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ESTRADA DE FERRO MARICÁ: PAISAGEM E ... - XII Simpurb

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<strong>ESTRADA</strong> <strong>DE</strong> <strong>FERRO</strong> <strong>MARICÁ</strong>: <strong>PAISAGEM</strong> E MEMÓRIA NA REGIÃO DOS<br />

LAGOS FLUMINENSE<br />

Eduardo Margarit<br />

UFF – Universidade Federal Fluminense<br />

eduardo-max@bol.com.br<br />

RESUMO<br />

A paisagem compreende as transformações do homem no ambiente. É sob este aspecto,<br />

que as reminiscências da Estrada de Ferro Maricá, na Região dos Lagos, no estado do Rio de<br />

Janeiro, podem ser analisadas como evidencias de tais transformações. O resgate da memória da<br />

ferrovia é fundamental para compreender a atual forma de organização do espaço na região.<br />

Durante o seu período de funcionamento, de 1887 a 1964, diversas transformações ocorreram, e<br />

a ferrovia, apesar de não existir mais, ainda apresenta marcas e resquícios na paisagem,<br />

resultado de um passado de glórias, submetido ao abandono do presente. Este trabalho explora<br />

os elementos remanescentes da ferrovia e o resgate da memória da Estrada de Ferro Maricá, a<br />

partir de entrevistas com moradores e ex-funcionários.<br />

Palavras-chave: Ferrovia; Região dos Lagos; Transportes.<br />

Introdução<br />

O transporte ferroviário brasileiro passou por tempos de glória. Os trens foram<br />

durante várias décadas o principal meio de transporte de cargas e passageiros no país.<br />

Com a abertura e asfaltamento de estradas de rodagem pelo governo e a facilidade<br />

crescente de compra de automóveis, a população passou a utilizar, cada vez mais, o<br />

transporte rodoviário. Surgiram várias empresas de ônibus com veículos modernos e<br />

confortáveis, além, é claro, dos aviões. O transporte de carga ganhou caminhões ágeis e<br />

dinâmicos capazes de transportar cargas leves e pesadas com maior rapidez para<br />

qualquer lugar.<br />

Paralelamente ocorreu o processo de desativação de inúmeras ferrovias. O<br />

transporte ferroviário não sobreviveu à competição causada pelo desenvolvimento das<br />

rodovias e ao aumento do número de veículos. Associado a isso, houve uma redução<br />

drástica de investimentos do governo no setor ferroviário. Estados, municípios e o<br />

governo federal concentraram investimentos na construção e pavimentação de novas<br />

vias e a abertura de crédito para a compra de veículos.


A Estrada de Ferro Maricá teve seu primeiro trecho inaugurado em 1887 e foi<br />

desativada em 1964. Em seu período de plena atividade ligou os municípios de Niterói a<br />

Cabo Frio. No entanto, hoje, já não existem trilhos, apenas algumas antigas estações,<br />

pontes e caixas d’água. O que mais impressiona é o fato de que a maior parte da<br />

população que reside, atualmente, nos municípios outrora atendidos pela ferrovia, se<br />

quer sabem que já existiu uma estrada de ferro, e que esta representava o principal meio<br />

de transporte da região.<br />

Portanto, se faz necessário o resgate da historia da Estrada de Ferro Maricá,<br />

assim como destacar o quanto foi importante a sua existência para a região. Os<br />

municípios de Maricá, Saquarema, Araruama, São Pedro da Aldeia e Cabo Frio que<br />

hoje pertencem a Região dos Lagos estiveram ligados através da Estrada de Ferro<br />

Maricá. Esta região, hoje conhecida por sua vocação turística, foi de fundamental<br />

importância no abastecimento de mercadorias para as cidades do Rio de Janeiro e<br />

Niterói. A ferrovia transportava cargas e pessoas, integrando e promovendo o<br />

desenvolvimento da economia da região.<br />

Este trabalho irá desenvolver um breve histórico da ferrovia, de sua construção<br />

até sua desativação e mostrar o quanto foi importante a existência da Estrada de Ferro<br />

Maricá para os moradores. Por fim, os remanescentes da ferrovia servem de evidencia<br />

das transformações e do abandono, sofrido pelo patrimônio cultural. Para tanto, foram<br />

realizados trabalhos de campo, percorrendo o antigo leito da ferrovia, recolhendo<br />

depoimentos dos moradores e ex-funcionários da Estrada de Ferro. Associado a isso,<br />

trabalhos de outros pesquisadores e antigos documentos tornaram possível a realização<br />

deste trabalho.<br />

A Estrada de Ferro Maricá: da construção à desativação<br />

O crescimento das cidades do Rio de Janeiro e Niterói na segunda metade do<br />

século XIX proporcionou o aumento na demanda por alimentos. O município de Maricá<br />

era um dos que garantiam parte do abastecimento dessas cidades e, consequentemente,<br />

desenvolvia sua economia para atender a demanda. A principal dificuldade de Maricá<br />

em manter relações comerciais com outros municípios, era a precária, ou quase<br />

inexistente via de comunicação. O transporte de mercadorias era realizado por tropas de<br />

mula, utilizando caminhos nas restingas e serras que cercam quase que a totalidade do<br />

território de Maricá.<br />

A construção da estrada de ferro teve inicio em 1887, por iniciativa de um<br />

grupo influente da elite maricaense. Em 25 de Novembro de 1888 foi inaugurado o


primeiro trecho da ferrovia ligando as estações de Raul Veiga (próximo a Alcântara) e<br />

Rio do Ouro, além de outras duas estações intermediárias: Sacramento e Santa Izabel.<br />

Devido a dificuldades financeiras, apenas em 1894 foi inaugurado o trecho que faltava<br />

até o centro de Maricá e em 1900 um prolongamento até Neves em São Gonçalo e outro<br />

de 10 km de Maricá até Manuel Ribeiro também foi concluído em 1901. 1<br />

O presidente Nilo Peçanha, em sua curta passagem pelo governo federal (1909-<br />

1910), assumiu o prolongamento da Estrada de Ferro Maricá até Araruama e investiu<br />

2.182:324$000 (mais de dois milhões de réis). Em sua homenagem a estação localizada<br />

próxima a Ponta Negra de onde começaria o prolongamento recebeu o seu nome.<br />

Em 19 de junho de 1911, foi fundada 2 em Paris a “Compagnie Generale de<br />

Chemins de Fer dês Etats Unis du Brèsil” com o objetivo de investir cerca de um milhão<br />

de francos nas estradas de ferro brasileiras. A partir de 1913, a companhia Francesa<br />

recebeu a concessão da Estrada de Ferro Maricá bem como se tornou responsável pela<br />

construção do prolongamento até Araruama. Esta companhia foi responsável por<br />

inúmeras melhorias na ferrovia e conseguiu em pouco mais de um ano completar o<br />

prolongamento da estrada de ferro.<br />

Em 1933, durante o governo do presidente Getúlio Vargas (1930-1945), a<br />

Estrada de Ferro Maricá foi encampada 3 e passou a ser administrada pelo Governo<br />

Federal. Nesse período foi construído o prolongamento da ferrovia até Cabo Frio,<br />

inaugurado em 1937. Outras melhorias aconteceram a partir de 1943, quando a Estrada<br />

de Ferro Maricá foi incorporada 4 a Estrada de Ferro Central do Brasil, também<br />

administrada pelo Governo Federal.<br />

1<br />

RIO <strong>DE</strong> JANEIRO. Mensagens dos Presidentes da Província. Disponível em:<br />

Acessado em: 14/08/2008.<br />

2<br />

RIO <strong>DE</strong> JANEIRO. Decreto nº. 8.831, de 10 de junho de 1911. apud. RODRIGUES, 2004, p. 100.<br />

3<br />

BRASIL. Decreto nº. 22.864, de 27 de junho de 1933. Dispõe sobre a ocupação da Estrada de Ferro de<br />

Maricá e dá outras providencias. Senado Federal. Disponível em:<br />

. Acessado em: 04/05/2009.<br />

4<br />

BRASIL. Decreto nº. 5.784, de 30 de agosto de 1943. Incorporação da E. F. Maricá à E. F. Central do<br />

Brasil. Senado Federal. Disponível em:<br />

. Acessado em: 04/05/2009.


Figura 1: Mapa da linha da Estrada de Ferro Maricá e suas principais estações.<br />

Fonte: RODRIGUEZ, 2004, p. 97.<br />

Ao longo da linha, os núcleos urbanos se desenvolviam e o trem era parte<br />

integrante do cotidiano das cidades. Todo o comércio de mercadorias e o transporte de<br />

passageiros era feito através da ferrovia. A Estrada de Ferro Maricá apresentava bons<br />

resultados devido ao transporte de sal vindo da Lagoa de Araruama e outras<br />

mercadorias que abasteciam a capital.<br />

Figura 2: Locomotiva da Estrada de Ferro Maricá (1938)<br />

Fonte: RODRIGUEZ, 2004, p. 97.<br />

A partir da década de 1950, inúmeras rodovias começam a ser construídas e<br />

asfaltadas em todo o Brasil. O Governo Federal deu inicio a uma política de priorização<br />

do transporte rodoviário em detrimento do ferroviário, para incentivar as novas<br />

indústrias ligadas ao setor automotivo que estavam se instalando no Brasil. Foi assim<br />

que nos anos 1950 foi dado inicio as obras de asfaltamento da Rodovia Amaral Peixoto,<br />

ligando Niterói à Macaé. A pavimentação da rodovia permitiu o acesso mais fácil e<br />

rápido aos municípios da Região dos Lagos e se tornou uma alternativa mais<br />

competitiva em relação ao transporte ferroviário.


Nesse momento a Estrada de Ferro Maricá já não era mais a única, ou melhor,<br />

forma de transporte da região e passou a enfrentar a feroz concorrência das empresas de<br />

transporte rodoviário. Apesar de ter um custo maior, o transporte rodoviário era mais<br />

rápido e dinâmico, podendo oferecer novos trajetos aos usuários e ao transporte de<br />

carga. Com isso, a ferrovia foi considerada pelo governo como “anti-econômica” e<br />

deveria ser desativada.<br />

Em janeiro de 1962 5 , um forte temporal causou inúmeros danos à via, destruiu<br />

pontes e deixou a linha intrafegável. Esse foi o pretexto perfeito para promover a<br />

desativação da ferrovia, os reparos não foram efetuados e o tráfego foi suspenso de<br />

Virajaba à Cabo Frio. Entre Virajaba e Niterói ainda permaneceu o tráfego de trens de<br />

subúrbio até 1964 quando se deu a suspensão definitiva do tráfego e foi dado inicio a<br />

remoção dos trilhos.<br />

A erradicação da Estrada de Ferro Maricá causou inúmeros prejuízos aos<br />

municípios e principalmente à população. O transporte ferroviário era barato e<br />

amplamente utilizado para o transporte de cargas e passageiros, sem ele, a única opção<br />

era o transporte rodoviário que possuía valores mais altos do frete e das passagens de<br />

ônibus.<br />

O significado da ferrovia para a população<br />

O Senhor Elson Souza e Silva, que reside na antiga casa da família localizada<br />

em frente à estação de Maricá lembra que sua família doou parte da propriedade para a<br />

construção da estação e que as viagens de trem para Niterói duravam cerca de cinco<br />

horas. As viagens de ônibus também não eram muito diferentes, já que as estradas eram<br />

de terra e os ônibus trafegavam em baixa velocidade, necessitando parar para esfriar o<br />

motor após a subida de trechos muito íngremes. Quando chovia a situação se agravava,<br />

pois era necessário colocar correntes nas rodas, já que as estradas ficavam com muita<br />

lama. Portanto, apesar dos constantes transtornos existentes no tráfego de trens durante<br />

todo o seu período de funcionamento, decorrente de atrasos, acidentes, e alguns<br />

períodos de suspensão de tráfego, o trem resultava no meio de transporte mais eficiente<br />

da cidade de Maricá que desfrutava de um enorme desenvolvimento proporcionado pela<br />

ferrovia.<br />

Os núcleos urbanos nos arredores das estações se expandiram e novas ruas<br />

foram abertas. No entorno da estação inaugurada em 1894 no centro da cidade de<br />

Maricá surgiram diversos estabelecimentos comerciais. Heloisa Helena Rodrigues<br />

5 Segundo o relato de alguns antigos moradores da Região dos Lagos.


Rangel é uma antiga moradora do centro da cidade de Maricá e cita alguns dos<br />

estabelecimentos comerciais que existiam próximo a estação, entre eles, estavam<br />

armazéns, bares, restaurantes, padarias, farmácia, barbeiro, quitanda, serraria, sapataria,<br />

loja de roupas, loja de materiais de construção, cartório e uma agencia bancária.<br />

Na própria plataforma da estação, também existiam comerciantes. Entre eles<br />

estava o Senhor Bruno, que vendia tecidos, bolsas, sapatos, carteiras, cintos, entre<br />

outros, segundo conta Heloisa, que também aproveitava a parada do trem para vender os<br />

doces e frutas colhidas na chácara de seu avô, Carlos Alberto de Abreu Rangel, as<br />

margens da estrada de ferro.<br />

Antigas chácaras, sítios e fazendas foram dando lugar a novas moradias. A<br />

facilidade de acesso promovida pela ferrovia, atraiu novos moradores, turistas e<br />

veranistas. A especulação imobiliária se intensificou a partir de 1940, transformando<br />

terras agrícolas em loteamentos. O município de Maricá começou a se transformar, de<br />

rural, para urbano. O principal fluxo de pessoas, vinha do Rio de Janeiro, que se<br />

encontrava em constante expansão, impulsionada pela indústria. 6<br />

Não foi apenas a região central da cidade de Maricá que se desenvolveu. Em<br />

Inoã e em São José de Imbassaí, onde também havia estações de mesmo nome, os<br />

núcleos urbanos se desenvolveram e passaram a servir como suporte às fazendas da<br />

região, fornecendo alimentos através de seus armazéns e mão-de-obra daqueles que ali<br />

residiam. Morador de Inoã, João Quintanilha, lembra saudosista das viagens que fazia<br />

nos trens da EFM. Recorda que os trens possuíam dois vagões de primeira classe e dois<br />

de segunda classe que ficavam sempre mais próximos à locomotiva. Quando viajava<br />

nos carros de segunda classe era comum sentir em determinado momento fragmentos de<br />

carvão em brasa, que saiam da locomotiva, queimar a pele.<br />

Em alguns trechos o trem conseguia desenvolver velocidades de cerca de 70<br />

km/h. Mas quando era reabastecido com água, demorava a retomar o embalo, a ponto de<br />

uma pessoa andando ao lado conseguir ultrapassa-lo. Os agentes estavam sempre bem<br />

uniformizados, e eram constantemente comparados a generais. O agente de estação<br />

vendia os bilhetes e usava o telégrafo para avisar a estação seguinte que o trem estava<br />

seguindo para lá. Outro funcionário muito lembrado era o “guarda-chaves”. Ele era<br />

responsável por operar os desvios, para que um trem pudesse cruzar com outro em<br />

segurança, já que havia apenas uma linha. Em Inoã, quando era necessário que dois<br />

trens se cruzassem, um deveria entrar em um desvio, lá existente, para que o outro<br />

passasse. Também em Inoã, havia duas fábricas de tijolos que movimentavam a região,<br />

6 MARTINS, 1986.


desenvolvendo ainda mais o comércio e contribuindo para aumentar o número de<br />

residências nos arredores da estação.<br />

A concentração populacional próximo às estações, se dava não só pelo fato de<br />

estar próximo do principal meio de transporte da época, mas também pelos benefícios<br />

que a ferrovia oferecia. Entre eles, destaca-se o fornecimento de alimentos que eram<br />

trazidos pelo trem para os armazéns da região, a distribuição de água potável<br />

gratuitamente para os moradores carentes e a oportunidade de vender produtos aos<br />

passageiros. A existência da ferrovia estava tão intimamente ligada ao cotidiano dos<br />

moradores, que durante o carnaval os blocos desfilavam sobre a linha do trem.<br />

Segundo Geraldo Bezerra de Lima, morador de Inoã, o Exército Brasileiro<br />

também utilizava o trem para realizar pesquisas e incursões na região. Afinal, a<br />

existência da Estrada de Ferro Maricá também era estratégica do ponto de vista militar,<br />

devido ao seu trajeto ao longo do litoral.<br />

Em Manoel Ribeiro, onde foi inaugurada uma estação em 1901, localizava-se<br />

uma das principais fazendas de Maricá, empregando um enorme contingente de pessoas<br />

e desenvolvendo um pequeno núcleo urbano. Nesta localidade era produzida uma<br />

grande quantidade de laranja transportada pela ferrovia. A Senhora Maria da Glória<br />

Costa, moradora do local, ainda recorda do intenso movimento na estação,<br />

principalmente por volta do meio-dia, quando os trens se cruzavam naquela localidade,<br />

um vindo de Cabo-Frio em direção a Niterói, e outro no sentido contrário. Segundo a<br />

moradora, o armazém estava sempre lotado, mal se conseguia andar lá dentro, pois<br />

todos os moradores da região se dirigiam para lá, para comprar as mercadorias que eram<br />

trazidas pelo trem. Dali também partia todas as manhãs o “rondante”, funcionário<br />

encarregado de verificar danos na via que pudessem causar acidentes, para tanto, ele<br />

percorria a pé a linha até Nilo Peçanha, onde outro funcionário se encarregava de fazer<br />

o mesmo daquele ponto em diante.<br />

Isabel Bastos Sardinha também foi moradora de Manoel Ribeiro e recorda de<br />

sua irmã que tinha muito medo do trem, e certa vez, quando levava uma galinha debaixo<br />

do braço e viu o trem se aproximando, largou a galinha e saiu correndo. De certa forma<br />

para pessoas acostumadas a viver toda uma vida em um lugar pacato, ouvindo sons de<br />

pássaros, e utilizando como único meio de transporte o cavalo, ver chegar um imenso<br />

“monstro” de ferro, “cuspindo” fumaça, emanando intenso calor e soando seu apito,<br />

deveria realmente ser muito impactante, talvez até assustador.<br />

Para as crianças, o significado do trem era outro. As viagens de trem eram um<br />

dos grandes entretenimentos da época e o simples fato de ver o trem passar, já


significava motivo de alegria para todas. Eloísa Rangel Rodrigues, recorda de estar<br />

junto com outros alunos do grupo escolar Elisário Mata, onde estudava, aguardando em<br />

frente a estação de Maricá a passagem do trem com o presidente Getúlio Vargas rumo a<br />

inauguração da estação Cabo Frio em 1937.<br />

Gilmar Monteiro e seus amigos de infância, também gostavam de brincar com<br />

o “tróler” 7 , veiculo usado para manutenção, que às vezes se encontrava parado em<br />

algum desvio no caminho de volta da escola. Eles subiam no “tróler”, empurravam, e<br />

muitas vezes sem conseguir pará-lo, precisavam saltar e acabavam caindo em pântanos,<br />

comuns ao longo da linha. Depois, cabia aos funcionários procurarem onde estaria o<br />

“tróler”. As brincadeiras e travessuras das crianças da época estão marcadas na<br />

lembrança dos adultos de hoje, que as recordam com saudade.<br />

Outra grande utilidade da ferrovia era o transporte de pessoas para as festas de<br />

Nossa Senhora do Amparo que aconteciam em Maricá. Muitos moradores de São<br />

Gonçalo embarcavam nos trens da EFM em trajes impecáveis de festa, a passagem era<br />

barata, mas as viagens eram demoradas. O trem estava sempre cheio e os passageiros<br />

que embarcavam pela manhã, em São Gonçalo, com suas roupas impecáveis, chegavam<br />

apenas à tarde em Maricá e sujos devido à fuligem produzida pela queima do carvão.<br />

Para evitar essa situação alguns passageiros utilizavam uma espécie de avental chamado<br />

de “guarda-pó”. 8<br />

A ferrovia também empregava um expressivo número de trabalhadores. As<br />

funções mais comuns eram as de Agente de estação, Maquinista, Foguista 9 e<br />

trabalhadores de via permanente. A maior parte dos familiares de Lenita Carvalho, atual<br />

moradora de Itapeba, trabalhou na ferrovia. Seu marido era um dos que trabalhava em<br />

via permanente, substituindo trilhos e dormentes. Ela recorda que havia uma<br />

cooperativa de funcionários que vendia diversos produtos a preços abaixo do mercado,<br />

o que proporcionava grande fartura de alimentos a toda a família.<br />

Geni Macedo Novaes é, atualmente, moradora de Bacaxá, distrito de<br />

Saquarema, mas quando adolescente morava em Niterói e embarcava no trem às sete<br />

horas da manhã, chegando em Bacaxá somente às 17 horas com sua tia, para visitar<br />

parentes. Ela conta que gostava de viajar nos trens da EFM, pois sempre em algum<br />

7 Espécie de vagão feito com tábuas sobre dois eixos, sem motor, sendo preciso “remar” com uma vara<br />

que alcançasse os dormentes para movimentar o veiculo. Geralmente quatro funcionários “remavam”<br />

sobre o “tróler” até alcançar o local onde devia ser feita a manutenção, carregando ferramentas e<br />

dormentes.<br />

8 De acordo com o depoimento de diversos moradores de São Gonçalo e Maricá.<br />

9 Funcionário encarregado de alimentar o fogo da locomotiva com carvão.


vagão, havia passageiros com cavaquinho, violão, pandeiro, sanfona, entre outros<br />

instrumentos musicais, e as pessoas cantavam e dançavam, animando a longa viagem.<br />

As principais mercadorias que embarcavam na estação Bacaxá eram: limão,<br />

galinhas, bois e porcos, procedentes das muitas fazendas que existiam na região. Os<br />

moradores de Saquarema utilizavam o trem para ir a Niterói ou então de lá, chegar ao<br />

Rio de Janeiro através das barcas, os que moravam próximo à estação aproveitavam a<br />

parada do trem para vender cocada, bolo de milho e arroz doce. No período em que<br />

eram realizadas as festas de Nossa Senhora de Nazaré e Santo Antônio, as duas<br />

principais igrejas da cidade, os trens vinham lotados de fiéis que desembarcavam em<br />

Bacaxá.<br />

Quando a ferrovia foi desativada, Geni recorda que seu pai, influente político<br />

na cidade, conseguiu que o sino usado na estação para avisar a chegada do trem fosse<br />

instalado na igreja de Santo Antônio que ficava próximo a estação de Bacaxá. Além do<br />

sino, nada mais foi preservado, os trilhos foram retirados e a estação demolida.<br />

Helena de Oliveira é moradora de Ponte dos Leite, no município de Araruama,<br />

e recorda da intensa movimentação de pessoas existente na época em que a ferrovia<br />

existia. Havia armazém, farmácia, padaria, quitanda, açougue, cinema, clube de dança e<br />

as festas da igreja de Nossa Senhora do Rosário, sempre muito animadas, atraiam<br />

grande público. O armazém vendia de tudo um pouco, funcionando como principal<br />

fonte de abastecimento da região, e fazendo com que inúmeras pessoas se deslocassem<br />

de outras localidades em busca de suas mercadorias. O movimento ferroviário associado<br />

à produção das indústrias promovia grande agitação econômica, garantindo renda aos<br />

moradores da região. Aqueles que não estavam diretamente envolvidos nessas<br />

atividades aproveitavam para vender frutas, doces e refeições para os trabalhadores, ou<br />

seja, diretamente ou indiretamente todos estavam envolvidos na atividade de extração<br />

de sal, o que proporcionava grande fonte de renda para os moradores.<br />

Osvaldo Francisco Marinho trabalhou carregando os vagões da ferrovia com<br />

sal, barrilha, cal e gesso. Ele lembra que naquela época sempre havia oportunidades de<br />

trabalho e ganhava-se muito dinheiro. A senhora Melentina, filha do guarda-chaves da<br />

estação de Ponte dos Leite, ainda mora no bairro e lembra que passava um trem para<br />

Niterói às 9:00 e outro para Cabo Frio as 16:00. Seu marido era funcionário da ferrovia<br />

e participou da macabra operação de retirada dos trilhos. Quando a ferrovia foi<br />

desativada na década de 1960, as indústrias também encerraram suas atividades. Sem<br />

possuir um meio de transporte eficiente e com a crescente concorrência do sal vindo do<br />

nordeste, as indústrias fecharam as portas, deixando muitos desempregados.


No centro da cidade de Araruama, também existia uma estação. O trem<br />

transportava mercadorias e passageiros para a cidade e também era responsável pelo<br />

abastecimento de água, trazida em seus vagões. Neli Veiga Jardim era casada com o<br />

agente da estação de Araruama, Aníbal Vicente Jardim. A estação já foi demolida, mas<br />

a casa de agente ainda existe, servindo de moradia para Neli. Construída durante a<br />

administração francesa, boa parte dos materiais usados em sua construção são<br />

importados. Neli destaca ainda o fato de que a maioria dos políticos da época eram<br />

salineiros, daí a importância da atividade para o município.<br />

Segundo Rômulo Gonçalves, morador de Iguaba Grande, junto à estação<br />

existente naquele município, existiam armazéns, fabrica de cal, descaroçadora de<br />

algodão, fábrica de farinha, olaria, fábrica de cerâmica, moagem de ostra, fabrica de<br />

gelo para o transporte do pescado, entre outras, totalizando 27 pequenas indústrias que<br />

utilizavam matéria prima da região e transportavam sua produção através da ferrovia.<br />

Até 1937 (ano em que foi inaugurado o prolongamento até Cabo Frio), a<br />

estação terminal da Estrada de Ferro Maricá era em Iguaba Grande, promovendo um<br />

intenso fluxo de mercadorias e pessoas para essa estação e transformando a região no<br />

principal entreposto comercial. Na Lagoa de Araruama, em frente à estação de Iguaba<br />

Grande, havia um cais, para onde se estendiam as linhas da EFM a fim de embarcar<br />

urucum, mamona, mel e sal que vinham da restinga de massambaba através de barcos.<br />

No mesmo local, também chegavam barcos de passageiros vindos de Cabo Frio para<br />

embarcar nos trens. Em 1922 foi construída uma estrada de Cabo Frio para Iguaba<br />

Grande, facilitando o acesso de passageiros à ferrovia. 10<br />

Ricardo Luis de Souza também é morador de Iguaba, e ressalta a importância<br />

da ferrovia no transporte da produção dos pequenos agricultores. Segundo ele, antes os<br />

animais eram tocados por tropas de mula até a capital, mas com a inauguração da<br />

ferrovia, era possível levava-os através do trem para vender em Niterói. No entanto, a<br />

suspensão do tráfego em 1962, levou muitos agricultores a abandonar a lavoura e migrar<br />

para as cidades. Segundo Rômulo, Iguaba Grande era um pólo agrícola e pecuário e<br />

toda a produção era transportada através da ferrovia. Com a desativação, houve um<br />

esvaziamento do campo devido à retirada de pequenos proprietários, que sem condições<br />

de transportar sua produção, venderam suas terras para grandes proprietários, que<br />

possuíam mais capital para pagar os altos preços do frete rodoviário. Muitas terras<br />

também foram griladas e alguns pequenos agricultores foram assassinados.<br />

10 SILVA, 2008. p. 116.


Com o prolongamento da Estrada de Ferro Maricá até Cabo Frio, em 1937, o<br />

município de São Pedro da Aldeia ganhou uma estação, junto ao centro da cidade. A<br />

estação de São Pedro da Aldeia beneficiou os moradores da cidade e o comércio.<br />

Segundo Joenir Alves de Souza, morador de São Pedro da Aldeia, a principal<br />

mercadoria embarcada era o pescado. Diversos tipos de peixes e camarão precisavam<br />

ser transportados, para tanto se instalou próximo à estação, uma fábrica de gelo para<br />

conservar o pescado fresco durante a viagem até Niterói. Outra mercadoria que era<br />

embarcada em grande quantidade na estação de São Pedro da Aldeia era o sal. Assim<br />

como em Ponte dos Leite e Iguaba Grande a proximidade da estação com a lagoa de<br />

Araruama, favoreceu o transporte de sal.<br />

Jair Rodrigues de Souza é filho de um ex-funcionário da ferrovia. Para ele o<br />

trem era “o transporte do povo” e transportava também diversos produtos cultivados nas<br />

pequenas lavouras existentes na região, como banana, mandioca, galinhas, pato, entre<br />

outros. Sem o trem, muitos agricultores abandonaram a lavoura, pois o transporte se<br />

tornou extremamente difícil.<br />

Segundo Almerindo, a ferrovia também exercia um papel importante como<br />

difusor de informações, já que o correio, jornais e revistas também eram transportados<br />

pelo trem. Havia um trem que saia de Cabo Frio às 7:00 horas e chegava em Neves às<br />

18:00 horas, um outro trem também circulava à noite e era chamado de “Mata Sapo”,<br />

devido à grande quantidade de sapos que eram atropelados na linha. A automotriz era<br />

uma opção mais rápida e confortável, mas foi a pavimentação da rodovia que<br />

proporcionou maior rapidez e dinâmica ao transporte de passageiros, por outro lado, as<br />

passagens de ônibus eram muito mais caras do que as do trem, tornando o ônibus um<br />

transporte seletivo.<br />

Remanescentes da Ferrovia<br />

Após a desativação da ferrovia em 1964, teve inicio um processo de<br />

degradação do patrimônio. Segundo o relato de antigos moradores, alguns pedaços de<br />

trilhos foram furtados para serem vendidos como ferro velho, criando problemas para os<br />

policiais da época que tentaram combater tal prática. No entanto, em 1971, a RFF<br />

executou a retirada completa dos trilhos, restando apenas as estações e a oficina de Sete<br />

Pontes em São Gonçalo. Sobre o material rodante, locomotivas e vagões de passageiros<br />

e cargas, não foram encontrados registros sobre seu destino, mas provavelmente<br />

continuaram integrando a frota da RFF, que foi extinta em 2007.


Alguns trechos do leito da ferrovia foram invadidos por moradias, outros<br />

passaram a ser usados como ruas e existem ainda os que foram incorporados a fazendas<br />

e loteamentos. Algumas estações já foram demolidas, outras são utilizadas como<br />

residência e há ainda as que são usadas pelas prefeituras. As casas de turma e casas de<br />

agente que restaram se encontram ocupadas por antigos funcionários ou filhos de<br />

funcionários que residiam nas mesmas no momento da desativação. A RFF vem<br />

tentando regularizar a situação dos imóveis ocupados e em 2009 lançou um programa 11<br />

de destinação do patrimônio aos municípios e entidades privadas sem fins lucrativos<br />

interessados em desenvolver atividades sociais ou de preservação do meio-ambiente.<br />

Portanto, veremos a seguir, o que restou da Estrada de Ferro Maricá. Ao longo<br />

do leito da antiga ferrovia, percorrido durante os trabalhos de campo, foi possível<br />

constatar a existência de diversos elementos remanescentes da mesma. São estações,<br />

casas de funcionários, caixas d’água, pontes, pedaços de trilhos e principalmente as<br />

lembranças que se perpetuam em nomes de ruas, praças e bairros da Região dos Lagos,<br />

habitando também o imaginário dos novos moradores, que não viram o trem, mas<br />

conhecem as histórias contadas pelos mais velhos.<br />

Em São Gonçalo, ponto de partida da ferrovia, a Estação Terminal de Neves<br />

foi transformada em presídio, inicialmente para abrigar presos políticos durante o<br />

regime militar, logo após a desativação da ferrovia. As fotos a seguir mostram a estação<br />

de Neves em dois momentos, o primeiro em 1965, com as obras de construção do<br />

presídio e em 2009, a fachada da estação que além do presídio abriga a 76ª delegacia<br />

policial.<br />

Figura 3: Estação de Neves na década de 1940 e atualmente utilizada como delegacia<br />

Fonte: Rodrigues, 2004.<br />

Ainda em São Gonçalo, as estações de Santa Izabel e Rio do Ouro, renomeadas<br />

respectivamente como Ipiíba e Virajaba ainda durante o funcionamento da ferrovia,<br />

11 Disponível em:<br />


podem ser vistas apesar de estarem em péssimo estado de conservação. As duas<br />

construções ainda mantém suas feições originais e são ocupadas atualmente por famílias<br />

de ex-funcionários da RFF. Próximo a essas estações também existem as caixas d’água,<br />

que abasteciam as locomotivas da Estrada de Ferro Maricá.<br />

No município de Maricá, foi possível encontrar um túnel na Serra do Calaboca<br />

e ruínas da estação do Calaboca. No bairro de São José ainda existe uma ponte e ruas<br />

com o nome da estrada de ferro. No bairro de Itapeba há uma casa de turma, onde ainda<br />

é possível ver as siglas “E.F.C.B.” (Estrada de Ferro Central do Brasil) e “V.P.” (via<br />

permanente), “6ª turma”. Ainda é possível encontrar também a estação de Manoel<br />

Ribeiro e logo em frente uma capela e um coreto da época da ferrovia, além de algumas<br />

moradias. No entanto, já não se constata mais o movimento de pessoas e mercadorias<br />

em função da ferrovia, apenas a calmaria de alguns poucos moradores que ainda<br />

residem no local e alguns bilhetes encontrados no interior da estação, por uma<br />

moradora.<br />

Figura 4: Túnel e estação na serra do Cala Boca em Maricá<br />

Fonte: Acervo pessoal.<br />

Em Saquarema a antiga usina de açúcar no bairro de Sampaio Correia ainda<br />

existe, mas encontra-se desativada, assim como a estação, que foi demolida. No entanto,<br />

o núcleo urbano de Sampaio Correia ainda resiste e parece ter parado no tempo,<br />

juntamente com a ferrovia. O bairro lembra nitidamente uma pequena cidade do<br />

interior, com uma igreja, um cemitério, uma agencia bancária, algumas pequenas lojas,<br />

antigas casas e sua população que lamenta profundamente a desativação da usina e da<br />

ferrovia, que juntas, significavam a principal fonte de emprego e renda para os<br />

moradores de Sampaio Correia. Também em Saquarema, uma estrada recebeu o nome<br />

de Estrada da Caixa D’água, exatamente pela existência de uma antiga caixa d’água da<br />

ferrovia, que hoje abriga um bar. E uma pintura no muro de um bar, além de um quadro<br />

na Câmara Municipal demonstram o que restou de lembrança da Estrada de Ferro<br />

Maricá.


No município de Araruama é possível encontrar a antiga estação de Ponte dos<br />

Leite, que foi recentemente reformada pela prefeitura para receber algumas atividades<br />

culturais, além dos armazéns de sal desativados juntamente com a ferrovia. Com o fim<br />

das atividades produtivas em Ponte dos Leite, o comércio também fechou e hoje não<br />

existe nem mesmo uma padaria no bairro, que ainda aguarda o momento em que outras<br />

atividades possam, novamente, dar vida as ruas, hoje sendo ocupadas por novos<br />

loteamentos e condomínios. No bairro fazendinha ainda existe uma casa de turma e uma<br />

caixa d’água.<br />

Figura 5: Estação e armazéns de sal em Ponte dos Leite no município de Araruama<br />

Fonte: Acervo pessoal.<br />

Em Iguaba Grande existe uma casa de agente e uma casa de turma no bairro<br />

chamado Estação, isso porque era nesse bairro que ficava a estação de Iguaba Grande,<br />

que foi demolida para dar lugar a uma praça. Ainda restam também os vestígios de uma<br />

antiga ponte que era usada para desembarcar as mercadorias que eram transportadas<br />

pela ferrovia e uma pintura da estação na casa de cultura do município.<br />

Em São Pedro da Aldeia resistem ainda a estação, reformada recentemente e<br />

que está sendo utilizada para atividades culturais, e a casa de agente, hoje utilizada<br />

como comércio. O leito da ferrovia deu lugar a rodovia que serve de acesso a cidade. Já<br />

no município de Cabo Frio o prédio de dois andares que abrigava a estação está sem uso<br />

e ainda preserva suas características originais, assim como a pequena estação do<br />

Fonseca, no Bairro de mesmo nome.


Figura 6: Estações de São Pedro da Aldeia e Cabo Frio<br />

Fonte: Acervo pessoal.<br />

Entre ruínas e escombros estão as lembranças dos moradores que ainda falam<br />

com entusiasmo do trem que por ali já não passa há bastante tempo, mas sempre com a<br />

esperança de um dia ver novamente toda aquela agitação que ocorria quando tocava o<br />

sino da estação, avisando que o trem estava chegando. Mas será que o retorno do<br />

transporte ferroviário na Região dos Lagos seria possível? Esta será a análise efetuada a<br />

seguir.<br />

Considerações Finais<br />

Após muitos esforços para a realização do empreendimento a Estrada de Ferro<br />

Maricá foi inaugurada, prolongada diversas vezes e passou por várias administrações.<br />

Foram momentos de glória e decadência que se alternaram até sua total desativação.<br />

Inúmeras foram as pessoas que usaram seus trens e viveram em função da ferrovia. A<br />

Estrada de Ferro foi apenas um meio de transporte para alguns, mas para outros<br />

representava uma importante fonte de renda.<br />

Seja direta ou indiretamente a ferrovia fez parte do primeiro surto de<br />

desenvolvimento da Região dos Lagos. Foi durante o seu período de funcionamento que<br />

muitos dos municípios dessa região foram criados, os primeiros núcleos urbanos<br />

tiveram origem, muitas empresas se instalaram, o turismo começou a aparecer e os<br />

primeiros loteamentos aconteceram. 12<br />

A Estrada de Ferro Maricá constituiu-se em fator de desenvolvimento regional,<br />

na medida em que atuou como principal forma de integração da economia regional com<br />

a economia do estado. Novas dinâmicas foram criadas a partir da facilidade do<br />

transporte gerada pela construção da ferrovia. Os setores de indústria e serviços, quase<br />

inexistentes, se desenvolveram e o setor primário cresceu para atender a demanda por<br />

alimentos das cidades de Niterói e Rio de Janeiro, além da própria Região dos Lagos.<br />

12 MARTINS, 1986.


Portanto, fica evidente a importância que a ferrovia exerceu durante o período<br />

em que funcionou e a sua influência sobre a forma de ocupação do espaço nos<br />

municípios envolvidos. Para tanto, basta notar que ainda hoje os principais núcleos<br />

urbanos estão no entorno de onde localizavam-se as estações. 13 Boa parte dos atuais<br />

moradores não entendem por que a cidade se configura desta forma, mas alguns<br />

conhecem a história do lugar onde vivem e essa memória precisa ser preservada. A<br />

criação de museus e espaços culturais é fundamental para que os novos moradores e os<br />

jovens possam entender o espaço em que vivem e perpetuarem a identidade da cidade<br />

em que moram.<br />

Os depoimentos colhidos durante os trabalhos de campo não são apenas de<br />

pessoas contando velhas historias, mas sim historias de vida permeadas de sentimentos<br />

e de saudade de uma época em que apesar das dificuldades de transporte o trem possuía<br />

um papel fundamental, não apenas como meio de transporte, mas também uma função<br />

social. Era através do trem que famílias humildes levavam galinhas, porcos, frutas entre<br />

outros para vender em Niterói gastando apenas alguns trocados que permitiam até o<br />

mais pobre se deslocar. O trem distribuía água potável a quem necessitasse e era fonte<br />

de renda para os que moravam próximo as estações e vendiam doces e frutas para os<br />

passageiros. Os armazéns e o comércio em geral localizavam-se no entorno das estações<br />

em função do fluxo constante de pessoas naquele local.<br />

A ferrovia foi desativada prejudicando muitas pessoas e a dinâmica econômica<br />

da Região dos Lagos mudou. Hoje, os municípios não possuem mais a função de<br />

abastecer a Região Metropolitana com alimentos, mas agora recebem seus moradores<br />

para um final de semana agradável em suas belas praias e lagoas. A Região dos Lagos<br />

está experimentando uma intensa transformação em seu espaço, o que ainda resta das<br />

propriedades rurais está dando lugar a novos loteamentos e as cidades estão crescendo e<br />

se modernizando em ritmo acelerado.<br />

A função mudou, mas a necessidade de transporte ainda permanece a mesma.<br />

Após tantos avanços técnicos nos transportes, as distancias se encurtaram. Agora é<br />

possível realizar viagens que antes duravam o dia inteiro em apenas algumas horas, em<br />

ônibus cada vez mais luxuosos e confortáveis. No entanto, a função social do transporte<br />

se perdeu e hoje muitas pessoas deixam de visitar amigos e parentes por não ter como<br />

pagar os altos valores das passagens, enquanto outras não conseguem emprego por<br />

morar longe e apresentar um alto custo de transporte para o empregador.<br />

13 Consulte mapa em anexo.


É necessário que continue havendo melhorias no setor de transporte, mas que<br />

estas venham acompanhadas de políticas sociais, para incluir também a população de<br />

baixa renda. O trem sempre foi considerado o transporte do povo, mas infelizmente se<br />

tornou quase um objeto em extinção no Brasil, tratado como artigo de museu e que não<br />

atende mais as necessidades da população em geral. Quando existe, é com função<br />

turística, transporte de cargas ou apenas em curtos trajetos de subúrbio.<br />

Seja através da lembrança de antigos moradores, nome de ruas, bairros, praças<br />

ou construções remanescentes da ferrovia, a Estrada de Ferro Maricá continuará<br />

presente no cotidiano dos municípios da Região dos Lagos. Portanto, a relevância desse<br />

trabalho está no fato de expor não só a importância de uma ferrovia em uma<br />

determinada época, mas também de um modelo de transporte que é de extrema<br />

importância para o arranjo espacial e o desenvolvimento regional. Espera-se ter<br />

contribuído para mostrar que dados estatísticos não são suficientes para entender a<br />

dinâmica social e econômica de uma região, mas que toda uma complexa rede de<br />

relações sociais e comerciais informais existem e só são detectadas através de uma<br />

análise em campo, mesmo que passados alguns anos.<br />

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