quincey. Sen<strong>do</strong> assim,<br />

somente o indivíduo singular em sua solidão po<strong>de</strong> dirigir-se intencionalmente para a<br />

profundida<strong>de</strong> ou nela se precipitar aci<strong>de</strong>ntalmente, mergulhar no abismo, no fun<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> ignoto, para encontrar algo novo (BERARDINELLI, 2007, p.136).<br />

Dessa forma, gran<strong>de</strong>s nomes da literatura mo<strong>de</strong>rna e contemporânea criaram obras que<br />

são verda<strong>de</strong>iros mergulhos nos Maelströms <strong>de</strong> suas próprias almas e retornaram à superfície<br />

com novas perspectivas, e uma nova linguagem, retorcida e obscura e que tenta representar<br />

Darandina Revisteletrônica– Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Letras/ UFJF – volume 5 – número 1<br />

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