Reconhecimento do desespero: Uma leitura de António Lobo Antunes
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ISSN: 1983-8379<br />
- Você encontra-se (observe-me) por felicida<strong>de</strong> sua e infelicida<strong>de</strong> minha <strong>de</strong>fronte <strong>do</strong><br />
maior espeleólogo da <strong>de</strong>pressão: oito mil metros <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong> oceânica da<br />
tristeza, negrume <strong>de</strong> águas gelatinosas sem vida salvo um ou outro repugnante<br />
monstro sublunar <strong>de</strong> antenas, e tu<strong>do</strong> isto sem batiscafo, sem escafandro, sem<br />
oxigênio, o que significa, obviamente, que agonizo (LOBO ANTUNES, 2006, p.29-<br />
30).<br />
O conhecimento e a prática da psiquiatria não são capazes <strong>de</strong> salvar o narra<strong>do</strong>r <strong>de</strong> si<br />
mesmo e nem <strong>de</strong> socorrê-lo enquanto se submerge na “profundida<strong>de</strong> oceânica da tristeza”.<br />
Talvez seja por isso que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>do</strong> livro ele <strong>de</strong>spreza sua própria profissão e a<br />
pretensão <strong>de</strong>sta em “catalogar as angústias humanas”.<br />
2. O balbucio <strong>do</strong> <strong><strong>de</strong>sespero</strong><br />
<strong>Lobo</strong> <strong>Antunes</strong> se insere na lista <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> autores que trataram reverentemente<br />
sobre o <strong><strong>de</strong>sespero</strong> e a loucura humana. Já no perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> Romantismo alemão (embora tais<br />
temas já tenham si<strong>do</strong> aborda<strong>do</strong>s muito tempo antes), po<strong>de</strong>-se citar o <strong><strong>de</strong>sespero</strong> existencial <strong>do</strong><br />
jovem Werther goetheano, ou antes, sua Weltschmerz – termo cunha<strong>do</strong> pelo também escritor<br />
romântico Jean Paul e que diz respeito ao sentimento <strong>de</strong> que a realida<strong>de</strong> é incapaz <strong>de</strong><br />
satisfazer as <strong>de</strong>mandas espirituais e intelectuais <strong>do</strong> indivíduo. Po<strong>de</strong>-se citar também o<br />
“homem subterrâneo” <strong>de</strong> Dostoiévski que já <strong>de</strong> início na obra Memórias <strong>do</strong> subterrâneo<br />
<strong>de</strong>clara ser um homem <strong>do</strong>ente:<br />
Eu sou um homem <strong>do</strong>ente... Sou um homem malva<strong>do</strong>. Sou um homem<br />
<strong>de</strong>sagradável. Creio que tenho uma <strong>do</strong>ença <strong>do</strong> fíga<strong>do</strong>. Aliás, não compreen<strong>do</strong><br />
absolutamente nada da minha moléstia e não sei mesmo exatamente on<strong>de</strong> está o mal.<br />
Não me cui<strong>do</strong>, nunca me cui<strong>de</strong>i, se bem que estime os médicos e a medicina.<br />
Demais, sou extremamente supersticioso, o bastante, em to<strong>do</strong> o caso, para respeitar a<br />
medicina (sou bastante instruí<strong>do</strong>: po<strong>de</strong>ria então não ser supersticioso, mas sou).<br />
Não! Se não me trato, é por pura malda<strong>de</strong> <strong>de</strong> minha parte (DOSTOIÉVSKI, 1991, p.<br />
17).<br />
A morbi<strong>de</strong>z e entropia <strong>do</strong>s pensamentos <strong>do</strong>s personagens <strong>do</strong>stoievskianos (como o<br />
assassino febril Raskólnikov ou o epilético Príncipe Michkin) revelam uma psicologia <strong>do</strong>entia<br />
e louca que, para<strong>do</strong>xalmente, apontam para uma luci<strong>de</strong>z e percepção incomuns. No caso <strong>do</strong><br />
“homem subterrâneo”, a sua instrução consegue coexistir com a superstição; e a medicina, por<br />
Darandina Revisteletrônica– Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Letras/ UFJF – volume 5 – número 1<br />
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