19.04.2013 Views

Reconhecimento do desespero: Uma leitura de António Lobo Antunes

Reconhecimento do desespero: Uma leitura de António Lobo Antunes

Reconhecimento do desespero: Uma leitura de António Lobo Antunes

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

ISSN: 1983-8379<br />

“inferno são os outros” na sua obra Entre quatro pare<strong>de</strong>s), o que gera um <strong><strong>de</strong>sespero</strong><br />

praticamente invencível. Po<strong>de</strong>-se dizer que em Conhecimento <strong>do</strong> inferno, o (anti)herói, assim<br />

como nas narrativas míticas da Antiguida<strong>de</strong>, realiza sua katabasis (<strong>de</strong>scida aos mun<strong>do</strong>s<br />

inferiores e/ou infernais) ao <strong>de</strong>scer para as profun<strong>de</strong>zas <strong>de</strong> seu espírito e conhecer assim seu<br />

próprio inferno. A única diferença é que o (anti)herói nunca mais é capaz <strong>de</strong> voltar à<br />

superfície, mas é con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> a vagar eternamente no seu inferno antes <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>,<br />

realizan<strong>do</strong> tarefas <strong>de</strong> Sísifo que inevitavelmente conduzem ao <strong><strong>de</strong>sespero</strong>. O final <strong>do</strong> romance<br />

é uma metáfora <strong>do</strong> perecimento e <strong>do</strong> vagar eterno no próprio inferno:<br />

– O melro na sua voz tranquila em que cada sílaba constituía um elemento (um lago,<br />

um rio, um moinho, montes distantes) <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ssas paisagens italianas ou<br />

holan<strong>de</strong>sas que são o fun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s retratos a óleo <strong>do</strong>s nobres, <strong>do</strong>s dignitários da Igreja,<br />

das mulheres e <strong>do</strong>s homens anónimos que cruzam os séculos para nos fitarem, das<br />

suas pesadas molduras <strong>de</strong> talha, com uma altiva indiferença intemporal e triste, e me<br />

puxar o lençol, para cima da cabeça, como um sudário (LÓBO ANTUNES, 2007, p.<br />

245-246).<br />

O filósofo e teólogo dinamarquês Sören Kierkegaard, em sua obra O <strong><strong>de</strong>sespero</strong><br />

humano, lista três espécies diferentes <strong>de</strong> <strong><strong>de</strong>sespero</strong> que, segun<strong>do</strong> sua concepção, é a “<strong>do</strong>ença<br />

<strong>do</strong> espírito, <strong>do</strong> eu”: “o <strong><strong>de</strong>sespero</strong> inconsciente <strong>de</strong> ter um eu (o que é verda<strong>de</strong>iro <strong><strong>de</strong>sespero</strong>)”; o<br />

“<strong><strong>de</strong>sespero</strong> que quer ser ele próprio” e “o <strong><strong>de</strong>sespero</strong> que não quer”. A <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong> segun<strong>do</strong><br />

tipo <strong>de</strong> <strong><strong>de</strong>sespero</strong> se coaduna perfeitamente com aquele senti<strong>do</strong> pelos narra<strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>Lobo</strong><br />

<strong>Antunes</strong>:<br />

Se o homem que <strong>de</strong>sespera tem, como ele crê, consciência <strong>do</strong> seu <strong><strong>de</strong>sespero</strong>, se não<br />

se lhe refere como a um fenômeno <strong>de</strong> origem exterior (um pouco como uma pessoa<br />

que, sofren<strong>do</strong> <strong>de</strong> vertigens, e iludida pelos seus nervos, a elas se refere como se<br />

fossem um peso sobre a cabeça, um corpo que lhe tivesse caí<strong>do</strong> em cima, etc. ...,<br />

quan<strong>do</strong> o peso ou a pressão não é outra coisa senão, sem nada <strong>de</strong> externo, uma<br />

sensação interna) se este <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong> quer por força, por si só e por si, suprimir o<br />

<strong><strong>de</strong>sespero</strong>, ele dirá que não o po<strong>de</strong> conseguir, e que to<strong>do</strong> o seu ilusório esforço o<br />

conduz somente a afundar-se ainda mais (KIERKEGAARD, 1988, p.196).<br />

Em Conhecimento <strong>do</strong> inferno, a passagem final sobre o lençol que se assemelha a um<br />

sudário marca a tomada completa <strong>do</strong> ser pelo <strong><strong>de</strong>sespero</strong>. Como bem <strong>de</strong>finiu Kierkegaard, “o<br />

<strong><strong>de</strong>sespero</strong> é portanto a ‘<strong>do</strong>ença mortal’, esse suplício contraditório, essa enfermida<strong>de</strong> <strong>do</strong> eu:<br />

Darandina Revisteletrônica– Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Letras/ UFJF – volume 5 – número 1<br />

12

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!